Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B4342
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARAÚJO BARROS
Descritores: OFICIAL DE JUSTIÇA
PROCESSO DISCIPLINAR
COMPETÊNCIA
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
CONSTITUCIONALIDADE
PENA DE DEMISSÃO
PRESCRIÇÃO DAS PENAS
AUDIÊNCIA DO ARGUIDO
Nº do Documento: SJ200510060043427
Data do Acordão: 10/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1. Anulada na sequência da declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional das normas dos artigos 95º e 107º, al. a), do Dec.lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, a decisão do Conselho dos Oficiais de Justiça que aplicou ao arguido a pena de demissão, a aplicação da mesma pena de demissão pelo Conselho Superior da Magistratura, a quem foi remetido o processo disciplinar, não reveste a natureza de uma dupla punição, tratando-se de uma única condenação na pena de demissão, decidida pelo Conselho dos Oficiais de Justiça e confirmada pelo Conselho Superior da Magistratura no âmbito da competência deste.
2. No Ac. nº 7/2002, de 20 de Fevereiro, o Tribunal Constitucional, quando declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do artigo 218º, nº 3, da Constituição, das normas constantes dos artigos 95º e 107º, alínea a), do Dec.lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, apenas considerou que não é constitucionalmente admissível que a lei ordinária exclua de todo a competência do Conselho Superior da Magistratura para se pronunciar sobre tais matérias, o que vale por dizer que são materialmente inconstitucionais as normas agora em análise, que atribuem ao Conselho dos Oficiais de Justiça a competência para apreciar o mérito profissional e exercer a acção disciplinar relativamente aos funcionários de justiça, excluindo, por completo, neste domínio, qualquer competência do CSM.

3. Este entendimento veio a ser legalmente sancionado pelo Dec.lei nº 96/2002, de 12 de Abril, na medida em que, alterando o Dec.lei nº 343/99, estabeleceu em todos os casos a possibilidade de recurso das decisões do COJ para o CSM.

4. Esta nova regulamentação está conforme com os princípios constitucionais, não enfermando de inconstitucionalidade orgânica ou material.

5. Nada impede, por isso, que o COL instaure e instrua processos disciplinares aos oficiais de justiça, na medida em que nas decisões intervém, em recurso hierárquico, o Conselho Superior da Magistratura.

6. Continua a justificar-se a aplicação da pena única de demissão a um funcionário que praticou 15 infracções puníveis com aquela pena, 9 com pena de multa e 3 com pena de suspensão, não obstante estas últimas se deverem considerar amnistiadas pelo artigo 7º da Lei nº 29/99, de 12 de Maio.

7. A prescrição das penas disciplinares a que se refere o artigo 34º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (Dec.lei nº 24/84, de 16 de Janeiro) apenas se conta a partir da data em que a decisão se tornou irrecorrível.

8. Não é obrigatória a audição prévia do arguido à deliberação que o puniu, desde que, através da notificação da instauração do processo disciplinar e da respectiva acusação, lhe tenham sido asseguradas todas as garantias do contraditório e da defesa, sobretudo quando ao lesado assista em qualquer caso o direito de recorrer da decisão.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:

"A", casado, residente no lugar da ..., S. Pedro do Sul, veio intentar contra o Conselho Superior da Magistratura acção administrativa para anulação do acórdão do respectivo Plenário, de 14 de Outubro de 2004, que julgou improcedente a reclamação contra o acórdão do Conselho Permanente, de 2 de Outubro de 2001, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.

Fundamenta a sua pretensão essencialmente no seguinte:

A) O impugnante foi julgado e condenado duas vezes pela prática dos mesmos factos, em manifesta violação do princípio constitucional consagrado no artigo 29°, n° 5, da Constituição, pelo que a decisão impugnada enferma de vício de violação de lei por ofensa daquele princípio constitucional.

B) O acórdão do CSM ora recorrido não foi precedido do competente processo disciplinar, nomeadamente sem a participação das infracções cometidas ao CSM, sem instrução feita pelo CSM, sem audição do arguido feita pelo CSM, sem a apresentação da defesa deste perante o CSM, sendo que a falta absoluta de processo disciplinar, que é o caso, gera nulidade da decisão que aplicou a pena disciplinar, conforme se alcança do artigo 42° do Dec.lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.

C) Ocorreu a prescrição do procedimento disciplinar contra o requerente pelas faltas disciplinares cometidas no exercício das suas funções de funcionário judicial no Tribunal Judicial de S. Pedro do Sul, atenta a data das faltas cometidas e a falta de participação das infracções disciplinares ao CSM, entidade competente para mandar instaurar o processo disciplinar.

D) Na decisão ora impugnada, que aplicou a pena única de demissão, não foi considerada - e deveria tê-lo sido - a Lei nº 29/99, de 12 de Maio (Lei de Amnistia), pelo que se verifica vício de violação de lei do acto impugnado.

E) A entidade demandada, ao punir o demandante com a pena de demissão, fez incorrecta qualificação dos factos, o que origina ilegalidade da sua decisão: por força das circunstâncias atenuantes especiais e dirimente constatadas sempre a pena a aplicar, em concreto, seria a pena de aposentação compulsiva.

F) A confirmar-se que a pena concreta a aplicar ao arguido era a de demissão a mesma encontra-se prescrita.

G) Antes de ser proferida a decisão de 2 de Outubro de 2001 não foi o arguido ouvido sobre o sentido da mesma decisão, com o que se violou o seu direito de audiência e de defesa previsto no artigo 269°, n° 3, da Constituição.

Citado o Conselho Superior da Magistratura, veio responder pugnando pela improcedência da pretensão do requerente.

