Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO NOVOS MEIOS DE PROVA NOVOS FACTOS PERÍCIA IMPUTABILIDADE DIMINUIDA ALCOOLISMO | ||
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Data do Acordão: | 10/25/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
Decisão: | NEGADA A REVISÃO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL –PROCESSO EM GERAL / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROVA POR DOCUMENTOS / INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. | ||
Doutrina: | - Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delito, Editorial Civitas, Madrid, 2007, p. 827; - João Conde Correia, O Mito do Caso Julgado e a Revisão Propter Nova, Coimbra Editora, 2010, p. 294. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 449.º, N.º 1, ALÍNEA D). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 17-02-2011, RELATOR SOUTO MOURA; - DE 21-06-2012, PROCESSO N.º 525/11.2PBFAR.S1; - DE 09-07-2014, PROCESSO N.º 95/10.9GGODM.S1; - DE 18-02-2016, RELATORA ISABEL PAIS MARTINS; - DE 07-06-2017, RELATOR RAUL BORGES. | ||
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Sumário : | I - A imputabilidade diminuída em que a perícia se esparrama não pode colher como elemento de prova para afastar a punibilidade da conduta do agente. A qualificação de um estado geral e abstracto decorrente da observação e análise do doente, passado algum tempo da ocorrência dos factos, não pode valer como forma de infirmar o juízo de culpabilidade formado pelo tribunal no momento em que impôs a sanção penal, dado que o tribunal tinha presente o estado de alcoolismo adicto ao indivíduo e considerou-o como factor de actuação para a produção do resultado típico. II - No caso, uma eventual inimputabilidade diminuída, não afastaria a responsabilidade criminal do arguido e não o isentaria de punição, pois de acordo com o modelo do tipo o arguido realizou e previu o resultado injusto e não se absteve de o realizar. III - Não tem acolhimento na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP a possibilidade de quebrar a regra do caso julgado por o agente ter agido sob a influência do álcool, sem se ter provado que essa ingestão, no caso, teria ocasionado um estado de inimputabilidade. Menos ainda que o agente possa, abstractamente, ter desenvolvido, por virtude de uma ingestão exagerada e desmedida de bebidas alcoólicas, um estado de imputabilidade diminuída. IV - As provas apresentadas pelo arguido e as que vieram a ser propinadas pela acção do tribunal não induzem a possibilidade de se poder criar uma grave desconfiança sobre a justiça realizada no caso concreto, pelo que a pretensão deve deceder. | ||
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Decisão Texto Integral: | . I. – Relatório Alegando omissão de elementos de prova que permitissem uma justa e ajustada condenação, o recluído, AA, [...], requer, ao amparo do disposto da al c), do n.º 1 do art.º 450.º do CPP e ss., que se proceda à revisão do julgado condenatório que o mantém no cumprimento de uma pena de quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão, pela prática, em autoria material de um crime de violência doméstica, p. e p. pela al. a) do n.º 1, n.º 2, n.º 4 e n.º 5.º, do art. 152.º do CP; Um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo n.º 1, do art. 153.º e al, a), n.º 1, do art. 155.º do C.P., com referência ao art. 131.º deste compêndio legislativo; dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º e 184.º do C.P., com referência à al. I), do n.º 2, do art.º 132.º deste compêndio legislativo; um crime de resistência e coacção, p. e p. pelo n.º 17 do art, 347.º do C.P. E um rime de desobediência, p. e p. na al. b), do n.º 1, do art. 348.º, do C.P.. I.a). – QUADRO CONCLUSIVO. “1. O ora recorrente foi condenado pela 1.ª instância, na pena de 4,5 anos de prisão efetiva pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pela al. a) do n.º 1, n.º 2, n.º 4 e n.º 5.º, do art. 152.º do C.P.; Um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo n.º 1, do art. 153.º e al, a), n.º 1, do art. 155.º do C.P., com referência ao art. 131.º deste compêndio legislativo: Dois crimes de de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º e 184º do C.P., com referência à al. I), do n.º 2, do art.º 132.º deste compêndio legislativo; Um crime de resistência e coação, p. e p. pelo n.º 17 do art, 347.º do C.P. E um rime de desobediência, p. e p. na al. b), do n.º 1, do art. 348.º, do C.P.. 2. Procedeu-se a realização da audiência de discussão e de julgamento sem a existência de nenhum obstáculo que vedasse ao julgador o poder de apreciar o mérito da causa, mormente nulidades processuais, questões prévias ou incidentais ou sequer excepções. 3. Da matéria de facto provada e das condições pessoais do recorrente, o julgador atuou de acordo com a produção de prova que lhe foi apresentada em sede de audiência. 4. O mesmo sucedeu na 2.ª instância, onde não foi dado provimento ao recurso ordinário onde o recorrente não logrou demonstrar erro na apreciação da prova prestada na 1.ª instância. 5. Sobre a apreciação crítica da prova, só foram dados meros indícios ao julgador de que a dependência do consumo abusivo de álcool poderia configurar a existência de um estado de inimputabilidade resultante de doença do foro psiquiátrico. 6. O recorrente nunca se pronunciou quanto aos factos durante todo o processo, mormente em sede de audiência de discussão e de julgamento. 7. O recorrente nunca foi sujeito a perícia médico legal. 8. Nunca foi carreada para os autos prova alguma sobre o quadro clínico da vítima BB, a esposa do recorrente. 9. O recorrente é inimputável em virtude de doença psiquiátrica resultante da sua adição ao álcool, tendo o mesmo já sido alvo de internamentos e/ou tratamentos psiquiátricos e psicológicos, mas só agora demostráveis pelos sete documentos ora carreados através do presente recurso e firmados pela prova testemunhal a prestar por esses profissionais de saúde mental. 10. Em virtude desta patologia e do facto de se encontrar em reclusão, o estado clínico psiquiátrico do recorrente tem-se a agravar de forma preocupante ao ponto de este estar à beira de tentar o seu suicídio. 11. Nunca ao recorrente foi nomeado curador ou lhe foi decretada a aplicação de uma medida prevista na Lei da Saúde Mental. 12. Há assim insuficiência da prova produzida para a decisão da matéria de facto provada, não obstante, o objeto dos presentes autos é tão só o constante na matéria de facto nos autos criminais, e sobre essa matéria devia ter incidido a decisão, 13. Sobre esta decisão judicial com trânsito em julgado, enferma uma manifesta denegação de prova sobre o estado de saúde do recorrente. 14. Sobre esta decisão judicial enferma ainda a violação das garantias de defesa do recorrente que mesmo inimputável foi indiciado, acusado, julgado e condenado a 4,5 anos de prisão efectiva. 15. Enquanto inimputável, "nulla poena sine culpa", como diria muito sabiamente o saudoso Padre Sebastião da Cruz, 16. O julgador firmou a sua apreciação crítica da prova produzida com base no depoimento das testemunhas de acusação, mormente na alegada vítima, também ela doente mental com acompanhamento psiquiátrico. 17. O julgador condenou este idoso aos seus 74 anos de idade e em estado de inimputabilidade permanente, enquanto não for sujeito a intensivo tratamento psiquiátrico e psicológico que certamente não terá sobre a alçada da Direção Geral dos Serviços Prisionais. (…) deverá o presente recurso de revisão ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser admitida a revisão e, estando o ora recorrente em reclusão, ser decretada suspensa a execução da sua pena de prisão, tudo nos termos do artigo 457.º n.º 1 e n.º 2, do CPP (…)”. Convocado a conferir uma posição conviccional sobre o pedido, o Senhor Juiz ponderou que (sic): “Realizadas as diligências tidas por necessárias e analisado o resultado das mesmas, é nosso entendimento que a pretensão do requerente deve naufragar. Na verdade, o Tribunal em sede de discussão em primeira instância logo considerou o consumo de bebidas alcoólicas pelo arguido, facto que o mesmo trouxe à liça e sobre o qual foi produzida prova, incluindo pelo seu então médico, que o arguido arrolou. Quer-nos parecer, s.m.o., que a condição de alcoólico do arguido, a existir não é nova e não era desconhecida à data do julgamento pelo que o arguido não pode, com propriedade, vir invocar a mesma. É esta a informação que nos apraz nos termos do artº 454º do Código do Processo Penal.” Neste Supremo Tribunal, a Digna Magistrada do Ministério Público, emitiu diserto parecer em que advoga (sic): “1 – AA foi condenado, no âmbito do proc. 292/14.8GACDV, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, que cumpre actualmente, pela prática, em autoria material e acumulação, dos crimes de violência doméstica, de ameaça agravada, injúria agravada, de resistência e coação e de desobediência. 2 – Interpõe, agora, recurso, que apelida de revisão de sentença, invocando o disposto no art.º 449.º, n.º 1, al) d) do CPP. O recurso é interposto em tempo e com legitimidade, assim como legitima e tempestiva se mostra a resposta do MºPº. O Sr. Juiz a quo, recebeu o recurso com o efeito e modo de subida devidos, prestou a informação a que alude o art.º 454.º, do CPP. 2.1. A extensa motivação do recurso e respectivas conclusões apresentadas pelo recorrente deveriam ser apresentadas quer em julgamento quer no recurso ordinário interposto da decisão condenatória. O recorrente defende que à data do julgamento padecia de doença psiquiátrica, resultante da sua adição ao álcool. Pese, embora, saber da doença psiquiátrica, que só agora revela, não requereu que fosse realizado o respectivo exame pericial. Nem o MºPº o promoveu, nem o tribunal recorrido a ele procedeu. O ora recorrente conformou-se com a tramitação do julgamento, recorreu da decisão condenatória, não tendo invocado, oportunamente, os meios de prova, que já então possuía e conhecia, apresentando-os só em recurso de revisão de sentença, não fornecendo qualquer justificação plausível dessa omissão. 2.2. No entanto, promoveu o MºPº que fosse realizado exame pericial do ora recorrente, tendo o Sr. Juiz a quo deferido essa diligência. 2.3. Realizados que foram os exames pericial e complementar, dele se pode extrair que o resultado não é conclusivo. 2.4. O Sr. Juiz a quo prestou informação a que alude o art. 454.º, do CPP no sentido do não provimento do recurso, porquanto já durante o julgamento do ora recorrente foi discutida a questão do consumo de álcool pelo arguido e sobre ela foi produzida prova. (fls. 264). 3 - Efectivamente, o recurso do arguido não merece provimento. 3.1. Dispõe o art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, que a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando “se descobrirem novos factos os meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. A Jurisprudência deste Venerando Tribunal, hoje tendencialmente uniforme, ou pelo menos, é largamente maioritária, vem decidindo que o recurso de revisão tem, pois, por fundamento a descoberta de facto novo que põe em crise a sentença condenatória proferida nos termos do art. 449.º, n.º 1 d), do CPP, suscitando grave dúvida a sua condenação ao não ser ponderado aquele facto, também jurídico, não apenas naturalístico, no tribunal da última condenação. “(…)Tal normativo legal, que prevê a possibilidade de quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, conforme salienta Paulo Pinto de Albuquerque, reveste carácter excepcional, pelo que só circunstâncias imperiosas a podem fundamentar (Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, Universidade Católica, pp.1185), enumerados de forma taxativa no art. 449.º, do CPP. Por isso os factos - pressupostos do recurso de revisão - hão-de ser novos e factos novos ou meios probatórios novos, para o efeito de permissão da revisão, são efectivamente os desconhecidos do tribunal, intraprocessualmente ignorados na decisão transitada, porque eram desconhecidos do recorrente ou que este esteve impossibilitado de apresentar — cfr. Luis Osório, in comentário ao art. 673º, do CPP, 1934, 416 -, sendo também assim que o art. 771.º, al c), do CPC, é interpretado. Quer isto significar que os factos devem ser novos para quem os apresenta, por ele ignorados ao tempo do julgamento, não bastando que sejam desconhecidos no processo, assim o entendendo, também, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Verbo, III, 388 e Eduardo Correia, Separata da RDES, 6/381. E essa exigência é aquela que melhor serve o valor do caso julgado evitando que a definitividade da decisão se eternize, o recurso se banalize, estimulando a cooperação e a lealdade processuais, não obstante o poder dever de investigação da verdade material que sobre o Tribunal impende, mas também este limitado pelo conhecimento de factos que só ao condenado são acessíveis e cujo beneficio está dependente da respectiva alegação em juízo. Consubstanciaria uma afronta do princípio da lealdade processual admitir que o requerente da revisão apresentasse os factos como novos não obstante ter inteiro conhecimento no momento do julgamento da sua existência. Tal entendimento faria depender a revisão de sentença de “um juízo de oportunidade do requerente, formulado à revelia de princípios fundamentais como é o caso da verdade material ou da referida lealdade”. - decidiu-se no Ac. deste STJ, de 21-03-2012, in Proc. n.° 1197/07.4GBAMT-A.S1 – 3.ª Secção, com tradução nos de 09-11-2011, Proc. n.º 61/07.4PJSNT.L1.S1 – 3.ª Secção; 21-03-2012, Proc. n.º 561/06.0PBMTS-A.S1 – 3.ª Secção; 08-3.2012 , Proc. n.° 30/10.4TBACN-A.S1 – 5.ª Secção, 15-03-2012, Proc. n.° 439/07.0PUPRT-A.S1 – 5.ª Secção e de 29-03-2012, Proc. n.° 1896/02.7PAVNG-A.P1-B.S1 – 5.ª Secção. Esta a interpretação que melhor se ajusta “à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado”, expressou-se, mais recentemente, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2007, ao art. 449º, nota 12, pág. 1212. (…)” Ac. do STJ, de 29/10/2014, Proc.º 191/12.8GBTNG-C.S1. 3.2. Convocando a decisão condenatória da 1ª instância, junta por certidão aos autos, pode verificar-se que o arguido contestou, oferecendo o merecimento dos autos (fls. 156). Ficou provado que: “Quando se encontra alcoolizado torna-se teimoso, quezilento e violento (…) No ano de 2001, após a sua mulher ter deixado a casa de família, o arguido convenceu-a a voltar, prometendo não a agredir mais e parar de ingerir bebidas alcoólicas. Passados três meses, o arguido voltou a ingerir bebidas alcoólicas em grandes quantidades, fazendo-o ao longo de todo o dia. Diariamente, embriagado, o arguido iniciou discussões (…). Por duas vezes, após ajuda familiar, o arguido foi internado para realizar tratamentos à dependência do álcool (…) Porém o arguido abandonou os tratamentos (…), persistindo no consumo de álcool, ao longo de todos os dias. No dia 15 de Outubro, de 2014, pelas 13 h, após ter estado no café a ingerir bebidas alcoólicas, o arguido dirigiu-se à sua residência onde, embriagado, injuriou e ameaçou de morte a sua mulher, Maria Emília. Pelas 18h, o arguido continuava a ingerir bebidas alcoólicas, cada vez mais embriagado e agressivo, injuriando e ameaçando a mulher e os filhos. O arguido agiu consciente e voluntariamente, querendo provocar nos ofendidos mal estar físico e psicológico, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. AA desvaloriza as consequências deste modelo familiar bem como os episódios de violência a que sujeitou os elementos da sua família, justificando tal posição com o facto de continuar a nutrir sentimentos de afecto quer para com a cônjuge quer para o filho e por sempre lhes ter pedido desculpa após os referidos episódios. Relativamente ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas, o arguido tem grandes dificuldades em reconhecer-se como dependente de tal ingestão facto que é contrariado pela família, que confirma o consumo excessivo de álcool por parte do mesmo tendo, inclusivamente, devido a insistência da cônjuge e filhos, sido sujeito a dois internamentos que vieram a mostrar-se infrutíferos, em consequência da fraca motivação em aderir aos tratamentos propostos. Com 75 anos, AA evidencia fraca auto-censura bem como baixa capacidade de reflexão critica, efectuando um discurso no sentido da desejabilidade social. Paralelamente, tem dificuldade em assumir a sua problemática alcoólica e em reconhecer a sua influência na adopção de comportamentos agressivos e violentos. Relativamente à problemática aditiva, mantem acompanhamento médico psicológico, na Equipa de Tratamento das Caldas da Rainha. De acordo com a psicóloga, o arguido tem manifestado alguma dificuldade em aderir ao tratamento proposto, não tomando a medicação recomendada e mantendo os consumos etílicos. Acrescenta que, tendo em conta o historial de AA e o longo percurso de consumos, dificilmente conseguirá em regime de ambulatório manter-se abstinente. Confrontado com os factos pelos quais se encontra acusado, AA verbaliza um discurso pouco crítico, desvalorizando a gravidade da sua conduta, não reconhecendo o impacto e os prejuízos que resultaram para a sua família e minimizando a problemática alcoólica. O arguido apresenta uma trajectória alcoólica longa, que não tem conseguido reverter, apesar dos vários tratamentos iniciados, tanto em ambulatório como em internamento (…)”. A aditividade ao álcool do ora recorrente marcou toda a produção de prova no julgamento, nunca tendo sido suscitado por si qualquer pedido de realização de perícia sobre a sua (in)imputabilidade criminal provocada pelo alcoolismo. Ao MºPº e ao tribunal a quo não lhes suscitaram dúvidas ou indícios de que o arguido padecia de anomalia psíquica, tanto mais que o mesmo tinha acompanhamento médico e psicológico na Equipa de Tratamento das Caldas da Raínha e nenhum alerta foi por esta instituição transmitido directamente ao tribunal ou através de relatório social – cfr. motivação da matéria de facto fixada. No entanto, o arguido sabia, tinha conhecimento, desde antes do julgamento só agora alegada doença psíquica de que padeceria e, não obstante, não a invocou oportunamente, sem então, requerer exame às suas faculdades mentais (cfr. relatório médico de fls. 240 e informação clínica de fls. 241). O próprio arguido expressamente alega que à data da notificação do libelo acusatório se encontrava em situação de baixa médica, por motivos do foro psiquiátrico. Por outro lado, o relatório do exame médico-legal psiquiátrico, realizado no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE, para além de dar nota da dificuldade em reconstituir a situação da época dos factos, considera que a perturbação grave de que sofre o arguido, por uso do álcool, reduziu a capacidade de avaliar e compreender o alcance dos factos por si levados a cabo, não lhe retirou essa capacidade. O relatório não aponta para a inimputabilidade criminal do arguido, mas apenas uma diminuição da capacidade de compreender o alcance dos factos, compatível com o conceito de inimputabilidade reduzida. O arguido era, à data dos factos, imputável – art. 20.