Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2178/10.6TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SILVA GONÇALVES
Descritores: LIBERDADE DE IMPRENSA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DIREITO A RESERVA SOBRE A INTIMIDADE
DIREITOS DE PERSONALIDADE
COLISÃO DE DIREITOS
ADOPÇÃO
ADOÇÃO
JORNAL
DIREITO À HONRA
DIREITO À IMAGEM
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 03/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / DIREITOS DA PERSONALIDADE / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ).
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
Doutrina:
- Capelo de Sousa, citando Cunha Gonçalves (nota 741), O Direito Geral de Personalidade, 301/304.
- Costa Andrade, Liberdade de imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Uma Perspectiva Jurídico-Criminal, 39.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, 136.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 60.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, I, 421, anotação ao artigo 484.º.
- Simas Santos e Leal Henriques, “Código Penal” Anotado, 2.º Vol., 1996.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, 335.º, 483.º, N.º 1, 484.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.ºS 4 E 5, 674.º, N.º 3, 682.º, N.º 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 20.º, 25.º, 26.º, 37.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 6.º.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (DUDH): - ARTIGOS 12.º, 19.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 28/01/2003, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 01/07/2008, PROCESSO N.º 191/08, 1.ª SECÇÃO;
-DE 01/03/2011, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 31/01/2017, EM WWW.DGSI.PT .

-*-

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 157/2001, IN D.R., SÉRIE I, DE 10/5/2001.
-DE 02/09/1992, DE 25/06/1997 E DE 24/07/1992, TODOS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Sumário :
I. O “EE” não agiu de forma ilícita no concernente à descrição posta na notícia que consta da página 18 e assinada por DD, publicada na sua edição de 18.05.2010, encimada pelo título “Mãe quer as filhas dadas para adopção” e acompanhada da fotografia da autora na qual está anotada a expressão: “AA quer recuperar a custódia das duas filhas, que foram entregues a uma portuguesa”.

II. Na verdade, da avaliação do conteúdo que daquela detalhada divulgação noticiosa transparece, na sua abordagem objetiva e racional, dela não poderemos aprontar que o “EE” pôs em risco ou atentou contra a intimidade da demandante/recorrente.

III. A postura do “EE”, consubstanciada na revelação pública dum evento socialmente relevante e cujo interesse jornalístico se circunscreve no enredo - agora muito em voga e em permanente discussão na praça pública - sobre a social temática da adoção, não raras vezes enredada em meandros de insidiosos contornos, integra-se no direito de liberdade de expressão e de opinião, um direito exigido aos hodiernos Estados de Direito e que a publicação ré exerceu sem desmerecer a intimidade da autora.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA intentou contra “BB, SA”, CC e DD a presente acção declarativa com processo comum e forma ordinária que, sob o n.º 2178/10.6TVLSB, correu termos pela 3.ª Secção da 4.ª Vara Cível de Lisboa, pedindo que, argumentando que a publicação no “EE” de especificada notícia, que pormenorizadamente descreve, a ofendeu na sua honra e consideração e dignidade como mãe, mulher e cidadã e por causa da qual sofreu angústia, depressão e tristeza, seja indemnizada pelos réus no montante de € 45.000,00 a título de danos não patrimoniais.

A sentença proferida na 1.ª instância (cfr. fls. 327 a 380) decidiu assim:

a) Julgo a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condeno os Réus a pagar, solidariamente, à Autora a quantia de sete mil e quinhentos euros a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal de 4% desde a data da sentença até integral pagamento;

b) No mais, julgo a ação improcedente por não provada, absolvendo os Réus do pedido;

c) Ordeno que os autos vão com vista ao Ministério Público (cf. factos 1 a 4 e 7) ” (sic).

Inconformados com esta sentença, tanto a autora como os réus dela recorreram para a Relação de Lisboa, pedindo a primeira (texto que corresponde à conclusão 6.ª das suas alegações na apelação) que seja revogada a decisão recorrida, julgando-se a ação procedente, por provada, condenando-se os réus solidariamente a um pagamento a título de danos não patrimoniais em favor da apelante no montante de € 45.000,00 ou outro mais próximo disto e sempre superior aos € 7.500,00 fixados pela sentença recorrida” (sic) e os segundos que:

a) Devem ser aditados à matéria de facto provada os factos que constam do artigo 29.º da contestação, ou seja, que o Réu CC não teve conhecimento prévio da notícia referida em 1) dos factos provados;

b) Deve ser alterada a resposta dada no ponto 8 da fundamentação de facto da sentença recorrida passando do mesmo a constar o seguinte:

No dia 19 de Agosto de 2005 a mãe das menores assinou uma declaração na qual afirmava que estava grávida de oito meses, que não sabia quem era o pai da criança, “posto que tinha uma vida sexual agitada”, que não possuía condições económicas nem psicológicas para criar a filha, pelo que desejava “fazer a sua doação para alguém que possa cuidá-la e amá-la”. Referiu ainda que era ..., que contava com a ajuda dos pais, que eram pobres e também não tinham condições financeiras para criar a sua filha. Declarou também que “após muito procurar”, encontrou na pessoa de FF “a pessoa ideal para adoptar o bebé”;

c) Deve ser alterada a resposta de não provado dada aos factos constantes do quesito 10.º da base instrutória, passando a constar como provado que:

O Réu DD retirou a informação que inseriu na peça referida em 1), além do mais, do processo n.º 726/07.8TBALR-A do Tribunal Judicial de …”;

d) Deve ser alterada da resposta dada aos factos constantes dos pontos 10 e 11 da fundamentação de facto da sentença recorrida, devendo os mesmos ser considerados como não provados uma vez que sobre eles não foi feita prova cabal, e

e) Em tudo o mais deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que absolva os Réus do pedido, uma vez que não estão reunidos os pressupostos de que depende a respectiva responsabilidade nos termos do artigo 29.º da Lei da Imprensa e do artigo 483.º do CC. (sic).


A Relação de Lisboa, por acórdão de 14/07/2016 (cfr. fls. 460 a 517), julgando totalmente improcedente a apelação da autora e, no essencial, procedente a apelação dos réus, consequentemente:

a) Alterou, nos termos referidos no ponto 4.1.8, que aqui se dá por reproduzido, a parte da sentença recorrida através da qual foram enunciados os factos que nesta acção podem ser declarados provados e não provados; e

b) Revogando integralmente a sentença recorrida, decretou em sua substituição que vão os três réus absolvidos de todo o pedido que contra eles foi formulado na presente acção pela autora.

Desagradada, recorre agora para este Supremo Tribunal a autora AA, que alegou e concluiu pelo modo seguinte:

1. Com o devido respeito, que é muito, o mui douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não fez uma correta aplicação do direito.

2. O mui douto acórdão recorrido ao apreciar livremente a prova, não acautelou-se segundo uma prudente convicção acerca de cada facto, pelo que, agindo assim, a douta decisão padece de uma falta gravíssima, a errada aplicação da lei do processo.

3. A livre apreciação da prova não significa que o Tribunal possa utilizar essa liberdade à sua vontade, de modo discricionário. Assim como não se confunde com apreciação arbitrária ou com a mera impressão gerada no espírito julgador.

4. Pelo que, o mui douto acórdão recorrido, fez uma errada aplicação do número 5 do artigo 607.º do CPC, porquanto não observou os pressupostos valorativos de obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.

5. Efectivamente com a publicação da notícia no jornal "EE ", os recorridos violaram, de forma grave, os direitos fundamentais da recorrente, direitos estes consagrados constitucionalmente.

6. De facto, a informação veiculada através do jornal "EE", por omissiva da real e cabal situação conducente à vida privada da recorrente e das suas filhas menores, transmitiu uma visão distorcida dos factos.

7. Com a notícia em causa, os recorridos provocaram juízos altamente atentatórios da integridade, coerência e retidão de caráter da recorrente, isto é, do seu bom-nome e reputação.

8. Tal notícia apenas VISOU a satisfação da mera curiosidade, tratando-se de uma mera notícia sensacionalista, desprovida de caráter informativo, que aborda a vida privada da recorrente assim como das suas filhas menores violando os seus direitos fundamentais.

9. O mui douto acórdão recorrido padece de uma falta grave, qual seja, inconstitucionalidade, por violação das normas plasmadas nos artigos 25.° e 26.º da Constituição da República Portuguesa.

10. Pelo que, o mui douto acórdão recorrido, ao julgar improcedente o pedido da Recorrente em sede de apelação, não reconhecendo o seu direito, violou os artigos 25.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que julgue admissível o pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente.

11. Pelo que, o acórdão recorrido, ao considerar o depoimento da testemunha GG, pouco credível, por um mero juízo subjectivo de sua análise, sem qualquer outra prova concreta pela qual indicasse falsas declarações, acabou por causar uma interpretação materialmente inconstitucional do n.º 5, do artigo 607.°, do CPC, no sentido de que: «...em sede de decisão da matéria de facto, em processo cível, pode o Tribunal da Relação alterar a matéria de facto, desprezando a prova testemunhal produzida e julgada em Primeira Instância, taxando-a de "pouco credível", ou seja, em sede de análise exclusiva de cunho subjectivo, desacompanhada de qualquer outro elemento de prova que coloque em crise a veracidade das declarações produzidas…» por violação dos artigo 20.º n.º 4 da Constituição da República e 6.°, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na vertente processo não equitativo.

