Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | DIVÓRCIO PARTILHA DOS BENS DO CASAL COMPENSAÇÃO REGIME DE BENS BENS COMUNS DO CASAL OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 09/20/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA E DETERMINAMDO A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO | ||
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Sumário : | I - Do art. 1689.º do CC extrai-se um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges, e entre estes e o património comum, sempre que um deles, no final do regime, se encontre enriquecido em detrimento de outro, repondo-se, assim, o reequilíbrio patrimonial. II - Fazem parte do património comum do (ex)casal, com vista à partilha subsequente ao divórcio, não apenas os bens existentes à data da propositura da acção, mas também aqueles bens que ao património comum devem ser conferidos por um dos ex-cônjuges. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO 1.1.- A Autora - AA – instaurou ( por apenso à acção de divórcio) acção incidental, para declaração de bens comuns, contra o Réu - BB. Alegou, em resumo: A Autora intentou acção com processo especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge contra o aqui Réu, tendo sido convolada para divórcio por mútuo consentimento. Não existe casa de morada de família, não existem animais de companhia. No que respeita a regulação do exercício das responsabilidades parentais consta de sentença proferida nos presentes autos. Quanto à relação dos bens comuns a partilhar não chegaram a acordo. Assim, a Autora vem, indicar quais os bens que considera como comuns bens do casal, tendo em conta que a Requerente e Requerido casaram sob o regime de comunhão de adquiridos. São bens comuns do casal, da ora Requerente e Requerido, os seguintes bens: A) Bens móveis sujeitos a registo Verba 1 Quota no valor nominal de €5.000,00 (cinco mil euros), na sociedade comercial por quotas, com a firma “D..., Lda.”, NIPC ...39, com sede no Bairro ..., Distrito ..., Concelho do ..., freguesia ..., à qual atribuí o valor patrimonial de pelo menos, €60.000,00 (sessenta mil euros). Verba 2 Depósito bancário no valor de €70.951,50 (Setenta mil novecentos e cinquenta e um euros e cinquenta cêntimos), na Caixa Económica Montepio, com o número de conta ...0-1, doc.1 Total do activo - €130.951,50 PASSIVO Verba 1 O património comum do casal ao património próprio dacônjuge AA a quantia de €3.166,99 (Três Mil cento e sessenta e seis euros e noventa e nove cêntimos) a título de compensação por bem próprio do depósito na Caixa Económica Montepio, Total do passivo - €3.166,99 Pediu que se declare que a relação de bens comuns do casal, Autora e Réu, é composta pelos bens móveis e passivo por si descrito, tudo com as demais consequências legais. 1.2. O Réu contestou, defendendo-se por impugnação, alegando, em síntese, que os bens indicados não são bens comuns. 1.3. Por sentença de 6/4/2021, decidiu-se julgar a acção improcedente. 1.4. A Autora recorreu de apelação e a Relação de Coimbra, por acórdão de 12/10/2021, julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença. 1.5. A Autora recorreu de revista excepcional, indicando como acórdão-fundamento o Ac RC de 18/10/2016 ( proc nº 638/15), com junção de certidão do trânsito, com as seguintes conclusões: 1) A transferência dos € 71.000,00 (setenta e um mil euros) foi feita pelo Apelado para uma conta sua em Maio de 2017, logo antes da ação de divórcio ser intentada, e que o Apelado transmitiu a quota de que era titular da empresa D..., Lda., em 07.04.2017, logo também antes da ação ser intentada. 2) Considerou o douto Tribunal de Primeira Instância e o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que a composição do património comum é, portanto, aquela que existia na data da propositura da ação e não em momento anterior, e só os bens existentes nesse momento devem ser objeto de partilha. 3) Assim, decidiram em sentido manifestamente confrontante com a letra da lei e contrariamente ao Acórdão do Proc. 4931/10.1TBLRA.C1 de 8/11/2001 do Tribunal da Relação de Coimbra, Acórdão 638/15.1T8CTB.C1 de 18/10/2016 do Tribunal da Relação de Coimbra e ainda, do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc.970/2007-2 de 28/06/2007, publicados no site www.dgsi.pt. 4) O presente recurso tem como fundamento a violação da lei substantiva, com o devido respeito, representa uma deficiente interpretação dos factos e aplicação da lei, das regras de direito, porquanto não considerou a transferência de € 71.000,00 (setenta e um mil euros) realizada pelo Apelado para uma conta titulado por si e o valor da transmissão da quota da empresa D..., Lda., antes da propositura da ação especial de divórcio como bens que devem integrar a relação de bens comuns. 5) Com efeito, as doutas decisões proferidas, infringem os artigos 516º,1682º nº4, 1689º, 1782º,1724º e 1725º do Código Civil. 