Ouvido o Ex.mo Procurador Geral Adjunto, veio este, declarando-se em sintonia com o Conselho Superior da Magistratura, defender que a impugnação movimentada pelo recorrente contra a deliberação recorrida deverá ser julgada improcedente.

Importa mencionar, previamente, que, não obstante já se aplicar ao presente procedimento o Código dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro - na medida em que os processos em matéria jurídico-administrativa cuja competência seja atribuída a tribunais pertencentes a outra ordem jurisdicional se regem, com as necessárias adaptações, pelo disposto naquele código (art. 192º) - não deixamos de estar perante um recurso interposto de deliberação do Conselho Superior da Magistratura, a que se aplicam as normas especiais dos arts. 168º a 177º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei nº 21/85, de 30 de Julho).

Posto isto, verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, cumpre decidir.

Mostra-se provada a seguinte matéria fáctica:

1. Em 21 de Março de 1996, na sequência de exposição dirigida pela Técnica de Justiça Adjunta, aposentada, B, ao Secretário Judicial do Tribunal de São Pedro do Sul, foi instaurado inquérito para averiguação dos factos reportados naquela exposição.

2. Por decisão de 24 de Junho de 1996, do Conselho dos Oficiais de Justiça, foi aquele inquérito convertido em processo disciplinar (205-D/96) visando C, secretário judicial, e D, escriturário judicial, servindo o inquérito como parte instrutória do processo ora convertido, vindo, posteriormente, a ser apensados a este outros processos disciplinares.

3. Por decisão proferida pelo Conselho dos Oficias de Justiça, em 9 de Setembro de 1997, no referido processo disciplinar, foi o ali arguido A punido, nos termos dos artigos 127º, nº 1, alínea g), 132º, nº 2, 137º, nº 1, alínea b) e 138º e com os efeitos do artigo 149º, todos do Dec.lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, com a pena única de demissão.

4. Dessa deliberação recorreu o arguido para o Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, tendo o seu recurso, por decisão de 23 de Janeiro de 1998, sido julgado improcedente.

5. Recorreu, ainda, o arguido para o Tribunal Central Administrativo, sem êxito embora, porquanto o recurso, em acórdão de 26 de Novembro de 1998, foi julgado improcedente.

6. Inconformado, recorreu ainda o arguido para o Tribunal Constitucional, pretendendo fosse apreciada a conformidade à Constituição dos artigos 95º a 176º do Dec.lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, pois estas normas violaram, em seu entender, os artigos 168º, nº 1, alíneas d) e q) (versão de 1982) e 218º, nº 3 (versão de 1997) da Constituição.

7. O Tribunal Constitucional, pronunciando-se em acórdão de 30 de Maio de 2000, decidiu "julgar inconstitucionais as normas dos artigos 95º e 107º, alínea a), do Dec.lei nº 376/87, por violação do nº 3 do artigo 218º da Constituição, e, em consequência, conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão recorrida em consonância com o presente juízo de inconstitucionalidade".

8. Em 13 de Julho de 2001, remetido o processo pelo Conselho dos Oficias de Justiça ao Conselho Superior da Magistratura, foi o mesmo distribuído para apreciação.

9. Em 2 de Outubro de 2001, o Conselho Permanente do CSM proferiu acórdão em que condenou o arguido A na pena de demissão.

10. Tendo, no âmbito do processo (apreciando, ainda, conjuntamente, os processos disciplinares entretanto instaurados - 515-D/96 e 161-D/97, da numeração do COJ) considerado provados os seguintes factos:

I. Apurados no processo n° 3/01 (anterior 205-D/96):

a) o arguido desempenhou funções, como Escriturário Judicial, no Tribunal de S. Pedro do Sul;

b) desde princípios de 1995 foi colocado na secção central a dar entrada aos papéis, elaborar os mapas estatísticos, transportar o correio e outro expediente, como as guias da CGD ou qualquer assunto de finanças, face à sua deficiente competência profissional, que o impedia de prestar serviço na secção de processos;

c) os atrasos na execução do serviço por parte do arguido eram já conhecidos nas comarcas vizinhas, designadamente em Viseu, onde se comentava que as deprecadas expedidas para o tribunal de S. Pedro do Sul raramente eram cumpridas a horas;

d) enquanto estava na secção de processos, não podia ser atribuído ao arguido outro serviço, visto este se manter como escriturário - por ter recusado a promoção vindo de oficial de diligências - e apenas conseguir efectuar serviço externo, não se tendo adaptado a outras exigências da função de escriturário judicial;

e) o arguido nunca pediu ao Secretário Judicial que lhe fornecesse transportes para a execução do seu serviço;

f) em 20 de Março de 1995, enquanto ainda trabalhava na secção de processos, foi entregue ao arguido um mandado para notificação de E, empreiteiro, e de F, seu empregado, o primeiro para proceder ao desconto de vencimentos do segundo e este para em dois dias alegar o que tivesse por conveniente;

g) o Escrivão da secção de processos abordava frequentemente o arguido para este dar cumprimento a tal mandado e, vendo que as suas diligências nesse sentido não tinham êxito, veio a comunicar o facto à Ex.ma Juiz, que lhe ordenou que insistisse com o arguido novamente e que se o serviço não fosse cumprido que fizesse o processo concluso;

h) como, apesar das várias insistências, o mandado não foi cumprido, o Escrivão, em 7 de Julho de 1995, fez o processo concluso à Juiz, que solicitou ao arguido informação sobre a razão de não ter cumprido o serviço, obtendo deste a seguinte informação escrita: "(8 Sábado) Em 95.07.12 com a informação de que só hoje me foi possível levar a efeito as notificações de E e F, constantes dos presentes autos, em virtude da informação que na certidão de notificação que hoje lhes foi feita, motivo porque só nesta data me foi possível cumprir o ordenado nos presentes autos e por aglomeração de serviço";