12. Inconstitucionalidade material esta que requer seja reconhecida e declarada, com os seus efeitos legais.

13. Por outro lado, tendo sido publicada a notícia sobre a recorrente e suas filhas menores, nos moldes em que o foram, parece óbvio, estarmos perante uma flagrante ofensa à honra, ao bom-nome e a reputação da ora Recorrente.

14. A tutela civil desses direitos, consagrados nos citados artigos 70.°, n.º 1 e 484.° ambos do Código Civil, impõem um dever geral de respeito e de abstenção de ofensas à honra de cada pessoa.

15. Assim, impõe-se, reconhecer que os recorridos agiram de modo censurável do ponto de vista ético-jurídico.

16. A forma como os Recorridos puderam em causa os direitos à imagem, à honra, bom-nome e reputação da Recorrente, constitui um enorme desacato à dignidade desta.

17. Pelo que, o mui douto acórdão recorrido, ao julgar improcedente o pedido da Recorrente em sede de Apelação, não reconhecendo o seu direito, violou os artigos 70.º n.º 1, 483.° e 484.º, todos do Código Civil, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que julgue admissível o pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente.

Termina pedindo que seja revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que julgue procedente a ação e se condenem os recorridos, solidariamente, ao pagamento de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela recorrente, bem como com o reconhecimento e declaração da inconstitucionalidade suscitada.


Contra-alegaram os recorridos pedindo a manutenção do julgado.


Corridos os vistos legais cumpre decidir.


A 1.ª instância considerou provados os factos seguintes:

1. Foi publicada na edição de 18-05-2010 no jornal “ EE “, na página 18, peça assinada por DD, com o seguinte teor:

“…. IRMÃS DE QUATRO E DEZ ANOS NO CENTRO DE BATALHA JUDICIAL

Mãe quer as filhas dadas para adopção

Uma das meninas foi entregue ainda bebé e outra quando tinha apenas cinco anos.

DD

Uma mulher brasileira apresentou uma queixa-crime por sequestro contra uma portuguesa, residente em …, a quem entregou, para adopção, duas meninas, hoje com quatro e dez anos. Foi a mãe biológica, AA, quem decidiu entregar as menores aos cuidados de FF mas, em Setembro de 2007, mudou de opinião.

A brasileira desistiu agora do regime de visitas fixado pelo Tribunal Judicial de …, no âmbito de uma acção de inibição do poder paternal interposto por FF. Em Fevereiro, o juiz titular do processo decidiu que as meninas ficariam à guarda da portuguesa, tendo AA direito a uma visita de três horas, aos sábados. Na última sessão, a 12 de Maio, a mãe biológica alegou não ter condições económicas para se deslocar todas as semanas de C…, onde reside, a ….

Em Agosto de 2005, FF estava de férias no Brasil. Foi na … que conheceu AA, grávida de oito meses e disposta a entregar a bebé, fruto de uma gravidez indesejada e filha de pai desconhecido. Por não poder engravidar, a … de … ofereceu-se para a adoptar e começou a tratar do processo. A bebé nasceu no …, a 21 de Agosto de 2005, e chegou a Portugal menos de um mês depois, a 7 de Setembro.

A portuguesa dispôs-se, também, a ajudar AA, tendo-lhe encontrado emprego e pago um curso de ... para que pudesse estar em Portugal. Por ser oriunda de uma família pobre, a mulher propôs a FF que adoptasse também a sua filha mais velha, na altura com cinco anos.

Entretanto, a mãe biológica teve de regressar ao …, em Maio de 2006, quando expirou o visto de permanência em Portugal, embora já tenha voltado. Foi então que apresentou uma queixa-crime por sequestro no Ministério Público da …, alegando sentir-se enganada pela portuguesa, que recusa devolver as crianças.

Progenitora desistiu do regime de visitas às menores.

PORMENORES

POR CONCLUIR

O processo administrativo com vista à adopção das duas irmãs, que decorre na Segurança Social, ainda não está concluído.

DECISÕES

As decisões judiciais - inclusive da Relação - têm sido favoráveis a FF.” (A);

2. Acompanhava a peça acima referida a reprodução de uma fotografia a preto e branco da autora, com a seguinte legenda:

“AA quer recuperar a custódia das duas filhas, que foram entregues a uma portuguesa “ (B);

3. Na data referida na alínea 1, a Ré BB, S.A. era proprietária do jornal “EE” ©;

4. Na data referida na alínea 1, o Réu CC era o director dessa publicação jornalística (D);

5. Em 29-09-2010 foi lavrado pelo Tribunal da Relação de Évora acórdão com o seguinte teor:

“Apelação n.º 726/07.8TBALR.E2

ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA AA, cidadã brasileira, veio requerer a entrega judicial das suas duas filhas HH e II, no âmbito de providência tutelar cível de entrega judicial de menor, que instaurou, em Julho de 2007, contra FF e na qual alegou factos tendentes a concluir pelo peticionado.

Por sua vez, FF intentou contra AA, em Setembro de 2007, acção de limitação do poder paternal, na qual articula factos tendentes a peticionar a confiança das menores à sua guarda e cuidados, estabelecendo-se um adequado regime de visitas à mãe das menores, o qual deverá ser acompanhado por entidades afectas aos serviços de segurança social.

Por despacho de 29/06/2010 foi ordenada a junção de ambas as acções num único processo, sendo que por “razões de facilidade na consulta dos autos” permaneceram autónomas no que respeita à matéria até então tramitada, passando a partir daí a ter tramitação única.

No âmbito desta ultima tramitação veio a ser proferida sentença cujo dispositivo reza:

“Por todo o exposto, decide-se:

a) Indeferir o pedido de entrega judicial das menores HH e II requerido por AA, nos termos do art. 191.º da OTM;

b) Inibir, de modo total, AA do exercício do poder paternal referente às menores suas filhas HH e II, nos termos do exposto no art. 1915.º do CC e art. 194.º da OTM;

c) Confiar as menores HH e II aos cuidados de FF, a qual exercerá o pode paternal até a uma eventual instauração de tutela, nos termos conjugados do art. 1915.º e 1918.º do CC.”


*

Desta decisão foi interposto, pela requerente, AA, o presente recurso de apelação com vista à revogação da decisão, terminando por formular as seguintes conclusões, cujo teor se passa a transcrever:

1ª - A sentença recorrida, indeferiu o pedido de entrega judicial das filhas menores da apelante, inibiu-lhe o poder paternal sob as mesmas e, igualmente, confiou-as aos cuidados da Apelada, FF.

2ª - Porém, ao decidir os pontos da matéria de facto dado como provados e fundamentar a sua decisão, a sentença recorrida, salvo o devido respeito, acabou “por emprestar prova”, do proc. apenso nº 493/07.5TMSTB, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de Família e menores de ….

3ª - Partindo do pressuposto que aquele processo possuísse matéria de facto dada como provada e em sede res judicata.

4ª - Ocorre que, o referido processo para o qual a sentença recorrida contrariamente a tal manobra de fundamentação, “fez um reenvio probatório”, além de se referir à Convenção de Haia de 1980 e, como tal, possuir outro objecto, VERIFICA-SE QUE ESTE MESMO VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA REVOGOU a douta sentença proferida pelo Tribunal de Família e Menores de …,

5ª - Ou seja, TODA A MATÉRIA DE FACTO E EVENTUAIS PROVAS PRODUZIDAS, naqueles autos, caíram por terra, não produzindo qualquer efeito a nível de decisão judicial.

6ª - Além disso, a apelante, por ocasião de sua contestação apresentada no âmbito da acção de inibição do poder paternal contra si instaurada pela Apelada, nomeadamente, através de seus pontos 56º a 59º, IMPUGNOU, veementemente a afirmação da apelada de que a menor HH teria sido vítima de abuso sexual por parte de um seu tio materno.

7ª - E, REQUEREU, ao abrigo do disposto pelo artigo 195º, nº 2, da OTM, a produção de provas, nomeadamente que fosse deferida a realização de perícia corporal da menor HH, por parte do Instituto Nacional de Medicina Legal, em …, a fim de demonstrar que a mesma nunca foi vítima de abuso sexual.

8ª - Bem como que, igualmente, fosse deferida e realizada perícia psicológica, pelo mesmo Instituto, sem a presença da Apelada (facto que ocorreu na anterior - vide processo de …) a fim de constatar ou despistar a eventual ocorrência de Síndroma da Alienação Parental (PAS).

9ª - Tendo, ainda, a apelante arrolado 12 testemunhas, 8 das quais a serem ouvidas por Carta Rogatória dirigida às Justiças do Brasil.

10º - Em consonância com o seu ónus da prova, pela impugnação da validade e credibilidade da perícia realizada anteriormente, em outro processo, cuja sentença, repita-se, FOI REVOGADA, uma vez que a mesma não seguiu qualquer método de psiquiatria forense, bem como as únicas entrevistas realizadas às menores HH foram feitas na presença da Apelada FF.