6) Estatuí o art. 1682º nº4 do Código Civil, “ Quando um dos cônjuges, sem o consentimento do outro, alienar ou onerar, por negócio gratuito, móveis comuns de que tem a administração, será o valor dos bens alienados ou a diminuição de valor dos onerados levados em conta na sua meação, salvo tratando-se de doação remuneratória ou donativo conforme aos usos sociais”, ou seja, , mesmo durante a vigência do casamento nenhum dos cônjuges pode dispor livremente da sua meação ou da totalidade dos bens comuns. 7) Posto isto, pese embora, a entrada da ação de divórcio tenha ocorrido em 13/06/2018, não se pode ignorar o facto de um dos cônjuges ter utilizado exclusivamente bens comuns do casal em seu proveito e deixar de considerar na sua relação de bens esses bens pelo fato de antes da propositura da ação de divórcio, bem como, ignorar a existência de bens próprios existentes à data da celebração do casamento. Tanto que, aquando da partilha que terá como fim colocar termo à comunhão existente dos bens comuns terá necessariamente que se considerar, a entrega dos bens próprios, liquidação da comunhão, na qual se inclui o apuramento e o pagamento das dívidas, avaliação e cálculo das compensações e, por fim, a partilha de bens comuns, cfr. art. 1689º do Código Civil. 8) Não considerar bens comuns do casal quer a transferência efetuada no montante de € 71.000,00(setenta e um mil euros) quer no valor da transmissão do valor da quota da sociedade de € 5.000,00 (cinco mileuros), estaria a permitir-se o enriquecimento injusto do Apelado da comunhão à custa do património comum, violando desta forma as normas 516º,1724º e 1725º do Código Civil. 9) Todavia, deve admitir-se um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro. Caso contrário verificar-se-ia um enriquecimento injusto da comunhão à custa do património de um dos cônjuges ou de um dos cônjuges à custa do património comum. 10)Conforme supra exposto, salvo melhor opinião, tais quantias devem ser integradas na relação de bens comuns do casal, de acordo com o disposto no art. 1724º do Código Civil. 11)No âmbito da partilha numa aceção ampla compõe-se de três operações básicas: a separação de bens próprios como operação preliminar; a liquidação do património comum, destinada a apurar o valor do ativo comum líquido, através do cálculo das compensações e da contabilização das dívidas a terceiros e entre os cônjuges; e a partilha propriamente dita. A liquidação do património comum depende assim do cálculo de compensações, das dívidas a terceiros e das dívidas entre os cônjuges. 12)Se assim é, dada a especificidade do inventário da separação de meações que comporta a par das dívidas a terceiros e créditos sobre estes, as compensações de patrimónios (comum e próprios), as dívidas entre os cônjuges, ou seja entre os patrimónios próprios de cada um dos cônjuges, então, da relação de bens, terão de constar não só as posições activa e passiva do património comum em relação a terceiros como as compensações entre património comum e próprios e bem assim como as dívidas recíprocas dos cônjuges se não tiverem sido saldadas ao longo da vida conjugal, isto pela simples razão de que não tendo ocorrido esse pagamento, é no momento da partilha do património comum que tal deve ocorrer. E para tal é necessário que a relação de bens contemple esses créditos ou compensações. 13)O art.516º do Código Civil estabelece o critério de partição nas dívidas e nos créditos entre os devedores e credores solidários, tem, aqui, inteira aplicação, e, deste modo, é de presumir que a propriedade dos depósitos em contas plurais é de todos, em partes iguais, como de resto, uniformemente o tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça. 14)Posto isto, salvo melhor opinião, tendo o Apelado levantado a mencionada quantia correspondente ao saldo da conta, dela se apropriando, e dela beneficiando em exclusivo, como resulta provado (procedeu à transferência para outra conta bancária que apenas tem acesso o Recorrido) deve satisfazer a parte que compete à reclamante no crédito comum. 15)O saldo existente na conta bancária 025.10.004920-1, existente em 12 de Maio de 2017, presume-se comum, conforme resulta das disposições dos art.ºs 1722, n.º 1 e n.º 2“a contrariu sensu”, 1724, 1725 do CCiv. E o Apelado não ilidiu essa presunção como lhe competia. 16) Ora, o Apelado, procedeu à transferência do saldo que sabia não lhe pertencer por inteiro e passou a utilizá-lo, já separado da mulher, em proveito exclusivo próprio. Tal ato não poderia contar com o consentimento expresso ou tácito da Apelante. 17) Consequentemente, o referido ato não poderá ser considerado um de ato de administração ordinária que a lei prevê, porquanto o levantamento do saldo da conta coletiva, foi feito por um dos cônjuges após deixar de residir com a Apelante, e já com o intuito que o mesmo concretizou de o afetar ao proveito exclusivo próprio. 18)Posto isto, o acto de utilização em proveito exclusivo próprio do cônjuge separado de facto, da quantia por ele levantada da conta comum, como um ato de alienação de bem móvel comum, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do art.