Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
715/03.1TTBRR.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DIREITO A PENSÃO
ASCENDENTE
PARENTES SUCESSÍVEIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
1. O direito dos ascendentes e parentes sucessíveis à pensão por morte de vítima de acidente de trabalho depende do preenchimento de dois requisitos, a saber: (i) a contribuição do sinistrado, com carácter de regularidade, para o sustento dos beneficiários; (ii) a necessidade dessa contribuição para o seu sustento.
2. Contribuindo, mensalmente, o sinistrado com uma quantia não concretamente apurada para as despesas comuns do agregado familiar, está verificado o primeiro requisito de que a lei faz depender o direito à pensão.
3. A exigência da necessidade da contribuição do sinistrado para o sustento daqueles beneficiários funda-se na constatação de que o direito dos familiares da vítima à pensão, consagrado na alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 100/97, é uma emanação do instituto da obrigação alimentar, e esta apenas existe a favor das pessoas que não podem prover integralmente ao seu sustento.
4. Provando-se que a irmã do sinistrado estava desempregada e não auferia qualquer rendimento, é de concluir que dependia dos rendimentos dos restantes elementos do agregado familiar, pelo que se mostra preenchido o requisito da necessidade da contribuição do sinistrado para o seu sustento.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 9 de Janeiro de 2008, no Tribunal do Trabalho de Évora, após ter sido anulado o processado primitivo, AA, BB e CC, com o patrocínio do Ministério Público, instauraram acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra DD – COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., pedindo a condenação da ré no pagamento, a cada um dos autores, da pensão anual de € 837,98, obrigatoriamente remível, bem como de € 78, a título de despesas com as deslocações ao tribunal, acrescidos de juros de mora legais, devidos pela morte do filho dos dois primeiros autores e irmão da terceira autora, EE, resultante de acidente de trabalho, ocorrido no dia 5 de Agosto de 2003, quando prestava a actividade profissional de vendedor, por conta e sob as ordens, direcção e fiscalização de FF, cuja responsabilidade infortunística estava transferida para aquela seguradora.

Alegaram, em suma, que o sinistrado, sendo solteiro, vivia em casa dos pais, em comunhão plena de mesa e habitação, contribuindo mensalmente para as despesas comuns do agregado familiar, em alimentação, vestuário e saúde, com, pelo menos, € 200, considerando-se, por isso, com direito à pensão por cada um reclamada.

Também o Instituto de Solidariedade e Segurança Social deduziu pedido de condenação da seguradora no pagamento da quantia de € 1.765,80, acrescida de juros de mora legais, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento, atinente ao reembolso de prestações da Segurança Social, atribuídas pelo Centro Nacional de Pensões e requeridas por AA, pai do sinistrado.

A ré contestou, não aceitando o direito às pensões reclamadas pelos autores, porque desconhecia «se o sinistrado contribuía com frequência e com regularidade para o sustento dos AA.», tendo concluído pela improcedência da acção.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos deduzidos pelos autores.

2. Inconformados, os autores apelaram para o Tribunal da Relação de Évora, que julgou a apelação parcialmente procedente, revogou a sentença recorrida quanto às autoras e condenou a seguradora a pagar-lhes os seguintes valores:

«A) 837,98 euros, a título de pensão anual, devida à mãe da vítima, desde o dia seguinte ao da morte (6 de Agosto de 2003), pensão que é obrigatoriamente remível.
B) 837,98 euros de pensão anual à irmã da vítima, pensão que será devida até perfazer 18 [anos]. Caso esta tenha continuado a estudar para além desta idade no curso de Técnico Auxiliar de Infância na Escola Profissional da Região Alentejo, terá direito à pensão enquanto estudar e até aos 22 anos. E se, [a] partir desta idade, continuou a estudar no ensino superior terá direito a pensão até aos 25 anos e enquanto frequentar tal grau de ensino, sendo as pensões em atraso pagas duma só vez acrescidas de juros de mora legais.
C) 52 euros, a título de despesas de transportes.
D) Quanto ao A., pai da vítima, mantém-se a absolvição da R. seguradora, por se entender que não tem direito a pensão.»