11º - Não obstante a importância do requerimento realizado, a douta sentença recorrida não fez qualquer alusão ao mesmo, ou seja, tratou-o como inexistente nos autos, não tecendo qualquer juízo critico sobre a importância da perícia corporal, justamente, para FAZER PROVA cabal de que a menor HH nunca foi vítima de abuso sexual.

12º - Portanto a sentença recorrida deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar o que, nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 668º, nº 1, al. d) do CPC, reveste-se de manifesta nulidade.

13º - E, ainda, nomeadamente, quanto ao relatório médico junto e que foi passado pelo profissional de medicina que sempre assistiu a menor HH no Brasil e pelo qual dá conta de que mesma sempre foi bem tratada, jamais apresentado ou aparentando qualquer sinal de violência ou maus tratos compatíveis com o relatado pela “perícia” realizada em …, salvo o devido respeito.

14º - Pelo que, a ausência de pronúncia sobre os requerimentos e documento ora destacados, por parte do Tribunal ad quo, fere e viola o efectivo contraditório, bem como o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na vertente processo não equitativo.

15º - Tendo a sentença ora recorrida realizado uma interpretação e aplicação materialmente inconstitucional do artigo 197°, nº 1, da OTM, ou seja, quando interpretado no sentido de que «… o juiz, no âmbito de um processo de inibição do poder paternal, no qual a autora sustenta que uma menor foi vítima de abuso sexual por parente directo da mãe biológica, não se pronuncia e pode considerar não necessária a perícia médico-legal, a fim de verificar a veracidade tal imputação…», por violação dos artigos 32º, nº 1, 36°, nºs 5 e 6 e 68°, nº 1, todos, da Constituição da República Portuguesa, 13° n° 2, da Declaração universal dos Direitos do Homem e 6°, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na vertente processo equitativo e efectivo contraditório.

16º - Inconstitucionalidade material que a apelante requerer seja reconhecida e declarada com os efeitos de lei.

17º - Nestes termos, deverá ser provido o presente recurso para que, reconhecida e declarada a nulidade em causa, seja proferida outra que aprecie o defira os requerimentos de prova realizados.

18º - Nos termos legais, foram de forma equivocada, dados como provados, os pontos 12°, 28°, 29°, 32°, 33°, 34º, 37º 38°, 42°, 43°, 44°, 45°, 46° e 48°, todos da matéria de facto.

19º - Uma vez que o Tribunal a quo não presidiu a produção ou realização de qualquer prova e, nomeadamente, os pontos da matéria de facto que foram dados como provados, literalmente “colectados” do relatório de pretensas “perícias pedosiquiátricas” que por sua vez foram realizadas pelos serviços do Hospital de … e o que é pior, na presença da requerida que acompanhava as menores durante todo o tempo da entrevista realizada.

20º - Ou seja, durante a realização daquelas entrevistas, repita-se, no âmbito de outros autos, cuja sentença foi REVOGADA, a apelada que se recusava entregar, voluntariamente as menores, esteve “à vontade”, DURANTE as entrevistas das mesmas e o que é pior, sem DESCONSIDERAR A MANIFESTA IMATURIDADE da menor II, nos termos de sua tenra idade, facto público e notório.

21º - Caindo por terra, os pontos 28°, 29°, 32°, 33°, 34°, 37°, 38°, 42°,43°, 44°, 45°, 46° e 48, os quais deverão ser eliminados do rol dos factos dados como provados.

22º - Por sua vez, o ponto “12°” encontram-se incompleto, no confronto da PROVA DOCUMENTAL constante dos autos, senão vejamos.

23º - Com efeito o ponto “12”°, o qual refere que a ora apelante antes de partir para o Brasil (a fim de obter visto de trabalho), “assinou uma declaração na qual mencionava que deixava as suas duas filhas à guarda e cuidados de FF, o que efectivamente aconteceu”, encontra-se incompleto.

24º - Isto porque o texto da referida declaração, a qual consta dos autos, refere em sua parte final: “… Devendo a supra mencionada Dª FF cuidar delas o melhor que puder e souber, na minha ausência” (grifo nosso).

25º - Devendo ser provido o presente recurso para que no ponto “12°” passe a constar, no final do mesmo, a expressão “…enquanto estiver ausente de Portugal”.

26º - A apelante aquando da contestação apresentada no âmbito da acção de inibição do poder paternal (vide ponto “59°” e doc. nº 10), juntou aos autos um Relatório Médico sobre a menor HH, elaborado pelo médico que a seguia, no Brasil, o Sr. Dr. JJ.

27º - O referido profissional de saúde, através de relatório elaborado a 01/10/2008, as seguintes circunstâncias relativas ao estado de saúde da referida menor, enquanto a mesma encontrava-se no Brasil: “Paciente HH, 8 anos acompanhada nesta unidade de saúde regularmente, sempre com sua mãe, a Sra. AA, fazendo exames periódicos, com excelente estado de saúde, bem nutrida, bem cuidada, com desenvolvimento neuromotor e físico normais, sem nenhuma patologia até os 5 anos de idade, última consulta em 25/05/2005”.

28º - Nesta conformidade, deverá ser provido o presente recurso para que passe a constar dos pontos da matéria de facto, dados como provados, as circunstâncias e estado clínico constantes do Relatório Médico acima transcrito.

29º - E, diante da alteração da matéria de facto a ser dada como provada, nestas circunstâncias, deverá a douta sentença ora recorrida ser revogada e, por consequência, ser ordenada a entrega das menores em causa à ora apelante.

30º - Pelo que, deverá ser dado provimento ao presente recurso para que, em carácter subsidiário, seja revogada a douta sentença recorrida, julgando-se procedente a acção de entrega judicial de menores e não procedente a acção de inibição do poder paternal.


*

A recorrida e o MP contra alegaram concluindo pela manutenção do decidido.

Apreciando e decidindo.

Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte quadro factual:

1. As menores de nacionalidade brasileira, HH, nascida em 18 de Janeiro de 2000, titular do passaporte CS 6…, e II, titular do passaporte CS 3…, nascida em 21 de Agosto de 2005, são filhas de AA.

2. Em Agosto de 2005, a mãe das menores conheceu FF, cidadã portuguesa e residente em …, Portugal, na B….

3. No dia 19 de Agosto de 2005 a mãe das menores assinou uma declaração na qual afirmava que estava grávida de oito meses, que não sabia quem era o pai da criança, “posto que tinha uma vida sexual agitada”, que não possuía condições económicas nem psicológicas para criar a filha, pelo que desejava “fazer a sua doação para alguém que possa cuidá-la e amá-la”.

4. Referiu ainda que era estudante, que contava com a ajuda dos pais, que eram pobres e também não tinham condições financeiras para criar a sua filha.

5. Declarou também que “após muito procurar”, encontrou na pessoa de FF “a pessoa ideal para adoptar o bebé”.

6. Em 08 de Setembro de 2005, a mãe viajou com II para Portugal, onde as esperava FF, tendo deixado HH no Brasil.

7. Em Dezembro de 2005 a mãe das menores regressou ao Brasil para buscar a sua filha mais velha, deixando a mais nova aos cuidados de FF.

8. Nesse mesmo mês regressou a Portugal com a filha HH.

9. HH viajou para Portugal com conhecimento e autorização do pai, que assinou uma declaração nesse sentido, datada de 29 de Novembro de 2005.

10. Retornando a Portugal, com a filha mais velha, a mãe das menores trabalhou como … e deixou a filha mais velha aos cuidados de FF.

11. Em 25 de Maio de 2006, quando o seu visto de permanência em Portugal estava prestes a expirar, a mãe das menores regressou ao Brasil.

12. Antes de partir, assinou uma declaração na qual mencionava que deixava as suas duas filhas à guarda e cuidados de FF, o que efectivamente aconteceu.

13. Em Novembro de 2006, a mãe das menores apresentou uma queixa junto do Ministério Público de …, alegando que FF não lhe devolvia as filhas.

14. Em 18 de Janeiro de 2007 iniciou-se um processo de promoção e proteção na CPCJ de … a favor das duas crianças e em 19 de Janeiro de 2007, foi-lhes aplicada a medida de “apoio junto de pessoa idónea”, sendo as mesmas entregues à guarda de FF.

15. No dia 19 de Junho de 2007 foi firmado novo acordo na CPCJ de … mediante o qual foi novamente aplicada a medida acima referida a favor das duas menores.

16. No ano lectivo de 2006/2007, HH ingressou no 1° ano de escolaridade na EB1/Ji de …, onde se integrou com facilidade, tendo mantido um bom relacionamento com as outras crianças e com os adultos apresentando um processo de aprendizagem adequado, participando com interesse e empenho nas actividades escolares.

17. No dia 21 de Janeiro de 2008, foi efectuada visita à residência da mãe das menores por assistente social da Prefeitura Municipal de …, resultando do respectivo relatório que aquela vive com os pais, um irmão de 21 anos e uma prima de doze anos numa casa de dois pisos com cinco quartos, duas salas, cozinha, duas casas de banho e varanda, que apresenta boas condições de higiene.

18. Os avós maternos das menores são comerciantes, situando-se o seu estabelecimento comercial na própria residência, e são responsáveis pelo sustento da família.