º 1682º do Código Civil, ou seja, como um ato que carecendo de consentimento do outro, implica que o valor dos bens alienados seja levado em conta na sua meação. 19) Por todo o exposto, e de acordo com os doutos acórdãos indicados deverá a douta sentença do tribunal a quo e douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra serem alterados e considerar como bem comum do casal o depósito bancário existente no montante de € 71.000,00 (setenta e um mil euros), o valor da quota nominal de € 5.000,00 (cinco mil euros) que o Requerido procedeu à transmissão e seja considerado como passivo o bem próprio da Requerente/ Recorrente no montante de € 3.166,99. 20) Por conseguinte, e salvo o devido respeito, ao decidir como se decidiu, foram violadas as normas legais previstas 516º,1682º nº4, 1689º, 1782º,1724º e 1725º do Código Civil 1.6.- Por acórdão da Formação de 1/3/2023, decidiu-se admitir a revista excepcional, com fundamento no art.672 nº1 c) CPC. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1.- O objecto do recurso A questão submetida a revista consiste em saber se as verbas nºs 1 e 2 indicadas na petição inicial fazem parte do património comum do casal Autora e Réu, que foram casados no regime de comunhão de bens adquiridos, são bens comuns e como tal devem ser partilhadas. Isso implica decidir se apenas deve ser partilhado o património comum do casal integrado pelos bens e direitos existentes à data da propositura da acção de divórcio ou também aqueles bens que ao património comum devem ser conferidos por um dos cônjuges, por força do princípio geral da compensação. 2.2. – Os factos provados 1. Autora e Réu contraíram entre si casamento, católico, sem convenção antenupcial, no dia ... de Maio de 2006, na Capela ..., Paróquia ..., freguesia de ..., concelho do .... 2. A 13/06/2018 a autora intentou acção com processo especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge conta o aqui Réu, tendo sido convolada para divórcio por mútuo consentimento. 3. A 27/09/2018 foi proferida sentença, transitada, que decretou o divórcio entre A. e R. 4. Não existe casa de morada de família, não existem animais de companhia. 5. No que respeita à regulação do exercício das responsabilidades parentais consta de sentença, transitada, proferida nos autos apensos. 6. No que concerne à relação dos bens comuns a partilhar não chegaram a acordo. 7. No mês de Maio de 2017 o R. transferiu o valor de €71.000,00 (setenta e um mil euros) para uma Conta Bancária n.º ...0-1 sua da Caixa Económica. 8.O Depósito bancário no valor de 71.000,00 Euros na Caixa Económica Montepio, com o número de conta ...0-1 incluía 3.166,99 euros que pertenciam à A. já antes do casamento, e 8.000,00 euros que pertenciam ao R. antes de casar. 9. O Requerido transmitiu a quota de que era titular na empresa “D..., Lda.” a CC, em 7 de Abril de 2017. 2.3. – Os factos não provados 1.O Requerido já possuía, no estado de solteiro, cerca de €40.000,00 (quarenta mil euros). 2.Tal montante estava depositado numa conta bancária com o IBAN PT50 ...11 da Caixa Geral de Depósitos, S.A. da qual o Requerido já era titular há largos anos. 3.O Requerido constituiu a empresa D..., Lda. em 16 de janeiro de 2008, tendo nessa data e, posteriormente, injetado o dinheiro que havia conseguido juntar em solteiro, na empresa, a título de empréstimo, para criar e investir na empresa, ou seja, adquirir todo o material, equipamento, matérias primas e mão-de-obra necessários para que a mesma começasse a laborar. 4.Nos primeiros anos de laboração da empresa, o Requerido viu-se também obrigado a solicitar a ajuda financeira da sua família, para conseguir manter e desenvolver a atividade da empresa. 5.Assim DD emprestou ao Requerido a quantia de €20.000,00 e EE a quantia de €12.500,00. 6.Os mencionados DD e EE são primos do Requerido. 7.O montante de €71.000,00 que o Requerido transferiu em Maio de 2017 correspondia, por um lado, a dinheiro próprio deste e, por outro lado, ao valor que lhe foi emprestado pelos seus primos, e que este lhes restituiu. 8.Ao longo dos anos, a produtividade da empresa D..., Lda. foi melhorando, possibilitando que ao sócio da empresa, aqui Requerido, fosse restituído o capital que nela havia investido a título de empréstimo. 9.Os aludidos reembolsos foram realizados por transferências bancárias para a conta bancária de onde havia saído tal dinheiro, ou seja, para a conta bancária da Caixa Geral de Depósitos, S.A. titulada pelo Requerido, melhor identificada no artigo 8o da Oposição. 10.Só posteriormente o Requerido transferiu da sua conta de solteiro, da Caixa Geral de Depósitos, S.A. para a conta bancária titulada pelo casal, na Caixa Económica Montepio os montantes que havia recuperado do seu investimento na empresa D..., Lda. a fim de tais montantes serem aplicados em depósitos a prazo. 11.A 12 de Maio de 2017 o Requerido procedeu ao levantamento do montante de €71.000,00 (setenta e um mil euros) da Conta Bancária com o IBAN PT50 ...73 da Caixa Económica Montepio para pagar as dívidas que o casal tinha para com os primos do Requerido. 