i) - na respectiva certidão de notificação consta, em resumo, que o arguido notificou pessoalmente E, que averiguou ser o próprio, e o requerido F;

j) a informação feita pelo arguido, na parte relativa à acumulação de serviço como razão para o atraso, não é verdadeira, pois, pelo menos desde Maio de 1995, altura em que passou para a secção central, o serviço que desempenhava não lhe ocupava todo o tempo destinado ao trabalho;

l) na certidão de notificação referida, apesar de constar que o arguido averiguou ser o notificado o próprio, não fez a sua identificação completa, pois não detectou que em vez de E - como erradamente constava no mandado - o seu nome era G, nem o identificou como sendo a entidade patronal do requerido, também a notificar;

m) a dita notificação não tinha qualquer dificuldade, pois o funcionário que posteriormente a veio a repetir, conseguiu fazê-la correctamente, em apenas quatro dias, mesmo constando no mandado o mesmo lapso relativo ao nome;

n) a assinatura que havia sido feita no mandado de notificação cumprido pelo arguido, atribuída a G, não foi feita por este, tendo o arguido alegado que tinha sido feita por alguém que lhe tinha sido indicado como E e que se apresentou como tal e que já não conseguia identificar tal pessoa;

o) pelo menos desde 5 de Maio de 1995 a 30 de Abril de 1996, foi encarregado pelo Secretário Judicial do mesmo tribunal, que todavia não lhe deu quaisquer orientações sobre a forma de efectuar as cobranças e depósitos, de fazer as cobranças dos serviços sociais, recebendo os mapas e passando recibo de pagamento das respectivas comparticipações;

p) o arguido, nesse período, fazia as cobranças, passava os recibos e efectuava os depósitos através de guia na Caixa Geral de Depósitos, a favor dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça, colocando na guia por ordem da pessoa que efectuava o pagamento e não por ordem do Tribunal ou Delegado do Serviço Social, apesar de aos mesmos ter emitido os respectivos recibos de cobrança;

q) entregava os duplicados das guias de depósito às pessoas que efectuavam o pagamento e a quem havia passado recibo, não guardando no tribunal, em pasta própria ou por qualquer meio, em suporte escrito ou magnético, documento comprovativo do depósito das importâncias cobradas, nem tinha qualquer escrita organizada, relativamente às cobranças desses valores;

r) em alguns casos apenas ficava com fotocópia da guia de depósito, a título de cautela e não com a intenção de a mesma constituir qualquer suporte contabilístico;

s) era, assim, impossível verificar a regularidade dos depósitos das importâncias recebidas, por consulta de elementos que deveriam existir na secretaria judicial;

t) apurou-se que o arguido não depositou a quantia de 17.764$50, que havia recebido da Ex.ma Juiz H, a quem passou o recibo n° 644565, em 11SET95, referente à sua comparticipação no mapa n° 399353, que tinha como limite de cobrança a data de 5JUL95 e prazo de envio de guia até 10JUL95;

u) a Sra. Cândida Maria Pinheiro Lima, funcionária Judicial aposentada, estava a efectuar o pagamento de prestações mensais de 15.033$50, ao Serviço Social do Ministério da Justiça, tendo tais pagamentos, a seguir ao depósito de 8AG095, sido feitos ao arguido, que umas vezes entregava logo o recibo e outras enviava depois, o qual não depositou sete prestações, de Setembro de 1995 a Março de 1996;

v) o arguido apoderou-se daquela quantia de 17.764$50 e das sete prestações, cada uma delas no montante de 15.033$50, no total de 122.999$00, gastando-as em proveito próprio, mesmo sabendo que pertenciam aos Serviços Sociais do Ministério da Justiça e que deveriam ter sido depositadas nos respectivos meses de pagamento;

x) a mãe do arguido, ao ter conhecimento desses factos, depositou a quantia de 122.999$00;

z) em 11 de Maio de 1995, o arguido, no exercício das suas funções, deu entrada a um pedido de notificação judicial avulsa (junto a fls. 3);

aa) levado ao Ex.mo Juiz para despacho, o arguido, a quem normalmente incumbia esse serviço, ficou com a notificação em mão para cumprir e não deu conhecimento ao Secretário judicial, nem lhe solicitou qualquer autorização de saída para o exterior para o executar;

ab) no princípio do ano de 1996, quando o Secretário Judicial procedia a uma "vistoria" ao serviço do arguido, verificou que a referida notificação judicial avulsa, entrada há mais de oito meses, ainda não tinha sido cumprida;

ac) contactado o Ex.mo Advogado subscritor do requerimento, veio este a informar que quase todos os dias se deslocava ao tribunal a perguntar pela notificação, ao que o arguido respondia que já estava notificado um casal mas faltava a notificação de dois casais e passado algum tempo que já só faltava a notificação de um casal;

ad) a notificação judicial avulsa só veio a ser entregue em 28 de Fevereiro de 1996, depois de o arguido ter sido ouvido no âmbito deste processo disciplinar;

ae) mesmo aí a notificação não estava completamente cumprida, pois não foi notificado o Ministério Público, como estava pedido;

af) durante esse período, o arguido teve tempo para cumprir a notificação judicial avulsa;

ag) o arguido, até cerca de dois anos antes deste factos, foi um funcionário trabalhador, disponível e prestável;

ah) a partir dessa altura entrou em decadência por ingerir bebidas alcoólicas, o que fazia habitualmente e em excesso, ao ponto de ficar perturbado na sua capacidade de desempenhar o serviço;

ai) não tem outra fonte de rendimento além do salário que aufere nos tribunais e tem a seu cargo a mulher e dois filhos em idade escolar;

aj) desde cerca de dois anos e meio antes dos factos o arguido viveu problemas familiares, decorrentes da possibilidade de toxicodependência do seu filho mais velho e de um grave acidente ocorrido com um irmão;

al) nesse período encontrava-se em absoluto descontrolo emocional;

am) posteriormente o arguido veio a iniciar tratamento médico;

an) por decisão de 25 de Março de 1996, o arguido foi condenado na pena disciplinar de 5 dias de multa.