19. O agregado familiar de FF é constituído pela própria, pela sua mãe e por HH e II.

20. O agregado reside numa habitação composta por dois pisos, em bom estado de conservação, propriedade de FF, composto por três quartos (um dos quais destinados às crianças), uma sala, uma cozinha, duas casas de banho, uma dispensa e espaço exterior.

21. Na casa existem brinquedos e objectos diversos adequados às idades das crianças.

22. FF trabalha por conta própria como …, assegurando as despesas do agregado familiar, e dispõe de uma flexibilidade de horários que lhe permite acompanhar as crianças em termos médicos e escolares.

23. A mãe de FF não exerce actividade laboral, ocupando-se das tarefas domésticas e cuidando das crianças na ausência da filha.

24. Os rendimentos do agregado, provenientes do trabalho de FF e da pensão da mãe, rodam os € 2000,00 mensais e as despesas fixas rodam os € 310,00 mensais.

25. As crianças não apresentam problemas de saúde e têm o plano nacional de vigilância infantil e o plano de vacinação em dia.

26. A HH frequentou o 3.° ano de escolaridade, na Escola de Ensino Básico do 1° Ciclo de … e, segundo professora, é bem comportada, mantém uma excelente relação quer com as outras crianças, quer com os adultos, tem um bom aproveitamento escolar e está perfeitamente integrada no meio escolar.

27. A HH apresenta-se sempre bem cuidada e nutria na escola, recebendo um bom acompanhamento familiar.

28. Na escola, HH nunca fala da família biológica e não gosta de falar de temas relacionados com o Brasil.

29. HH trata FF por “mãe” e recusa a possibilidade de regressar ao Brasil.

30. A criança apresenta um bom desenvolvimento estato-ponderal e tem um aspecto limpo e cuidado.

31. Apresenta um discurso organizado, boa capacidade de expressão, vocabulário adequado à sua idade e escolaridade e não tem sotaque brasileiro.

32. HH descreve factos compatíveis com abuso sexual de que foi vítima por parte do seu tio materno.

33. Manifesta um distanciamento emocional face à família de origem, com perda de laços afectivos.

34. Entre HH e FF e a restante família desta existem fortes laços afectivos.

35. A criança sente-se protegida e encontra-se estável do ponto de vista emocional.

36. HH está bem integrada em termos familiares, sociais e escolares.

37. Segundo parecer pericial pedopsiquiátrico “O regresso a um meio familiar do qual parece guardar vivências negativas e em que eventualmente estará sujeita a situações de risco físico e psicológico, leva-nos a prever que correrá o risco de desenvolver psicopatologia”.

38. II não reconhece outra mãe e outra família que não seja a de FF.

39. Apresenta um desenvolvimento estafo-ponderal adequado à sua idade, um aspecto limpo e cuidado e um excelente desenvolvimento psicomotor, quer em termos de motricidade quer na linguagem.

40. Não interiorizou a sua mãe biológica como sua mãe.

41. Apresenta um desenvolvimento psico-afectivo dentro dos seus parâmetros normais para a sua idade, denotando investimento e estimulo no seu quotidiano.

42. II tem um forte vinculo afectivo com FF, figura que inferiorizou como mãe.

43. Está bem integrada no meio familiar, descrevendo os elementos que compõem o agregado familiar, assim como outros elementos da família como pertença sua.

44. Segundo parecer de perita em pedopsiquiatria “a separação da sua “mãe” acarretará sem dúvida alguma forma de psicopatologia, pois tratar-se-á de uma perda afectiva importante”.

45. FF mantém com as menores uma relação maternal, afectuosa e securizante.

46. Entre FF e as duas filhas existe um forte vínculo afectivo, tratando-se reciprocamente por “mãe” e “filhas”.

47. A mãe das menores está, na presente data, a residir em Portugal, a saber, na região de C….

48. De acordo com o relatório elaborado pela CPCJ de …, e aquando das visitas realizadas entre as menores a sua mãe, nos dias 27 de Fevereiro, 06 de Março, e 13 de Março, é notório um desinteresse, uma negação e uma ansiedade forte por parte da criança HH relativamente à sua progenitora, não havendo praticamente interacção entre as duas. Quando existe interacção é para falar do assunto que gera dificuldade na criança e que tem a ver com a sua estadia no Brasil, a progenitora entra em conflito sempre com HH, tendo chamado à criança de mentirosa.

49. Relativamente à menor II, e de acordo com o mesmo relatório, esta não tem dificuldade em lidar com estranhos, é simpática e conversadora, sendo notório esse trato com a sua mãe, tendo-se assistido, porém, a um degradar do relacionamento mútuo aumentando a interacção destas com os supervisores de tais visitas.

50. A mãe das menores não compareceu nas visitas agendadas com FF e a CPCJ de …, para os dias 20 e 27 de Março de 2010, alegando falta de capacidade económica para as deslocações, assim como a interferência de FF nas mesmas.

51. Em 12 de Maio de 2010, procedeu-se à alteração da decisão provisória na qual foi estipulado um regime de visitas em relação à mãe das menores, e de acordo com o qual, as ditas visitas deveriam ocorrer sem a presença de FF.


*

O objecto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 660° n.º 2, 661°, 664°, 684° n.º 3 e 690° todos do Cód. Proc Civil e circunscreve-se no essencial à apreciação das seguintes questões:

 - 1ª) Da Nulidade da sentença;

- 2ª) Do erro de julgamento da matéria de facto;

- 3ª) Da solução a dar ao pleito em face da matéria de facto considerada provada.


*


Conhecendo da 1ª questão.

A recorrente vem arguir a “nulidade da sentença” invocando irregularidade processual no que se refere à produção de prova, que a seu ver teve influência no exame e decisão da causa.

Muito embora a recorrente apelide a situação em questão de nulidade da sentença, entendemos que o epíteto não será o adequado, já que a realidade em apreço não cabe em nenhuma das alíneas do artº 668° n.º 1 do CPC (enumeração taxativa), designadamente na al. d) expressamente referenciada, apresentando-se, antes, como uma eventual nulidade processual coberta por decisão judicial, que não a sentença final, proferida cronologicamente em momento anterior a esta e pela qual se apreciou “da necessidade e conveniência da decisão da causa na presente fase processual, sem necessidade de outras diligências probatórias”.

Se é certo que é pacifico o postulado “das nulidades reclama-se e dos despachos recorre-se”(1) fazendo, por isso, todo o sentido ab initio arguir a nulidade perante o tribunal que a cometeu, a situação dos autos não podia ser alvo de reclamação, uma vez que qualquer omissão ou irregularidade processual, a existir foi sindicada pela decisão, proferida previamente à prolação da sentença final, pelo que tal questão só podia e devia ser colocada em sede recursiva impugnativa dessa decisão, mas não da decisão final, que se apresenta autónoma em relação às decisões anteriores (2), embora proferidas na mesma data. Pois, sempre que qualquer violação de normas processuais esteja directa ou induzidamente coberta ou resulte de decisão judicial, da qual caiba recurso ordinário, é no âmbito deste recurso, e não através de reclamação perante o autor da decisão que deve ser atacada tal violação.(3)

Ou seja, “se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição da lei, a parte prejudicada, não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso”(4)

No caso em apreço a recorrente não interpôs recurso da decisão que apreciou da desnecessidade de realização de outras diligências probatórias, na qual o julgador de forma detalhada, exaustiva e consistente expressou a sua posição, tendo em conta os superiores interesses das menores, pelo que não podemos deixar de concluir que se conformou com ela.

Tal decisão a nosso ver é ajustada e adequada à situação dos autos em que se impõe celeridade de actuação atendendo à necessidade das menores em causa, verem a sua situação definida.

Em tal decisão depois de se fazer uma apreciação exaustiva dos elementos probatórios documentais já existentes nos autos, bem como das normas legais aplicáveis e que concedem ao julgador uma intervenção fora da vinculação da legalidade estrita podendo no âmbito da prova, investigar livremente os factos e coligir as provas sendo que só as que sejam consideradas necessárias deverão ser admitidas, este fez consignar:

“… O Tribunal já se encontra munido com as informações adequadas a sustentar um juízo valorativo sobre as consequências que qualquer decisão que eventualmente venha a ser tomada terá sobre as menores em causa, as quais dificilmente, senão de forma quase impossível, se alterarão com qualquer depoimento testemunhal. E, por fim, a celeridade do presente processo prende-se com a necessidade de as menores terem a sua situação definida, em tempo útil, por forma a que possam coadunar as suas vivências de acordo com a situação jurídica que lhes incida.

Aliás, são menores de tenra idade, as quais, pelo menos desde 2007 que se encontram envolvidas em questões judiciais, as quais têm por objectivo definir quem é que terá a sua guarda e cuidados. E, a celeridade dos presentes autos em nada se coaduna com a inquirição de oito testemunhas arroladas por FF e doze testemunhas arroladas por Rosenilda Alves sendo que destas, oito seriam a inquirir por carta rogatória, uma vez que residem no Brasil.

E isto sem se ter em conta que, no presente processo apenas seriam admitidas oito testemunhas por cada interveniente processual (cfr. art.º 304.º n.º 1 do CPC ex vi art.º 1409.º n.º 1 do mesmo diploma ex vi art.º 150.º da OTM). A sua inquirição demoraria demasiado tempo, com os inerentes prejuízos para a estabilidade das menores, não se afigurando no que é que tais depoimentos poderiam alterar o que consta dos elementos documentais juntos aos autos.