12. Sendo valor remanescente dinheiro que o R. já tinha de solteiro. 2.4.- Se apenas deve ser partilhado o património comum do casal integrado pelos bens e direitos existentes à data da propositura da acção de divórcio ou também aqueles bens que ao património comum devem ser conferidos por um dos cônjuges, por força do princípio geral da compensação. As relações patrimoniais entre os cônjuges cessam com a dissolução do casamento, designadamente através do divórcio (art.1788 e 1795-A do CC ), produzindo-se, neste caso, os seus efeitos entre eles a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, retroagindo-se à data da propositura da acção ( arts.1688 e 1789 nº1 do CC ). Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal (art.1689 do CC ), e sendo esta judicial, através do processo especial de inventário. Na partilha, cada cônjuge receberá os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, conferindo previamente o que dever a este património. Na vigência da relação matrimonial os cônjuges tornam-se devedores entre si, através da transferência de valores entre os patrimónios – o património comum e os dois patrimónios próprios. Nestes casos, surge o chamado “crédito de compensação” a favor do cônjuge que pagou a mais que a sua parte sobre o outro, mas cuja exigibilidade a lei difere para a partilha. A razão de ser deste diferimento prende-se essencialmente com o propósito de se evitarem desentendimentos ou perturbações conjugais e a exigibilidade imediata implicaria atribuir ao cônjuge credor um meio fácil ( a ameaça de cobrança ) de tutelar economicamente a actividade do cônjuge devedor, como justificou Braga da Cruz no seu anteprojecto ( Capacidade Patrimonial dos Cônjuges, BMJ nº69, pág.413 e segs. ), ou noutra perspectiva, a não exigibilidade imediata radica na própria natureza jurídica da comunhão ( Cristina Dias, “Das Compensações pelo pagamento das dívidas do casal”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol.1º, 2004, pág.323 ). Considerando que Autora e Réu contraído entre si casamento no regime de bens da comunhão de adquiridos e dada a dissolução através da acção de divórcio sem consentimento, instaurada em 13/6/2018, posteriormente convolada para mútuo consentimento, problematiza-se na revista a questão de saber se as verbas nºs 1 e 2 indicadas na petição inicial ( em acção incidental que corre por apenso ) fazem parte do património comum do casal ( são bens comuns) e como tal devem ser partilhadas. Na verdade, estamos perante uma acção que tem por objecto declarar os bens comuns do casal, mais concretamente qual o acervo que integra o património comum a partilhar. Como se sabe, no processo de divórcio sem consentimento as partes podem em qualquer altura acordar no divórcio por mútuo consentimento (art.931 nº3 CPC), desde que se verifiquem os pressupostos exigidos no art.1775 nº1 CC, entre os quais a apresentação da relação especificada dos bens comuns e a indicação dos respectivos valores. Tendo sido requerido divórcio por mútuo consentimento ou convolando-se o divórcio sem consentimento, não havendo acordo sobre a relação de bens comuns, tal não é hoje impeditivo ao decretamento do divórcio, porque a lei prevê que o juiz fixe as consequências do divórcio nos pontos referidos no art.1775 nº1 CC, através dos actos postulados no art.1778-A CC( “Requerimento, instrução e decisão do processo no tribunal”), consubstanciando uma acção incidental ( de simples apreciação positiva ), visando apurar o património comum do casal, para a subsequente partilha. Sobre esta questão existem duas correntes jurisprudenciais: A)Uma no sentido de que apenas deve ser partilhado o património comum do casal integrado pelos bens e direitos existentes à data da propositura da acção. Os tópicos de argumentação são os seguintes: Os efeitos patrimoniais do divórcio retrotraem-se ao momento da propositura da acção, ou àquele em que for expressamente requerido a momento anterior ( art.1789 nº1 e 2 CC); A lei não prevê a retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio para momento anterior, ressalvando-se a situação do art.1789 nº2 CC; Se no exercício dos poderes de administração de bens comuns um dos cônjuges alienou bens pertencentes ao património comum, os mesmos deixam de fazer parte de tal acervo e como tal não podem ser partilhados, restando ao outro cônjuge prejudicado exigir indemnização, a coberto do art.1681 nº1 CC, que pressupõe a demonstração da intenção de causar prejuízo. No Supremo Tribunal de Justiça perfilharam esta orientação, os seguintes arestos: Ac STJ de 17/11/1994 (proc n.