Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02P3406
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LEAL HENRIQUES
Nº do Documento: SJ200212110034063
Data do Acordão: 12/11/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 6 V CR LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 51/99
Data: 03/02/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário :
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1.
Na 6ª Vara Criminal de Lisboa, e perante Tribunal Colectivo, respondeu o arguido A, devidamente id. nos autos, vindo a ser condenado na pena única, em cúmulo jurídico, de 3 anos de prisão e 30 dias de multa à razão diária de 10,00 €, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, sujeita à condição do pagamento ao Estado, e em 9 meses, da indemnização arbitrada (€ 54.236,74), pena essa resultante das penas parcelares correspondentes aos crimes de falsificação de documentos (10 meses de prisão e 30 dias de multa), burla agravada (2 anos e 6 meses de prisão) e peculato (2 anos de prisão).
Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 23 de Maio último, rejeitou o recurso em toda a linha.
Ainda irresignado vem agora o arguido impugnar junto deste Supremo Tribunal de Justiça a decisão da 2ª instância, apresentando motivação em que conclui:
- «Tendo a decisão condenatória da primeira instância confirmada pela Relação considerado aplicáveis ao caso, não só em abstracto mas também em concreto, os artigos 313º e 314º do Código Penal, no que a um dos imputados crimes respeita, a burla agravada, e sendo esse crime punível com pena cujo máximo excede oito anos, não há lugar à irrecorribilidade do acórdão da Relação que confirmou tal condenação.
- O artigo 400º, n.º 1, alínea f) do CPP, quando interpretado e aplicado em termos de vedar o recurso de acórdãos condenatórios confirmativos de acórdãos condenatórios proferidos em relação a crimes que - independentemente de critérios de aplicação da lei penal no tempo - sejam punidos com penas de máximo superior a oito anos, é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1 da CRP (direito ao recurso).
- No processo em causa e a nível de primeira instância, a última sessão de julgamento ocorreu em 08.01.02 e o acórdão foi lido, após vários adiamentos, em 01.03.02, pelo que se ultrapassou o prazo previsto no artigo 373º, n.º 1 e também o prazo a que alude o 328º, n.º 6 do CPP, razão pela qual caducou toda a prova que lhe serve de substrato;
- O artigo 328º, n.º 6 do CPP, na parte em que prevê a perda da eficácia da prova, aplica-se à situação enunciada no artigo 373º, n.º 1 do CPP, não podendo manter-se sentença lida mais de trinta dias volvidos sobre o encerramento da produção da prova, por estar então fundada em prova já sem eficácia.
- O artigo 328º, n.º 6 do CPP, quando interpretado e aplicado em termos de não ter aplicação ao caso da leitura da sentença ocorrer depois de ultrapassados trinta dias sobre o encerramento da audiência, é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1 da CRP.
- Em relação ao crime de burla, os factos dados como provados não permitem integrar o requisito típico do processo enganatório astucioso, exigido para a realização típica do crime de burla, pois que, sendo elemento essencial da burla o tirar o arguido proveito da diferença cambial da moeda brasileira face ao dólar no qual a renda do contrato simulado de arrendamento estava fixada, a verdade é que nada permite afirmar que o Ministério dos Negócios Estrangeiros fosse defraudado e induzido em erro ante tal circunstância, pelo que ocorre violação do artigo 313º, n.º 1 do Código Penal.
- Ao contrário do que supõe o Acórdão da Relação, o MNE, ao aceitar pagar na base do dólar americano, um subsídio de renda de casa referente a um país (Brasil) que tinha moeda própria, e ao poder prever que com isso o beneficiário do subsídio de renda em causa poderia tirar benefício da diferença cambial, não pode considerar-se enganado no quadro de uma burla que, tendo esse arrendamento como seu objecto, e trouxesse como benefício ao subsidiado a diferença cambial entre o dólar e a moeda local.
- Na mesma linha, e como sua consequência, se pode reiterar, tal como se disse no recurso para a Relação que os factos dados como provados não permitem o preenchimento do requisito subjectivo do dolo específico de enriquecimento ilegítimo, ocorrendo, assim, violação do artigo 313º, n.º 1 do Código Penal, pois que o elemento essencial do dano é, segundo o acórdão, o facto de o arguido estar a tirar partido da variação cambial da moeda brasileira face ao dólar americano, no qual estava fixada a renda do contrato de arrendamento simulado, quando, afinal, não está adquirido que o arguido apenas realizasse mentalmente esse possível lucro e não fosse possível, afinal, ocorrer prejuízo, por se alterar a variação cambial em sentido inverso.
- Com a mesma perspectiva, o acórdão recorrido, ao considerar verificado, no que respeita ao crime de falsificação, o dolo específico de alcance de «benefício ilegítimo», enferma de erro de Direito, por violação do artigo 228º (corpo) do Código Penal, na medida em que não há, de entre a matéria dada como provada, elementos de facto que permitam a integração de tal requisito típico, pois que os factos provados não suportam a conclusão de que o arguido, ante a inverdade dos documentos atinentes ao arrendamento visasse com isso e por causa disso, tirar benefício não legítimo.
- Ainda no que respeita ao crime de falsificação, o douto acórdão proferido ao ter condenado o arguido pelo crime previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 228º do Código Penal, quando ele vinha pronunciado pelo crime tipificado na alínea a) do mesmo preceito, e ao tê-lo feito sem garantir ao arguido a possibilidade específica de se defender ante tal alteração não substancial de factos, enferma de erro de Direito, por violação do artigo 358º, n.ºs. 1 e 3 do CPP.
- Mesmo que se pretenda que ocorra no caso identidade de factos e, por isso, mera alteração da qualificação jurídica dos mesmos, então, os artigos 1º, n.º 1 , alínea f) e 358º, n.ºs 1 e 3 do CPP, quando interpretados e aplicados, como o foram no caso, em termos de possibilitarem ao tribunal a condenação de um arguido pelo crime previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 228º do Código Penal, quando ele vinha pronunciado pelo crime previsto na alínea a) do citado preceito, sem que haja sido notificado o arguido dessa possível alteração, para que possa preparar a sua defesa face à mesma, são materialmente inconstitucionais, por violação do artigo 32º, n.º 1 e n.º 5 da CRP.
- Em relação ao crime de peculato, o acórdão recorrido, ao ter considerado que a matéria apurada integra a situação prevista no artigo 375º, n.º 1 do Código Penal actual artigo 424º, n.º 1 do Código Penal de 1982], quando, na verdade, tal situação integra o n.º 1 do artigo 376º do Código Penal actual [n.º 1 do artigo 425º do Código Penal de 1982], enferma de erro de Direito, por violação daqueles preceitos legais.
- Tal erro de Direito verificou-se quando o acórdão recorrido considerou que «as coisas meramente fungíveis, como o dinheiro, deverão entender-se excluídas da previsão desse crime [i.e., do «previsto no art. 425º do Código e, presentemente, no art. 376º» ], a não ser na situação bem definida e explicitada pelo n.º 2 do referido art. 425º ou pelo n.º 2 do citado art. 376º, interpretação das normas em causa que não pode ser aceite.
- A decisão recorrida, ao não ter dado nem como provado, nem como não provado todo um acervo de factos que constavam da contestação do arguido e que eram relevantes para a caracterização jurídica do caso e para a defesa do arguido, enferma de erro de Direito, por violação dos artigos 374º, n.º 2 e 368º, n.º 2, que obrigavam a ter de decidir num sentido ou em outro.
- Na medida em que se entenda - como se disse acima - que não estão adquiridos os requisitos típicos do crime de burla e o de falsificação e, ante a, matéria provada, o peculato integre o mero peculato de uso, a medida concreta da pena deve baixar, havendo pois que reformular o cúmulo jurídico efectuado.
- Na verdade, subsistirá então e apenas o peculato de uso, o que não só justificará medida concreta mais benigna em relação a este crime punido com pena abstracta diferenciada - ; mesmo que subsistisse a falsificação, sempre haveria lugar, a um cúmulo jurídico em medida mais benigna.
- Nestes termos, ante os erros de Direito apontados, deve ser revogado o acórdão condenatório e:

- decretada a absolvição do arguido quanto aos crimes de falsificação de burla, e também de peculato por falta de preenchimento dos requisitos típicos essenciais destas espécies de ilícitos penais;
- considerando provada a matéria atinente ao peculato, concluir-se pela mera realização típica do crime de peculato de uso;
- reformularem-se, em conformidade, as penas concretas decretadas quanto ao arguido e o cúmulo jurídico final;
- por via de tal decisão, ordenada a absolvição do arguido quanto à indemnização peticionada, pois que decorre do crime de burla cuja verificação é dada como não existente.

