Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO LEONES DANTAS | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO | ||
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Data do Acordão: | 07/03/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA DO AUTOR. CONCEDIDA A REVISTA DA RÉ | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL. DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA / RECURSOS. | ||
Doutrina: | - MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª Edição, 2004, Almedina, p. 145. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 1152.º, 1154.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NA REDACÇÃO ANTERIOR AO DECRETO-LEI N.º 303/2007, DE 24 DE AGOSTO: - ARTIGOS 490.º, N.º2, 660.º, N.º2, 684.º, 712.º, N.º6, 713.º, N.º2, 726.º, 729.º. CÓDIGO DE TRABALHO DE 2003: - ARTIGO 10.º. CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009: - ARTIGO 11.º. REGIME DO CONTRATO DE TRABALHO, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 49 408, DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969: - ARTIGO 1.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 9 DE FEVEREIRO DE 2012, PROCESSO N.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT -DE 9 DE FEVEREIRO DE 2012, PROCESSO N.º 698/08.1TTOAZ.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT -DE 12 DE SETEMBRO DE 2013, PROCESSO N.º 2498/07.7TTLSB.L1.S1 -DE 27 DE MARÇO DE 2014, PROCESSO N.º 1344/07.6TBABF-A.E1.S1, EM WWW.DGSI.PT | ||
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Sumário : | 1.º - Incumbe ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, a alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque são constitutivos do direito que pretende ver reconhecido; 2.º - Apesar de se ter provado que o Autor gozava um período de férias por ano, que recebia mensalmente um valor variável em função das horas prestadas e que exercia as suas tarefas nas instalações da Ré, e nesse contexto com equipamento e meios por esta fornecidos, mas que não estava sujeito a controlo de assiduidade, e não se tendo provado, com a necessária segurança, que exercesse as suas funções sob ordens, direcção e fiscalização da Ré e sujeito à acção disciplinar da mesma, não pode qualificar-se a relação existente entre ambos como um contrato de trabalho. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA instaurou a presente acção emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, contra BB, CC – …, Ld.ª, pedindo seja declarada a existência de um contrato de trabalho entre as partes, bem como a declaração da ilicitude do despedimento do Autor, com a condenação da Ré a reintegrá-lo (ou se por ela optar, a pagar-lhe a indemnização substitutiva, com a antiguidade calculada ao tempo da sentença), e ainda no pagamento dos salários vencidos – que, à data da p.i., computa em € 2.071,55 - e vincendos até trânsito em julgado da sentença, bem como a pagar-lhe as quantias de € 2.473,83, a título de diferenças salariais, € 21.041,66, relativos a férias, subsídios de férias e de Natal, € 47.780,86, referente aos períodos de descanso gozados e não remunerados, trabalho suplementar, a liquidar, e € 5.000,00, respeitante a indemnização por danos não patrimoniais, a tudo acrescendo juros moratórios contados à taxa legal. Em síntese, invocou como fundamento da sua pretensão que: a) - Em Setembro de 2000, foi admitido ao serviço da Ré para exercer a sua actividade de arquitecto, sob as ordens, direcção e fiscalização dos seus sócios-gerentes; b) - O local e horário de trabalho foram-lhe comunicados pelos sócios-gerentes da Ré; c) - Por força da forma como executava as suas funções, no interesse e sob autoridade da Ré, é mister considerarmos estar-se perante um verdadeiro contrato de trabalho; d) - A Ré nunca lhe pagou durante os períodos em que gozou férias nem abonou qualquer subsídio de férias ou de Natal; e) - Em certo período, a Ré reduziu unilateralmente o valor-hora acordado; f) - Prestou trabalho para além do seu horário, que nunca foi remunerado com os acréscimos legais; g) - Em Outubro de 2006, a Ré, verbalmente, prescindiu dos seus serviços; h) - Ficou muito afectado com esta dispensa. A acção prosseguiu seus termos vindo a ser decidida por sentença de 21 de Setembro de 2012, do seguinte modo: «Face ao exposto julgamos a presente acção parcialmente procedente, por provada em parte, e em consequência: a) declaramos terem A e R celebrado um contrato de trabalho em 4 de Setembro de 2000; b) mais declaramos ter a R despedido ilicitamente o A em 31 de Outubro de 2007; c) condenamos a R a reintegrar o A no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; d) mais condenamos a R a pagar ao A todas as retribuições, vencidas e vincendas, desde 29 de Abril de 2007 e até à data de trânsito em julgado desta sentença; e) condenamos ainda a R a pagar ao A a quantia de € 5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; f) condenamos também a R a pagar ao A os meses de férias gozadas, os subsídios de férias e de Natal nos termos supra definidos, a liquidar em execução de sentença; g) condenamos a R a pagar ao A a quantia de € 2.473,83 a título de diferenças retributivas; h) condenamos finalmente a R a pagar ao A o trabalho suplementar, nocturno, em dias de descanso e feriados que se venha a apurar em sede de liquidação de sentença, absolvendo a R do demais peticionado. Sobre as quantias acima referidas serão devidos juros de mora, contados à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento. Custas por A e R, na proporção do respectivo decaimento – artigo 446.º do Código de Processo Civil. Fixamos em € 107.293,57 o valor da causa. Registe e notifique». Inconformados com esta decisão dela apelaram a Ré e o Autor, este subordinadamente, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer dos recursos interposto por acórdão de 26 de Junho de 2013, cujo dispositivo é do seguinte teor: «Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em 1. Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por BB, CC – …, Ld.ª, mantendo-se integralmente a sentença recorrida. 2. Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por AA, mantendo-se integralmente a sentença recorrida. Custas a cargo dos Apelantes.» Ainda irresignados com esta decisão, dela recorrem, agora de revista, para este Supremo Tribunal, a Ré e o Autor, integrando nas respectivas alegações as seguintes conclusões: Recurso da Ré «I. De forma a sustentar a existência de um suposto contrato de trabalho, o Recorrente juntou aos autos ("a título de parecer jurídico") um outro acórdão do Tribunal recorrido, de 31-10--2012, proferido numa acção proposta por DD, outro arquitecto ex-colaborador da Recorrente (“em situação igual à do aqui A.”), tendo o Tribunal recorrido aqui seguido o entendimento daquele seu anterior acórdão e que foi revogado por douto acórdão deste STJ que se junta, no qual precisamente foi negada natureza laboral à relação aí em crise, sendo igualmente essa a solução que se impõe no presente caso. II. Nesta sede, atenta a data em que a relação se constitui (Setembro de 2002), tal questão há--de ser resolvida à luz do art. 1.° da (à data vigente) LCT, não havendo designadamente lugar à aplicação das presunções estabelecidas nos subsequentes diplomas, como seja a prevista no art. 12.° do CT2003 (que apenas se aplica a relações constituídas após o início da sua vigência, em 01-12-2003); isso mesmo é assumido pelo próprio Recorrido, constituindo de resto entendimento da mais distinta jurisprudência (vide Ac. deste STJ de 22-09-2010, P. 4401/04.7TTLSB.S1, in www.dgsipt). III. Por outro lado, importa notar que numa acção como esta, em que se discute a existência de um suposto contrato de trabalho, recai sobre o autor o ónus de provar factos dos quais se pode concluir com segurança pela existência da subordinação jurídica típica desse contrato, sendo que se a situação for "dúbia" (o que até o Recorrido assume - vide página 87 das suas contra--alegações de apelação), a acção deve improceder, como resulta do artigo 516.