º 86146) Relator -Miranda Gusmão, publicado na Colectânea de Jurisprudência- Acórdãos do STJ, ano II, tomo III, 1994, págs. 148 a 150), com o seguinte sumário: “I -Os efeitos do divórcio, com excepção dos abrangidos pelas relações patrimoniais, produzem-se a partir do transito em julgado da sentença. II - Os de natureza patrimonial retroagem à data da propositura da acção. III - O administrador de bens comuns ou próprios do outro cônjuge está Isento de prestação de contas, só respondendo pelos prejuízos quando a sua actuação seja intencional. IV- Em caso de disposição ou oneração de bens móveis ou próprios do outro cônjuge sem autorização deste, no caso de administração conjunta, o valor dos bens assim dispostos será levado em conta na sua meação. V - Se a disposição teve lugar antes da acção de divórcio, não há lugar a relacionação do bem no inventário para partilha de meação, mas tão só acção de indemnização; se a disposição ocorreu depois da instauração do inventário há que relacionar o valor do bem móvel; se a disposição for a título gratuito há que relacionar o valor do bem móvel como crédito do cônjuge”. Ac STJ de 2/5/2012 ( Agravo n.º 238/06.7TCGMR-B.G1.S1 - 6.ª Secção), relator Azevedo Ramos, com o seguinte sumário: “I - No caso de divórcio e de alienação de bens móveis comuns do casal, podem surgir três situações: a) a primeira, a de ter sido feita pelo cônjuge administrador, antes da instauração da acção de divórcio; b) a segunda, a de ter sido efectuada pelo cônjuge administrador, depois da propositura da acção de divórcio; c) a terceira, a de ter sido feita, a título gratuito, por um dos cônjuges, sem o consentimento do outro, quando a administração do bem a ambos pertencia. II - No caso de se verificar a primeira situação, não haverá lugar à relacionação do bem móvel alienado, aquando do inventário para partilha de meações. O ex-cônjuge que se sentir prejudicado com a alienação poderá reagir, propondo acção de indemnização de perdas e danos, nos termos previstos na parte final, do n.º 1, do art. 1681.º do CC. III - No caso de ocorrer a segunda situação, haverá lugar à relacionação do valor do bem alienado. IV - No caso de se verificar a terceira situação, haverá que relacionar o valor do bem móvel como crédito do ex-cônjuge não alienante. V - Tendo o cabeça de casal levantado aplicações financeiras (bem comum), antes da propositura da acção de divórcio, não tem que relacionar metade do seu valor, podendo o ex-cônjuge, se se sentir prejudicado, propor acção de indemnização de perdas e danos, nos termos do art. 1681.º, n. º 1, parte final, do CC”. Ac STJ de 26/11/2014 (Revista n.º 2009/06.1TBAMD-B.L1.S1 - 2.ª Secção), relator -Tavares de Paiva ( disponível em www dgsi.), sumariando-se “I - No caso dos autos, a acção de divórcio foi instaurada em 05-04-2009, pelo que à luz do art. 1789.º, n.º 1, do CC, os efeitos patrimoniais devem ser considerados tendo em conta essa data. II - O movimento de transferência do dinheiro da identificada conta de que ambos os cônjuges eram titulares teve lugar em 14-10-2004, data em que o casamento estava em plena vigência. III - À luz do citado n.º 1 do art. 1789.º do CC, a considerar o saldo da conta como bem relacionável, apenas poderia ser o que resultasse naquela data de 05-04-2009 e nunca o da data de 14-10-2004, porque nessa data o casamento estava em plena vigência e a partilha do casal só acontece com a cessação das relações patrimoniais em virtude da dissolução do casamento por divórcio – art. 1689.º do CC. IV - Se a requerente se sentir prejudicada com um acto de gestão praticado pelo recorrente, pode reagir através da propositura de uma acção de indemnização de perdas e danos, conforme decorre do art. 1681.º, n.º 1, do CC, sendo, nesta acção, que poderá obter a fixação do seu direito à indemnização. V - E o direito aí obtido pela sentença traduzir-se-á num crédito sobre o outro cônjuge, sendo, então, o seu pagamento considerado em sede de partilha do casal, de acordo com o estatuído no citado art. 1689.º do CC”. Na jurisprudência das Relações, cf., por ex., Ac RP de 16/2/1995 (proc. nº 9420158), Ac RE de 21/2/2002 ( proc nº 2708/01), Ac RC de 29/4/2008 ( proc nº 598/04), disponíveis em www dgsi B). Outra corrente sustenta, com base no nº1 do art.1689 CC, que os bens a partilhar são não apenas os que existam à data da propositura da acção, mas também aqueles bens que ao património comum devem ser conferidos por um dos cônjuges. Neste sentido, o Ac STJ de 14/7/2022 (Revista n.º 4106/20.1T8VNG-B.P1.S1 - 1.ª Secção, Relatora -Maria Clara Sottomayor) ( não publicado na base de dados )no qual também estava em causa a questão de saber se devem integrar a relação de bens comuns, e ser objecto de partilha na sequência do divórcio, o valor de um automóvel que integrava o património comum do casal, alienado por um dos cônjuges, sem o consentimento do outro, bem como o valor do saldo bancário que um dos cônjuges levantou da conta do casal, em ambos os casos em data anterior à instauração da acção de divórcio, nele se concluindo o seguinte: “I - Sem prejuízo de uma eventual ação de responsabilização do cônjuge administrador, nos termos do n.º 1 do art. 1681.º do CC, o processo de inventário, por ocasião do divórcio, com vista à partilha das meações, é o meio adequado para aferir das eventuais compensações devidas entre os patrimónios. II - O regime definido no art.1689.