- A não se entender assim, e face aos erros de Direito verificados e nomeadamente ante o vício previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 410º do CPP, ordenado o reenvio do processo para novo julgamento».

O Mº Pº junto do Tribunal da Relação respondeu às questões suscitadas pelo recorrente, dizendo o seguinte:

- quanto à violação no art.º 328º do CPP - não há uniformidade na jurisprudência relativamente a tal temática, subscrevendo, no entanto, a tese do acórdão recorrido;
- quanto à não verificação dos requisitos do crime de burla - a matéria de facto provada apoia inequivocamente o processo enganatório com que o agente actuou;
- quanto à não verificação dos requisitos do crime de falsificação - perante os factos tidos por assentes é manifesto que estão preenchidos os requisitos do crime;
- quanto à violação do preceituado no art.º 358º do CPP - o aditamento do n.º 3 do art.º 358º citado, feito pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, impõe que o arguido seja ouvido quando o tribunal considera verificada e assim altera a qualificação jurídica dos factos.

Em conclusão, pois, entende o MºPº na Relação de Lisboa que, «ainda que restrita à questão da nulidade por falta de cumprimento do disposto no art. 358º do CPP ...o recurso merece provimento».
Neste Supremo Tribunal de Justiça o MºPº promoveu que o recurso fosse submetido a audiência oral.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo, havendo agora que apreciar e decidir.


2. Deu o tribunal de 1ª instância como provada a seguinte matéria de facto:

- «O arguido foi funcionário diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros entre 13 de Janeiro de 1975 e 26 de Setembro de 1997.
- Nesta última data, tinha a categoria de Conselheiro de Embaixada.
- Além de outros cargos, ao longo da sua carreira, desempenhou funções de Cônsul de Portugal em Porto Alegre, no Brasil.
- Foi nomeado para este cargo por Decreto publicado no Diário da República, IIª Série, de 31 de Março de 1990, sendo desligado do mesmo, por transferência, por Decreto publicado no Diário da República, IIª Série, de 15 de Julho de 1995.
- Tomou posse do posto de Porto Alegre a 2 de Julho de 1990, tendo aí exercido efectivamente as funções de Cônsul até 31 de Agosto de 1995.
- À data, os serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros não haviam contratado qualquer casa para residência oficial do Cônsul em Porto Alegre.
- Por esse motivo, o titular devia, por sua iniciativa, providenciar no sentido de obter uma casa para fixar a sua residência.
- Nos termos do Estatuto Diplomático, caso essa residência fosse em casa arrendada para o efeito, o titular do lugar tinha direito a receber um acréscimo à sua remuneração, designado por Abono de Habitação, destinado a compensar as despesas com o arrendamento da casa.
- O valor deste Abono de Habitação estava fixado, para o Brasil e para o tempo em que o arguido aí desempenhou funções, no montante máximo mensal de 1.009 dólares dos Estados Unidos da América até ao fim de 1991 e de 1602 dólares após 1 de Janeiro de 1992.
- Para receber tal montante, o titular do cargo deveria demonstrar, junto dos serviços do Ministério, que celebrara um contrato de arrendamento e deveria, além disso, comprovar mensalmente a despesa com o pagamento da renda respectiva.
- Caso o montante da renda fosse superior ao referido valor máximo fixado, o Ministério apenas pagaria ao funcionário esse valor máximo; sendo o valor da renda inferior ao máximo fixado, o titular do cargo apenas seria reembolsado do valor real da renda que efectivamente suportava.
- Assim, no período em que desempenhou funções em Porto Alegre, o arguido teria direito a receber até ao valor máximo mensal de 1.009 dólares dos Estados Unidos da América até ao fim de 1991 e de 1.602 dólares após 1 de Janeiro de 1992, a título de Abono de Habitação, caso arrendasse uma casa e comprovasse junto dos serviços do Ministério a celebração do contrato e o pagamento das rendas.
- Decidiu, então, o arguido arrendar uma casa para sua habitação.
- Tomou de arrendamento, a B, melhor id.a fls.117, uma casa sita na Rua Alcebíades António dos Santos, n°..., em Porto Alegre.
- No respectivo contrato, firmado a 1 de Agosto de 1990, foi estipulado, como renda mensal, o preço de 120.000 cruzeiros do Brasil.
- O arguido residiu neste local entre 1 de Agosto de 1990 e 31 de Julho de 1991.
- Pagou as rendas inerentes, durante o período de um ano em que ocupou a casa, nesse valor mensal de 120.000 cruzeiros.
- Entretanto, decidiu mudar de local de residência e, a 1 de Abril de 1991, celebrou um novo contrato de arrendamento com C, melhor id.a fls.119, pelo qual tomou de arrendamento uma casa sita na Rua Cônego Viana, n°...., em Porto Alegre.
- Neste novo contrato foi estipulado, como renda mensal, o preço de 300.000 cruzeiros do Brasil.
- O arguido residiu neste local entre 1 de Agosto de 1991 e 31 de Agosto de 1995.
- Pagou a renda inerente, mensalmente e até Novembro de 1991.
- A partir de Dezembro de 1991, passou a depositar a renda à ordem do Tribunal, por se ter envolvido em litígio judicial com a senhoria, deduzindo, porém, uma parte a que julgava ter direito.
- Porém, o arguido nunca comunicou ao Ministério que residia em qualquer destas casas, não solicitando assim o reembolso das quantias que pagou a título de renda das mesmas.
- De facto, o arguido sabia que o Abono de Habitação a que tinha direito, nas condições descritas, estava fixado em dólares dos Estados Unidos, moeda em que lhe seria pago.
- Sabia também que, à data, havia uma grande, permanente e constante desvalorização do cruzeiro, moeda com curso legal no Brasil.
- Assim, quando celebrou o contrato de arrendamento da primeira casa onde residiu, a respectiva renda, fixada em 120.000 cruzeiros, equivalia a 1.706,97 dólares americanos, à cotação então vigente de 70,30 cruzeiros por cada dólar.
- Porém, logo no mês seguinte, já valia apenas 1.693,95 dólares, à cotação então de 70,84 cruzeiros por cada dólar.
- Portanto, no momento da celebração do contrato, a renda efectivamente paga pelo arguido em cruzeiros era superior à quantia máxima, em dólares, a que o arguido tinha direito a receber de Abono de Habitação.
- Desde logo, porém, se apercebeu de que, mantendo-se o processo de desvalorização do cruzeiro, em breve o valor que pagava de renda seria inferior ao máximo tabelado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em dólares.
- Percebeu que em breve, previsivelmente, a quantia a que tinha direito, como reembolso da renda de casa, sendo igual em cruzeiros, passaria a ser inferior à quantia máxima estipulada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.
- Formulou, então, o propósito de obter lucro com esta desvalorização do cruzeiro face ao valor do dólar americano.
- Para esse efeito, decidiu não remeter ao Ministério o contrato que firmara com B, cuja renda estava fixada em cruzeiros.
- Decidiu, sim, obter, por qualquer forma, um outro contrato de arrendamento, não correspondente com a realidade, cuja renda estivesse fixada em dólares.
- Pretendia, deste modo, receber a quantia máxima fixada pelo Ministério, em dólares, ainda que o real valor que pagava de renda, em cruzeiros, fosse inferior.
- Sabia que apenas tinha direito a ser reembolsado da quantia que efectivamente gastasse, até ao limite máximo, planeando, assim, ficar com a diferença para si.
- Na prossecução dos seus intentos, solicitou a D, melhor id.a fls.308, cidadão brasileiro e funcionário do Consulado de Portugal em Porto Alegre, com a categoria de Secretário de 1.ª classe, que outorgasse, como senhorio, um contrato de arrendamento.
- Nesse contrato, figuraria o arguido como arrendatário.
- D teve receio de, recusando, sofrer represálias do arguido, seu superior hierárquico e, por isso, aceitou assinar um tal contrato.
- Para o efeito, com data de 1 de Agosto de 1990, foi celebrado entre o arguido e D um contrato de arrendamento, em que este último, figurando nele como aposentado, outorgava como senhorio e o arguido como arrendatário.
- Nos seus termos, o arguido tomava de arrendamento uma casa na Avenida Lavras, n°.300, em Porto Alegre, pelo preço mensal de 2.100 dólares dos Estados Unidos da América.
- Além deste contrato, também a pedido do arguido e pelos mesmos motivos, D assinou recibos de renda daquela casa que lhe eram apresentados por aquele, pessoalmente ou por sua ordem.
- Porém, aquele contrato não se destinava a ser cumprido, nem o foi.
- O arguido nunca tencionou vir a residir, nem efectivamente residiu naquela casa.
- Nunca pagou, nem tinha que pagar , qualquer valor a D, a título de renda de casa.
- Munido deste contrato, ainda na prossecução dos seus intentos, a 4 de Setembro de 1990, o arguido remeteu cópia do mesmo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
- Remeteu, também, cópia do primeiro recibo de renda de casa cuja assinatura solicitara a D.
- Informou, assim, o Ministério de que aquele contrato respeitava à casa que escolhera para sua residência e que o respectivo preço era o custo que suportava com o pagamento da respectiva renda.
- Mais tarde, remeteu ao Ministério recibos mensais de renda de casa referentes a todos os meses em que prestou serviço em Porto Alegre.
- Assim aconteceu até 25 de Julho de 1995, altura em que remeteu o recibo respeitante a Junho de 1995.
- A 1 de Setembro de 1995, E, Chanceler do Consulado, melhor id.a fls.306, por instruções do arguido, remeteu ainda os recibos respeitantes a Julho e Agosto de 1995.
- Nestes recibos, antes da respectiva remessa ao Ministério, foi aposto o carimbo a óleo em uso no Consulado, sendo todos eles rubricados pelo arguido, à excepção do último, que foi rubricado pelo referido Chanceler, ainda por instruções do arguido.
- Desta forma, o arguido fez remeter ao Ministério dos Negócios Estrangeiros recibos de renda de casa respeitantes aos meses de Agosto de 1990 a Agosto de 1995.
- O arguido sabia que o pagamento de Abono de Habitação era efectuado pelo Ministério tendo como referência apenas as informações que lhe fossem por ele remetidas.
- Sabia pois que, se remetesse informações e documentos não verdadeiros, como remeteu, poderia convencer os serviços competentes a pagarem-lhe quantias que não lhe eram devidas.
- Com efeito, ao longo deste tempo, veio a receber do Ministério o pagamento da quantia máxima tabelada para Abono de Habitação.
- Entretanto, quando mudou de casa, em Agosto de 1991, o arguido também não deu conhecimento desse facto ao Ministério.
- Não comunicou que havia mudado de casa, nem que celebrara um novo contrato de arrendamento.
-Sabia que vinha recebendo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a título de Abono de Habitação, quantias superiores àquelas que pagava a título de renda de casa.
- De facto, durante os anos de 1990 e 1991, quer antes, quer depois de ter mudado de residência, veio a fazer suas quantias progressivamente mais elevadas, uma vez que era pago em dólares e pagava a renda em cruzeiros.
- Aliás, a 1 de Agosto de 1991, quando mudou de casa, pagando de renda a quantia de 300.000 cruzeiros, recebeu a quantia de 351.980 cruzeiros, correspondentes ao então câmbio de 1.009 dólares americanos, à taxa de 348,84 cruzeiros por dólar.
- Deste modo, logo quando mudou de casa, o arguido já recebia do Ministério um Abono de Habitação de valor superior ao que efectivamente pagava de renda de casa.
- Não obstante, não comunicou a sua mudança de casa ao Ministério, apesar de saber que o deveria ter feito.
- Pelo contrário, omitiu tal facto, na prossecução dos desígnios que antes havia adoptado.
- Todavia, tinha consciência de que, assim, estava a fazer suas as quantias respeitantes ao pagamento do Abono de Habitação que sobravam após o respectivo pagamento das rendas, que eram cada vez mais altas, em função da desvalorização do cruzeiro.
- No período em que desempenhou funções no Brasil, a moeda que aí tinha curso legal - o cruzeiro, até 31 de Julho de 1993, o cruzeiro real entre 1 de Agosto de 1993 e 31 de Junho de 1994 e o real a partir de 1 de Julho de 1994 -, manteve sempre uma desvalorização muito elevada até Julho de 1994, face a outras moedas e, designadamente, face ao dólar americano, moeda em que o arguido era para o efeito remunerado.
- Isso resulta, como segue, dos quadros de onde constam as quantias recebidas pelo arguido a título de Abono de Habitação e a taxa cambial de conversão do dólar para a moeda brasileira, nos anos e meses indicados:



1990Taxa de Câmbio dólar/cruzeiroAbono de Habitação (em dólares)
1 de Agosto
70,30
1.009
1 de Setembro
70,84
1.009
1 de Outubro
84, 80
1.009
1 de Novembro
108,19
1.009
1 de Dezembro
147,17
1.009
Total de 1990
-
5.045


1991Taxa de Câmbio dólar/cruzeiroAbono de Habitação (em dólares)
1 de Janeiro
172,60
1.009
1 de Fevereiro
220,14
1.009
1 de Março
224,67
1.009
1 de Abril
241,83
1.009
1 de Maio
261,78
1.009
1 de Junho
286,01
1.009
1 de Julho
313,37
1.009
1 de Agosto
348,84
1.009
1 de Setembro
397,19
1.009
1 de Outubro
530,66
1.009
1 de Novembro
650,57
1.009
1 de Dezembro
850,60
1.009
Total de 1991
-
12.108


1992Taxa de Câmbio dólar/cruzeiroAbono de Habitação (em dólares)
1 de Janeiro
1.079,40
1.602
1 de Fevereiro
1.333,25
1.602
1 de Março
1.647,55
1.602
1 de Abril
2.007,10
1.602
1 de Maio
2.417,00
1.602
1 de Junho
2.874,50
1.602
1 de Julho
3.475,90
1.602
1 de Agosto
4.244,50
1.602
1 de Setembro
5.184,60
1.602
1 de Outubro
6.468,50
1.602
1 de Novembro
8.123,00
1.602
1 de Dezembro
10.046,20
1.602
Total de 1992
.-
19.224

1993Taxa de Câmbio dólar/cruzeiro
(cruzeiro real após Agosto)
Abono de Habitação (em dólares)
1 de Janeiro
12.531,50
1.602
1 de Fevereiro
15.931,25
1.602
1 de Março
20.062,00
1.602
1 de Abril
25.444,50
1.602
1 de Maio
32.665,00
1.602
1 de Junho
42.239,65
1.602
1 de Julho
55.676,70
1.602
1 de Agosto
72,069
1.602
1 de Setembro
95,980
1.602
1 de Outubro
130,040
1.602
1 de Novembro
176,690
1.602
1 de Dezembro
239,165
1.602
Total de 1993
-
19.224

1994Taxa de Câmbio dólar/cruzeiro
real (real após Julho)
Abono de Habitação (em dólares)
1 de Janeiro
331,220
1.602
1 de Fevereiro
467,371
1.602
1 de Março
647,303
1.602
1 de Abril
930,902
1.602
1 de Maio
1.323,053
1.602
1 de Junho
1.908,012
1.602
1 de Julho
1,000
1.602
1 de Agosto
0,9320
1.602
1 de Setembro
0,8850
1.602
1 de Outubro
0,8490
1.602
1 de Novembro
0,8450
1.602
1 de Dezembro
0,8480
1.602
Total de 1994
-
19.224