Em suma, e ao abrigo das prerrogativas legais que dispomos, ponderando os elementos de prova juntos aos autos, assim como a sua actualidade, e ainda na escassa importância que a prova testemunhal, na presente situação, possa ter na decisão da causa, aliada ao interesse superior das menores, o qual passa indiscutivelmente pela definição atempada da sua situação jurídica, mais do que tudo, pessoal e familiar, optamos por não produzir quaisquer outras diligências probatórias, proferindo, de imediato, decisão de mérito.”

Resulta de todo este circunstancialismo que é manifesto que a sentença final, que foi alvo de impugnação, não padece da nulidade que lhe é apontada (não pronunciamento sobre questão que devesse apreciar).

Também, não se evidencia qualquer violação dos princípios da equidade e efectivo contraditório, cuja violação é chamada à colação pela recorrente, no âmbito da arguida nulidade da sentença, conforme resulta dos diversos pronunciamentos que as partes foram chamadas a dar e que se encontram expressos em diversas páginas dos sete volumes que compõem os presentes autos.

Por seu turno o facto da menor HH fazer referência a um eventual abuso sexual por parte de um seu tio materno e tal ocorrência ter sido relatada pela ora recorrida no âmbito do seu petitório (acção de inibição e limitação do exercício do poder paternal), não impunha que no âmbito destes autos o julgador se tivesse de pronunciar, em particular, sobre a necessidade ou desnecessidade de realização de perícia medido legal à menor, uma vez que esses factos apesar de terem sido referidos não se apresentaram relevantes ou determinantes para a prolação da decisão impugnada, no sentido em que o foi, não sendo, aliás, citados na subsunção que se efectuou ao direito aplicável.

Caberá, ainda esclarecer que factos dados como provados em qualquer outra decisão, designadamente no processo 493/07.5TMSTB, não foram transpostos dessa decisão e considerados na sentença sob censura.

O que foi aproveitado no âmbito desta decisão foram os elementos probatórios, documentais e periciais, constantes nas acções que a partir de certo momento passaram a ter uma única tramitação, elementos esses que como é evidente não poderiam deixar de ser tomados em conta (mesmo que emergentes de certidões de outros processos), desde que relevantes para a apreciação e decisão das questões submetidas ao pronunciamento do julgador com vista a regular a situação das menores. Não padece a sentença impugnada da arguida nulidade, improcedendo, nesta parte o recurso.

Conhecendo da 2ª questão.

A recorrente vem pôr em causa a matéria factual dada como provada e referenciada nos pontos 12°, 28°, 29°, 32°, 33°, 34°, 37°, 38°, 42°, 43°, 44°, 45°, 46° e 48° salientando que o ponto 12° deve ser completado e os restantes eliminados.

No entender da recorrente devem ser desconsiderados as provas documentais (relatórios e perícias) em que os mesmos assentaram designadamente porque a prova não foi produzida sobre a presidência do Julgador a quo e, algumas das perícias realizadas às menores, foram efectuadas na presença da recorrida FF.


Ao julgador cabe valorar as provas segundo a sua livre convicção.

Resulta da fundamentação à matéria de facto assente que tal valoração foi feita em termos adequados e seguindo os critérios legalmente previstos.

Ao contrário do que acontece com a prova testemunhal, em outro tipo de prova, não assume relevância a presença do julgador, mas sim o conteúdo das menções feitas nos escritos por pessoas credenciadas e idóneas para o efeito.

A recorrente põe os elementos probatórios em causa, mas não invoca falta de isenção ou imparcialidade daqueles que produziram o seu conteúdo, os quais enquanto técnicos das respectivas áreas não poderão deixar de se ter como credíveis nas avaliações que fizeram e nas conclusões que retiraram, sob pena dos critérios de justiça pura e simplesmente deixarem de ter qualquer sentido.

Assim, analisados os elementos probatórios e tendo em conta os factos apurados não se constata a existência de erro de julgamento, em que se deva concluir que a formação da decisão devia ter sido em sentido inverso daquele em que se julgou.

No que se refere ao conteúdo do relatório médico a que a recorrente alude nas conclusões 26ª e 27ª caberá salientar que o mesmo foi impugnado (v. fls. 145 dos autos de inibição e limitação ao exercício do poder paternal), apresentando ser mera fotocópia cuja valoração ficará sempre ao critério do julgador, não podendo afirmar-se que se impõe, que os factos nele referidos sejam considerados assentes.

No entanto, e no que se refere ao ponto 12° cuja elemento probatório é uma declaração emitida pela própria recorrente haverá que rectificar o seu conteúdo por forma, que ele seja a reprodução do que consta no documento.

Nestes termos e no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, o recurso há que improceder, excepto no que se refere ao ponto 12° dos factos provados que passará a ter a seguinte redacção:

12. Antes de partir, assinou uma declaração do seguinte teor:

Eu, abaixo assinado, AA, declaro para os devidos efeitos que, deixei à guarda e custódia da Dª FF, residente na Rua … n.º …, em …, as minhas duas filhas, II e HH, devendo a supra mencionada Dª FF cuidar delas o melhor que puder e souber, na minha ausência.

Conhecendo da 3ª questão.

No entendimento da recorrente a solução a dar ao pleito deverá ser outra em face da alteração à matéria de facto por ela propugnada (v. conclusão 28°), donde será até lícito concluir que a seu ver a solução, em face da matéria de facto dada como provada pelo Julgador a quo, se mostrará adequada, pelo menos nada é referido no que à violação de normas legais respeita, no âmbito da efectuada subsunção dos factos ao direito.

No entanto, e porque estão em causa duas acções que a partir de certa altura seguiram tramitação conjunta em que a decisão no sentido de reconhecer uma das pretensões põe em causa a outra.

Não sendo reconhecida a pretensão da apelante – entrega judicial - haverá que apreciar a vertente da inibição do exercício do poder paternal no âmbito da pretensão formulada pela ora apelada, até pelo que consta do teor da conclusão 30ª.

Diremos, assim, que em face da inalterabilidade da matéria de facto (apenas ocorreu reformulação, sem significado num ponto) não podemos deixar de estar em consonância com o que é dito pelo Julgador a quo no que concerne às pretensões (cruzadas) de entrega judicial das menores e inibição ou limitação ao exercício do poder paternal, à excepção, da vertente que se cinge à inibição pura e simples do exercício do poder paternal.

Muito embora como, aliás, se afirma na sentença recorrida, para que se possa cumprir “com os deveres parentais não basta querer, é necessário também poder, e para ter esse poder é necessário existir alguma receptividade, nem que seja mínima, por parte das menores, ao exercício do poder paternal. Tal receptividade não existe de todo, sendo substituída por aversão à substituição da figura de FF enquanto figura materna. Actualmente é uma estranha ou alguém que surge, aos olhos das menores, como uma ameaça à sua estabilidade.”

O certo é que, também, se chega à conclusão que “não se quer com isto imputar a AA ou a FF qualquer culpa pelo actual estado da situação referente às menores”.

De tal decorre que, no que concerne à progenitora, não se poderá afirmar que esta, objectivamente, não mostra condições de cumprir com aqueles deveres.

O que acontece, não é que não disponha de condições, mas antes que se evidencia uma falta de receptividade das suas filhas para com ela.

Não está em causa qualquer situação em que a progenitora não se mostre em condições de cumprir os deveres inerentes ao exercício do poder paternal, colocando, por isso, em perigo grave as filhas, de modo a que a solução seja pura e simplesmente a inibição do exercício, tal como prevê o art.º 1915° n.º 1 do CC.

Por outro lado a própria requerente da confiança das menores não peticiona o decretamento da inibição do exercício do poder paternal destas em relação à sua progenitora, mas tão só a sua limitação, sendo que não podemos deixar de ter em conta que “a privação do exercício do poder paternal gera uma carga negativa ou infamante, pelo que os tribunais, em regra, só a aplicarão em casos de muita gravidade, pois nem sempre a inibição se revela como a medida adequada à situação, que poderá reclamar outras reacções menos radicais.“

Apresentando-se como consensual que a proteção da criança e do jovem é melhor prosseguida por limitações ao exercício do poder paternal que podem ser perfeitamente harmónicas com o seu interesse, impostas em condições de maior maleabilidade, provisoriedade e secretismo que permitam ajudá-los, com mais baixos riscos de estigmatização e melhor harmonia com o seu desenvolvimento e o fluir dinâmico das suas relações pessoais (6).

Deste modo, entendemos que no que se refere à progenitora o exercício do poder paternal em relação às menores, deverá apenas ser limitado em consonância com o que dispõe o art.º 1907.° do CC, já que cabe à pessoa a quem são confiadas as menores os poderes e deveres dos pais que forem exigidos pelo adequado desempenho das suas funções.