II. Apurados no processo n° 4/01 (anterior 515-D/96):

ao) correu termos no Tribunal Judicial de S. Pedro do Sul o processo sumário n° 154/95, em que foi arguido Fernando de Almeida;

ap) em Dezembro de 1995, esse arguido Fernando de Almeida - que é pessoa conhecida do arguido (deste processo disciplinar) - porque pretendia seguir para França, abordou o segundo pedindo-lhe para ficar com o dinheiro para pagar o que fosse devido no processo;

aq) a liquidação já estava efectuada e o arguido disse-lhe para deixar 99.300$00;

ar) foi então deixada, por aquele, ao arguido a quantia de 100.000$00, tendo o arguido entregue uma declaração como havia recebido 99.300$00;

as) os 700$00 remanescentes foram deixados ao arguido para quaisquer despesas, designadamente remessa da guia;

at) no fim das férias de 1995 o arguido foi contactado por Fernando Almeida, que o informou de que lhe queriam fazer uma penhora, não obstante já ter pago;

au) o arguido pediu-lhe desculpa por não ter efectuado o pagamento, expôs-lhe as suas dificuldades económicas e acordou com aquele que mais tarde reporia o dinheiro quando pudesse, mais o que fosse necessário para fazer cessar a execução;

av) tendo gasto o dinheiro em seu proveito, o arguido não veio posteriormente a efectuar o seu reembolso, apesar de ter consciência de que o devia fazer;

ax) quem fez esse pagamento foi o executado Fernando de Almeida, nas férias de 1996, sem que o arguido o tivesse reembolsado;

az) em Julho de 1996, até ao dia 15, foi paga no tribunal de S. Pedro do Sul a quantia de 39.040$00 por actos avulsos;

ba) esse dinheiro foi recebido pelo arguido que o gastou em proveito próprio;

bb) no dia 16 de Julho desse ano, o arguido entrou de férias sem que tivesse entregue essa importância, vindo a mesma a ser paga do bolso do Secretário Judicial;

bc) tendo recebido, por volta de Abril de 1996, uma carta precatória, extraída da acção sumaríssima 171/96, do 4º Juízo Cível do Porto, para citação de I, o arguido não lhe deu qualquer movimentação até Setembro de 1996, deixando-a no meio de outros papéis;

bd) as cartas precatórias extraídas da execução sumária n° 13/96, do Tribunal de Trabalho de Viseu, para citação de J; da execução ordinária n° 37/96, da comarca de Oliveira de Frades, para citação de K e mulher; da execução sumária nº 231/96, da comarca de Viseu; da acção sumária n° 539/95, do Tribunal de Trabalho de Viseu e do comum singular n° 57/96, do 2° Juízo de Ovar, para notificação do arguido L, foram recebidas pelo arguido e ficaram abandonadas no meio dos papéis entrados, sem registo no livro - a primeira desde fins de Abril de 1996 até Setembro desse ano;

be) o arguido ficou, ainda, com dois cheques emitidos pelo tribunal, para pagamento de serviços prestados em peritagem, pertencentes ao Engenheiro M, n°s 430981946 e 30981994, nos montantes de 25.947$00 e 21.250$00, respectivamente, que levantou, recebeu e gastou em proveito próprio;

bf) para tanto assinou nas costas desses cheques o seu nome e com eles, em 30 de Abril de 1996, pagou na CGD umas guias do tribunal, que eram depósito de actos avulsos desse mês, e guardou a importância em dinheiro que tinha recebido para pagamento desses actos;

III. Apurados no processo n° 2/01 (anterior 161-D/97):

bg) o Tribunal Judicial de Caminha pediu ao de S. Pedro do Sul a notificação de N, para este comparecer em 9 de Maio de 1995;

bh) em Maio de 1995, o arguido - a quem incumbia proceder a notificações - tinha a seu cargo muito serviço;

bi) vendo aproximar-se a data de 9 de Maio de 1995, o arguido, sem que o tivesse pessoalmente contactado e notificado, na expectativa de entretanto o poder avisar, elaborou a certidão de notificação (cuja cópia se mostra junta a fls. 3 do Processo 201-1/97, apenso) e forjou a assinatura de N;

bj) este, que de nada sabia, não compareceu no tribunal de Caminha na data prevista, tendo por isso sido condenado na multa de 24.000$00, no pressuposto de que estava devidamente notificado;

bl) quando foi notificado para pagar a referida multa, N foi ao tribunal de Caminha arguir a falsidade da assinatura que lhe era atribuída;

bm) o Tribunal Judicial da comarca de S. Pedro do Sul deprecou às Varas Criminais de Lisboa, em 16 de Maio de 1996, a penhora de bens do executado O, designadamente de 1/3 do seu vencimento;

bn) em 30 de Outubro de 1996, o tribunal de S. Pedro do Sul perguntou pela deprecada, tendo recebido como resposta a indicação de que a mesma tinha sido devolvida, sem que, porém, tivesse dado entrada;