1995Taxa de Câmbio dólar/real Abono de Habitação (em dólares)
1 de Janeiro
0,8450
1.602
1 de Fevereiro
0,8430
1.602
1 de Março
0,8500
1.602
1 de Abril
0,9020
1.602
1 de Maio
0,9140
1.602
1 de Junho
0,9080
1.602
1 de Julho
0,9200
1.602
1 de Agosto
0,9360
1.602
Total de 1995
-
12.816

- Nesse período de tempo, o arguido recebeu, assim, a quantia mensal de 1.009 dólares dos Estados Unidos da América por mês nos 17 meses entre Agosto de 1990 e Dezembro de 1991 - no valor total de 17.153 dólares - e a quantia mensal de 1.602 dólares nos 44 meses entre Janeiro de 1992 e Agosto de 1995 - no valor total de 70.488 dólares.
- Tudo isso tinha o valor global de 87.641 dólares.
- A esta quantia, em dólares, equivalia em escudos portugueses a quantia de Esc.13.226.082$00 (treze milhões duzentos e vinte e seis mil e oitenta e dois escudos).
- De facto, nas diferentes datas, a taxa de câmbio do dólar americano em escudos portugueses era a seguinte, onde se refere também o valor que o arguido recebeu, em dólares, e o respectivo contravalor em escudos:

1990Taxa de Câmbio dólar/escudo
Abono de Habitação
(em dólares)
Abono de Habitação
(em escudos)
1 de Agosto
140,260
1.009
141.522$00
1 de Setembro
139,833
1.009
141.092$00
1 de Outubro
137,350
1.009
138.586$00
1 de Novembro
132,598
1.009
133.791$00
1 de Dezembro
132,401
1.009
133.593$00
Total de 1990
-
5.045
688.584$00

1991Taxa de Câmbio dólar/escudo
Abono de Habitação
(em dólares)
Abono de Habitação
(em escudos)
1 de Janeiro
132,940
1.009
134.136$00
1 de Fevereiro
130,675
1.009
131.851$00
1 de Março
134,528
1.009
135.739$00
1 de Abril
149,406
1.009
150.761$00
1 de Maio
147,641
1.009
148.970$00
1 de Junho
152,649
1.009
154.023$00
1 de Julho
156,942
1.009
158.354$00
1 de Agosto
149,850
1.009
151.199$00
1 de Setembro
149,454
1.009
150.799$00
1 de Outubro
143,863
1.009
145.158$00
1 de Novembro
140,882
1.009
142.150$00
1 de Dezembro
143,379
1.009
144.669$00
Total de 1991
-
12.108 1.747.839$00

1992Taxa de Câmbio dólar/escudo
Abono de Habitação
(em dólares)
Abono de Habitação
(em escudos)
1 de Janeiro
133,485
1.602
213.843$00
1 de Fevereiro
138,318
1.602
221.585$00
1 de Março
140,734
1.602
225.456$00
1 de Abril
142,634
1.602
228.500$00
1 de Maio
138,427
1.602
221.760$00
1 de Junho
132,449
1.602
212.183$00
1 de Julho
126,704
1.602
202.980$00
1 de Agosto
125,735
1.602
201.427$00
1 de Setembro
122,444
1.602
196.155$00
1 de Outubro
125,572
1.602
201.166$00
1 de Novembro
137,860
1.602
220.852$00
1 de Dezembro
141,550
1.602
226.763$00
Total de 1992
-
19.224 2.572.670$00

1993Taxa de Câmbio dólar/escudo Abono de Habitação
(em dólares)
Abono de Habitação
(em escudos)
1 de Janeiro
147,405
1.602
236.143$00
1 de Fevereiro
146,853
1.602
235.259$00
1 de Março
151,305
1.602
242.390$00
1 de Abril
149,459
1.602
239.433$00
1 de Maio
146,798
1.602
235.170$00
1 de Junho
153,477
1.602
245.870$00
1 de Julho
162,940
1.602
261.030$00
1 de Agosto
182,339
1.602
292.107$00
1 de Setembro
170,246
1.602
272.734$00
1 de Outubro
168,816
1.602
270.443$00
1 de Novembro
174,816
1.602
280.046$00
1 de Dezembro
175,864
1.602
281.734$00
Total de 1993
-
19.224 3.092.359$00
1994Taxa de Câmbio dólar/escudo
Abono de Habitação
(em dólares)
Abono de Habitação
(em escudos)
1 de Janeiro
176,628
1.602
282.958$00
1 de Fevereiro
174,449
1.602
279.467$00
1 de Março
173,434
1.602
277.841$00
1 de Abril
172,830
1.602
276.874$00
1 de Maio
170,189
1.602
272.643$00
1 de Junho
170,896
1.602
273.775$00
1 de Julho
165,009
1.602
264.344$00
1 de Agosto
159,868
1.602
256.109$00
1 de Setembro
161,073
1.602
258.039$00
1 de Outubro
158,705
1.602
254.245$00
1 de Novembro
153,023
1.602
245.143$00
1 de Dezembro
161,000
1.602
257.922$00
Total de 1994
-
19.224 3.199.360$00

1995Taxa de Câmbio dólar/escudo
Abono de Habitação
(em dólares)
Abono de Habitação
(em escudos)
1 de Janeiro
159,316
1.602
255.224$00
1 de Fevereiro
157,559
1.602
252.410$00
1 de Março
151,562
1.602
242.802$00
1 de Abril
145,622
1.602
233.286$00
1 de Maio
146,441
1.602
234.598$00
1 de Junho
151,028
1.602
241.947$00
1 de Julho
145,977
1.602
233.855$00
1 de Agosto
144,287
1.602
231.148$00
Total de 1995
-
12.816 1.925.270$00


- Durante esse período de tempo, porém, o arguido não teve de suportar com o pagamento da renda de casa despesas nesse valor.
- Pagou, sim, uma quantia global muito inferior.
- Assim, por exemplo, no ano de 1992, recebeu a quantia total de 19.224 dólares americanos, correspondentes a 78.340.203 cruzeiros, quando, na verdade, apenas estava contratualmente obrigado a pagar de renda a quantia mensal de 300.000 cruzeiros, correspondendo-lhe anualmente a quantia de 3.600.000 cruzeiros.
- Tendo apenas direito a receber a quantia que gastasse para pagar a renda de casa, recebeu, deste modo, a mais nesse ano de 1992 a quantia equivalente a 74.740.203 cruzeiros.
- Isso mesmo resulta do seguinte quadro, aí se descrevendo as quantias pagas pelo arguido a título de renda de casa e as quantias que efectivamente recebeu, estas convertidas para cruzeiros, com a respectiva taxa de câmbio:

    1992
Renda
Efectivamente
Paga(cruzeiros)
Taxa de Câmbio dólar/cruzeiroAbono de
Habitação
(em dólares)
Conversão do
Abono em
Cruzeiros
    1 de Janeiro
300.000 1079,40 1.602 1.729.198,80
1 de Fevereiro 300.000 1333,25 1.602 2.135.866,50
1 de Março 300.000 1647,55 1.602 2.639.375,10
1 de Abril 300.000 2007,10 1.602 3.215.374,20
1 de Maio 300.000 2417,00 1.602 3.872.034,00
1 de Junho 300.000 2874,50 1.602 4.604.949,00
1 de Julho 300.000 3475,90 1.602 5.568.391,80
1 de Agosto 300.000 4244,50 1.602 6.799.689,00
1 de Setembro 300.000 5184,60 1.602 8.305.729,20
1 de Outubro 300.000 6468,50 1.602 10.362.537,00
1 de Novembro 300.000 8123,00 1.602 13.013.046,00
1 de Dezembro 300.000 10046,20 1.602 16.094.012,40
    Total de 1992
3.600.000 - 19.224 78.340.203,00

- Nas datas em que se verificaram as alterações de moeda com curso legal no Brasil, o cruzeiro real equivalia a 1000 cruzeiros e o real equivalia a 2750 cruzeiros reais.
- As cotações em escudos da moeda brasileira e ao longo dos anos de 1990 a 1995 sofreram variações constantes, apresentando, nos finais de cada um desses anos, os valores indicados a fls. 543.
- Aplicando as referidas equivalências e cotações, o arguido pagou ao longo desses anos os montantes anuais de renda adiante descriminados:

ANO DE 1990
VALORES
Renda efectivamente paga
120 000 cruzeiros x 5 meses
Total
600 000 cruzeiros
Taxa de câmbio para escudos, relativa a 1990
$829.71
Total efectivamente pago
497 826$00

ANO DE 1991
VALORES
Renda efectivamente paga
120 000 cruzeiros x 7 meses
300 000 cruzeiros x 5 meses
Total
2 340 000 cruzeiros
Taxa de câmbio para escudos, relativa a 1991
$126.94
Total efectivamente pago
297 040$00

ANO DE 1992
VALORES
Renda efectivamente paga
300 000 cruzeiros x 12 meses
Total
3 600 000 cruzeiros
Taxa de câmbio para escudos, relativa a 1992
$01.199
Total efectivamente pago
43 164$00

ANO DE 1993
VALORES
Renda efectivamente paga
300 000 cruzeiros x 7 meses
300 cruzeiros reais x 5 meses
Total
2 100 000 cruzeiros + 1 500 cruzeiros reais
Taxa de câmbio para escudos, relativa a 1993
$55.971
Total efectivamente pago
1 176 231$00

ANO DE 1994
VALORES
Renda efectivamente paga :
300 cruzeiros reais x 6 meses
0.10 reais x 6 meses
Total
1 800 cruzeiros reais + 0.60 reais
Taxa de câmbio para escudos, relativa a 1994
187$831
Total efectivamente pago
338 208$00

ANO DE 1995
VALORES
Renda efectivamente paga
0.10 reais x 8 meses
Total
0.80 reais
Taxa de câmbio para escudos, relativa a 1995
153$717
Total efectivamente pago
123$00