º, do CP, a contrario sensu. E ao contrário do que defende o recorrente, não resulta do relatório referido que a “inimputabilidade parcial” de que pretende padecer encontra “uma base biológica grave e permanente, e que o agente não domina os seus efeitos, para efeitos de inimputabilidade, bastando que o agente revele incapacidade para se deixar influenciar pelas penas”. Este quadro psicótico não consta do relatório pericial em causa, que apenas alerta para a necessidade do arguido continuar a receber tratamentos médico e psicológico. O novo meio de prova ora produzido e vertido no relatório pericial, por si só, ou conjugado com os que foram considerados no processo, não suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação, art.º 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, sendo que determina o n.º 3, do mesmo preceito que, com fundamento naquele normativo, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada. 4 - Por todo o exposto, emite-se parecer no sentido da improcedência do recurso extraordinário de revisão de sentença interposto pelo condenado AA.” I.b). – Questão a resolver no recurso. O imo da questão proposta para resolução da pretensão formulada pelo requerente atina com aferir se o meio de prova que propõe para romper com o caso julgado firmado neste processo se constitui como novidade capaz de determinar a revisão da sentença proferida. II. – FUNDAMENTAÇÃO. II.a). – ELEMENTOS PERTINENTES PARA A DECISÃO. - O arguido, AA, foi acusado da prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alínea a), 2. 4 e 5 do Código Penal, 1 crime de ameaça agravada previsto e punido pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº, alínea a), com referência ao artigo 131º, todos do Código Penal, dois crimes de injúrias agravados, previstos e punidos pelos artigos 181º e 184º, com referência ao disposto pelo artigo 132º, nº 2, alínea l), do Código Penal, um crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1,a línea b) do Código Penal e um crime de resistência e coacção previsto e punido e pelo artigo 347º, nº 1 do Código Penal. - Por decisão datada de 18 de Novembro de 2015, foi o arguido condenado – cfr. fls. 155 a 192: “a) (…) como autor material de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº p. e p. pelo art. 152º, nº 1, al. a) e nº 2, do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão; b) (…) nos termos do disposto no artº 152º nº 4 e 5 do Código Penal o mesmo arguido na pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses a contar da data de liberdade condicional ou libertação do arguido; c) (…) como autor material de ameaça agravada p. e p. pelo artº153º nº 1 e 155º nº 1 al. a) do Código Penal na pena de 6 (seis) meses os de prisão; d) (…) como autor material de dois crimes de injúria agravada p. e p. pelo artº 181º e 184º ambos do Código Penal na pena de 2 (dois) meses de prisão por cada um deles; e) (…) como autor material de um crime de desobediência p. e p. pelo artº 348º nº 1 al. b) do Código Penal na pena de 3 (três) meses de prisão; f) (…) como autor material de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo artº 347º do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; g) Opera, nos termos do disposto no artº 77º do Código Penal, o cúmulo jurídico entre as penas supra impostas e condena o arguido AA na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e na sanção acessória de proibição de uso e porte de arma pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses a contar da data de liberdade condicional ou libertação do arguido; h) Julga os pedidos de indemnização civil parcialmente procedentes por provados e, consequentemente, condena o arguido a pagar: a. ao demandante CC a quantia de 500 € (quinhentos euros); b. ao demandante DD a quantia de 500 € (quinhentos euros); i) Condena o arguido, nos termos do disposto no artº 21º nº 2 da Lei 112/2009 de 16 de Setembro a pagar à ofendida BB a quantia de 10.000 € (dez mil euros), acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a data presente até efectivo e integral pagamento; (…).” - A factualidade que permitiu a subsunção típica habilitante da condenação referida no item antecedente foi assumida no acórdão da primeira (1ª) instância e coonestado pelo acórdão confirmatório do Tribunal da Relação de Lisboa, está consolidada mo sequente quadro factológico - cfr. fls. 2 a 14 do acórdão da primeira (1ª) instância (sic): “O arguido, nascido a 13.02.1940, e a ofendida BB nascida em ..., e viviam até 15 de Outubro de 2014 numa residência sita em Rua do ..., composta por residência, anexos com lagar e quintal, área desta comarca de Lisboa-Norte. Da relação nasceram dois filhos, ... em ....1967 e ...1976. Desde o início que o arguido manteve sempre um comportamento conflituoso e agressivo, tanto a nível verbal como fisicamente em relação à sua esposa, a ofendida BB O arguido possui várias vinhas, produz vinho no lagar que possui junto da sua habitação e consome bebidas alcoólicas em demasia. Quando se encontra alcoolizado torna-se teimoso, quezilento e violento, implicando com a ofendida e com os filhos por qualquer coisa sem importância. O arguido é caçador, possui duas armas de fogo, e tem por hábito guardar as mesmas no interior da habitação, na sala, devidamente municiadas. Frequentemente ao longo do casamento o arguido gritou, dirigindo-se à ofendida, as seguintes expressões: “És uma puta! És uma vaca! Andas a foder com todos! És uma porca!" acusando-a de manter relações sexuais com outros homens, humilhando-a. A ofendida não dava resposta a estes impropérios e provocações, tentando, assim, com isso, que o arguido se acalmasse. Para além disso, o arguido ameaçava constantemente a ofendida com as expressões: “Eu mato-te, sua puta! Não te ficas a rir com o meu dinheiro! Agarro nas armas e dou-te um tiro, te mato, sua puta?" Ao longo da sua relação, a ofendida foi por diversas vezes agredida pelo arguido através de murros, pontapés, puxões de cabelo, empurrões contra o mobiliário da habitação e bofetadas, atingindo-a no seu corpo, provocando-lhe vários hematomas nas zonas atingidas. As agressões ocorriam com a frequência de uma vez por semana, ocorrendo a primeira vez passados apenas dias após a celebração do casamento, na festa da localidade da ..., altura em que o arguido desferiu uma bofetada na face da ofendida, provocando-lhe dores. No dia do baptizado do filho ...., .... 1976, o arguido expulsou a ofendida da residência, obrigando-a a abandonar a mesma, juntamente com os filhos de 9 anos e 3 meses. Em dia não concretamente apurado de Setembro de 1979, junto à residência onde viviam, no decurso de uma discussão, sobre a ida a uma romaria na localidade de ...., embriagado e munido de um objecto em madeira, o arguido desferiu uma pancada na cabeça da ofendida, provocando-lhe dores e um ferimento na zona atingida. Em dia não concretamente apurado de 1980, no interior da sala da residência e na presença do filho Amadeu, na altura com 14 anos, no seio de uma discussão, o arguido dirigiu-se à ofendida com as seguintes expressões: "És uma Puta! És uma Vaca! És uma Porca!" e desferiu-lhe vários murros e bofetadas em todo o corpo. Após, pegou numa arma caçadeira, previamente municiada, apontou-a na direcção da ofendida e disparou, só não atingindo a ofendida porque ter sido impedido pelo próprio filho, que lhe deu um empurrão. Insatisfeito com a situação, o arguido efectuou um disparo na direcção do próprio filho, não lhe acertando. Por diversas vezes, em dias não concretamente apurados, no interior da residência, o arguido desferiu murros, bofetadas e empurrões contra o mobiliário da habitação, atingindo-a no seu corpo, provocando-lhe vários hematomas nas zonas atingidas. No dia 24 de Outubro de 2000, durante o dia, o arguido dirigiu-se a casa de uma amiga da ofendida, onde esta trabalhava, e aos gritos, chamou-lhe: "Sua Puta, sua vaca! Sai cá para fora!" A ofendida por temer ser vítima de agressões não respondeu ao arguido. Nesse mesmo dia, à noite, no interior da residência, o arguido abordou a ofendida quando esta se encontrava sentada no sofá. Sem que nada o fizesse prever, o arguido pegou numa canadiana que a ofendida utilizava diariamente para se deslocar, por se encontrar lesionada no pé, e com a mesma, deferiu várias pancadas no braço e perna esquerda, provocando-lhe dores e hematomas nas zonas atingidas. Após, o arguido trancou a porta da residência à chave, impedindo-a de sair. Cansada do comportamento do arguido, a ofendida pediu ajuda a uma sua prima, que a auxiliou a abandonar a residência. Foi acolhida em casa da filha .... Decorridos uns meses, em 2001, o arguido convenceu a ofendida a voltar para casa, prometendo não a agredir mais e parar de ingerir bebidas alcoólicas. Passados três meses, o arguido voltou a ingerir bebidas alcoólicas em grandes quantidades, fazendo-o ao longo de todo o dia. Diariamente, embriagado, o arguido iniciou discussões com a ofendida, sem qualquer razão para o efeito e no decurso das mesmas, dirigindo-se à ofendida, gritou as seguintes expressões: "Filha de uma grande Puta! Filha de uma grande Vaca! Andas a foder com todos! És uma Porca!" e "Eu mato-te, sua puta! Não te ficas a rir com o meu dinheiro! Agarro nas armas e dou-te um tiro, te mato, sua puta!" Em dia não concretamente apurado, no ano de 2007, no interior da residência, pelas 2 horas da manhã, quando a ofendida se encontrava no quarto da neta à data com 7 anos, deitada ao lado desta, o arguido deu pela sua falta na cama do casal e foi à sua, procura. De imediato, o arguido pegou na espingarda caçadeira e procurou-a no interior da habitação com o intuito de a obrigar a voltar para a cama do casal. Ao encontrá-la no quarto da neta, o arguido apontou a arma na direcção da face da ofendida e nesse instante, gritou: "Eu mato-te!" Enquanto isso, a menor chorando, em pânico, implorou ao arguido "Oh avô, não faças mal à minha avó!" A menor careceu de acompanhamento psicológico para ultrapassar o episódio ocorrido. Por duas vezes, após ajuda familiar, o arguido foi internado para realizar tratamentos à dependência do álcool, em 1997 numa Casa de Saúde em Carnaxide em Carnaxide e em 2010 no Hospital Júlio de Matos. Porém, o arguido abandonou os tratamentos, recusando-se a tomar a medicação necessária, persistindo no consumo de álcool, ao longo de todos os dias. A ofendida recebe uma pequena reforma, cujo valor é gasto mensalmente na farmácia na aquisição de medicamentos. O arguido controla todo o dinheiro destinado à compra de alimentos, não permitindo que a ofendida compre os alimentos necessários à sua subsistência. Perante o todo o comportamento do arguido e devido ao sofrimento causado à ofendida, esta passou a sofrer de depressão com ideação suicida, tomando diariamente medicação para o efeito. No dia 15 de Outubro de 2014, pelas 13h, após ter estado no café a ingerir bebidas alcoólicas, o arguido dirigiu-se à sua residência. No interior da mesma, embriagado, o arguido interpelou a ofendida BB e apelidou-a de "puta, vaca, porca" e ordenou-lhe que se fosse embora, tendo repetido tais expressões injuriosas durante toda a tarde. Além disso, o arguido ameaçou a ofendida com as expressões: "Eu mato-te, sua puta! Não te ficas a rir com o meu dinheiro! Agarro nas armas e dou-te um tiro, te mato, sua puta!" Pelas 18 horas, por o arguido continuar a ingerir bebidas alcoólicas e se encontrar cada vez mais embriagado e agressivo, a ofendida refugiou-se no interior do quarto do casal e aí permaneceu. Por estar sozinha, em pânico, e receosa de que o arguido atentasse contra a sua integridade física ou até vida, a ofendida telefonou aos filhos ... e ... a contar-lhes o sucedido, pedindo-lhes ajuda. Na sequência, o ofendido ... dirigiu-se então à residência dos pais. Ao se aperceber da sua presença no local, o arguido iniciou uma discussão com o ofendido ..., e no decurso da mesma, sem que nada o fizesse prever, agarrou numa muleta e desferiu várias pancadas no ofendido, atingindo-o na mão direita, provocando-lhe um traumatismo no dedo. Em seguida, pegou num ferro de andaime e tentou atingir o filho com tal objecto, tendo sido impedido por ... de o fazer. Após, o arguido desferiu vários pontapés, atingindo-o nas pernas. Nesse instante, a ofendida saiu do quarto e tentou acalmar o arguido. Acto contínuo, o arguido empurrou a ofendida, fazendo-a embater no mobiliário. Enquanto isso, gritou para a ofendida:" Sua puta, sua cabra, sua vaca, vai-te embora daqui! Não prestas para nada!” Em seguida, completamente fora de si, o arguido procurou pelas armas caçadeiras, gritando para a sua esposa ... e filho ...: "Eu mato-vos! Eu mato-te! Não prestas para nada! És um gatuno! Não passas de amanhã se não morreres já hoje!" Sem que o arguido se apercebesse, ... encontrou as armas caçadeiras de que o arguido é proprietário e que costumava guardar na sala, devidamente municiadas, pegou nas mesmas e levou-as para o exterior, guardando-as no interior do veículo automóvel. Como não as encontrou, o arguido disse que ia buscar a forquilha ao lagar e que ia matar os dois. Na altura em que o arguido se dirigiu ao lagar para alcançar tal utensílio, os ofendidos ... e ... dirigiram-se ao veículo automóvel para sair do local. Nesse momento, empunhando a forquilha, o arguido correu para o veículo automóvel, para o lado do passageiro, onde se encontrava a ofendida .... Acto contínuo, com tal utensílio, desferiu um golpe violento da direcção de ..., só não lhe acertando por o filho ... ter puxado a ofendida para o interior do veículo automóvel, e fechado a porta, impedindo dessa forma, que o arguido cravasse a forquilha no corpo da ofendida na zona do peito e face. Na sequência, o arguido acertou violentamente no vidro da porta lateral direita do veículo automóvel. De imediato, ... ligou o veículo automóvel e transportou a ofendida para fora, acolhendo-a em sua casa. A ofendida viu-se constantemente afectada no seu bem-estar psíquico e físico, sujeita que estão ao que atrás se descreve, vivendo em sobressalto e com medo do comportamento imprevisível do arguido. O arguido, ao agir como agiu, quis e conseguiu ofender a honra da ofendida, o que sabia ser consequência directa da forma como a esta se dirigiu verbalmente, o que conseguiu. O arguido, ao agir do modo descrito, agiu com pleno conhecimento de que as expressões que proferiu nas circunstâncias supra descritas eram meio adequado a produzir, como efectivamente produziram, na ofendida profundo receio, temor e inquietação pela sua vida e integridade física sendo certo que, com a sua conduta, o arguido pretendia precisamente incutir-lhe medo e dar-lhe a entender que fazia mal à ofendida, sua esposa há mais de 40 anos e mãe dos seus dois filhos. O arguido, ao agir como agiu, quis provocar na ofendida mal-estar físico e psicológico, o que sabia ser consequência do seu comportamento diário em casa e das ofensas e provocações verbais que diariamente àquela infligia, o que conseguiu, graças ao medo, ansiedade e perturbações emocionais que naquela criou. Igualmente, o arguido quis provocar na ofendida dores e mal-estar físico e psicológico, o que também sabia ser consequência da sua conduta, pois causou naquela dores físicas e mal-estar psicológico. O arguido dirigiu-se ao ofendido ..., seu filho, em tons de seriedade e veracidade, tendo-se este assustado e sentido perturbado na sua segurança e afectado na sua liberdade. O arguido, ao agir do modo descrito, agiu com pleno conhecimento de que as expressões que proferiu nas circunstâncias supra descritas eram meio adequado a produzir, como efectivamente produziram, no ofendido profundo receio, temor e inquietação pela sua vida sendo certo que, com a sua conduta, o arguido pretendia precisamente incutir-lhe medo e dar-lhe a entender que tiraria a vida ao ofendido. Agiu, o arguido, de forma livre e consciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. No dia 15 de Outubro de 2014, pelas 21horas, foram apreendidas pelos Guardas da GNR os seguintes objectos que o arguido guardava na sua posse, a si pertencentes: - uma forquilha composta por um cabo de madeira de comprimento l,6m e uma parte metálica com cinco dentes com 31 cm de comprimento cada e largura com 27,7cm; - uma espingarda de marca Undial, com a inscrição FN166823, de calibre 12, - uma espingarda de marca Lanber, com a inscrição 1803-07433-96-1270, de calibre 12, No dia 15 de Outubro de 2014, pelas 20h55m, DD e CC, Guardas da Guarda Nacional Republicana, a prestarem serviço no posto territorial de Guarda Nacional Republicana em ..., e que se encontravam de serviço de patrulha, devidamente identificados e uniformizados, dirigiram-se à Rua ..., área desta comarca. Os militares tinham como missão fazer cumprir ordens superiormente transmitidas e tinham sido alertados para a existência de uma possível situação de violência doméstica, tendo sido informados que o arguido se fazia deslocar no veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de marca Ford, modelo Transit, de cor vermelha, de matrícula .... Ao chegarem ao local, verificaram que o veículo automóvel em causa se encontrava estacionado em frente ao n.