bo) remetida segunda via, em 28 de Novembro de 1996, a 1ª Vara Criminal de Lisboa remeteu ao tribunal de S. Pedro do Sul, em Janeiro de 1997, fotocópias de um requerimento do executado e de um oficio elaborado pelo arguido, das quais se conclui que o executado já havia pago a quantia exequenda e acréscimos legais, seguramente ainda no ano de 1996;

bp) em data não apurada do ano de 1996, o executado remeteu ao tribunal de S. Pedro do Sul um vale postal para pagamento da sua dívida;

bq) esse vale postal foi recebido pelo arguido, que levantou a respectiva quantia de 33.100$00, que fez sua e gastou em proveito próprio;

br) no dia 12 de Dezembro de 1996, o executado dirigiu-se a S. Pedro do Sul para averiguar o que se passava e contactou o arguido que, bem sabendo do destino que tinha dado ao dinheiro, se prontificou a fazer o oficio referido (junto a fls. 11), confirmando que o pagamento tinha sido feito pelo executado;

bs) até 24 de Setembro de 1997 o arguido não havia reposto a mencionada quantia;

bt) em 14 de Junho de 1996, a cabeça de casal do inventário n° 146/93, remeteu, de França, para o tribunal de S. Pedro do Sul, um vale postal, para pagamento de custas, no montante de 77.000$00;

bu) esse vale foi levantado pelo arguido, que fez sua a quantia de 77.000$00, gastando-a em proveito próprio;

bv) até 24 de Setembro de 1996, esta quantia não tinha sido reposta pelo arguido;

bx) em Abril de 1997, foi recebida pelo arguido uma contestação para o processo n° 57/97, que vinha acompanhada de um cheque de 18.000$00 para pagamento do respectivo preparo;

bz) em vez de fazer seguir o processo, juntou-lhe a contestação e escondeu-o no arquivo;

ca) em 22 de Abril de 1997 levantou o cheque de 18.000$00, fazendo sua essa quantia e gastando-a em proveito próprio;

cb) o processo só veio a ser apresentado depois da inspecção do COJ ter decorrido;

cc) até 24 de Setembro de 1996, esta quantia não tinha sido reposta pelo arguido.

10. O arguido deduziu reclamação para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, mas este, em acórdão de 12 de Outubro de 2004, julgou improcedente a reclamação apresentada.

Afirma, em primeiro lugar, o recorrente ter sido condenado duas vezes pelos mesmos factos, com violação do art. 29°, n° 5, da Constituição, por serem os mesmos os factos pelos quais foi condenado pelo acórdão impugnado e por deliberação do COJ de 03/03/1997.

É, todavia, evidente a irrazoabilidade da sua argumentação.

Na verdade, como é bom de ver, a condenação do arguido na pena de demissão pela prática dos factos que lhe foram imputados no processo disciplinar, não obstante as vicissitudes que os autos sofreram, foi apenas uma.

Inicialmente punido pelo Conselho dos Oficiais de Justiça, por decisão de 9 de Setembro de 1997, com a pena de demissão, tal decisão foi mantida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra e pelo Tribunal Central Administrativo, vindo depois o Tribunal Constitucional, em acórdão de 30 de Maio de 2000, declarando inconstitucionais as normas dos artigos 95º e 107º, alínea a), do Dec.lei nº 376/97, por violação do nº 3 do artigo 218º da Constituição, a determinar a reformulação da decisão em consonância com o juízo de inconstitucionalidade.

Certo é que, remetido o processo ao Conselho Superior da Magistratura, em 2 de Outubro de 2001, o Conselho Permanente do CSM proferiu acórdão em que condenou o arguido na pena de demissão.

Só que esta deliberação, ao contrário do que sustenta o recorrente, veio tão só a constituir a reformulação da decisão anteriormente proferida pelo COJ, em conformidade com o julgamento feito pelo Tribunal Constitucional.

Trata-se, assim, de uma única condenação na pena de demissão, decidida pelo Conselho dos Oficiais de Justiça e confirmada pelo Conselho Superior da Magistratura no âmbito do competente recurso hierárquico.

Sustenta, no entanto, o recorrente que o acórdão do CSM ora impugnado não foi precedido do competente processo disciplinar, nomeadamente, sem a participação das infracções cometidas ao CSM, sem instrução feita pelo CSM, sem audição do arguido feita pelo CSM, sem a apresentação da defesa deste perante o CSM, sendo que a falta absoluta de processo disciplinar, que é o caso, gera nulidade da decisão que aplicou a pena disciplinar, conforme se alcança do artigo 42° do Dec.lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.

Com efeito, segundo defende, pertencendo ao CSM, conforme decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n° 73/2002, a acção disciplinar sobre os funcionários judiciais, o COJ não tinha poderes para instaurar procedimento disciplinar, só o podendo fazer o CSM, e este não o fez, enfermando a deliberação reclamada da falta de processo disciplinar e, portanto, da nulidade do art. 42° do Estatuto dos Funcionários da Administração Central, Regional e Local (Dec.lei nº 24/84, de 16 de Janeiro).

Porém, não lhe assiste razão.

Desde logo, parece evidente que o conteúdo decisório do acórdão do Tribunal Constitucional proferido no recurso interposto pelo arguido, que, concedendo provimento ao recurso, determinou a reformulação da decisão recorrida em consonância com o juízo de inconstitucionalidade, não aponta para a necessidade de instauração de novo processo disciplinar, com as formalidades inerentes, antes simplesmente traduzindo a ideia de que o CSM tem que intervir na decisão sancionatória do arguido, mostra que apenas importa que o CSM venha a intervir na decisão eventualmente punitiva.