- O arguido sabia que apenas tinha direito a receber, a título de Abono de Habitação, a quantia que efectivamente pagasse a título de renda de casa, a menos que esta fosse superior ao máximo tabelado, caso em que tinha direito a receber este valor máximo.
- Isso não o impediu de proceder como descrito, tendo em vista vir a receber, como recebeu, quantias muito superiores àquelas a que tinha direito.
- Foi sempre pago pelo Estado nos valores máximos fixados para o Abono de Habitação nesses períodos.
- Não devolveu ao Estado qualquer parcela desse montante.
- A título desse Abono de Habitação, recebeu, no total o montante de Esc.13. 226.082$00 (treze milhões duzentos e vinte seis mil e oitenta e dois escudos) e tão - só despendeu a quantia total de Esc. 2.352.592$00 (dois milhões trezentos e cinquenta e dois mil quinhentos e noventa e dois escudos), para o pagamento das mencionadas rendas.
- O arguido tinha conhecimento de que o Consulado de Porto Alegre, como todos os consulados, tinha um fundo de maneio, constituído por verbas depositadas na conta bancária do Consulado e também por receitas resultantes da cobrança de emolumentos consulares, cobrados ao balcão.
- Este fundo de maneio, composto por quantias em dinheiro - em cruzeiros, até 31 de Julho de 1993, em cruzeiros reais entre 1 de Agosto de 1993 e 31 de Junho de 1994 e em reais a partir de 1 de Julho de 1994 -, destinava-se a ser usado para fazer face a despesas correntes dos serviços do Consulado.
- Sabia o arguido que não lhe era permitido usar estas verbas para pagar despesas pessoais.
- Porém, deu ordem no sentido de que, por um lado, lhe fossem facultadas quantias monetárias para despesas, e por outro, que fossem pagas despesas pessoais suas com aquelas verbas.
- Para esse efeito, deu ordem para que fossem emitidos cheques sobre a conta n°. 21.959-2 que o Consulado tinha no Banco Bradesco.
- Desta forma, foram emitidos e assinados pelo Chanceler do Consulado, por ordem do arguido, cheques para pagamento de despesas pessoais deste, nos seguintes valores e debitados nas seguintes datas:
-cheque no valor de 112.840,46 cruzeiros, debitado no dia 02/08/90;
- cheque no valor de 120.000 cruzeiros, debitado no dia 02/08/90;
- cheque no valor de 120.000 cruzeiros, debitado no dia 01/10/90;
- cheque no valor de 120.000 cruzeiros, debitado no dia 01/11/90;
- cheque no valor de 120.000 cruzeiros, debitado no dia 03/12/90;
- cheque no valor de 196.676 cruzeiros, debitado no dia 02/01/91;
- cheque no valor de 158.338 cruzeiros, debitado no dia 04/02/91;
- cheque no valor de 186.174 cruzeiros, debitado no dia 01/03/91;
- cheque no valor de 153.138 cruzeiros, debitado no dia 01/03/91;
- cheque no valor de 184.000 cruzeiros, debitado no dia 01/04/91;
- cheque no valor de 300.000 cruzeiros, debitado no dia 02/05/91;
- cheque no valor de 1.145.000 cruzeiros, debitado no dia 03/06/91;
- cheque no valor de 300.000 cruzeiros, debitado no dia 04/06/91;
- cheque no valor de 70.000 cruzeiros, debitado no dia 04/06/91;
- cheque no valor de 189.894,76 cruzeiros, debitado no dia 05/06/91;
- cheque no valor de 400.000 cruzeiros, debitado no dia 18/06/91;
- cheque no valor de 100.000 cruzeiros, debitado no dia 20/06/91;
- cheque no valor de 190.000 cruzeiros, debitado no dia 01/07/91;
- cheque no valor de 189.894,76 cruzeiros, debitado no dia 01/07/91;
- cheque no valor de 300.000 cruzeiros, debitado no dia 04/07/91;
- cheque no valor de 50.000 cruzeiros, debitado no dia 5/07/91;
- cheque no valor de 232.000 cruzeiros, debitado no dia 08/07/91;
- cheque no valor de 60.000 cruzeiros, debitado no dia 11/07/91;
- cheque no valor de 140.000 cruzeiros, debitado no dia 15/07/91;
- cheque no valor de 450.000 cruzeiros, debitado no dia 18/07/91;
- cheque no valor de 500.000 cruzeiros, debitado no dia 01/08/91;
- cheque no valor de 33.769 cruzeiros, debitado no dia 02/08/91;
- cheque no valor de 28.000 cruzeiros, debitado no dia 07/08/91;
- cheque no valor de 400.000 cruzeiros, debitado no dia 08/08/91;
- cheque no valor de 50.000 cruzeiros, debitado no dia 12/08/91;
-cheque no valor de 524.945,55 cruzeiros, debitado no dia 14/08/91;
- cheque no valor de 70.000 cruzeiros, debitado no dia 16/08/91;
- cheque no valor de 67.000 cruzeiros, debitado no dia 20/08/91;
- cheque no valor de 150.000 cruzeiros, debitado no dia 22/08/91;
- cheque no valor de 67.502 cruzeiros, debitado no dia 27/08/91;
-cheque no valor de 150.000 cruzeiros, debitado no dia 02/09/91;
- cheque no valor de 200.000 cruzeiros, debitado no dia 16/09/91;
- cheque no valor de 300.000 cruzeiros, debitado no dia 04/10/91;
-cheque no valor de 70.000 cruzeiros, debitado no dia 25/10/91;
-cheque no valor de 616.881 cruzeiros, debitado no dia 05/11/91;
-cheque no valor de 36.000 cruzeiros, debitado no dia 07/11/91;
-cheque no valor de 500.000 cruzeiros, debitado no dia 02/12/91;
-cheque no valor de 60.000 cruzeiros, debitado no dia 03/12/91;
-cheque no valor de 80.000 cruzeiros, debitado no dia 04/12/91;
-cheque no valor de 137.733,25 cruzeiros, debitado no dia 06/12/91;
-cheque no valor de 220.000 cruzeiros, debitado no dia 09/12/91;
-cheque no valor de 917.000 cruzeiros, debitado no dia 12/12/91;
-cheque no valor de 107.023 cruzeiros, debitado no dia 16/12/91;
-cheque no valor de 280.000 cruzeiros, debitado no dia 17/12/91;
-cheque no valor de 500.000 cruzeiros, debitado no dia 03/01/92,
-cheque no valor de 400.000 cruzeiros, debitado no dia 21/01/92;
-cheque no valor de 199.539 cruzeiros, debitado no dia 04/02/92;
-cheque no valor de 80.000 cruzeiros, debitado no dia 05/02/92;
-cheque no valor de 54.317 cruzeiros, debitado no dia 07/02/92;
-cheque no valor de 120.000 cruzeiros, debitado no dia 07/02/92;
-cheque no valor de 54.000 cruzeiros, debitado no dia 07/02/92;
-cheque no valor de 180.000 cruzeiros, debitado no dia 11/02/92;
-cheque no valor de 600.000 cruzeiros, debitado no dia 13/02/92;
-cheque no valor de 120.000 cruzeiros, debitado no dia 13/02/92;
-cheque no valor de 54.800 cruzeiros, debitado no dia 17/02/92;
-cheque no valor de 46.690 cruzeiros, debitado no dia 24/02/92;
-cheque no valor de 70.000 cruzeiros, debitado no dia 24/02/92;
-cheque no valor 300.000 cruzeiros, debitado no dia 28/02/92;
-cheque no valor de 140.000 cruzeiros, debitado no dia 04/03/92;
-cheque no valor de 200.000 cruzeiros, debitado no dia 20/03/92;
-cheque no valor de 200.000 cruzeiros, debitado no dia 02/04/92;
-cheque no valor de 100.000 cruzeiros, debitado no dia 02/04/92;
-cheque no valor de 180.000 cruzeiros, debitado no dia 06/04/92;
-cheque no valor de 558.000 cruzeiros, debitado no dia 10/04/92;
-cheque no valor de 4.966.500 cruzeiros, debitado no dia 14/04/92;
-cheque no valor de 300.000 cruzeiros, debitado no dia 24/04/92;
-cheque no valor de 2.202.511,30 cruzeiros, debitado no dia 05/05/92;
-cheque no valor de 492.300 cruzeiros, debitado no dia 12/05/92;
-cheque no valor de 260.000 cruzeiros, debitado no dia 14/05/92;
-cheque no valor de 109.200 cruzeiros, debitado no dia 15/05/92;
-cheque no valor de 350.000 cruzeiros, debitado no dia 15/05/92;
-cheque no valor de 1.800.000 cruzeiros, debitado no dia 19/05/92;
-cheque no valor de 1.072.030,66 cruzeiros, debitado no dia 27/05/92;
-cheque no valor de 500.000 cruzeiros, debitado no dia 03/06/92;
-cheque no valor de 140.000 cruzeiros, debitado no dia 03/06/92;
-cheque no valor de 2.202.511,30 cruzeiros, debitado no dia 03/06/92;
-cheque no valor de 1.200.000 cruzeiros, debitado no dia 03/06/92;
-cheque no valor de 1.356.000 cruzeiros, debitado no dia 09/06/92;
-cheque no valor de 1.055.000 cruzeiros, debitado no dia 09/06/92;
-cheque no valor de 2.550.720 cruzeiros, debitado no dia 11/06/92;
-cheque no valor de 200.000 cruzeiros, debitado no dia 12/06/92;
-cheque no valor de 696.000 cruzeiros, debitado no dia 12/06/92;
-cheque no valor de 128.000 cruzeiros, debitado no dia 16/06/92;
-cheque no valor de 75.000 cruzeiros, debitado no dia 22/06/92;
-cheque no valor de 1.072.030 cruzeiros, debitado no dia 25/06/92;
-cheque no valor de 669.000 cruzeiros, debitado no dia 25/06/92;
-cheque no valor de 783.000 cruzeiros, debitado no dia 01/07/92;
-cheque no valor de 3.690.966 cruzeiros, debitado no dia 01/07/92;
-cheque no valor de 1.630.000 cruzeiros, debitado no dia 02/07/92;
-cheque no valor de 2.202.511,30 cruzeiros, debitado no dia 03/07/92;
-cheque no valor de 200.000 cruzeiros, debitado no dia 06/07/92;
-cheque no valor de 500.000 cruzeiros, debitado no dia 10/07/92;
-cheque no valor de 120.000 cruzeiros, debitado no dia 15/07/92;
-cheque no valor de 440.000 cruzeiros, debitado no dia 20/07/92;
-cheque no valor de 197.000 cruzeiros, debitado no dia 21/07/92;
-cheque no valor de 200.000 cruzeiros, debitado no dia 23/07/92;
-cheque no valor de 450.000 cruzeiros, debitado no dia 27/07/92;
-cheque no valor de 2.202.511,30 cruzeiros, debitado no dia 05/08/92;
-cheque no valor de 3.245.900 cruzeiros, debitado no dia 02/09/92;
-cheque no valor de 2.370.300 cruzeiros, debitado dia 02/09/92;
-cheque no valor de 3.000.000 cruzeiros, debitado dia 04/09/92;
-cheque no valor de 1.317.000 cruzeiros, debitado dia 08/09/92;
-cheque no valor de 10.950.000 cruzeiros, debitado dia 01/10/92;
-cheque no valor de 2.844.000 cruzeiros, debitado no dia 05/10/92;
-cheque no valor de 1.727.700 cruzeiros, debitado no dia 13/10/92;
-cheque no valor de 791.010 cruzeiros, debitado no dia 13/10/92;
-cheque no valor de 2.178.330 cruzeiros, debitado no dia 16/10/92;
-cheque no valor de 338.036 cruzeiros, debitado no dia 22/10/92;
-cheque no valor de 1.450.000 cruzeiros, debitado no dia 23/10/92;
-cheque no valor de 242.600 cruzeiros, debitado no dia 27/10/92;
-cheque no valor de 279.700 cruzeiros, debitado no dia 04/l 1/92;
-cheque no valor de 2.178.330 cruzeiros, debitado no dia 04/11/92;
-cheque no valor de 685.000 cruzeiros, debitado no dia 09/11/92;
-cheque no valor de 371.600 cruzeiros, debitado no dia 10/11/92;
-cheque no valor de 2.600.000 cruzeiros, debitado no dia 11/11/92;
-cheque no valor de 370.000 cruzeiros, debitado no dia 11/11/92;
-cheque no valor de 160.000 cruzeiros, debitado no dia 11/11/92;
-cheque no valor de 180.000 cruzeiros, debitado no dia 12/11/92;
-cheque no valor de 6.399.000 cruzeiros, debitado no dia 17/11/92;
-cheque no valor de 384.000 cruzeiros, debitado no dia 04/12/92;
-cheque no valor de 3.400.000 cruzeiros, debitado no dia 07/12/92;
-cheque no valor de 479.000 cruzeiros, debitado no dia 10/12/92;
-cheque no valor de 3.000.000 cruzeiros, debitado no dia 17/12/92;
-cheque no valor de 530.000 cruzeiros, debitado no dia 18/12/92;
-cheque no valor de 14.200.000 cruzeiros, debitado no dia 22/12/92;
-cheque no valor de 8.000.000 cruzeiros, debitado no dia 22/12/92;
-cheque no valor de 7.300.000 cruzeiros, debitado no dia 05/01/93;
-cheque no valor de 6.800.000 cruzeiros, debitado no dia 15/01/93;
-cheque no valor de 5.600.000 cruzeiros, debitado no dia 15/01/93;
-cheque no valor de 5.425.000 cruzeiros, debitado no dia 19/01/93;
-cheque no valor de 3.128.418 cruzeiros, debitado no dia 11/02/93;
-cheque no valor de 9.600.000 cruzeiros, debitado no dia 2/03/93;
-cheque no valor de 2.381.810 cruzeiros, debitado no dia 02/03/93;
-cheque no valor de 10.000.000 cruzeiros, debitado no dia 17/03/93;
-cheque no valor de 7.647.779,99 cruzeiros, debitado no dia 05/04/93;
-cheque no valor de 8.000.000 cruzeiros, debitado no dia 03/05/93;
-cheque no valor de 2.205.000 cruzeiros, debitado no dia 04/05/93;
-cheque no valor de 21.000.000 cruzeiros, debitado no dia 05/05/93;
-cheque no valor de 980.000 cruzeiros, debitado no dia 10/05/93;
-cheque no valor de 6.908.000 cruzeiros, debitado no dia 10/05/93;
-cheque no valor de 6.500.000 cruzeiros, debitado no dia 24/05/93;
-cheque no valor de 10.000.000 cruzeiros, debitado no dia 26/05/93;
-cheque no valor de 8.757.950 cruzeiros, debitado no dia 02/06/93;
-cheque no valor de 30.000.000 cruzeiros, debitado no dia 03/06/93;
-cheque no valor de 7.150.000 cruzeiros, debitado no dia 04/06/93;
-cheque no valor de 7.008.000 cruzeiros, debitado no dia 08/06/93;
-cheque no valor de 17.550.000 cruzeiros, debitado no dia 11/06/93;
-cheque no valor de 25.920.000 cruzeiros, debitado no dia 11/06/93;
-cheque no valor de 57.681.000 cruzeiros, debitado no dia 14/06/93;
-cheque no valor de 15.000.000 cruzeiros, debitado no dia 21/06/93;
-cheque no valor de 16.376.000 cruzeiros, debitado no dia 02/07/93;
-cheque no valor de 17.000.000 cruzeiros, debitado no dia 05/07/93;
-cheque no valor de 144.536.714 cruzeiros, debitado no dia 05/07/93;
-cheque no valor de 37.000.000 cruzeiros, debitado no dia 06/07/93;
-cheque no valor de 173.265.000 cruzeiros, debitado no dia 08/07/93;
-cheque no valor de 54.400.000 cruzeiros, debitado no dia 09/07/93;
-cheque no valor de 45.010.000 cruzeiros, debitado no dia 12/07/93;
-cheque no valor de 16.000.000 cruzeiros, debitado no dia 14/07/93;
-cheque no valor de 25.000.000 cruzeiros, debitado no dia 16/07/93;
-cheque no valor de 100.000.000 cruzeiros, debitado no dia 19/07/93;
-cheque no valor de 30.860 cruzeiros, debitado no dia 17/08/93;
-cheque no valor de 195.960 cruzeiros reais, debitado no dia 01/09/93;
-cheque no valor de 30.560,52 cruzeiros reais, debitado a 03/09/93;
-cheque no valor de 68.000 cruzeiros reais, debitado no dia 04/10/93;
-cheque no valor de 100.000 cruzeiros reais, debitado no dia 04/10/93;
-cheque no valor de 30.000 cruzeiros reais, debitado no dia 14/10/93;
-cheque no valor de 169.600 cruzeiros reais, debitado no dia 15/10/93;
-cheque no valor de 36.000 cruzeiros reais, debitado no dia 20/10/93;
-cheque no valor de 34.000 cruzeiros reais, debitado no dia 20/10/93;
-cheque no valor de 9.996 cruzeiros reais, debitado no dia 22/10/93;
-cheque no valor de 50.000 cruzeiros reais, debitado no dia 22/10/93;
-cheque no valor de 35.000 cruzeiros reais, debitado no dia 03/11/93;
-cheque no valor de 50.000 cruzeiros reais, debitado no dia 03/11/93;
-cheque no valor de 28.000 cruzeiros reais, debitado no dia 05/11/93;
-cheque no valor de 12.500 cruzeiros reais, debitado no dia 10/11/93;
-cheque no valor de 225.000 cruzeiros reais, debitado no dia 12/11/93;
-cheque no valor de 70.000 cruzeiros reais, debitado no dia 03/12/93;
-cheque no valor de 157.117,75 cruzeiros reais, debitado a 06/12/93;
-cheque no valor de 61.000 cruzeiros reais, debitado no dia 07/12/93;
-cheque no valor de 90.000 cruzeiros reais, debitado no dia 07/12/93;
-cheque no valor de 34.700 cruzeiros reais, debitado no dia 09/12/93;
-cheque no valor de 20.641 cruzeiros reais, debitado no dia 09/12/93;
-cheque no valor de 157.117,75 cruzeiros reais, debitado a 04/01/94;
-cheque no valor de 200.000 cruzeiros reais, debitado no dia 14/01/94;
-cheque no valor de 200.000 cruzeiros reais, debitado no dia 01/02/94;
-cheque no valor de 658.000 cruzeiros reais, debitado no dia 03/02/94;
-cheque no valor de 157.117,75 cruzeiros reais, debitado a 04/02/94;
-cheque no valor de 300.000 cruzeiros reais, debitado no dia 07/02/94;
-cheque no valor de 100.000 cruzeiros reais, debitado no dia 10/02/94; e
-cheque no valor de 100.000 cruzeiros reais, debitado no dia 22/02/94.
- O arguido usou todas estas quantias em seu proveito.
- Alguns dos cheques foram usados para pagar despesas pessoais.
- Outros foram apresentados a pagamento, tendo o arguido recebido a quantia titulada por eles, que usou em despesas suas.
- O arguido devolveu todas estas quantias que usara em seu proveito.
- Porém, apenas o fez no final de cada mês.
- Essa circunstância permitiu-lhe auferir benefícios económicos adicionais.
- Na realidade, dada a desvalorização constante e diária da moeda com curso legal no Brasil, a uma mesma quantia nominal correspondiam no início e no fim de cada mês valores reais, em dólares, muito diferentes, sendo que, como resulta do que ficou dito, o valor na data em que era feito o levantamento da conta bancária do Consulado era quase sempre superior ao valor da data em que o arguido fazia a reposição.
- Feita a conversão em dólares, moeda em que era remunerado, o arguido repunha sempre, no global de cada mês, um valor inferior àquele que usara para satisfazer despesas pessoais.
- O arguido sabia que o dinheiro do fundo de maneio se destinava exclusivamente para pagar despesas correntes do serviço do Consulado.
- Sabia que, apesar de, em virtude do seu cargo, poder autorizar a realização de despesas com suporte naquele fundo de maneio, não lhe era permitido autorizar despesas pessoais.
- Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente.
- Conhecia que toda a sua conduta não era permitida.
-Confessou ter subscrito os indicados contratos e nos termos descritos, bem como ter residido nos locais referidos e nos mencionados períodos de tempo.
- Quer o contrato relativo à habitação na Rua Alcebíades António dos Santos, quer o reportado à casa sita na Rua Cônego Viana, estavam sujeitos a correcções periódicas de renda, que o arguido suportava.
- O arguido, actualmente aposentado, recebe a pensão mensal de Esc.279.000$00 (duzentos e setenta e nove mil escudos).
- Vive com a mulher.
- É licenciado em Direito.
- Em Dezembro de 1991, o arguido propôs contra a proprietária da casa sita na Rua Cônego Viana acção de consignação em pagamento, julgada improcedente por sentença de 29 de Outubro de 1993.
- Interpôs o arguido, em Dezembro de 1993, recurso dessa decisão, a que foi negado provimento por acórdão de 31 de Maio de 1994.
- Em 27 de Março de 1996, conforme despacho ministerial de 18 do mesmo mês, foi-lhe instaurado processo disciplinar, incidindo sobre os factos que se descreveram.
- Na sequência do mesmo, foi-lhe aplicada, por despacho ministerial de 17 de Setembro de 1997, a pena de aposentação compulsiva.
- Exerceu funções no estrangeiro, ao serviço do Ministério dos Negócios Estrangeiros, durante cerca de catorze anos.
- Não sofreu anteriormente qualquer condenação de âmbito criminal».