º..., residência do ofendido EE, e que o arguido se encontrava sentado ao volante. Nesse instante, o arguido foi questionado sobre o motivo de se encontrar naquele local e os elementos da patrulha pediram a sua identificação. Não satisfeito, o arguido dirigiu-se para os ofendidos, Guardas da GNR, em funções e gritou: "Eu não tenho nada que responder a malandros!" E em seguida, disse que não facultava qualquer identificação visto não se encontrar a fazer mal a ninguém. Aconselhado a colaborar e a mostrar os seus documentos, o arguido elevou a voz e gritou: "Não dou nada a ninguém a ninguém caralho, desapareçam senão ainda se fodem!!" DD abriu a porta do veículo automóvel e advertiu o arguido que se não facultasse os documentos de identificação solicitados incorreria na prática de um crime de desobediência. Acto contínuo, o arguido gritou: "Eu dou-vos é o caralho, saiam daqui seus cabrões, eu vou-me vingar!", Apesar de informado que incorreria na prática de um crime e que seria detido se continuasse com o seu comportamento, o arguido persistiu na sua conduta de não se identificar, nem exibir os seus documentos de identificação. De imediato, foi dada voz de detenção e quando o tentavam remover, o arguido, de imediato, desferiu pontapés em ambos os ofendidos, sendo necessário imobilizar o arguido e algemar o mesmo para que se acalmasse. Durante o percurso para o posto territorial o arguido manteve-se exaltado, gritando: "Foram buscar a forquilha? Se lhes ponho as mãos em cima, furo-vos de um lado ao outro! A culpa não é vossa, é da puta das vossas mães! Vou-vos foder aos dois!" Posteriormente, no interior da cela, o arguido desferiu por diversas vezes, murros e pontapés na porta, gritando repetidamente: "Tirem-me daqui senão fodo-vos! Os ofendidos, na ocasião, encontravam-se no desempenho das suas funções de Guardas da GNR, devidamente uniformizados, do que o arguido tinha perfeito conhecimento. O arguido, ao agir como agiu, quis e conseguiu ofender a honra dos ofendidos, o que sabia ser consequência directa da forma como a estes se dirigiu verbalmente, o que conseguiu. Não se quis identificar e apresentar os seus documentos de identificação pessoal sabendo que, ao agir de tal forma, incorria na prática do crime de desobediência. Agiu livre, deliberada e conscientemente, querendo e conseguindo perturbar os agentes, com o propósito de se opor ao normal exercício das suas funções, visando impedir que os mesmos cumprissem as suas funções e a opor-se à sua detenção, bem sabendo que a sua conduta não era permitida. Agiu consciente e de forma voluntária, ciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Das condições pessoais do arguido AA, actualmente com 75 anos, é natural da ... - zona onde tem vivido a maior parte da sua vida com excepção dos três anos em que foi cumprir o serviço militar obrigatório em Angola. Filho único, cresceu num agregado de razoáveis recursos económicos, onde o pai era figura de referência autoritária, usando por vezes condutas agressivas para com a sua mãe, que surgem enquadradas pela problemática aditiva que aquele manteve durante vários anos. Com o 6º ano de escolaridade concluído, AA optou por desistir dos estudos e passou a ajudar o progenitor na barbearia, negócio de família. Posteriormente e após ter cumprido o serviço militar iniciou funções de soldador na Ford, onde veio a progredir na carreira e onde se manteve a trabalhar cerca de 25 anos. Nessa altura e alegadamente devido à crise no sector automóvel, houve uma rescisão do contrato por mútuo acordo, tendo o arguido com o valor que recebeu da indeminização criado uma vacaria, passando a dedicar-se à criação de gado e à agricultura. Aos 26 anos, autonomizou-se do agregado de origem tendo contraído matrimónio com a actual cônjuge, vitima no presente processo. Desta união nasceram dois filhos, ..., actualmente com 48 anos e ..., de 39 anos de idade, também vitima no presente processo. O arguido detém uma má imagem social devido aos comportamentos violentos, que adopta sob o efeito do álcool, encontra-se indiciado pela prática de crimes de violência doméstica e agressões a guardas da GNR. AA desvaloriza as consequências deste modelo familiar bem como os episódios de violência a que sujeitou os elementos da sua família, justificando tal posição com o facto de continuar a nutrir sentimentos de afecto quer para com a cônjuge quer para o filho e por sempre lhes ter pedido desculpa após os referidos episódios. Relativamente, ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas, o arguido tem grandes dificuldades em reconhecer-se como dependente de tal ingestão, facto que é contrariado pela família, que confirma o consumo excessivo de álcool por parte do mesmo tendo, inclusivamente, devido à insistência da cônjuge e filhos, sido sujeito a dois internamentos que vieram a mostrar-se infrutíferos, em consequência da fraca motivação em aderir aos tratamentos propostos. No âmbito da aplicação da medida de coacção em curso, o arguido passou a integrar o agregado da filha, residente no concelho de Sintra, até 15Mai2015, data em que foi autorizado judicialmente a regressar à sua habitação na ..., onde se mantém presentemente a residir sozinho, beneficiando do apoio do filho que reside nas proximidades. As necessidades de subsistência encontram-se asseguradas, através do rendimento auferido pela pensão de velhice no valor aproximado de 600€. Com 75 anos, AA evidencia fraca auto-censura bem como baixa capacidade de reflexão crítica, efectuando um discurso no sentido da desejabilidade social. Paralelamente, tem dificuldade em assumir a sua problemática alcoólica e em reconhecer a sua influência na adopção de comportamentos agressivos e violentos. Presentemente, o arguido continua a manifestar grande dificuldade em aceitar o término da relação, referindo continuar a nutrir sentimentos de afecto pela sua cônjuge, com quem pretende refazer a sua vida afectiva. No entanto, BB, apesar de manter contactos telefónicos quase diariamente com o arguido e de considerar que o mesmo tem vindo a fazer um esforço por manter uma atitude adequada, não perspectiva retomar a relação conjugal, evidenciando não acreditar que aquele tenha efectivamente alterado quer os seus comportamentos violentos quer os hábitos etílicos. AA encontra-se sujeito à obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica desde 12Dez20H. Nos primeiros meses, o sistema de monitorização electrónica registou várias ausências da habitação de curta duração, sem autorização prévia; contudo, desde que mudou de residência, o arguido tem vindo a fazer um esforço por manter um comportamento mais consonante com as regras a que se encontra sujeito, mantendo-se permanentemente confinado à habitação. Durante os cerca de 9 meses em que está sujeito à OPHVE, o arguido tem beneficiado de apoio clínico regular, devido às várias problemáticas de saúde que padece do foro urológico e oncológico. Relativamente à problemática aditiva, mantém acompanhamento médico e psicológico, na Equipa de Tratamento das Caldas da Rainha. De acordo com a psicóloga, o arguido tem manifestado alguma dificuldade em aderir ao tratamento proposto, não tomando a medicação recomendada e mantendo os consumos etílicos. Acrescenta que, tendo em conta o historial de AA e o longo percurso de consumos, dificilmente conseguirá em regime de ambulatório manter-se abstinente. Confrontado com os factos pelos quais se encontra acusado, AA verbaliza um discurso pouco crítico, desvalorizando a gravidade da sua conduta, não reconhecendo o impacto e os prejuízos que resultaram para a sua família e minimizando a problemática alcoólica. Manifesta incapacidade na identificação dos motivos que levaram à separação conjugal, descentrando-se dos problemas e insistindo no reatar da relação. O processo de socialização de AA decorreu num ambiente familiar disfuncional, apresentando-se a problemática de alcoolismo e de violência doméstica como um processo transgeracional, iniciado pelo progenitor, que se apresentou como modelo de aprendizagem social negativo. AA e a vítima são casados há cerca de 50 anos, sendo que a vivência conjugal e familiar tem sido disfuncional e marcada por episódios de violência a vários níveis, facilitados pelo consumo excessivo de álcool e crenças de género. O arguido apresenta uma trajectória alcoólica longa, que não tem conseguido reverter, apesar dos vários tratamentos iniciados, tanto em ambulatório como em internamento. Há que salientar que algumas das circunstâncias de risco identificadas a partir da análise do SARA não se verificam no contexto vivencial actual do arguido, nomeadamente no que concerne à continuidade dos comportamentos violentos e intensificação das ofensas. No entanto, esta alteração deve-se sobretudo ao facto de ter cessado a convivência com a ofendida, por força da aplicação da presente medida de coacção. No presente identificam-se vários factores de risco, de que se destaca o consumo de bebidas alcoólicas, a reduzida consciência critica relativamente aos factos e a minimização do dano, bem como a existência de algumas crenças que, implicitamente: e na sua óptica, desvalorizam a violência conjugal. A conjugação destes elementos, leva os serviços de reinserção a emitir uma prognose reservada relativamente a uma reinserção social bem sucedida que, provavelmente (e de acordo com o parecer clínico da equipa que o acompanha), dependerá da submissão de AA a eventual aplicação de uma medida de internamento. Do CRC do arguido consta: a) Uma condenação proferida em 07.12.2012 pelo Tribunal Judicial do Cadaval, no âmbito do NUIPC 370/10.2GACDV, transitada em 20.09.2012, pela prática, em 26.10.2010, de um crime de injúria, um outro de ameaça e um terceiro de condução de veículo em estado de embriaguez nas penas de, respectivamente 70 dias de multa à razão diária de 6 €, 100 dias de multa à razão diária de 6 € e 95 dias de multa à razão diária de 6 €. Em cúmulo foi condenado na pena de 300 dias de multa à razão diária de 6 €, pena esta extinta pelo pagamento em 09.10.2012. Cumpriu ainda a pena acessória de proibição de conduzir por 5 meses b) Uma condenação proferida em 09.07.2013 pelo Tribunal Judicial do Cadaval, no âmbito do NUIPC 20/13.5TACDV, transitada em 17.09.2013, pela prática, em 26.10.2010, de um crime de detenção de arma proibida na pena de 100 dias de multa à razão diária de 6,5 €, pena esta extinta pelo pagamento em 20.11.2013. c) Uma condenação proferida em 05.03.2014 pelo Tribunal Judicial do Cadaval, no âmbito do NUIPC 20/13.5TACDV, transitada em 05.03.2014, pela prática, em Setembro de 2012, de um crime de desobediência na pena de 51 dias de multa à razão diária de 5 €, pena esta extinta pelo pagamento em 28.05.2014. Factos não provados Não se provou que: Em dia e hora não concretamente apurado do ano de 1972, no quintal da residência, o arguido agrediu a ofendida com um pontapé no rabo, provocando-lhe dores. O arguido proibiu a ofendida de ver televisão e de usar os electrodomésticos existentes na habitação.” - Por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferida no dia 4 de Maio de 2016, no recurso penal interposto pelo arguido, foi o recurso julgado totalmente improcedente – cfr. fls. 94 a 150; - Na fase preliminar – produção de prova – da remessa do procedimento para o órgão de admissibilidade da revista, foi ordenada a realização de perícia psiquiátrica do arguido, tendo a entidade requestada respondido aos quesitos organizados pela forma que a seguir se deixa expressa (sic): “Quesitos: "Assim, a fim de poder instruir o processo solicite ao INML a realização de perícia ao condenado de molde a se responder às seguintes questões: a) O condenado estaria impedido, em razão de doença do foro mental, de avaliar e compreender o alcance dos factos por si levados a cabo e dados como assentes no acórdão preferido? b) E tal impedimento, a existir, impedi-lo-ia de agir de forma diferente daquela que o fez? c) A eventual doença de que possa padecer torna o arguido pessoa perigosa para si e para terceiros?" O presente relatório baseia-se na entrevista feita ao observado, na observação directa e nos extractos do processo enviados. O observado é um homem de 77 anos (nascido a 13/2/1940), natural e residente em ..., com o 6º ano da escolaridade concluído, casado com dois filhos, reformado, agricultor, actualmente preso no Estabelecimento Prisional de ... Apresenta-se vigile, lúcido, orientado (no tempo e no espaço e em relação a si próprio e aos envolventes), com humor eutímico, colaborante, sem alterações da percepção ou do pensamento. O discurso é coerente com alguma banalização dos acontecimentos. Tem uma noção geral sobre o processo em curso e compreende a finalidade do presente exame. Nos antecedentes são de destacar: O desenvolvimento como filho único numa família com "razoáveis recursos económicos em que o pai era a figura de referência autoritária, usando por vezes condutas agressivas para com a sua mãe", num contexto de Perturbação pelo uso do álcool do progenitor; O serviço militar obrigatório, tendo estado em Angola em 1961 no início da guerra colonial; relata a participação em acontecimentos violentos, que na época aceitou, mas sobre os quais tem actualmente um juízo crítico traumático: O casamento aos 26 anos; O trabalho na Ford como soldador; foi progredindo na carreira, tendo trabalhado nesta empresa cerca de 25 anos; A rescisão com a Ford do contrato por mútuo acordo, alegadamente por crise no sector automóvel; "com o valor da indeminização criou uma vacaria" passando a dedicar-se à pecuária e agricultura; O período de adição a tóxicos do filho; A cessação de consumo de tabaco sem ajudas médicas; O consumo excessivo de álcool, ao longo de muitos anos, levando a uma Perturbação grave pelo uso de álcool; aparentemente a deterioração do funcionamento pessoal, profissional, familiar e social teve uma repercussão maior a nível das relações familiares com violência doméstica, do que a nível profissional e social, com desempenho inclusive de funções nos órgãos do poder local; nos últimos anos contudo surgiram multas por condução sob o efeito do álcool, conflitos e agressões; fez diversos tratamentos sem resultados. Respondendo aos quesitos: a) O condenado estaria impedido, em razão de doença do foro mental, de avaliar e compreender o alcance dos factos por si levados a cabo e dados como assentes no acórdão preferido? É difícil reconstruir a situação da época dos factos, por os mesmos terem sido vividos sob o efeito confundente da própria Perturbação grave pelo uso do álcool que sofria, e actualmente recordados de forma distanciada pelo filtro do juízo crítico e do arrependimento. Considero que a doença do foro mental, Perturbação grave pelo uso do álcool, reduziu a capacidade de avaliar e compreender o alcance dos factos por si levados a cabo. b) E tal