É certo que o mesmo Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 7/2002, de 20 de Fevereiro (in DR IS-A, de 16 de Março) declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do artigo 218º, nº 3, da Constituição, das normas constantes dos artigos 98º e 111º, alínea a), do Estatuto dos Oficiais de Justiça, aprovado pelo Dec.lei nº 343/99, de 26 de Agosto, assim como daquelas constantes dos 95º e 107º, alínea a), do Dec.lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, na parte em que delas resulta a atribuição ao Conselho dos Oficiais de Justiça da competência para apreciar o mérito e exercer a acção disciplinar relativamente aos oficiais de justiça.

Todavia, tal aresto, aliás na sequência de outros anteriormente proferidos, não considerou inconstitucional a competência do COJ para instaurar processos disciplinares e proceder à respectiva instrução. Apenas considerou que, perante o disposto no artigo 218º, nº 3, da Constituição, "não é constitucionalmente admissível que a lei ordinária exclua de todo a competência do Conselho Superior da Magistratura para se pronunciar sobre tais matérias. O que vale por dizer que são materialmente inconstitucionais as normas agora em análise, que atribuem ao Conselho dos Oficiais de Justiça a competência para apreciar o mérito profissional e exercer a acção disciplinar relativamente aos funcionários de justiça, excluindo, por completo, neste domínio, qualquer competência do CSM".

Ademais, tal solução veio a ser legalmente regulamentada em conformidade com a doutrina daquele Acórdão nº 7/2002, pelo Dec.lei nº 96/2002, de 12 de Abril, na medida em que, alterando o Dec.lei nº 343/99, estabeleceu em todos os casos a possibilidade de recurso das decisões do COJ para o CSM.

Sendo que esta nova regulamentação está naturalmente conforme com os princípios constitucionais, como até já entendeu o próprio Tribunal Constitucional que, através dos seus acórdãos n°s 378/2002, de 26 de Setembro e 131/2004, de 9 de Março, se pronunciou sobre os novos preceitos do citado Decreto-Lei n° 96/2002, nos termos seguintes: "A consideração conjunta destas diferentes alterações permite concluir que a última palavra em matéria disciplinar, no que respeita aos funcionários de justiça, cabe ao Conselho Superior da Magistratura; não é, pois, mais possível continuar a entender que as normas que atribuem competência em matéria disciplinar ao Conselho dos Oficiais de Justiça, neste contexto, infringem o disposto no n° 3 do artigo 218°, da Constituição. É que não se encontra neste preceito, nem a proibição de conferir tal competência especial ao Conselho dos Oficiais de Justiça, nem a reserva exclusiva ao Conselho Superior da Magistratura do exercício do poder disciplinar sobre os oficiais de justiça".

Neste sentido, aliás, tem sido corrente a jurisprudência da secção de contencioso do STJ: bastará confrontar, entre outros, os Acs. de 12 de Junho de 2003 e de 13 de Novembro de 2003, proferidos, respectivamente, nos processos n°s 195/03 da 6ª secção (relator Azevedo Ramos) e 3374/02 da 5ª secção (relator Carmona da Mota).

E não se diga que o Dec.lei nº 96/2002, de 343/99, de 12 de Abril é orgânica ou materialmente inconstitucional.

No aspecto orgânico sabe-se, com efeito, que a reserva relativa de competência legislativa adoptada no artigo 165º, nº 1, al. d), da Constituição se reporta, como da norma consta, ao regime geral de punição das infracções disciplinares. Ora, neste caso concreto, não é esse regime geral de punição das infracções que se encontra em causa, antes um regime claramente especial, apenas relativo aos oficiais de justiça.

Depois, e no que respeita à inconstitucionalidade material, a mesma não ocorre não obstante o recorrente afirmar que o diploma viola o art. 218°, n° 3, da Constituição, na medida em que o Conselho Superior da Magistratura está em absoluto excluído de interferir na apreciação do mérito e na acção disciplinar de certos oficiais de justiça - os que forem nomeados em lugares de serviços do M° P° e dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Não existe qualquer inconstitucionalidade, já que o Dec.lei nº 96/2002 se limita a tratar de forma diferente (instituindo uma forma de revisão de decisões por órgãos correspondentes à função efectivamente desempenhada pelo infractor) situações diferentes, mantendo, assim, uma igualdade de tratamento de todas as situações iguais.

Além disso, a situação do recorrente, que detém a qualidade de funcionário judicial, não lhe assegura sequer legitimidade para invocar a inconstitucionalidade de normas que o não afectam pessoalmente.

Improcede, pois, esta questão suscitada pelo recorrente.

Afirma, ainda, o recorrente que ocorreu a prescrição do procedimento disciplinar pelas faltas disciplinares cometidas no exercício das suas funções de funcionário judicial no Tribunal Judicial de S. Pedro do Sul, atenta a data das faltas cometidas e a falta de participação das infracções disciplinares ao CSM, entidade competente para mandar instaurar o processo disciplinar.

A análise desta questão, simples pela sua evidente irrazoabilidade, prende-se com as considerações que fizemos anteriormente.

Dispunha o artigo 153º do Dec.lei nº 367/87, de 11 de Dezembro atenta a data da instauração do processo disciplinar não se aplica ainda a redacção do Dec.lei nº 343/99) que "compete ao Conselho dos Oficiais de Justiça a instauração de processo disciplinar contra oficiais de justiça".

Significa isto que não havia que participar qualquer infracção disciplinar de um funcionário de justiça ao Conselho Superior da Magistratura, nem este gozava de competência para a instauração do competente processo.

É certo que a posição do recorrente equivale à invocação da inconstitucionalidade daquele artigo 153°, na medida em que atribui ao COJ competência para instaurar processo disciplinar contra oficiais de justiça.