º do CC, ao determinar como se apura o património comum e a meação de cada cônjuge (“conferindo o que cada um deles dever a este património”), consagra um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges, e entre estes e o património comum, sempre que um deles, no final do regime, se encontre enriquecido em detrimento de outro. III - Devem, assim, ser relacionados no processo de inventário, para integrar os bens objeto de partilha, a quantia depositada em conta bancária e levantada exclusivamente pelo cônjuge administrador em proveito próprio, antes da proposição da ação de divórcio, bem como o valor dos automóveis comuns alienados em momento anterior ao da proposição da ação. IV - É ao cônjuge que fez o levantamento do dinheiro e que alienou bens móveis comuns que cabe o ónus da prova de demonstrar que os valores levantados da conta bancária e o produto da venda dos bens foi utilizado em proveito do casal e da família”. Argumenta-se que: Por força do “princípio geral de compensação, em associação ao princípio geral de proibição do enriquecimento, na fase da liquidação da comunhão, cada um dos cônjuges deve conferir ao património comum tudo o que lhe deve. O cônjuge devedor deverá, assim, compensar nesse momento o património comum pelos benefícios obtidos no seu património próprio com sacrifício dos bens comuns. (…) Em virtude de a alienação do automóvel e de o levantamento do dinheiro terem sido feitos, na constância do casamento, cerca de cinco meses antes de a ação de divórcio ser proposta, sem o consentimento do outro cônjuge, surgiu no património comum do casal um crédito correspondente ao valor atualizado do automóvel e do dinheiro. O cônjuge cabeça de casal (também cônjuge administrador no caso do dinheiro: artigo 1678.º, n.º 2, al. a), do Código Civil) terá, assim, que compensar, no momento da partilha, no processo de inventário, o património comum, integrando no ativo da comunhão o valor do levantamento de 22.500, 00 euros, a não ser que demonstre, mas é a ele que cabe o ónus da prova, que o dinheiro foi utilizado em proveito comum do casal. Idêntico regime vale para os automóveis. (…) Remeter o cônjuge lesado para um processo comum, como entendeu o tribunal de 1.ª instância, em que aquele tem de provar, segundo as regras gerais de direito, nos termos do artigo 1681.º, n.º 1, do Código Civil, a intenção de prejudicar os direitos do outro cônjuge sobre a comunhão (ou seja, o dolo), praticamente inviabilizaria, ou dificultaria de forma excessiva e contrária à razão de ser da lei, a compensação de patrimónios e a igualação entre ambos na partilha (artigo 1730.º do Código Civil), permitindo que o mais afoito e menos respeitador da comunhão de vida fosse beneficiado.” Conclui-se nesse aresto que “a aplicação de um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro, permite evitar esta situação de desigualdade. Senão fosse assim, verificar-se-ia um enriquecimento injusto de um dos cônjuges à custa do património comum, resultado avesso à vontade do legislador e incoerente com o regime jurídico global da partilha, centrado no respeito pela regra da metade consagrada no artigo 1730.º do Código Civil, norma inderrogável conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-02-2022 (proc. n.º 322/13.0TVLSB.E1.S1) e num princípio geral de compensação de patrimónios, também aceite pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 21-04-2022 (proc. n.º 463/13). (…). Os bens em litígio – o dinheiro levantado pelo cônjuge cabeça de casal e os dois automóveis – devem ser relacionados e objeto de partilha, a fim de se proceder às compensações entre patrimónios, executando-se a regra da metade, sem enriquecimento do património próprio de nenhum dos cônjuges à custa do património comum.” Esta orientação foi também já assumida nos seguintes arestos das Relações - Ac RL de 14/1/1997 ( proc nº 0013831, Ac RC de 8/11/2001 ( proc nº 493/10) , Ac RL de 28/6/2007 ( proc nº970/2007), Ac RP de 16/4/2013 ( proc nº 133/08), Ac RC de 18/10/2016 ( proc nº 638/15), disponíveis em dgsi.pt ). A solução adoptada: Na situação dos autos, resulta dos factos provados que a transmissão da quota de que o réu era titular na sociedade D..., Lda., bem como a transferência do montante de € 71.000,00 realizada pelo réu para uma conta sua, tiveram lugar antes da instauração da acção de divórcio pela Autora, respectivamente, em Abril e em Maio de 2017, tendo a acção de divórcio sido proposta em Junho de 2018. Verifica-se que nenhuma das partes pediu no processo principal de divórcio, a retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio à data da cessação da coabitação, nos termos previstos no art. 1789.º, n.º 2, do CC, sendo certo que na factualidade provada na presente acção também não consta a data em que tal ocorreu. Tanto a sentença da 1ª instância, como o acórdão recorrido seguiram a tese da primeira corrente jurisprudencial , citando expressamente os acórdãos do STJ nos quais se apreciaram situações similares à dos presentes autos, em que um dos cônjuges procedeu, sem o consentimento do outro, ao levantamento de dinheiro ou de aplicações financeiras antes da data da propositura da acção de divórcio e sem que algum dos cônjuges tenha pedido a retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio à data da cessação da coabitação. Neles se decidiu que tais valores monetários não têm de ser incluídos na partilha no âmbito do processo de inventário e o cônjuge que se sentir prejudicado terá que reagir através da propositura de uma ação de indemnização de perdas e danos conforme decorre do art. 1681.