Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02P3135
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FLORES RIBEIRO
Nº do Documento: SJ200211130031353
Data do Acordão: 11/13/2002
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Tribunal Recurso: 2ª VARA MISTA GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 115/99
Data: 10/11/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Na 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães procedeu-se a julgamento, perante o Tribunal Colectivo, a fim de se realizar o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, devidamente identificado nos autos, nos processos comuns colectivos nº 115/1999, da 2ª Vara Mista e nº 845/1997, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães.
Realizada a audiência, veio a ser aplicada ao arguido a pena única de 4 anos e 10 meses de prisão e 150 dias de multa à taxa diária de 2 €, declarando-se perdoado ao arguido 1 ano de prisão na referida pena, de acordo com o disposto no art. 1º, nº 1, da Lei nº 29/99, de 12 de Maio, sob a condição resolutiva a que alude o art. 4º da mesma lei.
O arguido não se conformou com o assim decidido e por isso interpôs o presente recurso.
Da motivação apresentada, extraiu as seguintes conclusões:

"1. Por sentença proferida pelo Tribunal a quo o recorrente foi condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão e 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 2,00 (dois euros) sendo que, nos termos do disposto no art. 1º, nº 1, da Lei nº 29/99, de 12/05, que foi perdoado 1 (um) ano da referida pena única de prisão.

2. Na douta sentença recorrida foi dado como provado, entre outros factos, que o arguido se mostrou arrependido e manifestou vontade de inverter o seu percurso de vida e nesse sentido efectuou tratamento da sua dependência opiáceo no C.A.T. de Guimarães (Doc. 1 que se junta) encontrando-se actualmente abstinente do consumo de produtos estupefacientes. O arguido, antes de detido, vivia com a mãe e estava inscrito para frequentar um curso de formação profissional, tem o apoio da família e amigos e quando cometeu os crimes de que vem acusado, era delinquente primário.

3. "As finalidades da aplicação de uma pena violam primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade", in Jorge de Figueiredo Dias "As Consequências Jurídicas do Crime", pg. 227.

4. A determinação da medida da pena é feita tendo em conta dois limites: a culpa do agente e a exigência de prevenção (art. 71º, nº 1 do CP).
A culpa determina o máximo de pena aplicável e em caso aquém pode ser ultrapassado. Por seu lado, a exigência de prevenção geral positiva ou de integração, traduz-se na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida. A prevenção especial assenta em duas funções, por um lado uma função de socialização do agente e por outro lado, uma função de intimidação individual.

5. No que respeita aos factores de medida da pena, jamais poderemos esquecer os relativos à personalidade do agente. No douto acórdão, os factos considerados pelo Mmº Juiz "a quo" como provados, designadamente o arrependimento e a vontade do arguido inverter o seu percurso de vida, são fulcrais na integração e socialização do arguido na sociedade.

6. Face a todo o exposto, o douto acórdão proferido pelo tribunal " a quo", no que respeita à medida da pena concretamente aplicada ao recorrente, considera-se excessiva e desproporcionada, atendendo às necessidades de prevenção geral e especial, sem esquecer os factos considerados provados relativos à personalidade do agente, tendo, desta forma, violado os art.s 71º, 72º e 77º do C.P.".
Respondendo à motivação, o Ministério Público defende doutamente a improcedência do recurso.
Neste Supremo Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos e foi proferido o despacho preliminar.

Colhidos os vistos e realizada a audiência oral, cumpre decidir.
Resulta dos autos que o arguido foi condenado, no processo comum colectivo nº 115/1999, por sentença proferida a 11.10.2000 e já transitada em julgado, relativamente a factos ocorridos em Julho de 1996, nas seguintes penas e crimes:
- 80 dias de multa à taxa diária de 1.000$00, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. a) e nº 3, do C.P.;
- 70 dias de multa à taxa diária de 1.000$00, pela prática de idêntico crime;
- 100 dias de multa à taxa diária de 1.000$00, ainda pela prática de idêntico crime;
- 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.s 203º e 204º nº 2 al. e), do C.P..
Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão e 150 dias de multa à taxa diária de 1.000$00, ou subsidiariamente ao não pagamento da pena de multa, na pena de 100 dias de prisão a cumularem com a pena de prisão, tendo-lhe sido perdoado 1 ano de prisão, nos termos do art.s 1º, nº 1, 2º, nº 3 e 4, da Lei nº 29/99, de 12 de Maio.

E foi condenado no processo comum colectivo nº 845/1997, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, por acórdão proferido em 20.3.2000, transitado em julgado em 20.3.2000, relativamente a factos ocorridos em 1996 e 1997 nas seguintes penas:
-10 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 204º, nº 1 al. f) do C.Penal;
- 1 ano de prisão, pela prática de idêntico crime;
- 3 meses de prisão, pela prática de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, do C. Penal;
- 6 meses de prisão, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1 e 3 do C.P.;
- 10 meses de prisão, pela prática de um furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, nº 1 al. f), do C.P.;
- 7 meses de prisão, pela prática de idêntico crime de furto qualificado;
- 6 meses de prisão, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1 e 3, do C.P.;
- 6 meses de prisão, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 254º, nºs 1 e 3, do C.P.;
- 7 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 204º nº 1 al. f), do C.P..

Em cúmulo jurídico destas penas, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão, que foi declarada suspensa na sua execução, com regime de prova pelo período de 4 anos.
Como se sabe, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que os recorrentes extraem da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Termos, assim, que a única questão que é posta a este Supremo Tribunal é a da medida da pena única aplicada ao ora recorrente, que entende ser excessiva.
A situação enquadra-se na primeira parte, do nº 1 do art. 77º, do C.Penal.
De acordo com o nº 2 deste art. 77º, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Temos, assim, como limite mínimo a pena de 2 anos e 6 meses de prisão e como limite máximo 8 anos e 1 mês de prisão; quanto à pena de multa oscila entre os 100 dias e os 250 dias.

De acordo com a 2ª parte do nº 1 do art. 77º; "Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente".
A este respeito, escreveu-se no acórdão em crise: "E na determinação da medida concreta interessa ponderar os seguintes factores: a gravidade dos factos, tendo em conta o número de vezes que o arguido adoptou condutas criminosas e a natureza e a gravidade dos crimes em concurso; e a personalidade do arguido, revelada pela confissão dos factos, pelo arrependimento demonstrado, pelo tratamento a que se submeteu ao seu problema de toxicodependência que esteve na origem das suas condutas criminosas e pela vontade manifestada de inverter o seu percurso de vida" fls. 360.
Do que fica atrás exposto, podemos concluir que o tribunal recorrido ponderou todas aquelas circunstâncias que, de acordo com o nº 1, do art. 77º, do C.P., deveria ter presente ao fixar a pena única, uma vez que foram essas as que ficaram provadas.

Foram 13 os crimes praticados.
Por isso, parece-nos que a pena única que o tribunal fixou se encontra respeitadora da factualidade apurada e do disposto no art. 77º.
Não se vê que exista qualquer circunstancialmente que permita fazer baixar a medida de tal pena.
Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de Justiça que se fixa em 6 US.
Fixa-se os honorários em 5 UR.

Lisboa, 13 de Novembro de 2002
Flores Ribeiro
Lourenço Martins
Pires Salpico
Leal Henriques