° do Código de Processo Civil e também vem sendo entendido pela jurisprudência (vide Ac. deste STJ de 16-03-2005, P. 04S4754 in www.dgsipt); IV. Acresce que a exigência ao nível da prova segura e bastante deve ser particularmente elevada no caso dos autos, pois está em causa uma relação estabelecida para o exercício de uma das mais clássicas e impressivas profissões liberais (arquitecto), devendo os contratos que têm por objecto tal tipo de profissões presumir-se contratos de prestação de serviços (também neste sentido, BMJ, 437, p. 595). V. E no caso dos autos, à semelhança do analisado no douto acórdão deste STJ junto, a factualidade apurada é insuficiente (muito menos com a segurança que se exige!) para qualificar a relação anteriormente existente entre as partes como um contrato de trabalho. VI. Desde logo, no início da relação, em Set-2000, o contrato foi configurado como sendo de prestação de serviços sem qualquer objecção do Recorrido (factos 2 e 33), que emitia recibos do modelo 337 do CIRS (facto 13), não estava incluído no quadro de pessoal da empresa (facto 15) e nunca recebeu férias, subsídio de férias e/ou subsídio de Natal (facto 16), também nunca tendo a Recorrente realizado descontos para a Segurança Social (facto 18), sendo que também não resulta dos autos que o Recorrido tenha alguma vez a posteriori feito algum reparo quanto à configuração ab initio dada pelas partes ao contrato, em algum momento dos cerca de 7 anos que perdurou a relação (só após a cessação). VII. Ademais, o Recorrido tinha a possibilidade de (salvaguardadas situações de "conflito de interesses", como é normal) prestar serviços a outras pessoas ou empresas (facto 34), tinha direito a uma taxa de captação (de valor a combinar caso a caso) sobre a facturação dos clientes que viesse a captar para o atelier da Recorrente (facto 35) e (salvaguardados os prazos dos trabalhos em curso) tinha liberdade para gerir o seu tempo de trabalho, a qual efectivamente usou, entrando mais tarde, saindo mais cedo, não comparecendo durante dias inteiros, sem que algum reparo lhe tivesse sido feito ou alguma consequência dai tivesse resultado, para além de não receber as horas correspondentes (facto 36). VIII. Mais se note que, contrariamente ao que acontecia no caso abordado no douto acórdão deste STJ junto, o Recorrido nem tão-pouco auferia uma quantia fixa mensal: era remunerado (como também é típico dos contratos de prestação de serviços) em função das horas de serviços efectivamente prestadas (facto 3), avultando da matéria provada significativas "oscilações" nos valores auferidos nos diversos meses, desde os € 362,88 auferidos em Maio de 2002 aos € 1.565,50 em Novembro de 2005 (facto 22), reflexo precisamente das diferentes horas trabalhadas pelo Recorrido nos diversos meses, as quais, como se disse, o próprio geria. IX. Assim, as próprias partes configuraram o contrato como sendo de prestação de serviços, sem qualquer objecção do Recorrido, apresentando de facto a relação características típicas do exercício da profissão de arquitecto em regime liberal, tendo o Tribunal Recorrido, aliás à semelhança do que fez no seu acórdão de 31-10-2012, valorizado de forma excessiva e/ou desenquadrada a restante factualidade, em particular os pontos 4 a 11, 19 e 20, que contrariamente ao que se sustenta no acórdão recorrido, não são indícios suficientemente fortes e seguros de que existiu uma relação de trabalho subordinado. X. Desde logo, importa salientar que dessa factualidade simplesmente não resultam quaisquer elementos que apontem no sentido de que o Recorrido se encontrava verdadeiramente sujeito a ordens e instruções na execução da sua actividade, em moldes susceptíveis de colocar em causa a sua autonomia enquanto arquitecto independente. XI. Nesta sede, contrariamente ao que sustenta o Tribunal a quo, os factos 6, 7, 19 e 20 claramente não são suficientes para se afirmar existir verdadeira sujeição a ordens e instruções no desempenho da actividade: a circunstância de o Recorrido não intervir na contratação dos projectos nada demonstra a esse respeito (mesmo não intervindo na contratação podia obviamente o Autor neles participar de forma totalmente autónoma, como aliás sucedia) e também numa prestação de serviços são determinados os trabalhos a realizar e os respectivos prazos. XII. O que poderia eventualmente relevar seria se, entre o momento "inicial", em que era determinado ao Recorrido os trabalhos a realizar e prazos dos mesmos, e o momento "final", em que este entregava o resultado do seu trabalho, existisse verdadeira subordinação jurídica, traduzida em reais ordens e instruções dirigidas ao exercício da própria actividade, e a verdade é que não resulta da matéria provada que assim fosse. XIII. Nessa sede apenas se provou que os projectos em que o Recorrido participava estavam sujeitos a aprovação e eventual alteração pelos gerentes da Recorrente, o que não mais configura que um controlo do próprio resultado, tratando-se de situação absolutamente idêntica à que se verifica na relação com o cliente final, que também pode exigir que o projecto que lhe é apresentado seja alterado uma ou mais vezes, até estar satisfeito e o resultado corresponder na íntegra aos seus desejos. XIV. Por outro lado, se eram os gerentes da Recorrente que contratavam com os clientes, é natural que também fossem eles a assinar os projectos como autores e a deter os respectivos direitos, sendo que o facto de serem os gerentes da Recorrente a contratar com os clientes e a assinar os projectos como autores e deter os respectivos direitos económicos não coloca em causa que o Recorrido neles participasse com autonomia. XV. Acresce que os demais "indícios" apurados, designadamente os vertidos nos factos 8 a 10, também não são suficientemente fortes para suportar a qualificação que as instâncias inferiores deram à relação em crise nos presentes autos. XVI. É que mesmo no contrato de prestação de serviços a actividade muitas vezes é realizada no local do beneficiário desta e com os seus instrumentos, não sendo tais características "exclusivas" do contrato de trabalho, sendo que no presente caso os projectos em que o Recorrido intervinha "pertenciam" à Recorrente, sendo nessa medida natural que os serviços fossem igualmente prestados no seu atelier, onde se dispunham de meios adequados, o que obviamente não afecta, por si só, a autonomia do Recorrido nos serviços que prestava à Recorrente, sendo mera questão de conveniência e utilidade. XVII. Mais, sendo os serviços integrados em projectos nos quais necessariamente intervinham outros profissionais, mais natural ainda é que assim fosse, sendo que a deslocação aos locais das obras, edifícios e trabalhos é mera decorrência natural da profissão de arquitecto - tal como a deslocação ao tribunal é decorrência natural da profissão de advogado. XVIII. Acresce que da factualidade provada nos autos não resulta que o Recorrido estivesse verdadeiramente vinculado a um período normal de trabalho e/ou horário de trabalho, também não havendo controlo de faltas, sendo que o facto 11 deve ser ponderado juntamente com a demais matéria provada, em particular os factos 36 (liberdade para gerir o tempo), 3 e 22 (remuneração numa base horária com significativas oscilações nos diversos meses, reflexo precisamente das diferentes horas trabalhadas pelo Recorrido nos diversos meses e que o próprio podia gerir: o trabalho do Recorrido era prestado dentro do período de funcionamento do atelier da Recorrente, mas não coincidia necessariamente com esse período, tendo o Recorrido liberdade para entrar mais tarde, sair mais cedo, não comparecer durante dias inteiros, etc. XIX. Resta um único indício, vertido