Todavia, não enferma tal preceito de qualquer inconstitucionalidade material, com ademais se decidiu nos Acs. do Tribunal Constitucional n°s 131/2004, de 9 de Março (in DR II S, de 2 de Junho) e 378/2002, de 26 de Setembro (citado pelo anterior).

Refere, também, o recorrente que na decisão do CSM que lhe aplicou a pena única de demissão, não foi considerada - e deveria tê-lo sido - a Lei nº 29/99, de 12 de Maio (Lei de Amnistia), pelo que se verifica vício de violação de lei do acto impugnado.

Ora, é certo que o artigo 7º da Lei nº 29/99, de 12 de Maio declarou amnistiadas, desde que praticadas até 25 de Março de 1999, inclusive, e não constituam ilícito antieconómico, fiscal, aduaneiro, ambiental e laboral, as infracções disciplinares e os ilícitos disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável não seja superior à suspensão ou prisão disciplinar".

Todavia, nem todos os factos provadamente praticados pelo recorrente se enquadram naquela lei de amnistia (designadamente os factos acima descritos sob o nº 10, I, t), u) e v), 10, II, ao) a ba), be) e bf), 10, III, bm) a cc) da matéria de facto constituem ilícitos aos quais é aplicável, em abstracto, a pena de demissão.

Aliás, ao analisar os factos que foram objecto do procedimento disciplinar, o Conselho Superior da Magistratura, no acórdão de 2 de Outubro de 2001, refere, além do mais, "vistas parcelarmente as penas aplicáveis a cada uma das vinte e sete infracções cometidas pelo arguido - 9 penas de multa, 3 penas de suspensão e 15 penas de demissão - importa aplicar uma pena disciplinar única".

Desta forma, apesar de as infracções puníveis com pena não superior à de suspensão estarem amnistiados, nos termos do art. 7°, alínea c), da Lei n° 29/99, nada altera a decisão quanto à pena a aplicar ao arguido, visto dever ser punido pelas infracções concretizadas nos demais factos assinalados com a pena de demissão, como decidiu o acórdão impugnado.

Na verdade, à luz da lei vigente à data da prática dos factos - art. 137°, n° 1, alínea b), da Lei Orgânica das Secretarias Judiciais e Estatuto dos Funcionários Judiciais, aprovada pelo Dec.lei n° 367/87 - como, aliás à face do actual art. 26°, n°s 1 e 4, alíneas d) e f), do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central Regional e Local, aprovado pelo Dec.lei n° 24/84, de 16 de Janeiro, a pena de demissão é aplicável nos casos em que o funcionário se apropria ilicitamente de dinheiro pertencente ao Estado.

E não, como propugna o recorrente, a pena de inactividade, porquanto esta, nos termos do art. 25°, n° 2, alínea b), do referido EDFAACRL, apenas é "aplicável aos funcionários ou agentes que receberem fundos, cobrarem receitas ou recolherem verbas de que não prestem contas nos prazos legais".

Sendo que os factos provados não se reportam a uma mera não prestação de contas nos prazos legais por parte do arguido, mas antes à apropriação ilícita de diversas verbas.

Sustenta doutro passo o recorrente que ao puni-lo com a pena de demissão o acórdão recorrido fez incorrecta qualificação dos factos, o que origina ilegalidade da sua decisão, uma vez que, por força das circunstâncias atenuantes especiais e dirimente constatadas sempre a pena a aplicar, em concreto, seria a pena de aposentação compulsiva.

Sem dúvida que o acórdão em crise apreciou detalhadamente e qualificou as circunstâncias que acompanharam o comportamento do recorrente, nelas fundando a a pena aplicada.

Nele se diz, expressamente, que "a agravar a responsabilidade do arguido está, com muita eloquência, o número de infracções repetidamente cometidas, o período de tempo em que andou nos tribunais a violar os seus deveres, com manifesto prejuízo para a instituição e para as pessoas que em concreto foram por si visadas e a existência de uma condenação disciplinar anterior". E que "atenua a sua responsabilidade, apenas, a situação pessoal de descontrolo emocional, causado pelos problemas pessoais que teve e pelos hábitos de alcoolismo, alguma falta de enquadramento profissional por parte do Secretário Judicial (que já foi punido por causa disso) e a confissão parcial dos factos no processo disciplinar".

"Trata-se, porém, de atenuantes com pouco significado, pois as infracções cometidas, atenta a sua qualidade, resultam mais de factores pessoais do arguido, que lhe possibilitaram ser repetidamente desonesto, do que propriamente de circunstâncias fortuitas de descontrolo emocional. Uma coisa é perder o controlo do serviço e outra bem diferente - e muito mais grave - é a apropriação de dinheiro de terceiros e a falsificação de certidões e assinaturas. Estiveram em causa, entre outras infracções menos graves, 15 apropriações de dinheiro, no montante total de 437.346$50. A reparação, meramente integral, nem foi da iniciativa do arguido mas sim da sua mãe. Casos houve em que as pessoas desembolsadas tiveram de pagar outra vez, pois o arguido, nem mesmo depois de ser descoberto, lhes devolveu o dinheiro. Estas condutas, sem margem para dúvidas, inviabilizam a manutenção da relação funcional entre o Estado e o arguido".

Acrescenta, ademais, que "estas condutas, sem margem para dúvidas, inviabilizam a manutenção da relação funcional entre o Restado e o arguido".

A análise das agravantes e atenuantes em presença justificam, sem hesitação, a punição de demissão que ao arguido foi aplicada.