Tal como na decisão recorrida, consideramos que existe um papel importante a desempenhar por parte da progenitora com vista a que as suas filhas não se intimidem com a sua presença e não a “descartem” das suas relações pessoais, muito embora no âmbito da afectividade isso se preveja quase impossível, mas nunca é demais tentar, sendo que as aproximações, desde que não ponham em risco a estabilidade das menores, são salutares, devendo os moldes a que as mesmas terão de obedecer serem acordadas entre AA e FF e, só no caso de tal se mostrar impossível, se deverá recorrer ao tribunal para com o auxílio das entidades adequadas para o efeito, mediar essas aproximações.

Assim, até porque, ultimamente, nos moldes em que o tribunal estipulou as visitas relativamente à progenitora estas não surtiram o efeito desejado o que levou a que as mesmas até fossem “suspensas”, entendemos não dever ser este Tribunal Superior a fixar, por ora, qualquer regime sem que as partes, devido a impossibilidade de acordo, nessa matéria, exijam tal fixação ao tribunal, que, certamente no momento oportuno decidirá, tendo em conta os legítimos interesses das menores e da sua progenitora.

Nestes termos impõe-se a modificação da decisão no que respeita ao decretamento da inibição do exercício do poder paternal por parte da progenitora, com as consequências de tal decorrentes.


*


DECISÃO

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, alterar a decisão impugnada, cuja parte decisória passará a ser a seguinte:

a) Indeferir o pedido de entrega judicial das menores HH e II requerido por AA, nos termos do art.º 191.º da OTM;

b) Confiar as menores HH e II aos cuidados de FF, à qual exercerá o poder paternal, com vista ao adequado desempenho das suas funções (art.º 1907º n.º 1 do CC), cabendo, na parte não prejudicada por tal desempenho, o exercício à progenitora (art.º 1907º n.º 2 do CC).

Custas pela apelante e apelada, na proporção ¾ para aquela e ¼ para esta.

Évora, 29 de Setembro de 2010”

6. A Autora não deu autorização aos Réus para publicação da fotografia referida em 2 (F);

7. O Réu DD requereu junto do Tribunal Judicial de … a consulta do processo nº 726/07.8TBALR-A tendo sido proferido, em 26-04-2010, despacho com o seguinte teor:

«Fls. 252: Refere o art. 147.º-A da Organização Tutelar de Menores (OTM) que “São aplicáveis aos processos tutelares cíveis os princípios orientadores da intervenção previstos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo, com as devidas adaptações”.

Ora, os princípios orientadores da intervenção previstos nessa lei (Lei n.º 147/99 de 01 de Setembro) estão consignados no seu art. 4.º, o qual estabelece, na sua al. b), o principio da privacidade, e o qual reza da seguinte forma: “a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada

Desta forma, o presente processo tem carácter reservado - art. 88.º n.º 1 da LPCJP – podendo consultar o mesmo, para além das pessoas ou entidades referidas nesta disposição legal, quem nisso manifeste interesse legítimo, desde que para tal autorizado e nas condições estabelecidas em despacho do juiz (cf. art. 88.º n.º 5 da LPCJP).

Ora, certo é que o interesse jornalístico é um interesse legítimo o qual justifica o acesso ao presente processo. Porém, o mesmo está limitado, pela via legislativa, pelo exposto no art. 90.º n.º 1 da LPCJP, o qual estatui da seguinte forma: “Os órgãos de comunicação social, sempre que divulguem situações de crianças ou jovens em perigo, não podem identificar, nem transmitir elementos, sons ou imagens que permitam a sua identificação, sob pena de os seus agentes incorrerem na prática de um crime de desobediência”.

Face ao exposto, e atendendo às citadas disposições legais, defere-se o requerido, devendo porém, o órgão de comunicação social em causa, assim como o requerente, ter em atenção o facto de estar proibido de identificar ou de transmitir quaisquer elementos que permitam a identificação das menores, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.

Notifique. Almeirim, 26 de Abril de 2010.

8. A Autora não entregou as suas filhas para adopção, sem prejuízo de as ter entregue aos cuidados de FF nos termos referidos em 9 (1º);

9. Em maio de 2006 e antes de ir ao Brasil, a Autora assinou uma declaração, nos termos da qual afirma que deixou à guarda e custódia de FF “as minhas duas filhas, II e HH, devendo a supra mencionada D. FF cuidar delas o melhor que puder e souber, na minha ausência” (2º);

10. No dia seguinte ao da publicação da peça referida em 1., a Autora foi apelidada de “aldrabona”, “ordinária”, “mãe desnaturada”, em Cascais onde residia na altura e na igreja que aí frequentava (3º);

11. Com a publicação da notícia referida em 1, da fotografia que a acompanhava e da indicação do seu nome, recrudesceram os preexistentes sofrimento, angústia e tristeza que atormentavam a Autora, decorrentes de estar privada da guarda das suas filhas menores (4º);

12. Anteriormente à publicação da peça referida em 1, o dissenso entre a Autora e FF quanto à guarda das menores já era notícia em sites brasileiros com a colaboração da própria autora (11º);

13. Sendo também objeto de reportagem televisiva no Brasil (12º).

A 1.ª instância considerou não provados os seguintes factos:

 - Artigos 5.º a 10.º da Base Instrutória.


=================


Procedendo à reapreciação da matéria de facto considerada provada em julgamento a Relação, mantendo inalterado tudo o demais criticado (incluindo a resposta dada ao número 10.º), determinou:

a) Passam a ser as seguintes as respostas ao perguntado nos números 1.º, 3.º e 4.º da Base Instrutória:

1.º - “Não provado”;

3.º - “Não provado”;

4.º - “Não provado”;

b) É aditado ao elenco de factos considerados provados na acção um número 14 com a seguinte redação: «o Réu CC não teve conhecimento prévio da notícia referenciada no ponto 1».



===========================


Acompanhada da reprodução de uma fotografia a preto e branco da autora e legendada com a expressão “AA quer recuperar a custódia das duas filhas, que foram entregues a uma portuguesa”, o jornal “ EE “ publicou, na sua edição de 18-05-2010, a seguinte peça jornalística assinada por DD:

…. IRMÃS DE QUATRO E DEZ ANOS NO CENTRO DE BATALHA JUDICIAL

Mãe quer as filhas dadas para adopção

Uma das meninas foi entregue ainda bebé e outra quando tinha apenas cinco anos.

DD

Uma mulher brasileira apresentou uma queixa-crime por sequestro contra uma portuguesa, residente em …, a quem entregou, para adopção, duas meninas, hoje com quatro e dez anos. Foi a mãe biológica, AA, quem decidiu entregar as menores aos cuidados de FF mas, em Setembro de 2007, mudou de opinião.

A brasileira desistiu agora do regime de visitas fixado pelo Tribunal Judicial de Almeirim, no âmbito de uma acção de inibição do poder paternal interposto por FF. Em Fevereiro, o juiz titular do processo decidiu que as meninas ficariam à guarda da portuguesa, tendo AA direito a uma visita de três horas, aos sábados. Na última sessão, a 12 de Maio, a mãe biológica alegou não ter condições económicas para se deslocar todas as semanas de C,,,, onde reside, a … .

Em Agosto de 2005, FF estava de férias no Brasil. Foi na … que conheceu AA, grávida de oito meses e disposta a entregar a bebé, fruto de uma gravidez indesejada e filha de pai desconhecido. Por não poder engravidar, a … de … ofereceu-se para a adoptar e começou a tratar do processo. A bebé nasceu no Brasil, a 21 de Agosto de 2005, e chegou a Portugal menos de um mês depois, a 7 de Setembro.

A portuguesa dispôs-se, também, a ajudar AA, tendo-lhe encontrado emprego e pago um curso de … para que pudesse estar em Portugal. Por ser oriunda de uma família pobre, a mulher propôs a FF que adoptasse também a sua filha mais velha, na altura com cinco anos.

Entretanto, a mãe biológica teve de regressar ao Brasil, em Maio de 2006, quando expirou o visto de permanência em Portugal, embora já tenha voltado. Foi então que apresentou uma queixa-crime por sequestro no Ministério Público da …, alegando sentir-se enganada pela portuguesa, que recusa devolver as crianças.

Progenitora desistiu do regime de visitas às menores.

              PORMENORES

              POR CONCLUIR

O processo administrativo com vista à adopção das duas irmãs, que decorre na Segurança Social, ainda não está concluído.

      DECISÕES

As decisões judiciais - inclusive da Relação - têm sido favoráveis a FF.”

Arguindo que a publicação desta notícia a ofendeu na sua honra e consideração e dignidade como mãe, mulher e cidadã e que, em consequência dela, sofreu angústia, depressão e tristeza, pede que os réus a indemnizem pelo montante de € 45.000,00 a título de danos não patrimoniais.

A 1.ª instância condenou os réus a pagarem, solidariamente, à autora a quantia de sete mil e quinhentos euros a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal de 4% desde a data da sentença até integral pagamento;

    

A Relação, todavia, alterando a matéria de facto considerada provada em julgamento, revogou integralmente a sentença recorrida e absolveu os réus do pedido.


É contra esta deliberação que a autora reage.

Para a recorrente AA o acórdão recorrido não observou os pressupostos valorativos de obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, desta feita fazendo uma errada aplicação do número 5 do artigo 607.º do C.P.Civil.