no ponto 4 dos factos, o qual também se afigura claramente insuficiente para suportar a qualificação dada pelas instâncias à relação sub judice, particularmente considerando que o período de férias ai referido não era remunerado, nem o Recorrido auferia o respectivo subsídio (facto 16), sendo que contrariamente ao que vinha alegado e normalmente sucede num contrato de trabalho, não resultou provado que o período de 22 dias de férias tenha sido determinado pela Recorrente, tal como não resultou provado que a marcação fosse determinada pela gerência desta e/ou objecto de inclusão no mapa de férias do pessoal, sendo que a mera circunstância de as férias ("fora" do período de encerramento do atelier na segunda quinzena de Agosto) serem marcadas tendo em atenção as conveniências e necessidades de serviço da Recorrente não afasta por si só a autonomia do Recorrido (trata-se tão-só de uma normalíssima e compreensível manifestação do facto de colaborar com a Recorrente em projectos de arquitectura desta). Subsidiariamenle, sem conceder, XX. Mesmo que se entendesse que a relação tinha natureza laboral (o que não se concede, equacionando-se por mera cautela de patrocínio), em face dos factos provados é forçoso concluir que não existiu qualquer despedimento ilícito em 31-10-2006, imputável à R., donde sempre a condenação seria pelo menos parcialmente improcedente, quanto às alíneas b) a e) da sentença, confirmadas no acórdão do Tribunal a quo. XXI. Com efeito, pese embora na reunião de 12-09-2006 tenha sido verbalmente comunicado que, a partir de 31-10, a Recorrente teria que prescindir do trabalho do Recorrido (facto 24), há que ter presente que também resultou provado que tal comunicação não foi feita com carácter definitivo, pois também foi dito que tal data poderia ser alterada caso o A. precisasse de mais tempo para reorganizar a sua vida (facto 37). XXII. Ou seja, o que se afigura inequívoco é que foi dito ao Recorrido que o contrato podia não cessar no dia 31-10-2006, pelo que contrariamente ao que sustenta o Tribunal a quo, não é de todo inequívoca a existência de um "despedimento ilícito" promovido pela Recorrente nessa data (e nesta sede, vide douto acórdão deste STJ de 21-10-2009, P. 272/09.5YFLSB, in www.dgsipt), sendo para tal necessário que o dia 31-10-2006 tivesse de facto "chegado" e a Recorrente não mais permitisse o exercício de funções ao Recorrido, sendo que não foi isso que sucedeu: após a mencionada reunião o Recorrido simplesmente deixou de comparecer no atelier da Recorrente desde 01-10-2006, sem qualquer explicação sobre a razão para tal ausência (facto 40). XXIII. Assim, é manifesto que foi deste comportamento do A. que resultou a cessação da relação, pelo que no limite ter-se-ia que entender que o contrato cessou por denúncia unilateral (cf. artigo 447.° do CT2003) ou abandono do trabalho (cf. artigo 450.° do CT2003) da sua parte, em 01-10-2006, sendo que a circunstância de a denúncia não ter sido feita por escrito com aviso prévio não faz com que deixe de ser entendível como aquilo que manifestamente é (uma denúncia), sendo o eventual "incumprimento" da forma e prazo não imputável à Recorrente, mas apenas ao Recorrido (vide neste sentido o douto acórdão deste STJ de 15-09-2010 P. 293/07.2TTSNT.L1.S1, in www.dgsLpt). XXIV. No limite ter-se-ia que entender verificado abandono do trabalho por parte do Recorrido, sendo que face à matéria de facto provada até o formalismo inerente à invocação dessa figura teria que se considerar cumprido: em resposta à missiva do Recorrido referida no ponto 26 dos factos provados, a Recorrente enviou ao Recorrido (por correio registado com aviso de recepção - vide. Doc. 3 junto à p.i.) a carta referida no ponto 27 desses factos, na qual não só refutou a existência de contrato de trabalho (como continua a refutar!), como também não deixou de esclarecer que o mesmo não havia cessado por qualquer "despedimento ilícito", invocando expressamente a circunstância de o Recorrido ter deixado de comparecer nas instalações desde 01/10/2006, deixando "a meio" trabalhos que este tinha à sua responsabilidade e cuja conclusão deveria ocorrer até ao final do mês. XXV. Mesmo que tudo quanto se deixou exposto não fosse considerado procedente (o que se equaciona por mera cautela de patrocínio e sem conceder), a condenação mereceria reparo, devendo a condenação em danos morais (alínea e) ser considerada improcedente: é manifesto o carácter conclusivo dos factos 31 e 32, pelo menos ao nível da adjectivação aí usada, sendo que "expurgados" os factos dessas expressões conclusivas resulta apenas que o Recorrido ficou com incerteza e receio do futuro e foi acometido de tensão e enervamento, com insónias renitentes e desgosto e desânimo. XXVI. E com o devido respeito, parece-nos manifesto que tal factualidade não consubstancia dano patrimonial que, pela sua gravidade, mereça a tutela do direito, particularmente quando se desconhece em absoluto a concreta duração desses sentimentos (1 dia, 1 semana, 1 mês?) e pelo menos a saúde do Recorrente nem chegou a ser afectada, pois a matéria de facto não dá conta de quaisquer patologias do foro psíquico. XXVII. Assim, violou o Tribunal a quo os artigos 1.° da LCT, 516.° do CPC, 447.° e 450.° do CT2003 e 496.°, n.º 1 do CC.» Termina pedindo que seja concedido «provimento à presente revista nos precisos termos supraditos, sendo a Recorrente totalmente absolvida dos pedidos que contra ela vêm formulados e condenando-se o Recorrido em custas, procuradoria condigna e o que mais for de lei». Recurso do Autor «1.ª No facto referido no n.º 11.º da matéria de facto (na numeração do acórdão) deve incluir--se, além da alteração já nele decidida pelo acórdão do TRL, a menção de que o horário de trabalho do A. foi determinado pela R porque provado por confissão e admissão da R., circunstância a que nem o despacho de fixação da matéria de facto em 1.ª instância, nem a sentença e nem o acórdão aqui impugnado atenderam, em violação dos artigos 352.º e 358.º do CC; 2.ª A violação, pela sentença e pelo acórdão do TRL, da especial força probatória desses meios de prova permite, ao STJ alterar - ele próprio - a redação do dito facto no sentido pretendido pelo A; 3.ª Deve ser modificada o acórdão recorrido no sentido da procedência do pedido de condenação da RR na retribuição dos dias de folga semanal, folga semanal complementar e feriados, também com os respectivos juros; 4.ª Deve alterar-se, como pedido, a matéria de facto nos termos expostos; o acórdão (e antecedente) violou ou aplicou incorrectamente os artigos 352.º e 358.º do CC; 264.º do CT de 2003 e 362.º do CT de 2012 e o artigo 29.º do DL 874/76, de 2/12 e deve ser revogada na parte relativa à não condenação das RR nas retribuições dos dias de descanso semanal e feriados ou à válida cessação do contrato, e deve julgar-se a acção procedente, com o que se fará JUSTIÇA». Autor e Ré responderam reciprocamente aos recursos interpostos. Admitidos os recursos, a Exmª Magistrada do Ministério Público proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, concluindo no sentido da improcedência da revista do Autor, no que se refere à alteração da matéria de facto dada como provada; da procedência da revista da Ré, relativamente à qualificação da relação existente entre as partes, e no sentido de se considerarem prejudicadas as restantes questões que constituem o objecto dos recursos. Sabido que o objecto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que é a aplicável ao presente processo, por força do disposto no artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e atendendo à data da decisão recorrida, 26 de Junho de 2013, e da instauração da acção, está em causa, no recurso da Ré: a) − A natureza do vínculo que uniu o A. à Ré; b) – A existência de uma situação de despedimento do A. pela R. (para a hipótese de se entender que existiu uma relação de trabalho subordinado); c) – A existência de danos não patrimoniais derivados da ruptura da relação. Por sua vez no recurso do Autor está em causa: a) − A alteração da matéria de facto fixada na decisão recorrida, por violação de prova vinculada; b) – O direito do Autor a receber da Ré a retribuição correspondente aos dias de folga semanal, de folga semanal complementar e feriados. II As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto: «1. O Autor é e exerce a profissão de arquitecto. 