º, n.º 1, do CC. Ora, o acórdão recorrido considerou que caso a Autora se considere prejudicada com o acto de gestão praticado pelo Réu, “pode reagir através da propositura de uma acção de indemnização de perdas e danos conforme decorre do art. 1681 nº1 do C. Civil, sendo nessa acção que a requerente poderá obter a fixação do seu direito á indemnização, sendo o direito aí obtido pela sentença que se traduz num crédito sobre o outro cônjuge, sendo, então, o seu pagamento considerado em sede de partilha do casal de acordo com o estatuído no citado art. 1689 do C . Civil. (Cfr. Augusto Lopes Cardoso in “A Administração dos Bens do Casal”, pág.. 299). E, compreende-se que assim seja, pois se estamos perante um ato de administração, na medida em que, os factos foram praticados antes da ação de divórcio ter sido intentada, cabe apurar na respetiva ação de indemnização a que alude o art.º 1681.º, n.º 1, do C.C. os respetivos danos causados e a respetiva indemnização se houver lugar á mesma, sendo o seu pagamento considerado em sede de partilha.” No balanceamento dos interesses em jogo, crê-se que a melhor solução é a seguida pela corrente jurisprudencial segundo a qual os bens a partilhar são não apenas os que existam à data da propositura da acção, mas também aqueles bens que ao património comum devem ser conferidos por um dos cônjuges, ancorada no princípio geral da compensação e no princípio da proibição do enriquecimento sem causa, como se decidiu no citado Ac STJ de 14/7/2022 (desta Secção ). Implicando a plena comunhão de vida na constância do matrimónio uma osmose entre as diferentes massas patrimoniais, o princípio da equidade nas relações patrimoniais entre os cônjuges impõe a reintegração do equilíbrio patrimonial inicial. Muito embora não haja uma norma legal específica, o princípio geral da compensação deduz-se claramente do art.1689 CC. A doutrina civilista considera ser esta a melhor solução, porque baseada no princípio geral de compensação e da proibição do enriquecimento indevido. Para a Prof. Rita Lobo Xavier – “(…) deve entender-se que o património empobrecido tem um direito a uma compensação no momento da dissolução do regime, em qualquer situação em que se verifique o enriquecimento de uma das massas patrimoniais à custa da outra, mesmo que não exista uma norma legal específica a ressalvar expressamente a correspondente compensação. A não ser assim, verificar-se-ia um enriquecimento injusto da comunhão à custas do património de cada um dos cônjuges ou de um destes à custas daquela. Estas compensações entre as várias massas patrimoniais existentes nos regimes de comunhão visam, ao fim e ao cabo, a reintegração do equilíbrio patrimonial quebrado pelo fluxo de valores entre as massas, através das correcção das situações em que uma delas se enriqueceu em detrimento da outra. O mecanismo das compensações é, assim, mais uma das manifestações do princípio da equidade que rege as relações patrimoniais entre os cônjuges ( “ Limites à Autonomia Privada na Disciplina das Relações Patrimoniais entre os Cônjuges” ( pág.396 a 398 ). Também a Prof. Cristina Dias justifica a premência de um princípio geral da compensação entre as diferentes massas patrimoniais com vista a salvaguardar o equilíbrio patrimonial, ao escrever o seguinte: “Ao contrário de outros preceitos legais (cf., por ex., o art.1697, em matéria de dívidas) não há uma disposição que expressamente contemple esta situação. Mas deverá admitir-se um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e o comum sempre que um deles, no final do regime, se encontre enriquecido em detrimento do outro. A não ser assim, verificar-se ia um enriquecimento injusto da comunhão à custas do património de um dos cônjuges, ou de um destes à custas daquele” ( Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, ano 1, nº2, 2004, pág. 121). Além disso, importa acentuar que a natureza de bem comum, e consequentemente como integrando o património comum do casal, não está condicionada pelo facto de os actos de disposição terem sido praticados antes da acção de divórcio, pois que existindo em plena constância do casamento o estatuto patrimonial é definido pelo regime de bens ( no caso, de comunhão de adquiridos). Posto isto, destinando-se a presente acção a declarar o património comum do casal, com vista à partilha subsequente ao divórcio, deve abranger os bens ( comuns)) existentes antes da propositura da acção de divórcio e as respectivas compensações, o que implica averiguar do crédito do património comum sobre o património próprio do Réu, independentemente da acção de responsabilidade