Na publicação da notícia no jornal "EE " os recorridos violaram, de forma grave, os direitos fundamentais da recorrente, direitos estes consagrados constitucionalmente, pois que a informação assim veiculada, por omissiva da real e cabal situação conducente à vida privada da recorrente e das suas filhas menores, transmitiu uma visão distorcida dos factos.


Vejamos.



===================================



I.O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (n.º 3 do artigo 674.º - anterior art.º 722.º - do C.P.Civil).


Neste circunstancialismo jurídico-processual havemos de ter em conta que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674.º (artigo 682.º, n.º 2, do C.P.Civil) e que “o processo só volta ao tribunal recorrido quando o STJ entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito” (n.º 3 deste mesmo normativo legal).

    

Quer isto dizer que, funcionando como tribunal de revista e, por isso, excluído por regra da possibilidade de abordar questões de facto, o Supremo Tribunal de Justiça só nos particularizados termos admitidos pelo n.º 3 do art. 674.º e 682.º, n.º 3, lhe é permitida ingerência em matéria de facto, ou seja, neste domínio só é admissível a sua intervenção no campo da designada prova vinculada, isto é, quando a lei exige determinado tipo de prova para certas circunstâncias factuais ou quando atribui específica força probatória a determinado meio probatório.

Neste contexto funcional este Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente aos factos fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado, não podendo alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido sobre a matéria de facto, salvo o caso excepcional previsto no art.º 674.º, n.º 3, ou seja, a não ser que exista disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Às instâncias cabe averiguar, exclusivamente, todo o circunstancialismo factual envolvente da acção, reservando-se para a Relação o último passo a dar sobre esta temática.


II. Argúi a recorrente em seu proveito que o acórdão recorrido fez uma errada aplicação do número 5 do artigo 607.º do CPC, porquanto não observou os pressupostos valorativos de obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, pois que de facto, a informação veiculada através do jornal "EE", por omissiva da real e cabal situação conducente à vida privada da recorrente e das suas filhas menores, transmitiu uma visão distorcida dos factos.


Esta denotada argumentação não lhe pode aproveitar.

O juiz da 1.ª instância tem de ponderar o depoimento de cada uma das testemunhas que perante si depõem e, na apreciação que deste testemunho faz, vai agir livremente, limitado só pelos ditames da sua consciência.

 Os valores a que vai atender são aqueles que racional e mentalmente de cada particularizada expressão oral exteriorizada apreendeu e há-de ser do resultado da convicção que assim lhe foi proporcionada que em justiça julgará.


Quando o Juiz da 1.ª instância ou os Juízes do Tribunal da Relação ajuízam sobre a matéria de facto que vai servir de fundamento à decisão da causa, fazem-no sempre no enquadramento da livre apreciação da prova e no contexto de que o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las; e será através da valoração que delas faça que vai proferir a decisão, ponderadamente tomada e de acordo com a convicção que sobre cada facto tenha livremente firmado, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas consagrado no art.º 607.º, n.º 5, do C.P.Civil.

Deste princípio da livre apreciação é que resulta que o Juiz há-de analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (n.º 4 do art.º 607.º do C.P.Civil).


Todas estas medidas que a lei congrega no Juiz se inserem no âmbito da livre apreciação da prova que lhe está cometida e, por isso, retirada da atribuição do Supremo Tribunal de Justiça como Tribunal de revista. 

É neste contexto jurídico-processual, ou seja, da circunstância de a Relação ter dado o preciso relevo ao depoimento das testemunhas inquiridas e convenientemente ter interpretado os documentos que houve de aferir, tudo conjugado com as regras da experiência comum e da normalidade da vida e da intuição humana, que resultou o veredicto do julgamento da matéria de facto, insindicável por este STJ.


Ao assumir perante si a responsabilidade de ponderar os meios de prova oferecidos pelas parte e, desta feita, reapreciar a matéria de facto anteriormente encontrada pelo tribunal recorrido, a Relação vai assumir perante si a plena e absoluta responsabilidade quanto esse julgamento, decidindo conforme a sua própria convicção e sempre posta de forma distanciada daquela que a 1.ª instância precedentemente já havia reconhecido.


A intenção do legislador, já declaradamente professada no relatório do Dec. Lei n.º 39/95, é no sentido de desenvolver um duplo grau de jurisdição quanto ao julgamento da matéria de facto exposta nos articulados - a Relação há-de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova ou de qualquer outro” (Ac. STJ de 1/07/2008, Revista n.º 191/08-1ª Secção).

Convenhamos que “a Relação, neste caso, é um Tribunal de substituição, e não de mera cassação. Na verdade, se na reapreciação das provas a Relação encontrar justificação, dentro das fronteiras da lei, para alterar a matéria de facto, não anula a decisão do tribunal inferior para que este a reformule, antes se substitui ao tribunal a quo, ficando subjacente à alteração que porventura introduza no quadro factual uma nova e diferente convicção entrementes adquirida” (Ac. STJ de 28 de Janeiro de 2003; disponível em www.dgsi.pt).

Está, assim, este Supremo Tribunal impossibilitado de se pronunciar sobre a problemática do erro sobre o julgamento da matéria de facto posta no recurso - como vimos e é jurisprudência pacífica, não podendo ser objecto do recurso de revista o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa - artigo 722.º do CPC (atual art.º 674.º do C.P.Civil) - está vedado ao STJ afastar ou censurar as ilações retiradas dos factos provados pela Relação, quando, baseando-se em critérios desligados do campo do direito, estiverem logicamente fundamentadas, pois que, sendo assim, não integram mais do que matéria de facto (Ac. STJ de 1.3.2011; www.dgsi.pt).

O julgamento da matéria de facto está cometido às instâncias e será a Relação quem, em princípio, tem a última palavra sobre o juízo último que haverá de ser concretizado sobre esta problemática.


Depreendemos, da exposição posta no acórdão recorrido, que é rigoroso o exame que nele é feito acerca das respostas atribuídas aos quesitos da base instrutória, isto é, que nele se faz uma proficiente abordagem, precisa e clara, sobre as contingências probatórias que esse julgamento impõe.

A Relação observou o adequado comportamento destinado a dar a ajustada solução às questões que se prendem com as respostas dadas aos números 1.º, 3.º e 4.º da Base Instrutória e do aditamento que, sob o número 14., ao elenco de factos considerados provados na acção decretou (“o réu CC não teve conhecimento prévio da notícia referenciada no ponto 1”).


III. A nossa ordem jurídica tutela o direito de personalidade pelo modo como está descrita no art.º 70.º do Cód. Civil a protecção concedida aos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.

Cuida este normativo de atribuir especial destaque à “personalidade” em geral considerada, do seu conceito e contexto podendo nós retrair a consagração do direito à liberdade, à honra e à consideração da pessoa, regalias estas constitucionalmente garantidas no art.º 26.º da Constituição, que proclama o direito ao bom nome garantido o art.º 70.º do C. Civil e expressamente referenciadas no art.º 19.º (direito de liberdade de opinião e de expressão) e art.º 12.º (direito à honra) da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A liberdade de pensamento, do uso da palavra, da emissão de opinião, de agir segundo a consciência, de expressão, informação e comunicação, isto é, o direito de expressão, constitui um direito fundamental que a todo o cidadão assiste, constitucionalmente garantido (art.º 37.º da C.R.Portuguesa).


É neste enquadramento jurídico-positivo que a autora/recorrente se move e é da aplicação desta matéria jurídica que há-de julgar-se se tem jus à indemnização que em juízo vem reclamar.


Entre os bens mais preciosos da personalidade moral de que o art. 70.º do C. Civil faz reserva, figura também a honra, enquanto projecção na consciência social do conjunto dos valores pessoais de cada indivíduo, desde os emergentes da sua mera pertença ao género humano até aqueloutros que cada indivíduo vai adquirindo através do seu esforço pessoal, mais precisamente pode definir-se como “proteiforme” e dizer-se que há honra geral, pertencente a todo o ser humano, e que nenhum homem perde em absoluto, porque mesmo o ente envilecido, pode regenerar-se e dignificar-se…

A honra juscivilisticamente tutelada abrange a projecção do valor da dignidade humana, a qual é inata a todos os seres humanos. Em sentido lato, ela abrange o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político, engloba o simples decoro, como projecção dos valores comportamentais do indivíduo no que se prende ao trato social, e envolve o crédito pessoal, como projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem.[1]

O direito à honra é uma das mais importantes concretizações da tutela e do direito da personalidade. A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com outras pessoas.

A honra existe numa vertente pessoal e subjectiva, e noutra vertente social, objectiva. Na primeira, traduz-se no respeito e consideração que cada pessoa tem de si própria, na segunda, traduz-se no respeito e consideração que cada pessoa merece ou de que goza na comunidade a que pertence.[2]

A honra é a essência da personalidade humana, referindo-se propriamente, à probidade, à rectidão, à lealdade, ao carácter; e consideração é “o património de bom-nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros”.[3]


IV. A par destes direitos à honra e consideração perfila-se, também integrado no direito de personalidade, o direito de livre expressão, igualmente garantido constitucionalmente (art. 37.º, n.º 1 da CRP) e uma exigência do Estado democrático que não poderia funcionar sem estar acompanhado de uma opinião pública livre e bem informado - o exercício do direito de liberdade de imprensa…assume particular importância na opinião pública, já que é o confronto livre e aberto de ideias é um meio indispensável à clarificação racional e consensual de interesses; por outro lado, a liberdade de imprensa pode contribuir para assegurar a transparência da administração pública, a promoção e divulgação dos valores estéticos, científicos e culturais ou a preservação do património natural ou artístico.[4]


Estes especificados direitos, não contendo na sua natureza o dom do absolutismo, pois que não se podem sobrepor um ao outro, obrigam a que se estabeleça o ponto de equilíbrio de cada uma destas prerrogativas; e, analisando cada caso concreto, aferir até que ponto podem ir um e outro e fixar os limites e a sobreposição de cada um deles em confronto.