1.A - A Ré tem como objecto, entre o demais, a elaboração, coordenação e gestão de projectos de arquitectura, planeamento urbanístico, design e decoração. Aditado pela decisão recorrida. 2. A Ré, depois de um convite ao Autor do seu sócio BB e de o Autor se ter submetido a uma entrevista com a presença dos dois sócios e gerentes, admitiu-o, em 4 de Setembro de 2000, como arquitecto estagiário, tendo, depois de inscrito na Ordem dos Arquitectos, continuado no atelier, colaborando na execução de projectos arquitectónicos e assessoria em urbanismo. Alterado pela decisão recorrida. A versão inicial era do seguinte teor: - «2. A Ré, depois de um convite ao Autor do seu sócio BB, e de o Autor se ter submetido a uma entrevista com a presença dos dois sócios e gerentes, admitiu-o, em 4 de Setembro de 2000, como arquitecto estagiário, tendo, depois de inscrito na Ordem dos Arquitectos, continuado no atelier, colaborando na execução de projecto arquitectónico e assessoria em urbanismo.» 3. A remuneração do Autor era de Esc. 2.000$00 à hora, e era paga pela Ré mensalmente e no último dia útil de cada mês. Redacção resultante da decisão recorrida. Na versão da 1.ª instância este ponto era do seguinte teor: «3. A remuneração do Autor era de Esc. 2 000$00 à hora.» 4. O período anual de férias do Autor, numa duração total de 22 dias úteis, era, além dos 15 dias de encerramento do atelier na última quinzena de Agosto, a marcar, tendo em atenção as conveniências e necessidades do serviço da Ré. 5. No exercício das suas funções, e por determinação da Ré, cabia ao Autor a elaboração dos desenhos e/ou planos com o pormenor adequado e empreender os contactos necessários para se certificar de que os projectos ou planos eram viáveis. 6. Eram os gerentes da Ré quem determinava os trabalhos a realizar pelo Autor e os prazos dos mesmos. 7. Os clientes da Ré contratavam com os gerentes daquela – sem qualquer intervenção do Autor - os projectos e outros trabalhos pretendidos e a fornecer, as condições de preços e prazos, natureza e estética dos edifícios ou obras. 8. O Autor exercia as suas funções nas instalações da Ré ou, sendo caso disso, nos locais das obras, edifícios e trabalhos, consoante as ordens e as indicações dos gerentes da Ré. 9. E com os documentos, as publicações, ferramentas, equipamentos técnicos, máquinas, matérias-primas e consumíveis facultados ou disponibilizados pela Ré e por esta adquiridos a suas exclusivas expensas. 10. Estava contratado que o Autor não suportava o custo de quaisquer instrumentos, materiais ou meios de trabalho, nomeadamente o custo das instalações, os fornecimentos de energia, telefones, água, internet, limpeza e conservação, nem da aquisição ou manutenção do mobiliário, instrumentos e matérias primas (estiradores, computadores, scanners, fotocopiadoras, aparelhos telefónicos, materiais de escrita, pintura e desenho – disquetes, CD's, lápis, borrachas, pincéis, tintas e outras matérias--primas, materiais para maquettes, aparelhos de telefone e de telecópia ou de quaisquer factores ou meios de realização do trabalho. 11. O trabalho do Autor era prestado dentro do horário de funcionamento do atelier, das 10.00 às 19.00 horas, de 2.ª a 6.ª feira, com intervalo para o almoço entre as 13.00 e as 15.00 horas, o que acontecia por força do acordo firmado entre Autor e Ré Redacção resultante da decisão recorrida. A versão inicial era do seguinte teor: - «“11. O trabalho do Autor era prestado dentro do horário de funcionamento do atelier, das 10.00 às 19.00 horas, de 2.ª a 6.ª feira, com intervalo para o almoço entre as 13.00 e as 15.00 horas, o que acontecia por força do acordo firmado entre Autor e Ré».. 12. A Ré decidiu desde o início que o Autor seria pago à hora e a remuneração/horária a processar e pagar era fixa. 13. A Ré determinou, desde o início, que o Autor passaria recibos do modelo 337 do CIRS. 14. Nas mesmas condições trabalhavam vários outros arquitectos. 15. De todo o pessoal – de um total de 15 pessoas – apenas as 2 secretárias da gerência e a responsável do atelier, esposa de um dos sócios gerentes, estavam incluídas no quadro de pessoal da empresa. 16. Nunca a Ré pagou nada ao Autor de remuneração dos períodos de férias e nem subsídios de férias e de Natal. 17. Nunca a Ré pagou ao Autor os períodos de descanso de cada semana, nos sábados, domingos, e nem em feriados. 18. E nem realizou, para a Segurança Social, as retenções sobre as remunerações do Autor nem para ali descontou as suas próprias contribuições. 19. As criações do Autor estavam sujeitas à aprovação e a eventuais alterações por parte dos gerentes da Ré. 20. E eram os gerentes – e só os gerentes da Ré – quem assinava como autores e quem tinha os direitos dos diversos projectos que o Autor ajudava a conceber e a produzir para a Ré. 21. A partir de 1 de Janeiro e até 30 de Junho de 2004, a Ré reduziu a remuneração horária do Autor em 30%, e em 15% no mês de Julho. 22. A Ré pagou ao Autor, feita a dedução do IRS e acrescentado o valor do IVA, o que aconteceu a partir de Setembro de 2002 Redacção resultante da decisão recorrida. Na versão inicial este segmento era do seguinte teor: «A Ré pagou ao Autor, feita a dedução do IRS e acrescentado o valor do IVA, os seguintes montantes: (…)»., os seguintes montantes: 2000 Setembro Esc. 199.200$00 Outubro Esc. 199.500$00 Novembro Esc. 211.400$00 Dezembro Esc. 168.700$00 2001 Janeiro Esc. 226.800$00 Fevereiro Esc. 166.600$00 Março Esc. 198.800$00 Abril Esc. 210.700$00 Maio Esc. 200.900$00 Junho Esc. 202.300$00 Julho Esc. 232.500$00 Agosto Esc. 151.500$00 Setembro Esc. 160.500$00 Outubro Esc. 210.000$00 Novembro Esc. 180.000$00 Dezembro Esc. 205.000$00 2002 Janeiro € 897,83 Fevereiro € 1.081,14 Março € 1.047,48 Abril € 722,01 Maio € 362,88 Junho € 968,91 Julho € 1.017,55 Agosto € 837,98 Setembro € 788,86 Outubro € 1.059,20 Novembro € 1.244,40 Dezembro € 962,94 2003 Janeiro € 1.155,52 Fevereiro € 1.590,07 Março € 1.214,77 Abril € 1.199,96 Maio € 1.118,48 Junho €1.244,40 Julho € 1.106,14 Agosto € 1.145,64 Setembro € 1.145,64 Outubro € 1.511,06 Novembro € 1.393,66 Dezembro € 898,73 2004 Janeiro € 954,05 Fevereiro € 1.126,88 Março € 967,86 Abril € 981,70 Maio € 905,65 Junho € 836,51 Julho € 986,39 Agosto € 1.244,40 Setembro € 962,90 Outubro € 1.140,70 Novembro € 1.441,92 Dezembro € 1.427,11 2005 Janeiro € 1.395,41 Fevereiro € 1.306,80 Março € 1.356,30 Abril € 1.455,30 Maio € 1.356,30 Junho € 1.247,40 Julho € 818,10 Agosto € 1.151,40 Setembro € 1.060,50 Outubro € 1.176,65 Novembro € 1.565,50 Dezembro € 898,73 2006 Janeiro € 1.393,80 Fevereiro € 1.520,05 Março € 1.272,60 Abril € 1.515,00 Maio € 1.201,90 Junho € 1.272,60 Julho € 1.393,80 Agosto € 979,70 Setembro € 762,55 23. O Autor prestou à Ré o número de horas inscritas nas folhas cujas cópias constam de fls. 264, 267 a 269, 272 a 274, 276 a 279, 281 a 285, 287 a 290, 292 a 295, 297 a 300, 302 a 306, 308 a 311, 313 a 316, 318 a 322, 324 a 327, 329 a 332, 334 a 336, 338 a 341, 343 a 347, 349 a 352, 354 a 357, 359 a 362, 364 a 368, 370 a 373, 375 a 379, 381 a 384, 386 a 389, 391 a 394, 396 a 398, 400 a 403, 405 a 409, 411 a 414, 416 a 420, 422 a 425, 427 a 429, 431, 433 a 436, 438 a 441, 443 a 446, 448 a 452, 454 a 456, 458 a 460, 462 a 466, 468 a 471, 473 a 477, 479 a 482, 484 a 487, 489 a 492, 494 a 498, 500 a 503, 505 a 509, 511 a 514, 516 a 518, 520 a 523, 525 a 528, 530 a 533, 535 a 539, 541 a 544, 546 a 549, 551 a 554, 556 a 560, 562 a 566, 568 a 571, 573 a 575, 577 a 579, 581 a 584, 586 a 590, 592 a 595, 597 a 600, 602 a 605, 607 a 610, 612 a 616, 618 a 621, 623 a 627, 629 a 632 e 634 a 636 dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas. 24. No dia 12 de Setembro de 2006, pelas 15 horas, o Autor foi convocado para o gabinete da gerência e, ali, recebeu da Ré pela pessoa dos dois sócios-gerentes, na presença da responsável administrativa ou do atelier, D. EE, a comunicação verbal de que a partir de 31 de Outubro teriam que prescindir do seu trabalho. 