civil contra este, a coberto do art. 1681CC. Tanto a sentença, como o acórdão da Relação, aderindo à primeira orientação jurisprudencial, negaram a pretensão da Autora com fundamento em que a transferência de € 71.000,00 pelo Réu de uma conta colectiva para uma conta sua, e a transferência da quota da sociedade D..., Lda. ocorreram em Maio e Abril de 2017, antes da propositura da acção de divórcio, e a Autora não indicou um crédito de indemnização em acção de responsabilidade civil contra o Réu, como condição para definir o património comum. Neste contexto, o acórdão recorrido verdadeiramente não chegou a apreciar se o dinheiro levantado e o valor da transmissão da quota societária faziam parte do património comum (objecto da acção) por entender que só pela via do eventual crédito indemnizatório por administração prejudicial. Ou seja, o conhecimento do mérito do recurso de apelação ficou prejudicado pela solução jurídica seguida pelo acórdão recorrido. Nesta medida, o processo deverá baixar à Relação para pronúncia sobre a questão de saber se, em face do regime de bens, as verbas indicadas são bens comuns ou antes bens próprios do Réu. Enquanto a Relação, nos termos do disposto no nº 2 do art. 665º do CPC, deve conhecer das questões que a 1ª instância considerou prejudicada, sempre que disponha dos elementos necessários, o STJ não se pode substituir à Relação – uma vez que aquela norma não é aplicável à revista, por força do art. 679º do CPC. Com efeito, tanto o elemento histórico, como gramatical apontam claramente neste sentido, uma vez o art.679 posterga a aplicação remissiva de toda a regra do art.665 CPC, abrangendo o seu nº2, que se reporta às situações previstas no nº2 do art.715 do CPC/1961. Neste sentido, vejam-se os seguintes acórdãos: Ac STJ de 2/6/2020 ( proc nº 1944/17) ( “ Inexistindo abuso de direito dos réus, conforme considerado no acórdão recorrido (o que implicou a revogação da decisão da 1.ª instância e a procedência da ação) e não tendo a Relação, no âmbito da apelação do autor e do interveniente, apreciado a impugnação da matéria da matéria de facto e a questão da boa-fé do autor (que, para efeitos de declaração da ineficácia da segunda venda, ao autor, foi considerada como não provada na sentença recorrida), por considerar que o seu conhecimento se mostrava prejudicado, impõe-se que a Relação proceda à reapreciação de tais questões”), Ac STJ 2/6/2020 (proc nº 806/17) ( “a falta de pronúncia do tribunal sobre questão prévia ao mérito do recurso – a montante – é equiparável – a jusante – à falta de apreciação de questão considerada prejudicada pela solução encontrada, uma vez revogado o acórdão: em ambas se impõe a remessa dos autos à Relação para que nesta se apreciem as questões omitidas (não aplicação do art. 665.º do CPC por força do art. 679.º), Ac STJ de 4/2/2021 ( proc nº 2829/17) ( “Tendo o tribunal da Relação concluído pela ineptidão do requerimento executivo, com a consequente extinção da execução, deixando, por isso, de conhecer das restantes questões suscitadas nos recursos que lhe foram submetidos, devem os autos, revogado o acórdão recorrido, regressar àquele tribunal para apreciação de tais questões.”), Ac STJ de 6/4/2021( proc nº 1116/18) ( “A redução do preço deve ser invocada dentro do prazo legalmente estabelecido, questão suscitada no tribunal recorrido e aí tida por prejudicada, devendo os autos baixar para, em face da posição do tribunal superior, ser apreciada e decidida pelo tribunal.”). Note-se que esta orientação consta expressamente da fundamentação do AUJ nº11/15 de 18/9 ( DR 1ª série de 18/9/2015 ), não relevando para, tanto a norma, do art.682 nº1 CPC ( Abrantes Geraldes, Recursos em processo Civil, 6ª ed., pág.484 e 485). Procede a revista, parcialmente, visto não ficar já definido o direito exercitado pela Recorrente, determinando-se, para o efeito, o reenvio do processo à Relação, sendo as custas do recurso suportadas pela Recorrente e Recorrido, em partes iguais ( art.527 CPC). 2.5.- Síntese conclusiva 1.Do art.1689 do CC extrai-se um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges, e entre estes e o património comum, sempre que um deles, no final do regime, se encontre enriquecido em detrimento de outro, repondo-se, assim, o reequilíbrio patrimonial. 2. Fazem parte do património comum do (ex)casal, com vista à partilha subsequente ao divórcio, não apenas os bens existentes à data da propositura da acção, mas também aqueles bens que ao património comum devem ser conferidos por um dos ex-cônjuges. III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar procedente a revista e determinar a baixa do processo à Relação para, em face da alegação de ambas as partes e da factualidade já apurada, se pronunciar sobre se os bens indicados sob as verbas nº1 e 2 fazem parte ou não do património comum da Autora e Réu. 2) Condenar Autora e Réu nas custas do recurso, em partes iguais.
Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Setembro de 2023. Jorge Arcanjo (Relator) Manuel Aguiar Pereira Jorge Leal |