Considerou-se como não provada a seguinte factualidade:

- «Fez o arguido de boa-fé a assinatura do contrato da residência onde nunca habitou, aconselhado pelo Chanceler da Embaixada.
- Apenas pretendeu, com isso, desbloquear um problema burocrático.
- Tal problema residiu em que só mais tarde conseguiu formalizar o contrato da habitação na Rua Alcebíades António dos Santos, devido a ausência do proprietário.
- O arguido assinou os cheques relativos a valores que utilizou para despesas pessoais »

O Tribunal da Relação aceitou como assente tal matéria factual, proferindo decisão com fundamento nela.
O recorrente, discordando, estrutura o seu recurso com base em questões que, de acordo com as conclusões da sua motivação, são as seguintes:
1ª - não será inconstitucional, por violação do art.º 32º, n.º 1, da CRP, o art.º. 400º, n.º 1, al. f), do CPP, quando interpretado e aplicado em termos de vedar o recurso de acórdãos condenatórios confirmativos de acórdãos condenatórios proferidos em processos por crimes punidos com penas de máximo superior a 8 anos?;

2ª - não será inconstitucional, por violação do mesmo preceito, o art.º. 328º, n.º 6, do CPP, quando interpretado e aplicado em termos de não ter aplicação ao caso o facto de a leitura da sentença ter ocorrido mais de 30 dias após o encerramento da audiência?