25. O mesmo sucedeu com a sua colega FF. 26. O Autor enviou à Ré carta datada de 29 de Setembro de 2006, nos seguintes termos “No passado dia 12 de Setembro de 2006 comunicaram-me V. Exas., verbalmente, que o contrato que mantenho com essa empresa desde 4 de Setembro de 2000 cessaria no final do corrente mês. O referido contrato é um contrato de trabalho pelo que a pretendida cessação constitui um despedimento sem justa causa, ilícito e nulo nos termos dos artigos 429° e 436° do Código do Trabalho. Porque não aceito tal despedimento, incumbi um advogado de proceder à instauração da respectiva acção judicial de impugnação e, bem assim, de cobrança dos créditos de que sou titular e que são os seguintes: a) Subsídios de Férias dos anos de 2001 até esta data; b) Subsídios de Natal; c) Remuneração dos períodos de férias dos anos de 2001 até agora; d) 30%, em falta, dos vencimentos dos meses de 1 de Janeiro de 2004 até 30 de Junho de 2004; e) 15% do vencimento no mês de Julho de 2004; f) Remuneração do período de trabalho de Setembro de 2006; g) Trabalho suplementar prestado desde o início do contrato; h) Indemnização legal pela declaração de cessação do contrato e as partes proporcionais (agora de 9/12) das férias e do subsídio de férias de 2007 e de Natal de 2006; i) Juros de mora sobre todas as quantias em dívida; j) Contribuições dessa empresa para a Segurança Social de todo o período de vigência do contrato. Muito embora a decisão e comunicação de V. Exas sejam, como digo, ilícitas, ilegais e nulas, admito, contudo, poder chegar - vista a irreversível degradação das relações de trabalho provocada por V. Exas. - a um entendimento para a efectiva cessação do contrato mediante o pagamento do que me é devido sem necessidade de instauração de procedimento judicial e por isso aguardarei uma resposta de V. Exas. em prazo não excedente a 10 dias directamente para mim ou por intermédio de advogado dessa empresa para o m/ advogado constituído.” 27. Em resposta à carta referida em 26., a Ré enviou ao Autor carta datada de 2 de Outubro de 2006, nos seguintes termos “Não foi sem surpresa que recebemos a V. carta datada de 29 de Setembro de 2006. Com efeito, nela vem V. Ex.ª. invocar a existência de um contrato de trabalho com este Gabinete quando o que foi convencionado entre as partes foi um contrato de prestação de serviços em regime de avença mensal. De resto, nunca antes foi, sequer, suscitada por V. Ex.ª. qualquer dúvida a este respeito, muito menos as reclamações ora apresentadas com fundamento numa relação laboral. Não queremos acreditar que tenha sido coagido a aceitar o contrato de prestação de serviços celebrado, que agora vem pôr em causa, e que tenha permanecido todos estes anos na ilusão de que mantinha afinal um contrato de trabalho, quando essa não é a verdade dos factos. Por outro lado, é falsa a afirmação de que lhe foi comunicado que o contrato que mantinha com o Gabinete terminaria no final do mês de Setembro de 2006. Na verdade, em reunião mantida no passado dia 12 de Setembro de 2006, com os dois sócios e a Adjunta da Administração, foi-lhe dito que a prestação de serviços terminaria no dia 31 de Outubro de 2006. Pese embora este facto, V. Ex.ª. deixou de comparecer nas instalações deste Gabinete desde o início do mês Outubro, mesmo sabendo que tinha sob sua responsabilidade projectos cuja conclusão deveria ocorrer até ao final deste mês, o que só por si, para além dos grandes incómodos que está a gerar, é susceptível de causar prejuízos, os quais não deixarão de lhe ser imputados.” 28. A decisão da Ré originou no Autor indignação, revolta e angústia. 29. O Autor dependia do salário auferido ao serviço da Ré para a satisfação das suas necessidades e de sua família, compreendendo dois filhos de tenra idade. 30. A Ré sabia que poucos dias antes nascera ao Autor o seu segundo filho. 31. O Autor viu-se de súbito sem meios com que fazer face à vida e aos encargos com o sustento da sua família e com grande incerteza e receio do futuro. 32. Foi acometido de grande e prolongada tensão e enervamento, com insónias renitentes e grande desgosto e desânimo. 33. Na entrevista referida em 2., foi transmitido ao Autor, pelos sócios da Ré, que o contrato a celebrar seria um contrato de prestação de serviços, não tendo o Autor levantado qualquer objecção. 34. Na mesma entrevista, referida em 2., o Autor depreendeu que, se quisesse prestar serviços a outras pessoas ou empresas, para além do trabalho que prestaria à Ré, poderia fazê-lo, desde que fora do horário de funcionamento do atelier e desde que em projectos onde não houvesse concorrência directa com a Ré. 35. Foi ainda dito ao Autor, na entrevista referida em 2., que teria direito a uma taxa de captação, de valor a combinar caso a caso, sobre a facturação dos clientes que viesse a captar para o atelier. 36. - O Autor, por tolerância da Ré, e desde que isso não colidisse com prazos de trabalhos em curso, tinha margem de liberdade para gerir o seu tempo de trabalho, e usou-a, entrando mais tarde, saindo mais cedo, não comparecendo durante dias inteiros, sem que algum reparo lhe tivesse sido feito ou alguma consequência daí tivesse resultado, para além de não receber as horas correspondentes. Redacção resultante da decisão recorrida. A versão inicial era do seguinte teor: «36.O Autor tinha bastante margem de liberdade para gerir o seu tempo de trabalho, e usou-a, entrando mais tarde, saindo mais cedo, não comparecendo durante dias inteiros, sem que algum reparo lhe tivesse sido feito ou alguma consequência daí tivesse resultado, para além de não receber as horas correspondentes». 37. Na reunião referida em 24., foi dito ao Autor que a data do termo do seu contrato poderia ser alterada, caso o mesmo precisasse de mais tempo para “reorganizar a sua vida”. 38. Na mesma reunião, referida em 24., os responsáveis da Ré prometeram ao Autor que, logo que o mercado voltasse a animar e o atelier voltasse a ter trabalho, lhe voltariam a solicitar os seus serviços. 39. Para além disso, disponibilizaram-se para o ajudar a contratar novos serviços, dando de si boas referências a um atelier que o contactou. 40. Após a reunião, referida em 24., o Autor deixou de comparecer no atelier da Ré, desde o dia 1 de Outubro de 2006, sem qualquer aviso ou explicação sobre a razão para tal ausência.» III 1 – Nas conclusões 1.ª e 2.ª da revista que interpôs insurge-se o Autor contra a matéria de facto dada como provada pretendendo que «no facto referido no n.º 11.º da matéria de facto (na numeração do acórdão) deve incluir-se, além da alteração já nele decidida pelo acórdão do TRL, a menção de que o horário de trabalho do A. foi determinado pela R porque provado por confissão e admissão da R., circunstância a que nem o despacho de fixação da matéria de facto em 1.ª instância, nem a sentença e nem o acórdão aqui impugnado atenderam, em violação dos artigos 352.º e 358.º do CC» e que «a violação, pela sentença e pelo acórdão do TRL, da especial força probatória desses meios de prova permite, ao STJ alterar - ele próprio - a redação do dito facto no sentido pretendido pelo A.» De acordo com o disposto no artigo. 729.