Fazendo funcionar a lei - art. 335.º do C. Civil, que dispõe que, havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes (n.º 1), sendo que em caso de direitos de espécie diferente prevalece o que se deva considerar superior (n.º 2) - teremos de dizer, logo numa primeira abordagem que desta questão façamos, que o direito à honra e consideração é um inabalável privilégio que, inexoravelmente, tem sempre e em qualquer circunstância de ser respeitado e que, em princípio, a liberdade de expressão terá de soçobrar perante aquele, valendo quanto a este modo de pensar a argumentação que sobressai do regime constitucional a este propósito estatuído na nossa Lei Fundamental e que reconhece expressamente (art.º 37.º) a existência de limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento - não há conflito entre a liberdade de expressão e o direito ao bom nome em caso de difamação, dado que não está coberto pelo âmbito normativo-constitucional da liberdade de expressão o ”direito à difamação, calúnia ou injúria”.[5]


Quer isto dizer que, se a notícia publicamente divulgada estiver de fora do anátema da afronta à privacidade de alguém, não terá ela de ser reprimida ou esconder-se por detrás de aparente e injustificada preocupação de ultraje ao direito à reserva da própria vida privada.

   

“A jurisprudência do TEDH, como já resulta abundantemente do atrás expendido, tem propendido, manifestamente, para uma interpretação restritiva dos direitos de personalidade no confronto com a liberdade de expressão, por forma a não comprometer o papel central desta numa sociedade democrática.

Por outro lado, como se diz no sumário do já citado Acórdão do STJ, de 7/2/08: «Da jurisprudência que vem sendo firmada por este (TEDH), resulta uma imposição no modo de pensar: Não se justifica que se pense, logo à partida, sobre se determinada peça jornalística ofende alguém. Deverá, antes, partir-se da liberdade de que gozam o ou os respectivos autores. Só depois, se deve indagar se se justifica - atentos os critérios referenciais do mesmo tribunal, com inclusão duma margem de apreciação própria por parte dos órgãos internos de cada um dos Estados signatários da Convenção - a ingerência restritiva no campo dessa mesma liberdade e a consequente ida para sanções legais».

Aliás, o Tribunal Constitucional tem afirmado uma «clara vontade histórica do legislador constituinte de acompanhar o passo da jurisprudência europeia no desenvolvimento dos direitos fundamentais igualmente previstos na Convenção e na Constituição» (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 157/2001, in D.R., Série I, de 10/5/01).

Perante uma orientação jurisprudencial estabilizada junto do TEDH, como acontece em casos como o dos autos, os tribunais portugueses não poderão deixar de se influenciar pelo paradigma europeu dos direitos humanos” - Ac. STJ de 31.01.2017; Roque Nogueira (Relator); www.dgsi.pt.


V. Prescreve o art.º 483.°, n.º 1, do C. Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação", acrescentando logo a seguir o art. 484.º do mesmo diploma legal que "quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa… responde pelos danos causados".

Conforme se documenta a fls. 11, o “EE” não agiu de forma ilícita no concernente à descrição posta na notícia que consta da página 18 e assinada por DD, publicada na sua edição de 18.05.2010, encimada pelo título “Mãe quer as filhas dadas para adopção” e acompanhada da fotografia da autora na qual está anotada a expressão: “AA quer recuperar a custódia das duas filhas, que foram entregues a uma portuguesa”.

 

Na verdade, da avaliação do conteúdo que daquela detalhada divulgação noticiosa transparece, na sua abordagem objetiva e racional, dela não poderemos aprontar que o “EE” pôs em risco ou atentou contra a intimidade da demandante/recorrente.

A postura do “EE”, consubstanciada na revelação pública dum evento socialmente relevante e cujo interesse jornalístico se circunscreve no enredo - agora muito em voga e em permanente discussão na praça pública - sobre a social temática da adoção, não raras vezes enredada em meandros de insidiosos contornos, integra-se no direito de liberdade de expressão e de opinião, um direito exigido aos hodiernos Estados de Direito e que a publicação ré exerceu sem desmerecer a intimidade da autora.


É neste contexto jurídico que se integra a peça jornalística que a autora argúi de ofensiva da sua do seu bom-nome e reputação - a afirmação ou divulgação do facto pode, no entanto, não ser ilícita, se corresponder ao exercício de um direito ou faculdade ou ao cumprimento de um dever (como se for feita em depoimento de parte ou testemunha, num inquérito oficial, etc.) - Pires de Lima e Antunes Varela; Código Civil Anotado; I, pág. 421; anotação ao art.º 484.º.

Não está demonstrado que o “EE “, jornal generalista diário português que, muito embora se caracterize por difundir notícias de caráter sensacionalista, atingiu, neste caso e preponderantemente, a autora na sua honra e consideração, mas antes o que pretendeu foi realçar e de forma precisa, a vivência de um caso concreto que socialmente se debate e a merecer a atenção dos “media”; e, como proficientemente entendeu a Relação, ajuizamos que o comportamento do órgão noticioso réu consolida uma adequada reação jornalística à problemática das vicissitudes que a adoção é sempre suscetível de conferir à mãe biológica e aos pressagiados adoptantes que vão substituir os pais naturais.

VI. O que foi prescrito pela Relação não viola os princípios da nossa lei fundamental enunciados pela recorrente.


Não estando comprovado na ação que a demandante tenha sido vítima de patenteado atentado contra a sua dignidade humana, também se não pode configurar que tenha sido contra ela cometido qualquer um destes atentados contra a sua honorabilidade e respeitabilidade e em desrespeito pelos princípios integrantes do estatuído nos artigos 20.º, º 25.º e 26.º da C.R.Portuguesa e o direito a um processo equitativo acautelado pelo art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.


O direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º da Constituição, inclui no seu conteúdo conceitual, entre outros, a proibição da indefesa, que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhes dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses - Ac. TC de 25.06.1997; Relator Monteiro Dinis; www.dgsi.pt.


A aplicação do direito a informação do público só poderá estar sujeita às limitações e restrições necessárias a protecção de interesses públicos legítimos - tais como a segurança nacional, a segurança publica, a ordem publica, o interesse económico do pais, a prevenção da criminalidade, a não divulgação de informações confidenciais - e a protecção da vida privada e de outros interesses legítimos privados - Ac. TC de 02.09.1992; Relator Tavares da Costa; www.dgsi.pt.


O direito ao bom nome só é violado por actos que se traduzam em imputar falsamente a alguém a pratica de acções ilícitas ou ilegais, ou que consistam em tornar publicas faltas ou defeitos de outrem que, sendo embora verdadeiros, não são publicamente conhecidos - Ac. TC de 24.07.1992; Relator Monteiro Dinis; www.dgsi.pt.

Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela - art.º 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Concluindo:

1. O “EE” não agiu de forma ilícita no concernente à descrição posta na notícia que consta da página 18 e assinada por DD, publicada na sua edição de 18.05.2010, encimada pelo título “Mãe quer as filhas dadas para adopção” e acompanhada da fotografia da autora na qual está anotada a expressão: “AA quer recuperar a custódia das duas filhas, que foram entregues a uma portuguesa”.

2. Na verdade, da avaliação do conteúdo que daquela detalhada divulgação noticiosa transparece, na sua abordagem objetiva e racional, dela não poderemos aprontar que o “EE” pôs em risco ou atentou contra a intimidade da demandante/recorrente.

3. A postura do “EE”, consubstanciada na revelação pública dum evento socialmente relevante e cujo interesse jornalístico se circunscreve no enredo - agora muito em voga e em permanente discussão na praça pública - sobre a social temática da adoção, não raras vezes enredada em meandros de insidiosos contornos, integra-se no direito de liberdade de expressão e de opinião, um direito exigido aos hodiernos Estados de Direito e que a publicação ré exerceu sem desmerecer a intimidade da autora.


Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.


Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 16 de março de 2017.

António da Silva Gonçalves (Relator)

Joaquim Piçarra

Fernanda Isabel Pereira

____________


[1] Capelo de Sousa, citando Cunha Gonçalves (nota 741); O Direito Geral de Personalidade, pág. 301/304.
[2] Pedro Pais de Vasconcelos; Teoria Geral do Direito civil; pág. 60.

[3] Simas Santos e Leal Henriques, in CP anotado, 2.º Vol. 1996.
[4] Costa Andrade; Liberdade de imprensa e Inviolabilidade Pessoal; Uma Perspectiva Jurídico-Criminal; pág. 39.
[5] Gomes Canotilho e Vital Moreira; Fundamentos da Constituição, pág. 136.