E a tal decisão não obsta a diferente qualificação pelo recorrente das atenuantes, que nem são dirimentes (os factos constantes dos pontos 31, 32, 33, 34 e 35 da decisão impugnada não podem ter-se como factores de privação acidental e involuntária do exercício das suas faculdades intelectuais no momento da prática dos factos) nem sequer têm poder modificativo da moldura disciplinar fixada na lei.

Mostra-se, desta forma, perfeitamente ajustada a punição do recorrente, improcedendo, ainda nesta parte, a sua pretensão.

Alega o recorrente que todos os factos disciplinares apurados na decisão impugnada decorreram há mais de 5 anos, pelo que a confirmar-se que a pena concreta a aplicar ao arguido era a de demissão a mesma encontra-se prescrita.

É certo que o art. 34º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (Dec.lei nº 24/84, de 16 de Janeiro) dispõe que "sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 5º, as penas disciplinares prescrevem nos prazos seguintes, contados da data em que a decisão se tornou irrecorrível: a) 6 meses, para as penas de repreensão escrita e de multa; b) 3 anos, para as penas de suspensão, de inactividade e de cessação da comissão de serviço; c) 5 anos, para as penas de aposentação compulsiva e de demissão"

Todavia, como claramente resulta do texto dessa norma, a prescrição conta-se apenas do momento em que a decisão se tornou irrecorrível.

Situação que, obviamente, se não verifica no caso sub judice, em que ainda nesta altura se mostra pendente recurso do acórdão que puniu o arguido.

Improcede, pois, igualmente nesta parte, a pretensão do recorrente.

Finalmente, diz o recorrente que antes de ser proferida a decisão de 2 de Outubro de 2001 não foi ouvido sobre o sentido da mesma decisão, com o que se violou o seu direito de audiência e de defesa previsto no artigo 269°, n° 3, da Constituição.

Sendo que, a entender-se que o procedimento levado a cabo pelo COJ (instauração do processo disciplinar e instrução) é legal porque o artigo 152° do Dec.lei nº 343/99, de 26 de Agosto, não foi declarado inconstitucional, sempre haveria lugar à audiência nos termos do artigo 100º do CPA porque este direito é conferido antes de ser proferida a decisão final, que no caso foi por órgão diferente.

Assim, ao ter-se aproveitado a instauração e a instrução do processo disciplinar, feita por um órgão - o Conselho dos Oficiais de Justiça - que o artigo 218°, n° 3, não permitia que o fizesse sozinho, para aplicar a pena disciplinar por órgão que a CRP reconhece como competente, sem audição do arguido foi violado o seu direito de audiência e de defesa previsto no artigo 269°, n° 3, da CRP.

Em todo o caso, seriam inconstitucionais, por violação dos artigos 269°, n° 3 e 218°, n° 3, da CRP, todas normas do Dec.lei nº 96/2002, de 12 de Abril, que deram nova redacção aos artigos 6°, 70°, 72°, 94º, 97º a 99º, 111° e 118° do Dec.lei. nº 343/99, quando interpretadas no sentido de que não há lugar a nova audiência do arguido quando é aproveitada a instauração e instrução de um processo feita pelo COJ antes da declaração de inconstitucionalidade das normas do artigo 95° e 107° daquele diploma. 343/99.

Apelando, de novo, ao Ac. STJ de 12/06/03, no que concerne ao Dec.lei nº 96/2002, há que afirmar que o Dec.lei nº 96/2002 "não colide com o regime geral das infracções disciplinares, contemplando apenas alterações ao regime especial dos funcionários judiciais sem que concretamente belisque a tipificação legal disciplinar".

Não modificou, assim, o procedimento disciplinar atinente aos funcionários judiciais, aos quais, instaurado o processo é concedido e garantido o direito constitucional de defesa, que, para o efeito, é notificado (art. 97º-A do Dec.lei nº 343/99, aditado por aquele), sendo nesta altura que deve indicar todos os factos e meios de prova que possua e, em seu entender, lhe sejam aproveitáveis.

Trata-se, na verdade, de um processo disciplinar no qual, uma vez notificada ao arguido a sua instauração e a acusação nele deduzida, dispõe este de prazo para aduzir todos os elementos atinentes à sua instrução, o que o coloca em posição de se defender com toda a plenitude.

Doutro passo, a referida falta de audição prévia à deliberação punitiva não conduz à irrazoabilidade, nem à arbitrariedade da interpretação do art. 100º do CPA, tanto quanto é certo que se vem entendendo que a audiência prévia é dispensada sempre que a garantia de defesa do arguido tenha sido devidamente assegurada.

Dispensa que igualmente resultaria do disposto no nº 2, al. a) do artigo 103° do CPA, porque o interessado já se pronunciara no procedimento sobre as questões que relevam para a decisão.

Se algo, eventualmente, decorre da decisão recorrida que não esteja em conformidade com aquilo que devia ter sido deliberado face à acusação, defesa e instrução produzidas no processo disciplinar, sempre ao lesado assiste o direito de recorrer da decisão, direito que, a posteriori, lhe confere todas as garantias do contraditório e da defesa.

Cremos, por isso, não só que não ocorrem as inconstitucionalidades invocadas do Dec.lei nº 96/2002, mas que fenece razão ao recorrente na sua argumentação.
Pelo exposto, decide-se:

a) - julgar improcedente o recurso contencioso interposto pelo oficial de justiça A;

b) - condenar o recorrente nas custas, com taxa de justiça que se fixa em 3 Ucs.

Lisboa, 6 de Outubro de 2005
Araújo Barros,
Reis Figueira,
Duarte Soares,
Silva Flor,
Fernandes Cadilha,
Pereira Madeira,
Silva Salazar