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que é aplicável aos autos, «aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado», sendo que «a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, a não ser no caso excepcional previsto no n.º 2 do art. 722.º», que prevê que «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova». Deste modo, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só pode ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de «disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova». Por outro lado, por força do disposto no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, «o processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou quando ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito». Acresce que, nos termos do no n.º 6 do artigo 712.º das decisões da Relação sobre a alteração da matéria de facto prevista naquele artigo «não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça». Assim, a intervenção deste Supremo Tribunal, relativamente ao apuramento da matéria de facto, é claramente residual e de ocorrência excepcional. Na verdade, a decisão do Tribunal da Relação quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça salvo nas situações acima excepcionadas, nomeadamente em caso de violação de regras de direito probatório material. 2 - A redacção do ponto n.º 11 da matéria de facto foi alterada na decisão recorrida no âmbito do conhecimento do recurso de apelação interposto pelo Autor, com base no seguinte: «Defende e reclama também que o teor do art. 7º da p.i. seja considerado provado, a saber “Que o horário de trabalho do A., a cumprir com a obrigação de prevenir e justificar em caso de atraso, seria, de 2º a 6º feira, das 10 às 19 horas com intervalo entre as 13 e as 15 horas para descanso e refeição.” (sic) Invoca para tal - a confissão da Ré nos artigos 16º e 24º da contestação, apesar de aí se fazer referência a “horário meramente indicativo”; - as folhas de horas juntas a fls 234 a 636 dos autos; - os depoimentos de DD, FF, GG, HH e II. Resulta da matéria de facto provada que “11. O trabalho do Autor era normalmente prestado dentro do horário de funcionamento do atelier, das 10.00 às 19.00 horas, de 2.ª a 6.ª feira. “36. O Autor tinha bastante margem de liberdade para gerir o seu tempo de trabalho, e usou-a, entrando mais tarde, saindo mais cedo, não comparecendo durante dias inteiros, sem que algum reparo lhe tivesse sido feito ou alguma consequência daí tivesse resultado, para além de não receber as horas correspondentes.” Estes factos correspondem aos pontos K) e JJ) do despacho que respondeu à matéria de facto e o Mm.º Juiz a quo fundamentou da seguinte forma tais factos “Os factos constantes da alínea K) assentaram na análise crítica do depoimento das já referidas testemunhas DD e HH, corroborados pelo depoimento da também já referida testemunha GG e pelo depoimento de parte da ré.… Os factos constantes das alíneas GG), II), JJ) e NN), assentaram na análise crítica do depoimento da já referida testemunha EE.” Quanto aos factos não provados, o Mm.º Juiz, genericamente, refere “2-DOS FACTOS NÃO PROVADOS Não se consideram provados quaisquer outros factos, em virtude de não ter sido produzida prova bastante, por quem tinha o respectivo ónus, sobre a sua ocorrência (art. 342º, nº1, do Cód.Civil), sendo que a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 516º do CPC)” (sic) Analisemos a prova que foi produzida acerca desta questão do horário do Autor Desde logo, cumpre ter presente que a Ré, na contestação, respondeu ao alegado no art. 7º da p.i., afirmando que Artigo 15º “Por outro lado, nem nessa nem noutras conversas foi imposto ao A. um horário de trabalho. O que houve foi um acordo entre este e os responsáveis da R. no sentido de que seria conveniente, pelas razões já acima expostas, fazer coincidir o horário da prestação de serviços com o horário de funcionamento do atelier, que era também o horário de prestação de serviços de outros colaboradores, o horário do pessoal administrativo e o horário de funcionamento dos fornecedores e clientes – pelo que se impugna o artigo 7º da p.i.” Artigo 16º “Tratava-se de um horário meramente indicativo, relativamente ao qual o A. tinha uma considerável margem de liberdade para seguir ou não seguir, sem que daí resultasse qualquer consequência, como, aliás, na realidade se veio a verificar.” Artigo 17º “De facto, por diversas vezes, o A. eximiu-se de comparecer no atelier da R. por razões de ordem pessoal ou outras, sem que na grande maioria delas lhe tivesse sido feito qualquer desconto no pagamento.” (sic) Ou seja, a Ré admite que o Autor deveria comparecer no seu local de trabalho – o atelier da Ré – no horário acordado entre ambos, que era o horário de funcionamento do atelier. As testemunhas, ouvidas acerca desta matéria dos horários (de acordo com o que resulta das actas das sessões de julgamento), afirmaram que (…). Sobre a questão do horário incidiu também o depoimento de parte do representante da Ré, não tendo havido confissão do facto alegado no art. 7º da p.i. Tudo visto, analisada a prova produzida, não restam dúvidas em como o Autor cumpria efectivamente um horário, que era o horário do atelier de arquitectura da Ré. Se esse horário não era absolutamente rígido era por tolerância da Ré e não por qualquer determinação contratual. Na verdade, segundo as testemunhas inquiridas, que exercem funções na Ré (excepto as testemunhas JJ e EE, familiares directas do sócio da Ré), caso o Autor não cumprisse o horário teria de avisar com antecedência, e podia mesmo a entidade patronal contactá-lo para se certificar do que estava a acontecer, do porquê da ausência ao serviço, por exemplo. Acresce a existência das chamadas folhas de horas, que, segundo a prova produzida, tinham uma tripla função: a de controlo da assiduidade, neste caso do Autor; a de apuramento do número de horas a pagar ao Autor e a de contabilizar os pagamentos devidos pelos clientes. A este controle acrescia, como referiu a própria testemunha EE, que o atelier tinha uma funcionária à porta. Embora a testemunha referisse que o controle dessa funcionária era apenas para situações gritantes e excepcionais em que os arquitectos apusessem nas folhas uma hora de entrada ou de saída muito diversa daquela que tinha ocorrido, a verdade é que das suas palavras, em conjugação com as das demais testemunhas, decorre que existia um efectivo controle da assiduidade dos arquitectos, neste caso, do Autor. Assim, decide-se alterar a matéria factual referida no ponto 11. da matéria de facto, considerando-se provado que “11. O trabalho do Autor era prestado dentro do horário de funcionamento do atelier, das 10.00 às 19.00 horas, de 2.ª a 6.ª feira, com intervalo para o almoço entre as 13.00 e as 15.00 horas, o que acontecia por força do acordo firmado entre Autor e Ré. “36. O Autor, por tolerância da Ré, e desde que isso não colidisse com prazos de trabalhos em curso, tinha margem de liberdade para gerir o seu tempo de trabalho, e usou-a, entrando mais tarde, saindo mais cedo, não comparecendo durante dias inteiros, sem que algum reparo lhe tivesse sido feito ou alguma consequência daí tivesse resultado, para além de não receber as horas correspondentes.”» Pretende agora o recorrente que além da alteração já nele decidida pelo acórdão do TRL, seja integrada naquele facto «a menção de que o horário de trabalho do A. foi determinado pela R porque provado por confissão e admissão da R». No artigo 7.º da petição inicial, invocava o Autor como fundamento da sua pretensão «que o horário de trabalho do A., a cumprir com a obrigação de prevenir e justificar em caso de atraso, seria de 2ª a 6ª feira, das 10 às 19 horas com intervalo entre as 13 e as 15 horas para descanso e refeição». Entende o recorrente que a Ré nos artigos 16.