É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido, ao abrigo das seguintes conclusões:

«A) Conforme entendimento vertido no Acórdão da Relação de Coimbra de 05.11.88 (in BTE, 2.ª série, 4-5-6, pág. 411), “a entrega pela vítima aos pais de parte do salário constitui um facto equívoco, daí não podendo concluir-se que a vítima contribuía para a alimentação dos progenitores, antes essa entrega podia representar uma dádiva da vítima para compensar os pais dos gastos com a sua alimentação, podia efectuar-se para os pais guardarem o dinheiro do filho ou para outra finalidade”.
B) Já o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 13.07.04 (vide www.dgsi.pt), verte o seguinte entendimento:
“ IV- Quer no âmbito da anterior LAT (Lei n.º 2127, de 03.08.65), quer no âmbito da actual LAT (Lei n.º 100/97, de 13.09), são pressupostos do direito dos ascendentes à pensão de acidente de trabalho por morte: o carácter regular e contínuo das contribuições do sinistrado para as despesas familiares e a necessidade dessa contribuição por os ascendentes dela carecerem.
V- Por se tratarem de factos constitutivos do direito, aos autores/ascendentes cabe [a] prova dos mesmos.
VI- Provando-se apenas que o sinistrado vivia em comunhão de mesa e habitação com os autores/ascendentes e que contribuía com quantias variáveis do seu salário mensal para as despesas domésticas, nomeadamente, alimentação, não se mostra preenchido o pressuposto da necessidade dos ascendentes”.
C) Ainda neste sentido, o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu Aresto de 14.03.2001 (www.dgsi.pt), é de entendimento que “para que os ascendentes e irmãos da vítima tenham o direito à pensão por morte tem de provar-se que careciam de auxílio da vítima e que este contribuía, com carácter regular, para a sua alimentação”.
D) Aliás, tem sido sempre este o entendimento dos nossos tribunais, veja-se, ainda, o douto Acórdão, na altura do S.T.A., de 8.VIII.969, in «Acórdãos Doutrinais», n.º 95, p. 1608, que aqui se verte, com o devido respeito que tal entendimento merece:
“Se do acidente de trabalho resultou a morte do sinistrado, sem filhos ou cônjuge sobrevivo, têm direito à indemnização os ascendentes e parentes sucessíveis menores de 16 anos, cuja alimentação estivesse, no todo ou em parte, a cargo da vítima, quando se demonstra que desse auxílio careciam.”
E) Com interesse para a boa decisão da causa, foram dados como provados os seguintes factos:
O sinistrado auferia à data do acidente o salário anual de € 5.689,56 (€ 399,04x14);
As Recorridas residem em habitação fornecida pela entidade patronal do pai do sinistrado;
O sinistrado vivia em casa dos pais;
Contribuindo mensalmente para as despesas comuns do agregado familiar;
O pai do sinistrado auferia € 900 mensais e ambas as Requeridas, à data, estavam desempregadas.
F) O que face à matéria de facto provada não resultou que a contribuição pecuniária que o sinistrado dava mensalmente para as despesas do agregado familiar fosse para o sustento das Recorridas, e isto porquanto ela destinava-se para além da alimentação, a vestuário e saúde; o que certamente seria usado pelos pais principalmente para o sinistrado, não querendo com isto significar que os restantes elementos da família também não beneficiassem desse acréscimo ao rendimento mensal, porém, tal não era significativo para o sustento do agregado familiar.
G) Por outro lado, conforme resultou igualmente provado, as Recorridas não t[ê]m despesas de habitação e[,] quanto à alimentação[,] a verdade é que grande parte da alimentação do agregado familiar é proveniente do terreno explorado, de forma gratuita.
H) Tanto mais que cabia às Recorridas o ónus da prova de que aquele montante se destinava apenas ao seu sustento[,] o que não fizeram[;] além disso[,] as despesas que resultaram provadas são de reduzido montante, pelo que[,] face ao exposto, só se poderá entender que não necessitam da contribuição, não vivendo[,] por isso[,] numa situação de carência.
I) Também não se pode considerar, por falta de prova, que o sinistrado contribuía para o rendimento total do agregado familiar em 31%, pois isso pressuponha que todo o seu vencimento era entregue às Recorridas para as despesas do agregado.
J) Pelo que não se encontra fundamentada a relevância e imprescindibilidade do vencimento do sinistrado face às despesas do agregado familiar.
K) Com efeito, não é possível quantificar a contribuição do sinistrado, porque a mesma servia para cobrir as suas próprias despesas de saúde, vestuário, alimentação, gás, luz, água e uso de habitação, consubstanciando apenas um mero benefício para as Recorridas.
L) Sendo manifesto que a contribuição do sinistrado para o agregado familiar, sendo regular, não era necessária ao sustento d[a]s Recorridas que dela não careciam para sobreviver.
M) As Recorridas tinham o ónus de alegar a sua dependência económica na contribuição do sinistrado e não o fizeram, pelo que[,] face ao exposto, se conclui que não necessitam da contribuição, não vivendo[,] por isso[,] numa situação de carência.
N) Porque, de facto[,] essa carência não existia na realidade, razão pela qual se deverá manter a decisão da 1.ª instância e[,] em consequência[,] se deverá revogar o Acórdão proferido pelo tribunal “a quo”.»