impedimento, a existir, impedi-lo-ia de agir de forma diferente daquela que o fez? A Perturbação grave pelo uso do álcool não teria um determinismo absoluto mas reduziu a sua capacidade de avaliação e facilitou a passagem ao acto. c) A eventual doença de que possa padecer torna o arguido pessoa perigosa para si e para terceiros? Mesmo depois do início de cumprimento da pena de prisão em 14/10/2014, no período em que esteve em casa com pulseira electrónica entre Dezembro de 2014 e Dezembro de 2015, continuou a ter consumos de álcool. Desde que voltou a estar preso afirma ter cessado completamente o consumo de álcool. No Estabelecimento prisional de Alcoentre tem tido acompanhamento terapêutico e está medicado com Tiapride. Recrimina-se por ter estragado a sua vida com o álcool. Considera que a paragem do álcool e o sofrimento de estar preso o levaram a encerrar a vida com álcool. Considera que tem vergonha do que fez e que a mulher não merecia. A Perturbação grave pelo uso do álcool, como perturbação cerebral que é, deixa frequentemente sequelas, mesmo depois duma abstinência prolongada. Porém o actual estado mental, quer a nível cognitivo, quer a nível afectivo, revelam uma aparente remissão do quadro clínico. Considero assim o arguido uma pessoa não perigosa para si e para terceiros. Deve contudo continuar a ser acompanhado regularmente em consulta de Psiquiatria, mantendo a abstinência e trabalhando os sinais de alarme para recaída – cfr. fls. 254/256; - Estimando a não completude da respostas fornecidas pelo exame antecedente, o tribunal recorrido solicitou esclarecimentos, vindo a entidade operadora a responder pela forma seguinte (sic): “Informação adicional à Perícia médico legal efectuada a AA em 5 de Junho de 2017 (Relatório de 6 de Junho de 2017) Perícia médico-legal psiquiátrica ao Sr. AA, requerido pelo Mmo. Juiz de Direito ..., Juiz 1, do Juízo Central Criminal de Loures, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (Processo 292/14.8GACDV-B, Recurso de Revisão, V/Referência 133615222 de 18/5/2017). Foi perito o psiquiatra Prof. .... Pedido de informação V/Referência 134111624 de 20/06/2017 Pedido de informação: "No primeiro dos quesitos formulados, este Tribunal quesitou se o arguido estava incapaz, no momento da prática dos factos, de compreender o alcance dos factos por si cometidos. Sobre esta questão o relatório não se pronuncia directamente, antes referido que "a doença reduziu a capacidade de avaliar e compreender o alcance dos factos por si levados a cabo". Ora a diminuição desse alcance pode reconduzir, juridicamente, à inimputabilidade reduzida, circunstância em que a pena pode (mas não tem de) ser especialmente atenuada ou à inimputabilidade (caso em que não há culpa, logo não há pena). Ante tal solicita-se a Vª Exª, informação sobre qual das duas situações se verificaram à data dos factos e à data presente." Informação: Apesar da dificuldade em reconstruir a situação da época dos factos, por os mesmos terem sido vividos sob o efeito contundente da própria Perturbação grave pelo uso do álcool que o arguido sofria, e por serem actualmente recordados de forma distanciada pelo filtro do juízo crítico e do arrependimento, considero que a doença do foro mental, Perturbação grave pelo uso do álcool, reduziu a capacidade de avaliar e compreender o alcance dos factos por si levados a cabo. Considero assim que à data dos factos o arguido tinha uma diminuição da capacidade de compreender o alcance dos factos, compatível com o conceito de inimputabilidade reduzida. No presente o arguido está em abstinência prolongada, apresentando uma remissão do quadro clínico de Perturbação grave pelo uso do álcool. O actual estado mental, quer a nível cognitivo, quer a nível afectivo, permitem-lhe ter juízo crítico, não apresentando qualquer diminuição da capacidade de compreender o alcance dos factos cometidos. O arguido, por ter tido uma Perturbação grave pelo uso do álcool ao longo de muitos anos, tem um risco aumentado de recaída. Deve ser acompanhado regularmente em consulta de Psiquiatria, mantendo a abstinência, trabalhando os sinais de alarme para recaída e tomando consciência que o álcool o levou e o pode levar de novo a comportamentos ilícitos.” – cfr. fls. 262 e 263; - Foram prestadas informações da Senhora Psicóloga, a 12 de Fevereiro de 2015 – fls. 50; - Em 13 de Outubro de 2016, foi elaborado o relatório Médico que se encontra junto a fls. 54. II.b). – DE DIREITO. A lei fundamental consagra, no Título II, Capítulo I, referente aos direitos liberdades e garantias pessoais, e na parte concernente à aplicação da lei penal, além de outros direitos, a saber, “o direito a não sofrer uma condenação sem culpa (nullum crimen sine culpa), o direito a não sofrer uma pena não prevista na lei (nullum crimen sine lege) “e, mesmo, o direito a um processo justo (nullum crimen sine processu)” [ Cfr. Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 182. ], o direito à revisão da sentença penal condenatória – cfr. artigo 29º, nº 6 da Constituição da República Portuguesa. A realização de fins processuais como a descoberta da verdade e realização da justiça, obtenção da segurança e da paz jurídica e protecção dos direitos individuais, são comumente aceites nas ordens jurídicas de pendor democrático e cotejando e ombreando com o valor, igualmente prevalente, da segurança jurídica em que plasma e acrisola o instituto do caso julgado. A procura, e necessidade, de que a cada caso que seja submetido a julgamento corresponda uma efectiva e material-substantiva decisão justa encontra amparo na ideia de realização da justiça inerente ao adequado funcionamento das organizações jurisdicionais em que se desdobra o poder de Estado. Admitindo a possibilidade de não materialização efectiva, em todos os casos de uma efectiva correspondência de julgamento justo de um caso e a situação concreta que foi submetida a avaliação e valoração do sistema judiciário, a lei, na concretização do princí-pio de nullum crime sine culpa admite que depois de passado em julgado uma sentença se possa reabrir o caso/processo e operar a revisão do caso. [ Cfr. a propósito do equilíbrio que se pretende entre a segurança jurídica e a necessidade de realização de justiça material o que foi escrito no acórdão deste Supremo Tribunal de 18.02.2016, relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins, “O artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República, estatui que «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos». Na concretização desse princípio, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, consagra o de revisão, nos artigos 449.º e ss., que “se apresenta como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material” M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II volume, 2.ª edição, Editora Rei dos Livros, p. 1042. . O recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado, contém na sua própria razão de ser um atentado frontal ao valor da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, em nome das exigências do verdadeiro fim do processo penal que é a descoberta da verdade e a realização da justiça. Com efeito, se se erigisse a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal, “ele entraria, então, constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania” Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I volume, Coimbra Editora, Limitada, 1974, p. 44.. “Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça, o legislador escolheu uma solução de compromisso que se revê no postulado de que deve consagrar-se a possibilidade – limitada – de rever as sentenças penais.” M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, ob. cit., p. 1043. Todavia, o recurso de revisão, dada a sua natureza excepcional, ditada pelos princípios da segurança jurídica, da lealdade processual e do caso julgado, não é um sucedâneo das instâncias de recurso ordinário. Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma “apelação disfarçada” Neste sentido, também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, anotação 12. ao artigo 449º.”] Justificando a necessidade de o sistema de justiça encontrar uma congruência entre a segurança e paz jurídica e a justiça real e material que se espera no desenvolvimento da actividade judiciária estimou-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, (sic): “Uma decomposição do normativo revela o facto de o mesmo pretender atingir o equilíbrio entre dois conceitos caros ao processo penal: -por um lado o direito a uma decisão justa, que faz parte do património de qualquer cidadão, e, por outro, a necessidade de revestir a mesma decisão judicial da estabilidade que conforta a certeza e segurança da definição jurídica e social. Por alguma forma Figueiredo Dias nos dá notícia da necessidade de superação desta antinomia referindo que a justiça é, por certo, fim do processo penal, no sentido de que este não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça. Isto não obsta, porém, a que institutos como o do «caso julgado», ou mesmo princípios como o “in dubio pro reo”, indiscutivelmente de reconhecer em processo penal, possam conduzir, em concreto, a condenações e absolvições materialmente injustas. Continuar a afirmar, perante hipóteses destas, que a justiça foi, em absoluto, fim do processo penal respectivo, pode ser, ainda, ideal e teoreticamente justificável- v. g. porque se argumente que as exigências de segurança surgem ainda como particular modus de realização do Direito e, por conseguinte, do «justo», quando este se lança no contexto amplo de todos os interesses sociais conflituantes -, mas é também, seguramente, renunciar à obtenção de um critério prático adequado de valoração das normas e problemas processuais. Mais adianta o mesmo Mestre que também a segurança é fim do processo penal O que não impede que institutos como o do «recurso de revisão» contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania aos puros valores da «justiça» e da «segurança», não cedendo à tentação fácil de os absolutizar: é um facto comprovado nada haver de mais perigoso que a absolutização de valores éticos singulares, pois aí se inscreverá a tendência irresistível para uma santificação dos meios pelos fins. Importa sim reconhecer que se está aqui, como em toda a autêntica «questão-de-direito», mesmo no cerne de uma ponderação de valores conflituantes, cujo resultado há-de corresponder ao ordenamento axiológico do Direito, há-de constituir a síntese das antinomias entre justiça e segurança encontrada no degrau mais elevado da ordem jurídica. De novo, porém, surge a pergunta: como tirar desta verificação um critério prático prestável para a valoração das singulares normas e problemas processuais? Se persistirmos em traduzir numa fórmula o resultado da ponderação de valores que no processo penal conflituam, cremos que, com razoável exactidão, poderemos ver o fim do processo penal em obstar à insegurança do direito que necessariamente existe «antes» e «fora» daquele, declarando o direito do caso concreto, i. é, definindo o que para este caso é, hoje e aqui, justo. O processo penal, longe de servir apenas o exercício de direitos assegurados pelo direito penal, visa a comprovação e realização, a definição e declaração do direito do caso concreto, hic et nunc válido e aplicável. Esta necessidade de justiça no caso concreto e de superação de situação que encerra uma insuportável violação da mesma leva o legislador á consagração do recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado e, portanto uma severa limitação ao princípio de segurança jurídica inerente ao Estado de Direito. Porém, como se referiu só circunstâncias “substantivas e imperiosas” devem permitir a quebra de caso julgado por forma a que este recurso extraordinário não se revele numa apelação “disfarçada” Como refere o acórdão 376/2000 do Tribunal Constitucional trata-se aí de uma exigência de justiça que se sobrepõe ao valor de certeza do direito, consubstanciado no caso julgado. Este é preterido em favor da verdade material, porque essa é condição para a obtenção de sentença que se funde na verdade material, e nessa medida seja justa. O julgamento anterior, em que se procurou, com escrúpulo e com o respeito das garantias de defesa do arguido, obter uma decisão na correspondência da verdade material disponível no momento em que se condenou o arguido, ganha autonomia relativamente ao processo de revisão para dele se separar. No novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior, e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado, e servido, as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias. Isto é; os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são o indício indispensável para a admissibilidade de um erro judiciário carecido de correcção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento (cf. artigo 460º do CPP), tal como, nos casos em que for admitida a revisão de despacho que tiver posto ao processo, o Supremo Tribunal de Justiça declara sem efeito o despacho e ordena que o processo prossiga, obviamente que no tribunal a quo (artigo 465º). Compreende-se a esta luz que a lei não seja permissiva ao ponto de banalizar e, consequentemente, desvalorizar a revisão, transformando-a na prática em recurso ordinário, endo-processual neste sentido – a revisão não pode ter como fim único a correcção da medida concreta da pena (nº 3 do artigo 449º) e tem de se fundar em graves dúvidas lançadas sobre a justiça da condenação.” [ Disponível em www.dgsi.pt. / Na doutrina e quantos aos fins da revisão, veja-se, por todos, Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, págs. 381 a 387. ] Na materialização desse propósito, a lei processual penal prescreve no artigo 449º a revisão de uma sentença penal, quando (entre outras situações), “se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.” – cfr. alínea d) do citado preceito. [ A propósito dos fundamentos do recurso de revisão cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 2003, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, em que se escreveu: “Dispõe o artigo 449º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal que a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando «se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da decisão». O recurso de revisão constitui um meio excepcional de reapreciação de decisões transitadas em julgado, que tem o seu fundamento essencial na necessidade de evitar graves injustiças, reparando erros judiciários, para fazer prevalecer a justiça material sobre a justiça formal, ainda que com sacrifício da caso julgado. Um dos fundamentos da revisão é a existência de factos novos ou novos meios de prova, que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, por serem desconhecidos do tribunal na data do julgamento, sejam susceptíveis de suscitar dúvidas sobre a justiça da decisão.”; ou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Abril de 2008, relatado pelo Conselheiro Maia Costa: “I - O recurso de revisão, previsto no art. 449.