º e 24 da contestação teria confessado aquele facto. Nos artigos em causa da contestação, a Ré referia que «tratava-se, pois, de um horário meramente indicativo, relativamente ao qual o autor tinha uma considerável margem de liberdade para seguir ou não, sem que daí resultasse qualquer consequência, como aliás se veio a verificar». O teor deste artigo da contestação mostra-se intimamente dependente do artigo que o antecede, o 15.º, onde a Ré referia que «por outro lado, nem nessa nem noutras conversas foi imposto ao A. um horário de trabalho. O que houve foi um acordo entre este e os responsáveis da R. no sentido de que seria conveniente, (…) fazer coincidir o horário de prestação dos serviços com o horário de funcionamento do atelier, que era também o horário de prestação de serviços de outros colaboradores, o horário de trabalho do pessoal administrativo e o horário de funcionamento dos fornecedores e clientes – pelo que se impugna o artigo 7.º da p. i.». Por outro lado, no artigo 24.º da contestação, a Ré referiu que «na sequência do que já se referiu antes, entre A. e R. foi acordado um horário meramente indicativo, situado entre as 10 e as 19 horas, por ser nesse período que o atelier se encontra aberto e os clientes conectáveis», referindo no artigo imediatamente a seguir que «sucede que o a. tinha bastante margem de liberdade para gerir o seu tempo de trabalho, e usou legitimamente essa liberdade, entrando mais tarde, saindo mais cedo, não comparecendo durante dias inteiros, sem que algum reparo lhe tivesse sido feito ou alguma consequência daí tivesse resultado». 2.1 - Sobre a natureza da confissão enquanto meio de prova referiu-se no acórdão deste Tribunal de 27 de Março de 2014, proferido na revista n.º 1344/07.6TBABF-A.E1.S1 Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI., o seguinte: «O art.352º do Código Civil (CC) define confissão: “Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”. A confissão caracteriza-se, portanto, como uma declaração ou reconhecimento, uma declaração de ciência e entre as declarações pelo seu objecto: um facto desfavorável ao declarante (confitente) e favorável à parte contrária. É aquilo que os antigos chamavam “contra se pronuntiatio” (vide: Ulpiano no Digesto.11,1.11.1: “Fides ei contra se habebitur”) Já Chiovenda (in Princípios) nos dava o seguinte conceito de confissão. “a declaração que a parte faz da verdade de factos alegados pelo seu adversário e favoráveis a este”; e Betti (in Diritto processuale) definia como “a declaração pela qual a parte reconhece como verdadeiro facto contrário ao seu interesse”. O Prof. Manuel de Andrade (in Noções elementares) caracteriza a figura como “uma declaração de ciência (não declaração dispositiva, constitutiva ou negocial), pela qual uma pessoa reconhece a realidade dum facto que lhe é desfavorável – dum facto cujas consequências jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova incumbiria, portanto, à outra parte”. Estes conceitos coincidem fundamentalmente. Em todos eles aparecem três elementos: a declaração; da verdade de factos; desfavoráveis ao declarante e favoráveis à parte contrária e não diferem substancialmente da noção legal ínsita no art.352º do CC. A confissão é, pois, uma declaração de ciência e não uma declaração de vontade. A parte confessa o facto porque está convencida de que ele é exacto; e não porque queira fazê-lo passar por verdadeiro.» Neste contexto pode afirmar-se que a confissão, na modalidade de confissão judicial, sendo apenas essa que está em causa no âmbito do presente recurso, para fundamentar a fixação dos factos no sentido pretendido pelo recorrente e legitimar a intervenção deste Tribunal, em sede de revista, teria de integrar uma declaração, no caso da Ré, feita na contestação, no sentido de que a declarante reconhece como verdadeiros os factos alegados pelo Autor que lhe são desfavoráveis. Atento o teor dos segmentos do articulado transcritos, fácil é concluir no sentido de que os mesmos não integram qualquer declaração de aceitação por parte da Ré no sentido de corresponderem à verdade os factos alegados pelo Autor, antes integrando os segmentos em causa da contestação uma mera forma de impugnação daqueles factos, não sendo sequer feito apelo pelo recorrente ao disposto no n.º 2 do artigo 490.º do Código de Processo Civil, então em vigor Sobre a competência do STJ e das instâncias em matéria de confissão, cfr. acórdão desta Secção, de 9 de Fevereiro de 2012, proferido na revista n.º 698/08.1TTOAZ.P1.S1, disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.. Carece, deste modo, de qualquer sentido a afirmação do recorrente de que houve confissão por parte da Ré dos factos por si articulados na petição inicial sobre essa matéria. Por outro lado, embora nas alegações de recurso, nos pontos n.º 10 a 14 do ponto B, a fls. 1932 e ss., invoque como fundamento da pretendida alteração da matéria de facto, os documentos, denominados folhas de horas juntos aos autos, a verdade é que omite nas conclusões qualquer tomada de posição sobre essa matéria. Daqui decorre que não pode este Tribunal conhecer dessa argumentação, uma vez que a mesma se situa fora do objecto do presente recurso, conforme o mesmo resulta delimitado do artigo 684.º do Código de Processo Civil. Improcedem deste modo as conclusões 1.ª e 2.ª da revista do Autor. IV 1 - Nas conclusões I a XIX do recurso que interpôs insurge-se a R. contra a decisão recorrida na parte em que considerou que a relação que ligava o Autor à Ré era uma relação de trabalho subordinado. Entende, em síntese, que a decisão recorrida valorou incorrectamente os elementos decorrentes da matéria de facto dada como provada que não permitiriam, em seu entender, aquela conclusão. A decisão fundamentou-se nesta parte no seguinte: «Desde logo, à profissão do Autor, e exercida ao serviço da Ré, pode corresponder o exercício de uma actividade ou de um resultado, e, não se olvidando que toda a actividade comporta em si mesmo um resultado e que todo o resultado é precedido de uma actividade, os factos apontam para ser a actividade e não o resultado que integrava o escopo do contrato celebrado com a Ré. De facto, resulta provado que o Autor colaborava com a Ré na execução de projectos arquitectónicos e assessoria em urbanismo, ajudando a conceber e a produzir tais projectos, cabendo-lhe a elaboração de desenhos e/ou planos com o pormenor adequado, empreendendo os contactos necessários para se certificar que os projectos ou planos eram viáveis. Estava integrado na organização da Ré, não organizando o seu programa de prestação. De facto, a forma como o trabalho era distribuído e realizado - sendo que os clientes contratavam com a Ré, através os seus gerentes, não tendo o Autor qualquer intervenção nesta negociação, fosse quanto às condições de preços e prazos, fosse quanto à natureza e estética dos edifícios ou obras - para aí aponta claramente. Era a Ré, através dos seus gerentes, quem determinava os trabalhos a realizar pelo Autor e os respectivos prazos. A Ré orientava o Autor no que respeita ao tempo e lugar de prestação da actividade, enviando-o aos locais das obras, edifícios e trabalhos. E era a Ré, através dos seus gerentes, que supervisionava e fiscalizava o trabalho do Autor, sujeito à aprovação daqueles e a eventuais alterações. Eram também os gerentes da Ré quem assinava os projectos e detinham os direitos sobre eles. Ou seja, estava bem presente o vínculo da subordinação jurídica. O Autor executava a sua actividade nas instalações da Ré, sendo que, os equipamentos, materiais ou meios de trabalho que utilizava na realização das actividades que lhe eram determinadas, eram exclusivamente fornecidos pela Ré, não suportando o Autor qualquer custo. Acresce que estava estabelecido e determinado ao Autor um horário de trabalho, como é típico dos contratos de trabalho (relativamente às conclusões I a III do recurso da Ré, cumpre esclarecer que a sentença recorrida não