3ª - não terá sido violado o disposto no art.º 313º, n.º 1, do CP, versão de 1982, ao considerar-se que os factos dados como provados integram o requisito "processo enganatório", exigido para a realização típica do crime de burla?

4ª - não terá sido violado o estatuído no mesmo preceito, ao concluir-se que os mesmos factos permitem o preenchimento do requisito subjectivo do "dolo específico de enriquecimento ilegítimo", atinente ao mesmo crime?

5ª - não terá havido violação do disposto no corpo do art. 228º do CP (versão anterior), por inexistência de matéria factual que suporte a verificação do requisito típico "benefício ilegítimo, exigido pelo crime de falsificação?

6º - não terá sido violado o disposto nos nºs. 1 e 3 do art.º 358º do CPP ao ter-se alterado a qualificação jurídica dos factos assacados ao arguido (da al. a) para a al. b) do art.º 228º do C.P., versão de 1982), sem que se lhe garantisse a possibilidade específica de se defender dessa alteração?

7ª - não terá havido violação dos artºs 424º, n.º 1 e 425º, n.º 1 do CP (versão de 1982), ao considerar que as coisas fungíveis, nomeadamente dinheiro, estão excluídas da previsão do tipo de crime de peculato de uso?

8ª - não terá havido violação do preceituado nos artºs. 374º, n.º 2 e 368º, n.º 2, ambos do CPP, por não se terem dado como provados ou não provados factos indicados na contestação e relevantes para a defesa do arguido?

9ª - não seria, em qualquer caso, de optar por uma censura mais benigna?

Dado que a 6ª questão (desrespeito do disposto no art.º 358º, n.ºs 1 e 3), a lograr atendimento, preclude o conhecimento das demais, conhecê-la-emos em primeiro lugar.
Sustenta o recorrente que, em seu juízo, o tribunal "a quo", ao aceitar sem vício a condenação do arguido pela prática de um crime diferente daquele por que vinha pronunciado, cometeu um erro de Direito por violação daquele preceito, uma vez que não garantiu ao arguido a possibilidade de se defender deste novo ilícito.
E argumenta deste jeito:

«Como se disse na motivação para a Relação, a CRP garante ao arguido todos os direitos de defesa (art.º 32º, n.º 1), sendo que um desses direitos de defesa, que tem acolhimento autónomo na Lei Fundamental, é o contraditório (art.º 32º, n.º 5).
Ora é elemento essencial da defesa, a estabilidade do objecto do processo, tanto a nível do objecto factual, como do objecto jurídico, o qual fica delimitado com a acusação e/ou a pronúncia.
As alterações ao objecto do processo não podem surgir de forma a apanharem o arguido de surpresa, por mais previsíveis que sejam. O único limite é o tipificado no n.º 2 do art.º 358º do CPP em relação à alteração não substancial, ou seja, em relação àqueles casos em que estejamos perante factos que tenha sido a própria defesa a adiantar».

Sobre este ponto, a decisão recorrida raciocina nestes termos:

«Ora, sendo a acusação que define o objecto do processo e limita o objecto do julgamento, no caso concreto não há dúvida que os factos descritos na acusação e os factos apurados são os mesmos, e deles apenas resulta a condenação do arguido pelo crime previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 228° do Código Penal, quando ele vinha pronunciado pelo crime previsto na alínea a) do citado preceito. Isto é, deles resulta que a qualificação jurídica é diversa, mas dentro do mesmo tipo, ou seja, os crimes não são diversos, sendo que tal qualificação jurídico-penal nem sequer releva na medida concreta da pena. Neste sentido, não haverá que proceder a novo julgamento, a fim de ser dado cumprimento ao disposto no citado art.º 358°, n° 3, do C. P. Penal.
Na verdade, os factos que eram imputados foram na quase totalidade, dados como provados e eram, só por si, suficientes no sentido de o arguido vir a ser condenado. O acórdão ora recorrido, apenas esclareceu o ambiente em que se veio a verificar a conduta do arguido integradora do crime.
Com eles, ou sem eles, a condenação impor-se-ia sempre. Não houve qualquer alteração houve, sim, uma melhor concretização para melhor se perceber. Como já decidiu o S.T.J., nada tem a ver com alteração dos factos da acusação a melhor concretização das condutas dos arguidos, a alteração substancial de factos da acusação só releva processualmente quando ela tenha relevo para a discussão da causa, ou seja, quando puder ter repercussões agravativas na medida da punição ou na estratégia da defesa do arguido - Ac. S.T.J. de 18 de Junho de 1997, CJ. Ano V, Tomo II, pág. 245»

Quid juris?

A questão vem colocada com grande lucidez pelo Mº Pº. junto do Tribunal da Relação de Lisboa, quando, arrimando-se no Ac. do STJ de 01.10.30, desta Secção, proferido no Procº. n.º 1645/01, vem dizer que, a partir das alterações introduzidas no CPP pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, que acrescentou o n.º 3 ao art. 358º, a simples alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação é equiparada à alteração não substancial dos factos e portanto deve receber o mesmo tratamento jurídico.
Ou seja: em casos tais, o tribunal deve conceder ao arguido a oportunidade de organizar a sua defesa de acordo com essa alteração, o que quer dizer que impende sobre o tribunal a obrigação de lhe comunicar o facto e de lhe conceder, se ele o pedir, o tempo indispensável para afeiçoar a estratégia da defesa à nova situação, nos termos do n.º 1 do preceito em causa.
Resulta assim, pois, que, a partir daquela revisão, o legislador pretendeu alargar, em toda a sua extensão, o exercício do direito ao contraditório, mesmo que se trate de uma diferença de qualificação jurídica.
Isso mesmo se diz, de resto, na respectiva Exposição de Motivos ao escrever-se:
«Reafirmar-se, por um lado, o respeito pelos princípios da investigação e do contraditório e pelo inerente poder de o Tribunal fundar autónomamente as bases da decisão e apreciar livremente a relevância jurídica dos factos em toda a sua amplitude ...Por outro lado, garante-se, em toda a sua extensão, o direito de defesa do arguido, ao qual o tribunal comunica a alteração da qualificação jurídica ..., de modo a possibilitar-se a mais profunda discussão de direito»
É certo que, como pondera o acórdão recorrido, aqui a diferente qualificação é feita dentro do mesmo tipo de crime (art.º 228º do C.P. de 1982, que tem com epígrafe "falsificação de documento") e não implica sequer uma outra censura abstracta, mas também não deixa de ser exacto que é muito diferente o organizar uma estratégia de defesa para uma imputação de falsificação que põe o arguido a forjar, na íntegra e desde o início, um documento falso, daquela que é suscitada pela atribuição de um crime de falsificação que se consubstancia numa mera inclusão em documento de um facto falso, ou seja, de uma simples alteração de parte do seu conteúdo.

Ora, no caso presente, como é bom de ver, não se deu ao arguido a possibilidade de contraditar a diferença de enquadramento jurídico que o tribunal se propunha fazer e fez dos factos inscritos na acusação, o que inquina a decisão sob recurso e prejudica o conhecimento das demais questões equacionadas pelo recorrente.

3.
De harmonia com o exposto, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso, anulando, em conformidade, o acórdão recorrido por violação do disposto nas disposições conjugadas do art. 358º, nºs 1 e 3 do C.P.P. Sem tributação por não ser devida.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2002
Borges de Pinho
Franco de Sá
Armando Leandro