º do CPP, assenta num compromisso entre a salvaguarda do caso julgado, que é condição essencial da manutenção da paz jurídica, e as exigências da justiça material. O legislador criou o recurso de revisão como mecanismo que, pretendendo operar a concordância possível entre esses interesses contraditórios, admite, em casos muito específicos e limitados, a modificação de sentença transitada. II - Trata-se, pois, de um recurso extraordinário, de um “remédio” a aplicar a situações em que seria chocante e intolerável, em nome da paz jurídica, manter uma decisão de tal forma injusta que essa própria paz jurídica ficaria posta em crise.” ] A dogmática jurídica não acerta a nomenclatura do recurso de revisão como constituindo uma impugnação da decisão que se pretende rever. Estima a doutrina que “a revisão de sentença firme é uma acção autónoma de impugnação que persegue a revogação da coisa julgada. Não pode considerar-se, em consequência, como um recurso, pois enquanto estes perseguem uma nova cognição das questões já resolvidas mediante resoluções que todavia não são firmes, a revisão vem dirigida, em atenção a motivos taxados, contra resoluções que já ganharam firmeza. O seu fundamento cabe situá-lo na necessidade de ponderar e manter o equilíbrio entre a segurança jurídica, que deriva da coisa julgada, e o anelo de justiça, que é uma aspiração primária e fundamental que não pode sacrificar-se no altar da segurança jurídica naquelas casos de vulnerações flagrantes e insofríveis que as legislações tipificam como causas de revisão de sentença firme.” [ Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 413./ A autora citada na nota antecedente, refere que a embora a lei circunscreva os motivos que devem confinar a possibilidade de revisão de uma sentença penal, adianta que “sem embargo, se tivermos presente que a revisão de sentença firme persegue salvaguardar, em casos flagrantes, a justiça por cima da segurança jurídica; nada deve impedir, em nosso juízo, que a sua aplicação seja extensiva também aquelas sentenças condenatórias firmes que tenham sido ditadas no âmbito de aplicação dos juízos de faltas.” – op. loc. cit. pág. 414. ] Seja, porém, como for no plano da dogmática jurídica, o facto é que a lei faz depender do conchavo de concretos pressupostos/requisitos a possibilidade de reabertura de um caso em que tendo ocorrido um julgamento, segundo as formalidades e exigências probatórias consignadas no ordenamento jusprocessual. Cingindo-nos à situação contida na alínea d) do nº 1 do artigo 449º do Código Processo Penal, por ser a que aqui interessa, a lei concita para a procedência de um propósito processualmente manifestado de revisão de uma caso, (i) que a decisão a rever haja transitado em julgado (requisito geral); (ii) que depois do trânsito em julgado surjam factos novos [ “O núcleo de factos elegíveis deverá ser considerado em função, quer da matéria, quer dos fins pretendidos: só são incluídos os factos compreendidos no âmbito do objecto que determina a condenação judicial e os factos susceptíveis de determinar a absolvição do condenado, a aplicação de uma moldura penal abstracta mais favorável e, em consequência, uma pena mais leve, a imposição de outra medida de segurança ou, por último, o próprio arquivamento definitivo do processo. É o caso de todos os elementos relativos à questão da culpa, como, por exemplo, as causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. Isto é: todos os factos que forma directa ou indirecta (meros indícios) fundamentam ou excluem a punibilidade de determinada conduta” - Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 292. / “O conceito de facto tanto abrange os elementos constitutivos, ou negativos do tipo legal de crime (factos principais), como qualquer outra circunstância susceptível de comprovar a veracidade ou a falsidade daqueles. O rigor científico de uma peritagem (descoberta de novos métodos, descrédito do perito, insuficiência das suas habilitações) a credibilidade de uma testemunha (o seu carácter, a sua propensão para a mentira por reiteradas condenações neste ou noutros processos, a sua boa ou má reputação ou a amplitude da sua memória) podem afectar o juízo efectuado e destruir a convicção judicial sobre a existência ou inexistência de um determinado principal.” - Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 294. Mais adiante – cfr. pág. 565 – este autor assela que “factos para efeitos de revisão são todos aqueles que ,demonstrando a injustiça da condenação, possam justificar a quebra do caso julgado” ]; (iii) que surjam novos meios de prova; [ “Segundo uma longa tradição italiana, que logrou mesmo consagração expressa, as expressões «factos novos» e novos elementos de prova» são equivalentes. Uma vez que a lei apenas admite os factos novos, enquanto eles têm eficácia probatória, também eles devem, necessariamente, ser elementos de prova” – Cfr. Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 290. ] (iv) que esses facto novos valham ou possam influir por si (autonomamente) ou combinados com outros que hajam sido apreciados no processo; (v) que da análise, ponderação e valoração desses novos factos ou meios de prova se crie e se estabeleça, num juízo apreciativo da situação julgada, uma duvida séria e fundada sobre a justiça da condenação. [ Quanto à relevância, probidade e idoneidade dos novos factos ou dos novos meios de prova escreveu-se no acórdão deste Supremo tribunal de Justiça, de 8 de Outubro de 2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, que “Consequentemente não será uma indiferenciada "nova prova", ou um inconsequente "novo facto", que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade, razoavelmente reclamada, por uma decisão judicial transitada. Tais novos factos e/ou provas, têm assumir qualificativo correlativo da "gravidade" da dúvida que hão-de guarnecer e que constitui a essência do pressuposto da revisão que ora nos importa. Há-de, pois, tratar-se de "novas provas" ou "novos factos" que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes - seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis - que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto "novo" ou a exibição de "novas" provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda Se a condenação assenta num juízo valorativo da prova produzida no qual está afastada toda a dúvida razoável sobre a existência dos pressupostos de responsabilização criminal o juízo de revisão, nesta hipótese concreta, fundamenta-se exactamente em prova de sentido contrário. Significa o exposto que os novos factos ou meios de prova devem suscitar a dúvida sobre a forma como se formou a convicção de culpa que conduziu á condenação. A estrutura lógica subsuntiva em que assenta a decisão condenatória deve, assim, ser afectada, ser corroída, nos seus fundamentos probatórios por tal forma que a dúvida surja sobre a sua razoabilidade. Como se refere em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2002 dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para subir a vertente da "gravidade" que baste. E, se é assim, logo se vê, que não será uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente "novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade, razoavelmente reclamada, por uma decisão judicial transitada. Há-de, pois, tratar-se de "novas provas" ou "novos factos" que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes - seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis - que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto "novo" ou a exibição de "novas" provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.” ] Concernente ao conceito de facto, e numa perspectiva tradicional, como refere Conde Correia, abarca-se “qualquer circunstância, evento ou acontecimento, que possa ser objecto de prova e que, de forma directa ou indirecta, total ou parcial, sirva as finalidades da revisão.” [ Cfr. Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 566. Na jurisprudência e quanto à compreensão e entendimento do que se há-de ter em consideração para efeitos de revisão de facto novo veja-se os acórdãos citados na nota (6) de que se respiga o mais saliente. A noção de "factos novos" está, assim, tipicamente referida às circunstâncias do tempo processual da decisão; a justiça da decisão seria posta em causa se o facto relevante pudesse ter sido conhecido do tribunal do julgamento no momento da decisão. Todavia, a plasticidade da noção não afasta a consideração da novidade subsequente, quando os valores e exigências que estejam em causa assumam igual índice de validade, como muito impressivamente o presente caso revela. (…) Todavia, se é certo que não pode ser invocada a «injustiça» contemporânea da condenação, « os factos agora invocados e considerados como novos são-no, de modo vivencial e essencial, na medida em que assumem o significado jurídico da sua consideração ou qualificação como tal, pois é legítimo afirmar-se que se tivessem sido objecto de análise e inclusão na decisão, não se colocaria agora a questão da pena acessória de expulsão, para efeitos de revisão de sentença, por ocorrência da previsão do artigo 33°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa» (cfr. acórdão do Supremo Tribunal, de 11 de Fevereiro de 1999, no BMJ, 484-280). «E se é defensável e lógico afirmar-se que a sentença não se esgota no momento do seu trânsito em julgado» mas «tão-só quando cessam todos os seus efeitos, então pode e deve concluir-se ser de atribuir relevância a "factos novos", que tornem a decisão verdadeiramente eivada de injustiça, no tocante aos efeitos que possa produzir enquanto não se mostra inteiramente executada».” – Henriques Gaspar. “Condição de procedência do recurso de revisão com fundamento na descoberta de novos factos ou novos meios de prova é, por um lado, a novidade desses factos ou meios de prova e, por outro, que tais factos ou meios de prova provoquem graves dúvidas (não apenas quaisquer dúvidas) sobre a justiça da condenação, o que significa que essas dúvidas devem ser de grau superior ao que é normalmente requerido para a absolvição do arguido em julgamento. IV - São novos apenas os factos que fossem ignorados ou não pudessem ser apresentados ao tempo do julgamento, quer pelo tribunal, quer pelas partes. Não se subscreve, assim, o entendimento de Maia Gonçalves e de alguma jurisprudência deste STJ, que admitem como novos os factos que, sendo do conhecimento do arguido ao tempo do julgamento, não tenham sido por ele apresentados. Esse entendimento, como incisivamente escreve Paulo Albuquerque, não respeita a natureza excepcional do recurso de revisão e, consequentemente, os princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e do caso julgado (cf. Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1212). V - Não é de considerar como novo facto, susceptível de autorizar a revisão de sentença, a circunstância de o arguido ter duas filhas, cidadãs nacionais, nascidas antes do julgamento, dado que o tribunal da condenação não levou em conta quando decretou a pena acessória de expulsão, uma vez que o arguido dele tinha conhecimento, não podendo vir agora apresentá-lo como novo. VI - Demonstrando-se, entretanto, que o arguido tem um outro filho, de nacionalidade portuguesa, nascido depois do julgamento, e que estabeleceu uma relação de tipo conjugal com uma cidadã também portuguesa, é de concluir estarmos perante a existência de factos novos. Mas sendo eles supervenientes à prolação da decisão que o condenou na referida pena de expulsão, não se pode considerar injusta tal sentença, pois foi a decisão correcta perante a factualidade então apurada. VII - Contudo, se a justiça da pena não suscitava dúvidas aquando da prolação da decisão, já assim não sucede no momento da execução da pena. Ora, não é tolerável que se execute uma pena sobre a qual recaem graves suspeitas de ser injusta. Tendo o recurso de revisão como fundamento e teleologia, precisamente, a reparação de decisões injustas, ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida, como refere o n.º 4 do art. 449.º do CPP, por maioria de razão ele deve ser admitido a reparar decisões que ainda não se executaram, quando, portanto, é ainda possível evitar que se efective e execute uma decisão injusta. VIII - Assim, e apesar da questão não ser isenta de dúvidas ou de polémicas – o STJ já produziu decisões de sentido oposto sobre esta matéria – aceita-se, em princípio, como admissível o recurso de revisão com base em factos supervenientes à sentença condenatória. IX - E os novos factos supramencionados em VI alteram incontestavelmente o fundamento da aplicação da pena de expulsão, sendo, por tal razão, de admitir a revisão da decisão na parte referente à condenação em tal pena acessória.” – Maia Costa. Quanto ao momento em que o peticionário tomou conhecimento dos factos novos veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 27.01.2010, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, em que se sumariou: ”I - Para efeitos de revisão, os factos ou provas devem ser novos e novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes do julgamento e apreciados neste. A “novidade” dos factos deve existir para o julgador (novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo) e, ainda, para o próprio recorrente. II - Se o recorrente tem conhecimento, no momento do julgamento, da relevância de um facto ou meio de prova, que poderiam coadjuvar na descoberta da verdade e se entende que o mesmo é favorável deve informar o Tribunal. Se o não fizer, jogando com o resultado do julgamento, não pode responsabilizar outrem, que não a sua própria conduta processual. Se, no momento do julgamento, o recorrente conhecia aqueles factos ou meios de defesa e não os invocou, não se pode considerar que os mesmos assumem o conceito de novidade que o recurso de revisão exige encontrando-se precludida a mesma invocação. III - Existe fundamento para a revisão, se o recorrente se encontrava afectado de patologia mental no momento da prática do crime, devendo ser valoradas num sentido que lhe é mais favorável a dúvida sobre a capacidade de agir em sua defesa no processo penal respectivo ou de estar afectada a capacidade de avaliar os seus actos e de se reger de acordo com tal avaliação, quer em termos de imputabilidade, quer de exercício do seu direito de defesa.” ] Por facto novo há-de entender-se “aquele sucesso ou acontecimento que não foi possível ser conhecido pelo juiz sentenciador na instância, e sobre o qual não se se podia ter tomado conhecimento durante duramente o inquérito, nem se tenha praticado prova para a sus devida demonstração na fase da audiência (v.g. a invalidação de um testemunho, ao constatar-se que faltou à verdade na sua declaração e cujo testemunho constituiu prova acusatória («prueba de cargo») na sentença que se pretenda rever.” [ Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 249.] Quanto ao que deve entender-se por novos meios de prova importaria talvez por incoar delimitar o que se deve entender por meio de prova. O termo prova pode assumir, pelo menos quatro significados: “fonte di prova”; “mezzo di prova”; “elemento di prova”; e “risultato probatorio”. [ Cfr. Paolo Tonini, “Manuale di Procedura Penale”, Giuffrè Editore, Milano, 2008, pág. 204. ] “Con l´espressione «mezzo di prova» si vuole indicare quello strumento processual che permette di acquisire un elemento di prova”. [ Cfr. Paolo Tonini, “”La Prova Penale”, Cedam, Quarta edizione, Milani, p. 91. “Com a expressão meio de prova quer-se indicar aquele instrumento processual que permite adquirir um elemento de prova.” ] Exemplo de um meio de prova é a prova por meio de testemunhas. Por seu turno “elemento di prova è il dato grezzo («gréggio» che si ricava dalla fonte di prova, quando ancora non è stato valutato dal giudice. Questi valuta al credibilità della fonte e l´attendibilità dell´elemento ottenuto, ricavandone un risultato prbatorio.” [ Cfr. Paolo Tonini, “”La Prova Penale”, Cedam, Quarta edizione, Milani, p. 32. “elemento de prova é o dado em bruto que se extrai da fonte de prova, quando ainda não está valorado pelo juiz. Este valora a credibilidade da fonte a atendibilidade do elemento obtido, extraindo dele (ou daí) um resultado probatório.” (Tradução nossa) ] Do passo que por novos elementos de prova se hão-de entender “aquelas ferramentas através das quais se prova um facto e que se traduz num meio de prova dentro do qual processo …”. “Não só brindam a oportunidade de aportar provas cujo conhecimento se tivesse apreciado depois da finalização do processo e a imposição da correspondente sentença condenatória, mas também compreendem aquelas provas cuja existência já era conhecida durante o processo e tenham sido nele objecto de valoração ainda que errónea, incompleta ou impossível de praticar como se pretende demonstrar. Mas se a prova em questão já foi devidamente praticada no juízo oral e não concorre nenhum factor que justifique novamente a sua prática (v.g. o descobrimento de uma técnica científica que possa destruir («dar al traste») a interpretação que no momento próprio foi outorgado a essa prova ou que permita a sua prática, quando no momento do processo tivesse sido possível)não serão considerados novos elementos de prova.” [ Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 254.] Punctum saliens do processo revidendo consigna-se com a necessidade que advém de escandir ou glosar uma adequada interpretação quanto ao entendimento e compreensão do conceito de novidade e qual o alcance lógico-racional do termo, quando referenciado a uma actividade jurisdicional já decorrida num procedimento judicial. “A novidade tanto pode ser consistir na prova directa (v. g. não foi o arguido quem cometeu os factos) como na prova indirecta da injustiça da condenação (v. g. foi um terceiro quem perpetrou os factos e, por isso, não pode ter sido o arguido a praticá-los).” (…) Os factos ou meios de prova alegados para efeitos de revisão não têm que ser completamente novos. A novidade tanto pode ser total como parcial. No primeiro caso, o juiz desconhece tudo aquilo que é invocado para sustentar a quebra d caso julgado. No segundo caso, que na prática parece ser a mais frequente, o juiz já conhece alguns argumentos utilizados. Como disse a Corte di Cassazione, numa decisão de 15 de Fevereiro de 1947, os elementos de prova, mesmo que em parte já fossem conhecidos pelo juiz que pronunciou a condenação, são idóneos a tornar admissível a revisão quando são capazes de excluir que o condenado tenha cometido o facto sobre o qual se funda a condenação.” [ Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, pág. 360. Sobre a questão de saber, no plano metodológico, quem deve decidir sobre a questão da aptidão dos novos factos ou meios de prova: “o ponto de vista do juiz que decidiu (perspectiva passada); o ponto de vista do juiz que decide a admissibilidade do pedido de revisão (perspectiva contemporânea); ou o ponto de vista do juiz que, pressuposta a concessão daquela, irá, de novo, decidir o processo (perspectiva futura)”, veja-se Conde Correia, João, “O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova”, Coimbra Editora, 2010, págs. 363 a 368. ] A propósito da novidade (absoluta e total) do facto novo e do momento em que o peticionante teve conhecimento do facto que invoca como novo para efeitos da revisão da sentença condenatória, escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de de 17.02.2011, relatado pelo Conselheiro Souto Moura, que (sic): “A al. d) supra referida exige que se descubram novos factos ou meios de prova. Essa descoberta pressupõe obviamente um desconhecimento anterior de certos factos ou meios de prova, agora apresentados. Ora, a questão que desde o início se vem por regra colocando, quanto à interpretação do preceito, é a de se saber se o desconhecimento relevante é do tribunal, porque se trata de factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento, ou se o desconhecimento a ter em conta é o do próprio requerente, e daí a circunstância de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos. Na doutrina, acolheram-se ambas as posições, não interessando à economia do presente recurso expor a respectiva fundamentação. Diremos simplesmente que a posição que se tem mostrado largamente maioritária neste Supremo Tribunal é a primeira. Também temos defendido, porém, dentro dessa linha, não bastar que pura e simplesmente o tribunal tenha desconhecido os novos factos ou elementos de prova para ter lugar o recurso de revisão. E a limitação é a seguinte: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação. Por outras palavras, o recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal. Na verdade, existe um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado a este propósito, e que resulta da redacção do artº 453º nº 2 do C. P. P.: “O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”. Isto é, o legislador revela com este preceito que não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, ou dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. O que teria por consequência a transformação do recurso de revisão, que é um recurso extraordinário, num expediente que se poderia banalizar. E assim se prejudicaria, para além do aceitável, o interesse na estabilidade do caso julgado, e também se facilitariam faltas à lealdade processual (cf. v. g. P.P. Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal”, pag. 1198, ou os Ac. deste S. T. J. de 25/10/2007 (Pº 3875/07, 5ª Secção), de 24/9/2009 (Pº 15189/02.6. DLSB.S1, 3ª Secção), ou de 28/10/2009 (Pº 109/94.8 TBEPS-A.S1, 3ª Secção, entre vários outros). Se esta é a problemática que mais frequentemente aflora em matéria de revisão da sentença, o presente recurso apresenta-nos um circunstancialismo diferente, porque o facto novo invocado teve lugar depois da sentença condenatória que se quer ver revista. Ora, assim sendo, parece claro que a revisão será de recusar. Desde logo porque a al d) do nº 1 do art. 449º do C P P utiliza a expressão “Se descobrirem novos factos ou meios de prova”. A literalidade do preceito aponta para uma descoberta, e de uma realidade que embora existente era desconhecida. Não para uma realidade nova, moldada por factos entretanto acontecidos. Depois, a justiça da condenação, posta em causa com o que se descobriu, é a justiça da condenação a rever. O recurso em questão propõe-se reparar uma falsa visão da realidade que a sentença a rever teve. Só interessa assim ter em conta a factualidade ocorrida até à data da decisão. E então, será ir longe demais atender, em nome da justiça, não apenas ao desconhecimento de factos que poderiam ter sido conhecidos à data da prolação da decisão, como também a uma situação sobrevinda depois da decisão, que obviamente o juiz não tinha que prever. Não fora assim, e estaria aberta a porta à invocação de um sem número de factos supervenientes, responsáveis pala criação de uma situação que veio a revelar injusta. Tudo isso constituiria motivo de revisão, e abalaria de modo insuportável o efeito de caso julgado, ou seja, a segurança das decisões. A justiça da condenação não poderá confundir-se com a situação em que o condenado possa ter ficado depois da condenação, em virtude de factos sobrevindos ulteriormente. A essa situação posteriormente criada só poderá atender-se, a nosso ver, em sede de execução da pena, porque não é a decisão que se mostra injusta, é a execução da decisão que, face ao novo condicionalismo, se veio a revelar injusta.” [ Disponível em www.dgsi.pt. ] Na doutrina do país vizinho entende-se que relativamente á novidade de factos ou meios de prova “(…) que aparezcan o sobrevengan con posteridad a la primitiva condena, hay que resaltar: 1) Cualquier medio de prueba es admisible para promover la revisión, independentemente da le efectividad y transcendencia posterior para provocar la alteración de la condena primitiva, al acreditar la inocencia del reo, no bastando que puedan fundar simplemente la aplicación de una norma penal com pena menos grave de la impuesta; 2) que no es necesario que el condenado las ignorasse durante el proceso; 3) es suficiente que ante el tribunal que lo condenó o hubiesen sido alegadas ni hubiesen sido descubiertas por la investigación de oficio; 4) si hay novedad en el medio de prueba de valor, por la livre apreciación del tribunal; 5) si el hecho que se considera nuevo fuera del tal naturaleza que debiera dar lugar a su descubrimiento a la incoación de un proceso, no puede basarse en el este motivo de revisión hasta que se dicte sentencia firme en el proceso correspondiente.” [ Aragoneses Alonso, P., “Instituciones de Derecho Procesal Penal.” Madrid, 1981, p. 534, citado por Nancy Carina Vernengo Pellejero, in “La Revisión de la Sentencia Firme en el Proceso Penal”, Universitat de Barcelona, Tese Doctoral, 2015, p. 215. No mesmo sentido a STS (Sala Penal) de 25 de febrero de 1985, em que se doutrinou “que o citado quarto motivo da revisão, é procedente quando, posteriormente à firmeza da sentença condenatória, sobrevenha o conhecimento de novos factos ou de novos meios de prova, devendo-se entender como novos, todos os factos ou meios probatórios que sobrevenham ou se revelem com posteridade à sentença condenatória, sem que seja preciso que o condenado os desconhecera durante o transcurso da causa, bastando com que não hajam sido alegados ou produzidos ante o tribunal sentenciador nem descobertos pela investigação judicial praticada de oficio, sem que por conseguinte, se repute novo ao facto o meio de prova que tendo-se posto de manifesto durante o processo, o tribunal no uso da sua faculdade de soberana apreciação, não lhe concedeu valor algum, figurando entre os ditos factos ou meios probatórios novos, citando-os à guisa de exemplo, a retractação das testemunhas, a invalidação dos seus testemunhos, a confissão de outra pessoa distinta da do condenado ou condenados, e outras provas periciais diferentes das praticadas na causa ou a invalidação dos resultados ou conclusões obtidas por aqueles como consequência de novas técnicas ou descobertas cientificas.” ] Uma derradeira menção ao requisito das sérias, fundadas e sofridas dúvidas sobre a justiça da condenação. Concretamente quanto a este requisito escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Junho de 2017, relatado pelo Conselheiro Raul Borges, em que interviemos na qualidade de Adjunto, (sic): “No que tange a este segundo pressuposto e sobre o que deverá entender-se por dúvidas graves sobre a justiça da condenação, dizia-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2003, processo n.º 4407/02-5.ª Secção, in CJSTJ 2003, tomo 1, pág. 231, que os novos factos ou meios de prova têm que suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, mas nesse caso, desde que suscitem possibilidade de absolvição e já não de mera correcção da medida concreta da sanção aplicada; tudo terá de decorrer sob a égide da alternativa condenação/absolvição, que afinal plasma e condensa o binómio condenação justa (a manter-se) condenação injusta (a rever-se). Para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos, no sentido apontado, é, ainda, necessário que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação. Já anteriormente, o acórdão deste Supremo de 11 de Maio de 2000, proferido no processo n.º 20/2000 - 5.ª Secção, se pronunciara no sentido de que “exactamente porque, tratando-se de um recurso extraordinário, o mesmo tem de ser avalizado rigorosamente, não podendo, nem devendo, vulgarizar-se, pelo que haverá que encará-lo sob o prisma das graves dúvidas, e como graves só podem ser as que atinjam profundamente um julgado passado, na base de inequívocos dados, presentemente surgidos”.(Citando este, os acórdãos de 17-04-2008, processo n.º 1307/08 - 5.ª Secção e de 07-09-2011, processo n.º 29/01.TACBC-A.S1-3.ª Secção). Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2006, processo n.º 4541/06, a estabilidade do julgado sobrepõe-se à existência de uma mera dúvida sobre a justiça da condenação. Pode haver essa dúvida sem que se imponha a revisão. A dúvida sobre esse ponto pode, assim, coexistir, e coexistirá muitas vezes com o julgado, por imperativo de respeito daquele valor de certeza e estabilidade. A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida. Retomando argumentação constante do supra citado acórdão de 1 de Julho de 2004, processo n.º 2038/04 – 5.ª, in CJSTJ, tomo 2, pág. 242, refere-se no aludido acórdão que não será uma indiferenciada “nova prova” ou um inconsequente “facto novo” que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade resultante de uma decisão judicial transitada em julgado. Os “novos factos” ou as “novas provas” deverão revelar-se tão seguros e (ou) relevantes – pela patente oportunidade e originalidade na invocação, pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas ou pelo significado inequívoco dos novos factos ou por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, o que reclama do requerente do pedido a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau do que aquela em que se fundamentou a decisão a rever - cfr. neste sentido, os acórdãos de 12-05-2005, processo n.º 1260/05 – 5.ª; de 23-11-2006, processo n.º 3147/06 – 5.ª; de 20-06-2007, processo n.º 1575/07 – 3.ª; de 26-03-2008, processo n.º 683/08 - 3.ª, e citando o aludido acórdão de 1-07-2004, o acórdão de 20-10-2011, processo n.º 665/08.5JAPRT-E.S1 - 3.ª Secção. Como se pode ler no referido acórdão do STJ de 25-01-2007, processo n.º 2042/06 - 5.ª, “essas dúvidas (...), porque graves têm de ser de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, que não a simples medida da pena imposta. As dúvidas têm de incidir sobre a condenação enquanto tal, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido”. No dizer do citado acórdão de 09-04-2008, proferido no processo n.º 675/08-3.ª, os novos factos ou meios de prova deverão provocar graves dúvidas (não apenas quaisquer dúvidas) sobre a justiça da condenação, o que significa que essas dúvidas devem ser de grau superior ao que é normalmente requerido para absolvição do arguido em julgamento - cfr. ainda a este propósito, os acórdãos de 03-04-2008, processo n.º 422/08-5.ª (Se os elementos invocados no recurso de revisão não põem em causa a justiça da condenação, não abalando sequer a matéria de facto provada, relevante para tal condenação, deve a mesma ser negada); de 17-04-2008, processo n.º 1307/08-5.ª – “O recurso extraordinário de revisão não se destina a sindicar a correcção de decisão condenatória transitada em julgado, debruçando-se o julgador mais uma vez sobre a factualidade dada por provada e por não provada, ou sobre a prova em que se baseou”. “É preciso que passe a haver uma dúvida grave sobre a justiça da condenação, que se atribua à nova prova apresentada; ou seja, importa ver nesta nova prova elementos decisivos para poder ser sustentada a tese da inocência. Como se disse no acórdão de 11-05-2000, proferido no processo n.º 20/2000-5.ª, “exactamente porque, tratando-se de um recurso extraordinário, o mesmo tem de ser avalizado rigorosamente, não podendo, nem devendo, vulgarizar-se, pelo que haverá que encará-lo sob o prisma das graves dúvidas, e como graves só podem ser as que atinjam profundamente um julgado passado, na base de inequívocos dados, presentemente surgidos”; de 17-04-2008, no processo n.º 4840/07-3.ª (em termos semelhantes ao do acórdão de 9-04-2008, proferido pelo mesmo relator, referindo igualmente “dúvidas de grau superior ao que é normalmente requerido para absolvição do arguido em julgamento”); (…) de 05-11-2009, processo n.º 775/06.3JFLSB-E.S1-5.ª, onde se afirma que “Factos ou meios de prova novos são aqueles que não foram trazidos ao julgamento anterior; porém, não são quaisquer factos ou meios de prova novos que podem servir de fundamento ao recurso de revisão, mas apenas aqueles que, sendo novos, sejam susceptíveis de criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação”; (…) de 30-06-2010, processo n.º 169/07.3GAOLH-A-3.ª, CJSTJ 2010, tomo 2, pág. 215 (a dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser intensa, há-de ultrapassar a mera existência, para atingir “gravidade” que baste); de 10-03-2011, processo n.º 153/04.9TAFIG-D.S1-3.ª; de 10-03-2011, processo n.º 19/04.2JALRA-B.S1 - 3.ª (O recurso de revisão de sentença é um meio de impugnação extraordinário das decisões judiciais, que visa a realização de um novo julgamento, por a justiça do julgamento efectuado estar seriamente posta em causa, devido a facto ou meio de prova posteriormente conhecido, razão pela qual só perante facto verdadeiramente relevante ou face a novo meio de prova de reconhecida credibilidade é admissível a revisão da sentença); de 14-04-2011, processo n.º 100/08.9SHLSB-A.S1 - 5.ª; de 27-04-2011, processo n.º 323/06.5GAPFR-A.S1 - 3.ª (Na situação coberta pela alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, exige a lei que se descubram novos factos ou novos meios de prova e que estes sejam de molde a suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação); de 26-10-2011, processo n.º 578/05.2PASCR-A.S1-3.ª, CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 195 (Não releva, pois, o facto e/ou o meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. A lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável); de 30-11-2011, processo n.º 398/07.0PBVRL-A.S1-5.ª (importa que os novos factos ou meios de prova, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, mais do que simplesmente dúvidas razoáveis, que resulte a forte probabilidade de, em segundo julgamento, o recorrente vir a ser absolvido dos crimes de que foi condenado) [nestes mesmos termos o acórdão de 16-01-2014, processo n.º 258/01.8JELSB-L.C1.S1-5.ª] e n.º 194/08.7JELSB-C.S1-5.ª; de 18-01-2012, processo n.º 454/04.6GBAVV-A.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto (a dúvida relevante para a revisão tem de ser intensa); de 19-01-2012, processo n.º 1099/07.4GAVNF-A.S1 e de 31-01-2012, processo n.º 78/10.9PAENT-A.E1.S1, ambos da 5.ª Secção e do mesmo relator, onde se refere: “Estes novos factos têm de suscitar grave dúvida sobre a justiça da condenação, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido”; de 09-02-2012, processo n.º 54/09.4PGOER-A.S1-3.ª (a lei não se basta com a dúvida razoável sobre a justiça da condenação, é mais exigente pois não dispensa a superveniência de grave dúvida sobre a justiça da mesma condenação, ou seja que aqueles novos factos ou meios de prova atinjam o cerne da condenação, os pressupostos nucleares em que repousou, comprometendo, deste modo, a imputação material do facto e a culpa, com incidência na medida da pena, sanção acessória e indemnização civil) e n.º 795/05.5PJPRT-A.S2-3.ª (a lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável); de 15-03-2012, processo n.º 2875/07.3TAMTS-A.S1-3.ª (A dúvida relevante para a revisão de sentença tem de ser intensa, há-de ultrapassar a mera existência, para atingir “gravidade” que baste. Não é uma “nova prova” ou um inconsequente “facto novo” que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade, razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada); (...) de 15-01-2014, processo n.º 13515/04.2TDLSB-C.S1-3.ª (Os factos ou meios probatórios novos devem, ainda, sustentar uma carga valorativa, antes ignorada, capaz de pôr a descoberto a grave injustiça de que o recorrente foi vítima, a ser aferida à luz de uma constatação sem esforço); de 20-02-2014, processo n.º 547/12.6GAOLH-A.S1-5.ª; de 26-02-2014, processo n.º 1558/07.9TAALM-A.S1-3.ª (Os novos factos ou meios de prova devem suscitar a dúvida sobre a forma como se formou a convicção de culpa que conduziu à condenação. A estrutura lógica subsuntiva em que assenta a decisão condenatória deve, assim, ser afectada, ser corroída, nos seus fundamentos probatórios por tal forma que a dúvida surja sobre a sua razoabilidade); de 6-03-2014, processo n.º 67/07.0PALRS-A.S1-5.