entendeu, como aí se afirma, que a matéria factual vertida no ponto 36. é típica de um contrato de trabalho, como claramente resulta de fls 864, pois que se refere ao facto provado sob o nº11. e não ao nº 36., sendo esta uma construção frásica levada a efeito nas conclusões de forma errada, com aproveitamento do teor do vertido no ponto 36. que, esclarece-se na nova versão dos factos, não tem o alcance que a recorrente lhe quer dar). O Autor era remunerado de acordo com o número de horas que trabalhava, embora o pagamento dessas quantias fosse mensal. A existência de uma remuneração em função do tempo de trabalho (neste caso, hora), e não do resultado é também típica dos contratos de trabalho de vínculo subordinado. Também quanto às férias, a sua marcação era parcialmente feita de modo imperativo pela Ré, na segunda quinzena de Agosto, por ser o período em que a Ré encerrava o atelier, e o remanescente era gozado pelo Autor tendo em atenção as conveniências e necessidade de serviço da Ré. A tudo acresce que ocorrida também um vínculo de subordinação económica do Autor em relação à Ré, pois dependia do salário auferido nesta sociedade para a satisfação das suas necessidades e da sua família, apesar do relatado no facto 34. Factos que militam a favor da qualificação do contrato como de prestação de serviço, temos a falta de pagamento de férias, subsídio de férias e de Natal, para além de que a Ré não procedia às retenções para a segurança social, e o Autor emitia recibos do modelo 337 do CIRS, não constando do mapa de pessoal da Ré. Não se trata contudo de indícios que nos permitam concluir estarmos perante um contrato de prestação de serviço. Na realidade, a possibilidade de a Ré dar ordens ao Autor e o facto de o fazer efectivamente, em vários domínios da execução da actividade deste, e no âmbito do relacionamento daquele com a sua estrutura organizativa, não deixam qualquer margem para duvidar que estamos perante uma relação jurídica laboral, que a Ré entendeu designar de prestação de serviço, donde resultou não pagar subsídios de férias e de Natal, argumento que não impressiona, nem releva para traçar o perfil do contrato como contrato de prestação de serviço, pois, como se afirma no Acórdão desta Secção de 31 de Outubro de 2012 e junto aos autos pelo Autor, estes factos “muito frequentemente são usados fraudulentamente, por imposição da parte detentora de uma posição de supremacia na relação, com vista a despistar a qualificação laboral e, assim, escapar à aplicação das respectivas normas imperativas que visam a protecção da parte mais fraca, apenas sendo “aceites” por este precisamente porque a sua posição não é efectivamente tão livre como a do outro contraente, porque tem subjacente a necessidade de angariar meios de subsistência.” (sic). Daí que tais elementos não relevem, face aos demais, maxime ao índice da subordinação jurídica que, como vimos, está bem presente in casu. E nem se diga, como o faz a recorrente, que sendo a profissão de arquitecto a mais liberal - pois a autonomia resulta de forma clara da criatividade que subjaz ao desenvolvimento da actividade e da importância do resultado que o profissional atinge - necessariamente estamos perante um contrato de prestação de serviço. Não se questiona que a profissão de arquitecto pode ter muita autonomia, pode ser absolutamente autónoma, mas para o que interessa ao presente caso, não estamos a falar de autonomia técnica, a qual tão pouco existia no presente caso como resulta dos factos provados, mas de autonomia jurídica, que de todo estava presente. E, acima de tudo, é necessário analisar os factos concretos, não partindo do princípio de que, se estamos a falar de um arquitecto, estamos a falar de contratos de prestação de serviços. A realidade vai muito além dos estereótipos. Ainda ao contrário do que afirma a Ré, não releva para a caracterização do contrato o nomen iuris acordado entre as partes, e o facto de o Autor ter direito a uma taxa de captação sobre a facturação dos clientes que trouxesse para o atelier, face aos demais indícios verificados, maxime o da subordinação jurídica, não assume relevo suficiente para caracterizar o contrato como de prestação de serviço. Face ao exposto, e da análise conjunta dos factos provados pode, com segurança bastante, concluir-se pela real existência de uma efectiva subordinação jurídica do Autor em relação à Ré e, consequentemente, pela existência entre ambos de um contrato de trabalho, não merecendo, quanto a esta questão, censura a sentença recorrida.» 2 - O contrato de trabalho é definido no artigo 1152.º do Código Civil como «aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob autoridade e direcção desta». Por sua vez o contrato de prestação de serviço, de acordo com o disposto no artigo 1154.º do mesmo código, é aquele em que uma pessoa «se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição». A noção de contrato de trabalho consagrada naquele artigo foi retomada no artigo 1.º do Regime do Contrato de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, mantendo-se nos seus aspectos essenciais no artigo 10.º do Código de Trabalho de 2003, ou no artigo 11.º do Código do Trabalho de 2009. Existe uma evidente proximidade entre os dois contratos encontrando-se na existência da subordinação jurídica o elemento estruturante na delimitação entre os dois. O contrato de trabalho caracteriza-se fundamentalmente pela dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face ao outro contraente, a entidade empregadora, nos termos da qual o trabalhador fica sujeito às ordens daquela relativamente aos termos da prestação do seu trabalho. A conformação dos termos da prestação de trabalho tem um dos pólos no poder de direcção da entidade empregadora e outro no dever de obediência a que o trabalhador se encontra sujeito. Por outro lado, na prestação de serviço não existe esta subordinação tendo o trabalhador autonomia relativamente aos termos da execução do trabalho, ficando, contudo, vinculado ao resultado da actividade prosseguida. A aparente simplicidade desta delimitação é muitas vezes confrontada com situações de fronteira onde existem elementos que apontam para uma situação de trabalho subordinado, ao lado de outros típicos da autonomia da actividade que caracteriza a mera prestação de serviço. Conforme se referiu no acórdão desta secção, de 9 de Fevereiro de 2012, proferido na revista n.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1 Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI., «nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização)». Importa igualmente ter presente que, conforme refere MONTEIRO FERNANDES, «Cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade», pelo que «o juízo a fazer (…) é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta», não existindo «nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso» Direito do Trabalho, 12.ª Edição, 2004, Almedina, p. 145.. Torna-se, pois, necessária uma ponderação global dos elementos indiciários constatados, tentando encontrar o sentido dominante dos mesmos, procurando encontrar uma maior ou menor correspondência dessa dimensão global com o conceito-tipo de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviço. 3 – Voltando ao caso dos autos, não podemos subscrever as considerações feitas na decisão recorrida relativamente a vários elementos que resultam da matéria de facto com relevo na qualificação jurídica da relação que existiu entre o Autor e a Ré. VI Pelo exposto, decide-se negar a revista interposta pelo Autor e conceder a revista interposta pela Ré, revogando-se em conformidade a decisão recorrida, ficando a Ré absolvida dos pedidos em que foi condenada na 1.ª instância. As custas das revistas e nas instâncias ficam a cargo do Autor. Lisboa, 3 de Julho de 2014 António Leones Dantas (Relator) Melo Lima Mário Belo Morgado |