As recorridas contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso.
3. A única questão suscitada no recurso é a de saber se a mãe e a irmã do sinistrado têm ou não direito, em consequência da morte deste, à reparação prevista no Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. As instâncias deram como provados os factos seguintes, constando entre parênteses as alíneas dos factos assentes e os ordinais das respostas à base instrutória:

1) Os autores AA, BB e CC, nascidos, respectivamente, em 26.1.1946, 20.8.1949 e 24.8.1986, são pais e irmã do sinistrado de morte EE [alínea A)];
2) O sinistrado trabalhava como vendedor, por conta e sob as ordens, direcção e fiscalização de FF [alínea B)];
3) O sinistrado auferia, à data do acidente, o salário anual de € 5.689,56 (€ 399,04x14) [alínea C)];
4) Por contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho/trabalhadores por conta de outrem, encontrava-se transferida para a R. Seguradora a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho até ao montante de € 5.689,56 (€ 399,04x14) [alínea D)];
5) No dia 5 de Agosto de 2003, cerca das 4,30 horas, quando regressava do abastecimento de peixe ao serviço da entidade patronal, sofreu um acidente de viação [alínea E)];
6) Como consequência do acidente resultaram as lesões descritas nos autos e, designadamente, no relatório de autópsia de fls. 83 e sgs., lesões que foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida no dia 5.8.2003 [alínea F)];
7) Os autores residem em habitação fornecida pela entidade patronal do autor [alínea G)];
8) Com base no falecimento, em 5.8.2003, do beneficiário n.º 117212740, EE, em consequência do acidente a que dizem respeito os autos, foram requeridas no ISSS/Centro Nacional de Pensões, por AA, as respectivas prestações por morte [alínea H)];
9) O ISSS/CNP pagou ao referido AA, a título de reembolso de despesas de funeral, o montante de € 1.765,80 [alínea I)];
10) O autor AA aufere a remuneração mensal de € 900 [alínea J)];
11) O sinistrado vivia em casa dos pais (resposta quesito 1.º);
12) Contribuindo, mensalmente, para as despesas comuns do agregado familiar (resposta quesito 2.º);
13) A 3.ª A. estava desempregada e não auferia qualquer rendimento (resposta quesito 3.º);
14) O A. é doente crónico de psoríase e carece de medicação diária regular (resposta quesito 4.º);
15) Despendendo, mensalmente, em medicamentos, pelo menos, a importância de € 75 (resposta quesito 5.º);
16) Os AA. despendem, mensalmente, a importância de € 26,60 em gás (resposta quesito 6.º);
17) Os AA. despenderam € 78 em transportes nas deslocações ao Tribunal para comparecer às diligências para que foram convocados (resposta quesito 7.º);
18) Os AA. despenderam a quantia anual de € 25 para pagamento das propinas e demais despesas de frequência do curso de Técnico Auxiliar de Infância na Escola Profissional da Região Alentejo (resposta quesito 8.º);
19) A 3.ª A. frequentou esse curso a partir de Setembro de 2003 (resposta quesito 9.º).

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que há-de ser resolvida a questão suscitada no presente recurso.
2. O tribunal de primeira instância decidiu que a acção devia improceder, já que, «[f]ace à matéria de facto provada, não resulta que a contribuição pecuniária que o sinistrado dava mensalmente para as despesas do agregado familiar fosse para o sustento dos autores, e isto porquanto ela destinava-se para além da alimentação a vestuário e saúde, o que certamente seria usado pelos pais principalmente para o sinistrado, não querendo com isto significar que os restantes elementos da família também não beneficiassem desse acréscimo ao rendimento mensal, porém tal não era significativo para o sustento do agregado familiar».

Já o aresto recorrido decidiu que, relativamente às autoras, estavam reunidos os requisitos de que a lei fazia depender o direito à pensão pela morte do sinistrado.

Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

« […] a contribuição que a lei exige para o sustento dos pretensos beneficiários tem de ser entendida no sentido duma mera contribuição para o total de rendimentos do agregado familiar, sendo de todo em todo indiferente que tal contribuição seja suficiente para garantir a alimentação, despesas de vestuário e saúde da vítima e que sobrasse ainda dinheiro para os restantes membros do agregado familiar.
Efectivamente, o direito a pensão em caso de morte visa essencialmente repor o nível de rendimentos de que o agregado familiar se viu despojado com a morte da vítima, conforme sustenta Victor Ribeiro, Acidentes de Trabalho, Notas Práticas, pg.ª 215, sendo por isso indiferente que este contribuísse com muito ou com pouco.
Por outro lado, a entender-se doutra forma, os ascendentes e outros parentes sucessíveis da vítima nunca teriam direito a pensão quando se tratasse de trabalhadores com baixos rendimentos, pois estes seriam totalmente consumidos com o seu próprio sustento, tal como acontece com os aprendizes e tirocinantes, casos em que é a própria lei a equiparar os seus magros salários ao auferido por um trabalhador da categoria para que está a aprender ou a tirar o tirocínio, conforme impõe o artigo 26.º, n.º 7.
Concluímos assim que, contribuindo mensalmente o trabalhador falecido com uma quantia não concretamente apurada para as despesas comuns do agregado familiar, está verificado o primeiro requisito de que a lei faz depender o direito à pensão que os AA. reclamam.
Por isso, vejamos agora se se cumula o outro requisito que a lei exige, o que nos leva a apreciar se os AA. careciam de tal contribuição.
Ora, neste ponto parece-nos inquestionável que em relação à mãe e à irmã da vítima podemos concluir que careciam do auxílio da vítima.
Na verdade, estando ambas desempregadas e por isso desprovidas de rendimentos próprios, facilmente se conclui que dependiam totalmente dos dois elementos da casa (a própria vítima e seu pai) que trabalhavam e auferiam os rendimentos que garantiam a sobrevivência de todos.
Por outro lado, sendo a irmã menor e tendo continuado a estudar depois da morte da vítima ainda se impõe mais concluir pela total dependência económica desta em relação àqueles dois elementos da casa que trabalhavam.
Além disso, não deixa [de] ser sintomático que a própria seguradora tenha espontaneamente reconhecido o direito a pensão à mãe da vítima, conforme se colhe do auto de não conciliação de fls. 74, acordo que o tribunal recorrido logo deveria ter homologado, só mais tarde se vindo a colocar numa posição de total antagonismo com a postura então adoptada.
Concluímos assim que em relação a estas Autoras estão reunidos os requisitos de que a lei faz depender o direito a pensão pela morte do filho e irmão (respectivamente).»

A recorrente, por seu turno, defende que «não se encontra fundamentada a relevância e imprescindibilidade do vencimento do sinistrado face às despesas do agregado familiar», que «não é possível quantificar a contribuição do sinistrado, porque a mesma servia para cobrir as suas próprias despesas de saúde, vestuário, alimentação, gás, luz, água e uso de habitação, consubstanciando apenas um mero benefício para as Recorridas», e que era «manifesto que a contribuição do sinistrado para o agregado familiar, sendo regular, não era necessária ao sustento das Recorridas que dela não careciam para sobreviver», concluindo que «não necessitam da contribuição, não vivendo, por isso, numa situação de carência».

2.1. O acidente dos autos ocorreu em 5 de Agosto de 2003, por isso, aplica--se o regime jurídico da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A /99, de 22 de Setembro.

A alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 100/97, sob a epígrafe «Pensões por morte», estabelece, no que ora releva, que, se do acidente resultar a morte, terão direito a pensão os ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis à data do acidente até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou equiparado ou o ensino superior, «desde que o sinistrado contribuísse com regularidade para o seu sustento».

Esta norma corresponde à alínea d) do n.º 1 da Base XIX da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, na redacção da Lei n.º 22/92, de 14 de Agosto, que atribuía pensões por morte aos ascendentes e parentes sucessíveis, em condições similares às da lei actual, «desde que a vítima contribuísse com regularidade para o seu sustento».

As expressões transcritas têm sido interpretadas, de forma pacífica pela jurisprudência, no sentido de que o direito dos ascendentes e parentes sucessíveis à pensão por morte de vítima de acidente de trabalho depende do preenchimento de dois requisitos: (i) a contribuição do sinistrado, com carácter de regularidade, para o sustento dos beneficiários; (ii) a necessidade dessa contribuição para o seu sustento.

Verifica-se a sobredita regularidade, quando há contribuições sucessivas, normalmente equidistantes no tempo, à medida que a vítima vai percebendo o seu salário, e com as quais os beneficiários contavam para o seu sustento.

Registe-se que não é necessário que o sinistrado satisfaça a totalidade das necessidades dos beneficiários e, além disso, que é irrelevante o quantitativo que os beneficiários concretamente beneficiam em proveito próprio.
Doutro passo, a exigência da necessidade da contribuição do sinistrado para o sustento dos beneficiários funda-se na constatação de que o direito dos familiares da vítima à pensão, consagrado na alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 100/97, é uma emanação do instituto da obrigação alimentar, e esta apenas existe a favor das pessoas que não podem prover integralmente ao seu sustento, como flui do disposto nos artigos 2003.º e 2004.º, ambos do Código Civil.