ª (As dúvidas têm de incidir sobre a condenação enquanto tal, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido), (…) de 03-06-2015, processo n.º 541/96.2JAAVR.S1 - 3.ª Secção (Os “factos novos” do ponto de vista processual e as “novas provas”, fundamento do recurso de revisão, são aqueles que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda, ou seja, os novos factos ou meios de prova devem suscitar a dúvida sobre a forma como se formou a convicção de culpa que conduziu à condenação); de 08-10-2015, processo n.º 173/14.5PAAMD.S1 - 3.ª Secção (Nos termos do art. 449.º, do CPP, novas provas ou novos factos serão aqueles que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportarem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda); (…).” Em ordens jurídicas afins, e que confortaram e cevaram a nossa ordenação jusprocessual, admite-se a revisão da sentença transitada em julgado, ou da sentença firme, em termos similares aos que prescreve o artigo 449º do Código Processo Penal. Assim, na ordem jurídica italiana, prescreve o artigo 630º do Codice di Procedura Penale, alínea c), que: “La revisione può essere richiesta: “se dopo la condanna sono sopravvenute o si scropono nuove prove che, sole o unite a quelle già valutate , dimostrano che il condannato deve essere prosciolto a norma del articolo 631.” [ Reza o artigo 631 do referido livro de leis que: “Gli elementi in base ai quali si chiede la revisione devono, a pena d´inammissibilità della domanda, essere tali da dimostrare, se accertati, che il condannato deve essere prosciolto a norma degli articoli 529, 530 e 531”. O artigo 529 “sentenza di non doversi procedere”, preceitua que: “1. Se l´azione penale non doveva essere iniziata o non deve essere prosseguita, il giudice pronuncia sentenza di non doversi procedere indicandone la causa nel dispositivo. 2. Il giudice provede nello stesso modo quando la prova dell´esistenza di una condizione di procedibillità è insuficiente o contradditoria”. O inciso contido no artigo 530 rege para a modelação da sentença de absolvição e o artigo 531, nº1 estabelece o procedimento a adoptar pelo juiz quando o crime se encontra extinto, ou o nº 2 quando “il giudice provede nelo stesso modo quando vi è dubbio sull´esistenza di una causa di estinzione del reato.” ] Por seu turno o recurso de revisão de sentença firme vem estatuída no artigo 954º da Ley de Enjuiciamiento Criminal, na redacção de Ley 41/2015, de 5 de octubre. nos sequentes termos: “Se podrá solicitar la revisión de las sentencias firmes en los casos siguientes: a) Cuando haya sido condenada una persona en sentencia penal firme que haya valorado como prueba un documento o testimonio declarados después falsos, la confesión del encausado arrancada por violencia o coacción o cualquier otro hecho punible ejecutado por un tercero, siempre que tales extremos resulten declarados por sentencia firme en procedimiento penal seguido al efecto. No será exigible la sentencia condenatoria cuando el proceso penal iniciado a tal fin sea archivado por prescripción, rebeldía, fallecimiento del encausado u otra causa que no suponga una valoración de fondo. b) Cuando haya recaído sentencia penal firme condenando por el delito de prevaricación a alguno de los magistrados o jueces intervinientes en virtud de alguna resolución recaída en el proceso en el que recayera la sentencia cuya revisión se pretende, sin la que el fallo hubiera sido distinto. c) Cuando sobre el mismo hecho y encausado hayan recaído dos sentencias firmes. d) Cuando después de la sentencia sobrevenga el conocimiento de hechos o elementos de prueba, que, de haber sido aportados, hubieran determinado la absolución o una condena menos grave. e) Cuando, resuelta una cuestión prejudicial por un tribunal penal, se dicte con posterioridad sentencia firme por el tribunal no penal competente para la resolución de la cuestión que resulte contradictoria con la sentencia penal. 2. Será motivo de revisión de la sentencia firme de decomiso autónomo la contradicción entre los hechos declarados probados en la misma y los declarados probados en la sentencia firme penal que, en su caso, se dicte.” [ A alínea d) do actual artigo 954º corresponde, na sua literalidade expressa, ao nº 4 do artigo 954º da anterior redacção, que rezava: “4.º Cuando después de la sentencia sobrevenga el conocimiento de nuevos hechos o de nuevos elementos de prueba, de tal naturaleza que evidencien la inocencia del condenado.”] Como se alcança das normas citadas, as normações estrangeiras encontraram, quanto ao destino ou teleologia da estatuição jurídica, uma formulação mais assertiva do que foi encontrada pela legislação portuguesa. Na verdade, a fórmula adoptada na normação adrede a para este segmento normativo, de o condenado, com a superveniência de novos meios de prova, pudesse pedir a revisão de uma sentença, não foi a de que das provas apresentadas se pudesse vir a concluir por uma absolvição –solução da legislação italiana – ou de que os meios de prova a utilizar pelo requerente do procedimento de revisão poderiam ser aptos a obter uma absolvição ou a uma condenação menos grave – solução (actual) da legislação espanhola. O legislador indígena, na linha da nebulosidade, vacuidade e enodoamento da normatividade publicada, optou por uma redacção que permite uma interpretação esquiva e de sentido variegado ao estatuir que a superveniência de meios de prova admitidos para uma revisão de uma sentença são aqueles que “de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.” – alínea d) do nº 1 do artigo 449º do Código Processo Civil. Não é, certamente, o lugar apropriado para proceder a uma exegese e hermenêutica aprofundadas da estatuição contida no preceito citado, no entanto, a decisão exige que se proceda a um escândio, mínimo, da dimensão, alcance (possível) e sentido teleológico do que deve entender-se por novos factos ou meios de prova que “de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.” Temos que a lei apenas queira ter tido como factor capaz e apto a modificar/alterar/re-vogar uma sentença firme aquele instrumento processual que a lei habilita a uma actividade probatória por parte do tribunal. O requisito axial que a lei exige e/ou faculta ao peticionante de uma acção revisora da coisa julgada e, correlatamente, para que uma sentença firme possa ser quebrada na sua inteireza institucional-legal, ou, o mesmo é dizer, para que ocorra o chamado efeito preclusivo do caso julgado, é que, como se deixou dito supra, os meios de prova que a hão-de abalar e/ou pôr em causa se apresentem como uma novidade na realidade histórico-processual em que o caso foi apreciado, debatido, julgado e obtido o juízo condenatório. O meio de prova que o requerente indica como susceptíveis de infirmar e reverter o juízo probatório e o veredicto de culpabilidade que asseverou e cevou a condenação firmada na decisão revidenda, são duas opiniões, uma de uma psicóloga e outra de um médico psiquiatra. Avisadamente, o tribunal recorrido ordenou a realização de perícias médico-legais que permitissem aquilatar da situação psíquica e emotivo-funcional do recorrente no momento em que os factos terão ocorrido. Pelo relatório apresentado – cfr. fls. 254 a 256 e 262 e 263 – não é possível descortinar quais os métodos e exames a que o examinado foi sujeito [ A metodologia de apresentação do relatório de psiquiatria forense – pelo menos a que nos é apresentada – não segue ou utiliza os mesmos parâmetros e referências de averiguação dos relatórios que compõe os casos do estudo que citamos infra.] sendo certo que seria mais esclarecedor para o decisor que fossem indicados os referentes aferição dos resultados que determinaram as conclusões apresentadas. No plano médico-legal a questão da adicção ao álcool convoca questões etiológicas no plano da neurociência, da psiquiatria e da psicologia. A leitura de uma sorte de casos relatados em “Medicina Legal. Livro de Casos. I. Psiquiatria Forense y Drogodependencias.”, da Universidad Europea de Madrid, Faculdad de Ciencias de la Salud, Unidad de Biomédica.”, Santiago Delgado; Luciana Miguel e Fernando Bandrés, 2006, págs. 25 a 59, evidencia as consequências e os estados psicóticos a que pode conduzir uma ingestão desregrada e abundante de álcool referenciando-os a níveis de consumo que vão do moderado ao continuado/habitual, persistente e duradouro – classificada, numa fase aguda e irreversível de “alcoolismo crónico”. O álcool consumido de forma habitual e abundante, para além das alterações orgânicas, induz, na quase totalidade dos casos relatados, de forma uniforme e consolidada, perturbações/deteriorações no plano cognoscitivo, dificuldade de inter-relacionamento, quadros psicóticos durante os quais é susceptível de construções ou situações de realidade ficcionada, distorcida e imaginada, amnésias [que num estado mais agravado poderá atingir o que será conhecido como síndroma, ou psicose de Korsakoff], alterações da sensopercepção, afectividade e estados de ânimo depressivos, manifestações intempestivas e desadequadas de cólera e agressividade. Situações de desinibição psicológica e de lassidão das regras socias de conduta não são, de acordo com estudos de Scully, susceptíveis de provocar estados de violência. [ Cfr. Estudo citado, nota 19. “Para Scully (1990) esto [considerables evidencias circunstanciales que sugieren que el consumo de alcohol está intimamente associado a la violência] es un error, dado que no existe fundamento empirico que sustente la hipótisis de la acción desinhibidora del alcohol e, consequentemente, no hay pruebas que demuestren la influencia del alcohol sobre las agressiones sexuales o sobre la conduta violenta.” ] A ingestão habitual e abundante de álcool e a existência de um estado de alcoolismo perdurante e habitual pode conduzir a um estado de inimputabilidade, por o adicto, no momento em que perpetrou o ilícito, não estar em condições de compreender nem de avaliar a ilicitude dos seus actos e/ou de adequar a sua conduta às exigências da lei, podendo propinar uma situação de inimputabilidade, ou imputabilidade diminuída, temporária ou momentânea. No entanto, como parece resultar de uma série de estudos citados no estudo citado, não é possível associar situações de alcoolismo crónico a actos de violência ou de agressividade. Ao invés, situações de alcoolismo podem ocasionar situações de prostração, deficit de vontade, incapacidade de empreender tomar decisões e empreender acções. Saber se um individuo, em determinado momento, empreendeu uma acção violenta por força de um estado de alcoolemia, ou se o estado de alcoolismo de que já é portador, é indutor de um síndroma de agressividade permanente, e que pode ser mais agudo em ocasiões de maior ingestão de bebidas alcoólicas, não se compadece, em nosso juízo, com o minimalismo probatório que constituem as opiniões vazadas nos exames (perfunctórios) que são apresentados. Os estados de embriaguez são, na lição de Claus Roxin, [ Cfr. Claus Roxin, “Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delito”; Editorial Civitas, Madrid, 2007, p. 827. ] «trastornos psíquicos patológicos», de feição exógena («que penetra no organismo desde fora»). A embriaguez – estado que parece ter estado na indução dos factos que conduziram à condenação do arguido – cabe, segundo o Professor Emérito da Universidade de Munique, nesta categoria de psicoses, dado que se trata de uma intoxicação corporal. Assinalando a dificuldade em encontrar um limite – de taxa de alcoolemia – a partir do qual é possível afirmar que alguém que aja sobre o efeito da ingestão de álcool e se coloque num estado de embriaguez, se pode considerar inimputável ou com incapacidade diminuída, afirma que uma taxa de 3% se poderá estimar ser um «indicio razoável», para logo a seguir ponderar que “sem embargo, não existe regra de experiência deste tipo com validez geral” podendo acontecer, em face de cada caso concreto que indivíduos habituados à ingestão de álcool se encontrem numa situação de imputabilidade cm taxas superiores. Vinque-se que o autor que vimos citando faz depender a constatação de um estado de inimputabilidade da situação concreta para que tem de ser declarada, “porque por regra geral a inimputabilidade não se pode constatar em abstracto em razão de determinado estado ou diagnóstico, mas tão só em atenção ao facto concreto. Nem sequer os transtornos psíquicos patológicos devem excluir a capacidade de culpabilidade ou imputabilidade relativamente a qualquer conduta: A mesma pessoa pode ser imputável em determinados momentos relativamente a determinados factos, e sem embargo não o ser em outros momentos relativamente a outros factos.” [ Claus Roxin, op. loc. cit., pág. 825-826. ] Os estados de embriaguez são, de ordinário, susceptíveis de criar um estado de «imputabilidade ou capacidade de culpabilidade notavelmente diminuída», que na lição do Professor Claus Roxin, que vimos seguindo “não é uma forma autónoma de «semimputabilidade» que se ache entre a imputabilidade e a inimputabilidade, mas sim um caso de imputabilidade, pois o sujeito é (ainda) capaz de compreender o injusto do facto e de actuar conforme a essa compreensão. Não obstante, a capacidade de controle é um conceito graduável: à pessoa lhe pode mais ou menos poder motivar-se pela norma. Consequentemente, quando ainda existe capacidade de controle, mas está consideravelmente reduzido, por regra diminui a culpabilidade. O § 21[ Preceitua o § 21 do StGB que: “Se a capacidade do autor para apreciar a injustiça do facto ou para actuar com esta intenção no momento da comissão do facto, peãs razões assinaladas no § 20, se vê notavelmente reduzida, a pena poderá atenuar-se de acordo com o § 49, apartado I”. O § 49 regula os especiais fundamentos legais de atenuantes, estabelecendo os limites mínimos e máximos das penas a aplicar em caso de utilização de uma atenuante especial. ] tem-no em conta mediante a criação e uma causa de atenuação da pena.” [ Claus Roxin, op. loc. cit., pág. 839.] “A incapacidade de «compreender o injusto do facto», e a incapacidade de «actuar conforme essa compreensão» entretecem-se amiúde e então não se podem distinguir de maneira precisa. De forma definitiva tudo depende da falta de capacidade de controle, que é consequência da falta de capacidade de compreensão, mas também de outras circunstâncias e a mais das vezes da combinação de distintos factores. A menção especifica da falta de capacidade de compreensão é inclusivamente supérflua, porquanto nos casos da mesma a regulação do erro na proibição do § 17 já conduz à exclusão da culpabilidade; sem embargo, assim e todo possui o valor de uma regra de prova, porque os estados ou diagnósticos de conexão sugerem ou aconselham o exame da capacidade de compreensão e, em casos graves, podem indicar a sua falta. Por outro lado, a subsistência da capacidade de compreensão e inclusivamente a existência de compreensão do injusto não permitem deduzir capacidade de inibição. Nos estados de embriaguez na maioria das vezes a capacidade de inibição está excluída antes da capacidade de compreensão; sem embargo, nos delitos contra a integridade física e contra a vida nem sequer «quantidades consideráveis de álcool» são capazes, normalmente, de eliminar a capacidade de inibição da pessoa.” [ Claus Roxin, op. loc. cit., pág. 837.] A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, não deixou de tratar a temática da inimputabilidade diminuída, ou talvez melhor qualificada de «capacidade de culpabilidade notavelmente diminuída». Assim, já se asseverou que “a chamada imputabilidade diminuída pressupõe e exige a existência de uma anomalia ou alteração psíquica (substrato bio-psicológico) que afecte o sujeito e interfira na sua capacidade para avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída (efeito psicológico ou normativo). Os pressupostos biológicos da imputabilidade diminuída são os mesmos que o artigo 20.º do CP prevê para a inimputabilidade. A diferença reside no efeito psicológico ou normativo: a capacidade de compreensão da acção não resulta excluída em consequência da perturbação psíquica mas, antes, notavelmente diminuída [ Assim, Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Volume Primeiro, Bosch, Casa Editorial, S.A., p. 607.]. Se a imputabilidade diminuída significa uma diminuição da capacidade de o agente avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação, ela há-de, em princípio, reflectir um menor grau de culpa (uma culpa diminuída). Como adverte Jescheck [ Ob. cit., p. 608.], «não parece justo que sujeitos cuja capacidade de compreensão ou de acção resulta fortemente diminuída por perturbações psíquicas sejam tratados como plenamente sãos». No mesmo sentido, Eduardo Correia [ Direito Criminal, I, Livraria Almedina, Coimbra, 1968, pp. 356-357.] salienta que «se certos momentos internos podem excluir a liberdade de determinação, e, portanto, a legitimidade do juízo de censura e de culpa, resultará daí necessariamente que esses momentos, quando não excluem a legitimidade de tal juízo, podem e devem servir para graduar o seu conteúdo e gravidade», ou seja, «se tem de atribuir-se a um certo grau de anomalia mental uma função limite da culpa, enquanto ela exclui a liberdade do agente, e, portanto, a possibilidade de o censurar, seria contraditório não tomar em conta, para justamente graduar aquela censura, os outros graus de anomalia que, sem excluírem a liberdade do sujeito, todavia a diminuem mais ou menos».” [ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2012, relatado pela Conselheira Isabel pais Martins (proc. nº 525/11.2PBFAR.S1). No mesmo eito o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 2014, relatado pelo Conselheiro Souto Moura. (Proc. 95/10.9GGODM.S1) “Se o inimputável é o indivíduo que a lei trata como não livre, e portanto considera que não tem que responder pelos seus atos, o imputável detém capacidade de entender e querer no momento da prática do ato. "Entender" como perceção dos nexos entre as coisas do mundo externo e si próprio, o que arrasta a consciência de uma posição na sociedade, em que os próprios atos têm um significado ético-social. "Querer", enquanto capacidade de autodeterminação como construção de um modo de ser próprio, e força de vontade para, na situação, serem vencidos os motivos ou impulsos que levam ao crime. Quanto à imputabilidade diminuída, a lei situa-a num domínio em que se mantém o elemento biológico da inimputabilidade, mas falha, pelo menos parcialmente, o elemento psicológico desta, de tal modo que o julgador fica com a possibilidade de equiparar, ou não, a situação do imputável diminuído, nos seus efeitos, ao inimputável. A opção inicial do nosso Código, de alinhar por um sistema monista das sanções penais, levou a uma equiparação do inimputável diminuído ao inimputável, se a perigosidade do agente deixar de se explicar pela omissão de conformação da personalidade, na sua maior medida, de tal modo que já nenhuma censura lhe possa ser dirigida por ser perigoso. E isto apesar de alguma coisa ter podido contra o seu modo especial de ser, e de alguma culpa ter tido pelo ato. Sabe-se que Figueiredo Dias coloca o problema da imputabilidade diminuída, de preferência, nos caos em que "é duvidosa ou pouco clara a compreensibilidade das conexões objetivas de sentido que ligam o facto á pessoa do agente". E adianta que "Se, nos casos de imputabilidade diminuída, as conexões objectivas de sentido entre a pessoa do agente e o facto são ainda compreensíveis e aquele deve, por isso ser considerado imputável, então as qualidades especiais do seu carácter entram no objecto do juízo de culpa e por elas tem o agente que responder". A ponto de, se essas qualidades especiais do seu carácter forem especialmente desvaliosas, de um ponto de vista jurídico-penalmente relevante, a consequência deva ser a agravação da culpa e da medida da pena. Mas se pelo contrário "fizerem com que o facto se revele mais digno de tolerância e de aceitação jurídico-penal, poderá justificar-se uma atenuação da culpa e uma diminuição da pena" (in "Direito Penal", Parte Geral, Tomo I, pág. 584 e 585). Os fatos provados apontam claramente para uma opção de tipo atenuativo, em face da imputabilidade diminuída: o arguido é reputado como pessoa responsável, trabalhador, humilde, prestável e não agressivo, e por outro lado manifestou sentimentos de vergonha, culpa e arrependimento pela prática dos factos em apreço (fatos provados 77 e 78).” ] A questão a perquirir atina com apurar se o arguido no momento em que levou a efeito a acção típica por que foi condenado se encontrava em estado de descompensação ou “obnubilamento” intelectual e psíquico que o impediu de avaliar a situação que criou e onde agiu e de se orientar de modo a fazer corresponder a acção com os ditames da lei. (Numa proposição proposta – que não viria a ser adoptada – para a redacção do § 20 do StGB, mas que, em nosso juízo condensa de forma incisiva e indelével a compreensão do conceito de inimputabilidade, dizia-se que “actua sin culpabilidad quien es incapaz de compreender el injusto del hecho o de actuar conforme a esa compreensión.” [ A redacção que vingou para o § 20 foi “Actuará sin culpabilidad el que en la comissión del hacho, por razón de un trastono mental, de una consciencia alterada o por razón de deficiencia mental o de otras anomalias mentales graves, esté incapacitado para apreciar la injusticia del hecho o para actuar con esta intención.” / Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Dezembro de 2012, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro. (Processo nº 127/10.0S3LSB-A.S1) “A questão da imputabilidade/inimputabilidade penal ou imputabilidade diminuída tem de ser averiguada em cada caso concreto, nada impedindo que seja suscitada em outro processo, não se impondo que a inimputabilidade penal declarada num processo não possa ser contrariada noutro mercê de evolução favorável da patologia psiquiátrica, sob pena de condenação da pessoa a um estigma perene, ou vice versa, além de que se pode ser imputável para certo tipo de crimes e inimputável ou imputável diminuído para outros, A inimputabilidade reporta-se ao ”momento histórico da prática do facto e a cada concreto facto típico”, no dizer de Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, págs. 109 e 127. (…) A perícia psiquiátrica é uma modalidade das provas previstas no CPP, e tem lugar porque a apreciação do estado de saúde mental do arguido não dispensa especiais conhecimentos técnicos e científicos, por isso foi delegada à credenciada entidade especializada que é o INML/Lisboa, por o tribunal daqueles conhecimentos não dispor, ultrapassada como se mostra a fase positivista, que fazia do julgador um ser de saber enciclopedista e universal. Donde a prova de tal natureza se presumir subtraída à livre apreciação do julgador; o art.º 127 .º, do CPP, sofre, aqui , uma evidente limitação por se tratar de prova vinculada ou tarifada, podendo o julgador discordar do resultado pericial, mas devendo fundamentar a divergência, naturalmente que, não com recurso a ciência própria, privada, mas pelo recurso a uma fundamentação pericial de sinal contrário, sob pena de evidente subversão da teleologia do preceito e da restrição . Na fundamentação da divergência o juiz argumenta no mesmo campo do perito e do consultor técnico (Paolo Tonini, Processo Penal, 2007, 249). A perícia psiquiátrica, complementada, de resto, pela perícia psicológica e por esclarecimentos, nos termos do art.º 158.º, do CPP, concluiu que “…em relação aos factos descritos nos autos que o examinando não apresenta capacidade para avaliar o grau de ilicitude desses actos e de se determinar por esta avaliação pelo que reúne os critérios médico-legais de inimputabilidade“, e no esclarecimento prestado com vista a clarificar o tribunal, pela subsistência de dúvidas, se entre o momento da prática do factos (20.7.2007) e o da condenação por acórdão de 15.5.2011, estava privado das suas faculdades mentais, o INML esclareceu, a fls. 125, além do mais, que “ apresenta síndrome demencial grave, necessitando cuidados continuados para a sua sobrevivência “(sofre de incontinência fecal e urinária, tendo que usar fraldas) e que com “relação aos factos descritos nos autos se encontrava incapaz de avaliar o grau de ilicitude dos seus comportamentos e de se determinar por esta avaliação, preenchendo os critérios médico-legais de inimputabilidade. E mais se acentuou que “A sua perigosidade pode ser considerada elevada “(…) tendo indicação para ser colocado em hospital de retaguarda ou lar residencial “-fls.70. A perícia sobre a personalidade, realizada no INML-Delegação do Sul (Lisboa) em 19.6.2012, que se propõe nos termos do art.º 160.º, n.º 1, do CPP, a avaliação das suas características psíquicas, independentemente de causas patológicas (própria da perícia psiquiátrica), relevante, além do mais, para definição da culpa do agente, conclui, em sentido aproximado, que o recorrente é portador de um “discurso incoerente e confuso em algumas ocasiões” e de dificuldades ao “nível da compreensão, resolução de problemas, memória a curto prazo, concentração, organização perceptiva, estruturação espacial, pensamento associativo e lógico, capacidade de estabelecer relações de causa–efeito e compreensão de responsabilidades sociais”. O art.º 20º n.º 1, do CP , define inimputabilidade pelo recurso a um critério, a um substrato biopsicológico, no aspecto de presença de uma anomalia psíquica, e a um efeito normativo , que se analisa na incapacidade no momento do acto de avaliar a sua ilicitude e se determinar de acordo com essa avaliação, e que na esteira de Mezger, seguida pelo Prof Figueiredo Dias, in Pressupostos da Punição, Jornadas de Direito Penal, CEJ, I, pág. 76, se traduz praticamente na “destruição da conexão objectiva do sentido do comportamento do agente , de tal modo que um tal comportamento pode ser causalmente explicado , mas não espiritualmente compreendido e imputado à personalidade do agente”. (…) Nestes termos a apresentação de relatórios periciais psiquiátricos e sobre a personalidade, posteriormente ao julgamento, apontando para uma situação de diminuto sentido crítico e de falta de capacidade e para “ estabelecer relações causa-efeito e compreensão das responsabilidades sociais “ ( Fls .69 do exame pericial ) enfraquecendo , de resto , a afirmação na sentença de que a ausência voluntária ao julgamento foi dominada para se furtar à acção da justiça , justifica que se questione a justiça da decisão condenatória . A inimputabilidade não apaga o “facto ilícito, material, histórico, mas exclui os elementos do tipo subjectivo do ilícito e da culpa”, constituindo “uma causa de exclusão (ou obstáculo à comprovação da culpa), da culpa”, no dizer de Paulo Pinto de Albuquerque, op. e loc. cit., pelo que, sendo o agente insusceptível de ser censurado a título de culpa, não pode ser sancionado. Na verdade é princípio da maior relevância na dogmática e na política criminais o princípio da culpa, ou seja o de que em caso algum pode haver pena sem culpa, nos termos dos art.ºs 1.º, 20.º n.º 2 e 40.º n.º2, do CP, arrancando essa valoração não de uma qualquer ideia retributiva da pena, mas do princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, na esteira do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 73. Convergem, em nosso ver, face aos elementos documentais agora reunidos, razões para duvidar da justiça da decisão, atingindo fortemente as bases do julgado, sobretudo a validade da acção que a sentença teve como comprovadamente livre e consciente, apontando diferentemente para uma grave, mais do que razoável, dúvida sobre a justiça da condenação – cfr. Acs. deste STJ, de 18.10.2000 , SASTJ, 44, 74 e de 27.10.2010, CJ; STJ, I, Ano XVIII, 2003, bem como Conde Correia, 563, nota 1084, in O Mito do Caso Julgado-, por falta de capacidade de culpa, capacidade para compreender o sentido e alcance dos seus actos e se determinar livremente de acordo com essa valoração.”] O arguido intenta demonstrar, para a revisão que requesta, que agiu em estado de inimputabilidade – ou pelo menos de «imputabilidade ou capacidade de culpabilidade notavelmente diminuída» - por a sua capacidade de se orientar, determinar e decidir de acordo com a justeza da situação enfrentada, se encontrar embotada ou, pelo menos, mermada em face de um continuado, persistente e «crónico» abuso de bebidas alcoólicas. Não enfadará o discurso se recuperarmos, neste transe argumentativo, o que foi dado como adquirido para a condenação do arguido (e é esta a factualidade que importa ter em conta para o pedido do requerente). Deu-se como provado no concernente ao agir objectivo e ao modo de se operar a sua conduta que: “No dia 15 de Outubro de 2014, pelas 13h, após ter estado no café a ingerir bebidas alcoólicas, o arguido dirigiu-se à sua residência. No interior da mesma, embriagado, o arguido interpelou a ofendida Maria Emília e apelidou-a de "puta, vaca, porca" e ordenou-lhe que se fosse embora, tendo repetido tais expressões injuriosas durante toda a tarde. Além disso, o arguido ameaçou a ofendida com as expressões: "Eu mato-te, sua puta! Não te ficas a rir com o meu dinheiro! Agarro nas armas e dou-te um tiro, te mato, sua puta!" Pelas 18 horas, por o arguido continuar a ingerir bebidas alcoólicas e se encontrar cada vez mais embriagado e agressivo, a ofendida refugiou-se no interior do quarto do casal e aí permaneceu.” Num breve parêntesis, e porque o arguido tinha estado num café a ingerir bebidas alcoólicas e de seguida se dirigiu para a sua residência, onde viria a provocar toda a zanguizarra que a seguir vem descrita na matéria factual, não se poderá afastar a figura da actio libera in causa, ou seja «uma acção livre na sua causa». A situação da actio libera in causa ocorre quando o sujeito se encontra em estado de inimputabilidade no momento da realização do resultado típico tendo, no entanto, em momento anterior, em que estava em pleno uso da sua compreensão e de determinação segundo a justeza de uma acto, de forma dolosa, ou imprudentemente, se coloca nesse estado. As situações mais comuns ocorrem quando alguém se embriaga “para vencer as suas inibições e dar uma tareia (“paliza”) ao seu inimigo em estado de inimputabilidade ou imprudentemente não repara que durante a embriaguez empregará violência sbre o seu inimigo.” “Segundo o modelo do tipo, que predomina na jurisprudência e na doutrina, a imputação não se conecta com a conduta durante a embriaguez, mas sim com o facto de se embriagar ou com a conduta que de qualquer modo provoca a exclusão da culpabilidade. Essa conduta prévia se interpreta como causação dolosa ou culposa e por tanto, no caso, é punível em função do resultado típico.” [ Claus Roxin, op. loc. cit., pág. 850-851.] Ao tribunal não ocorreu, certamente, esta figura da dogmática jurídico-penal por estar afastada da rotina de julgar, no entanto, tendo o arguido estado a beber num café e logo a seguir tido para casa provocar a situação de turbulência que criou com a mulher e posteriormente com os filhos não teria sido de menos ter indagado a actuação do arguido a esta luz. Atendo-nos ao caso, a perícia médico-psiquiátrica e as respostas – solicitadas acerada e sagazmente pelo tribunal – que a complementam conclui que (sic): “Apesar da dificuldade em reconstruir a situação da época dos factos, por os mesmos terem sido vividos sob o efeito contundente da própria Perturbação grave pelo uso do álcool que o arguido sofria, e por serem actualmente recordados de forma distanciada pelo filtro do juízo crítico e do arrependimento, considero que a doença do foro mental, Perturbação grave pelo uso do álcool, reduziu a capacidade de avaliar e compreender o alcance dos factos por si levados a cabo. Considero assim que à data dos factos o arguido tinha uma diminuição da capacidade de compreender o alcance dos factos, compatível com o conceito de inimputabilidade reduzida.” A inimputabilidade reduzida em que a perícia se esparrama – em nosso juízo de forma displicente e lassa – não pode colher como elemento de prova para afastar a punibilidade da conduta do agente. A qualificação de um estado geral e abstracto decorrente da observação e análise do doente, passado algum tempo da ocorrência dos factos, não pode valer como forma de infirmar o juízo de culpabilidade formado pelo tribunal no momento em que impôs a sanção penal, dado que o tribunal tinha presente o estado de alcoolismo adicto ao individuo e considerou-o como factor de actuação para a produção do resultado típico. Como se deixou asseverado supra, a categorização de um estado psicopatológico em derivação de um estado de deterioração biofisiológico e de alteração orgânica decorrente do abuso, por ingestão excessiva e desmesurada de bebidas alcoólicas, não pode ser factor de infirmação de uma imputação de culpabilidade na justa medida em que não pontua e dirige a informação/indicação para o caso concreto. No caso concreto, uma eventual inimputabilidade diminuída, não afastaria a responsabilidade criminal do arguido e não o isentaria de punição, pois de acordo com o modelo do tipo o arguido realizou e previu o resultado injusto e não se absteve de o realizar. Não tem acolhimento na alínea d) do nº 1 do artigo 449º do Código Processo Penal a possibilidade de quebrar a regra do caso julgado por o agente ter agido sob a influência do álcool, sem se ter provado que essa ingestão, no caso concreto, teria ocasionado um estado de inimputabilidade. Menos ainda que o agente possa, abstractamente, ter desenvolvido, por virtude de uma ingestão exagerada e desmedida de bebidas alcoólicas, um estado de inimputabilidade diminuída. As provas apresentadas pelo arguido e as que vieram a ser propinadas pela acção do tribunal não induzem a possibilidade de se poder criar uma grave desconfiança sobre a justiça realizada no caso concreto. Daí que a pretensão deva deceder. III.- DECISÃO. Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção (criminal) do Supremo Tribunal de Justiça, em: - Negar provimento ao recurso; - Condenar o recorrente nas custas. Lisboa, |