Ora, no quadro desse concreto instituto, a medida dos alimentos afere-se pela «necessidade daquele que houver de recebê-los» (artigo 2004.º, n.º 1, do Código Civil), sendo que a obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os recebe deixe de precisar deles [artigo 2013.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil].

Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de Junho de 2000, proferido na Revista n.º 31/2000, da 4.ª Secção, tal necessidade «não deve ter--se por absoluta e total, alheando-se de padrões de mínima subsistência e de indigência, sempre há-de representar um contributo sem o qual a subsistência e o sustento são afectados em termos de diminuição da qualidade de vida correspondente ao seu estatuto pessoal e social».

Nesta conformidade, o juízo sobre a efectiva necessidade da contribuição que lhes era prestada pelo sinistrado pressupõe, necessariamente, a prova da sua situação económica, com referência ao confronto entre os rendimentos do trabalho ou outros auferidos por cada um dos autores e os encargos do agregado familiar.

Assim, no que respeita aos ascendentes e parentes sucessíveis, a lei exige a demonstração de uma efectiva dependência económica em relação às contribuições do sinistrado, para que assumam a categoria de beneficiários, sendo que compete àqueles o ónus de alegar e provar os anteditos requisitos, visto que consubstanciam os factos constitutivos do direito arrogado — artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

2.2. No caso vertente, ficou provado que «[o] sinistrado auferia, à data do acidente, o salário anual de € 5.689,56 (€ 399,04x14)», que «[o]s autores residem em habitação fornecida pela entidade patronal do autor» e que «[o] autor AA aufere a remuneração mensal de € 900» [factos provados 3), 7) e 10)].

Mais se apurou que:

«11) O sinistrado vivia em casa dos pais;
12) Contribuindo, mensalmente, para as despesas comuns do agregado familiar;
13) A 3.ª A. estava desempregada e não auferia qualquer rendimento;
14) O A. é doente crónico de psoríase e carece de medicação diária regular;
15) Despendendo, mensalmente, em medicamentos, pelo menos, a importância de € 75;
16) Os AA. despendem, mensalmente, a importância de € 26,60 em gás.»

Ora, tal como se concluiu no acórdão recorrido, «contribuindo mensalmente o trabalhador falecido com uma quantia não concretamente apurada para as despesas comuns do agregado familiar, está verificado o primeiro requisito de que a lei faz depender o direito à pensão que os AA. reclamam».

Quanto ao requisito da necessidade dessa contribuição para o sustento das autoras, ao contrário do afirmado no acórdão recorrido, não se provou que a mãe do sinistrado estivesse desempregada e desprovida de rendimentos próprios.

Na verdade, perguntava-se no artigo 3.º da base instrutória se «[a]s 2.ª e 3.ª AA. estavam desempregadas e não auferiam qualquer rendimento», apenas se tendo provado que «[a] 3.ª A. estava desempregada e não auferia qualquer rendimento».

Não resulta, pois, da factualidade provada qual a relevância que o contributo do sinistrado assumia para o sustento da sua mãe, uma vez que não se demonstrou a correspondente situação económica, nomeadamente, se auferia rendimentos próprios.

Assim, apenas em relação à irmã do sinistrado se pode concluir que carecia do auxílio deste, porquanto, desprovida de rendimentos próprios e tendo continuado a estudar depois da morte do sinistrado, o atinente sustento depende dos rendimentos auferidos pelos restantes elementos do agregado familiar.

Nesta conformidade, os enunciados requisitos para a atribuição da pensão por morte do sinistrado, em acidente de trabalho, apenas se mostram preenchidos quanto à autora, sua irmã, CC.

III

Pelo exposto, decide-se conceder parcialmente a revista e revogar o acórdão recorrido, na parte em que condenou a ré a pagar à autora BB «837,98 euros, a título de pensão anual, […]» e ½ da quantia de «52 euros, a título de despesas de transportes», confirmando-se, no mais, o acórdão recorrido.

Custas, nas instâncias e na revista, a cargo da ré, na proporção do respectivo decaimento, estando os autores isentos de custas, nos termos da alínea m) do n.º 1 do artigo 2.º do Código das Custas Judiciais, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro (artigos 14.º, n.º 1, e 16.º, n.º 1, daquele Decreto-Lei).

Lisboa, 1 de Julho de 2009

Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra