Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11/04.7GCABT.C1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
MATÉRIA DE FACTO
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA COMPETÊNCIA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
IN DUBIO PRO REO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
HOMICÍDIO QUALIFICADO
MOTIVO FÚTIL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OCULTAÇÃO DE CADÁVER
FINS DAS PENAS
MEDIDA DA PENA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA DE PRISÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: DIREITO PROCSSUAL PENAL - DOS RECURSOS ORDINÁRIOS
DIREITO PENAL - DOS CRIMES CONTRA A VIDA / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA
Doutrina: - Figueiredo Dias, Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121.
- Figueiredo Dias in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211.
- Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, tomo I, §13, págs. 27 e 32.
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294.
- Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230
- “ Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º1 , Dr.ª Cristina Líbano Monteiro, pág. 155 a 166.
- Teresa Quintela de Brito, Direito Penal – Parte Especial: Lições, Estudo e Casos, pág. 191.
- Teresa Serra, in Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, Coimbra, 2003, págs. 124, 126 e 127.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP) : - ARTIGOS 125.º, 127.º, 345.º, N.º4, 355.º, N.º1, 374.º, N.º 2, 379.º, N.º1, ALÍNEA C), 400.º, 410.º, 412.º, N.º1, 427.º, 428.º 432.º, 433.º E 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 26.º, 27.º, 40.º, N.º1, 71.º, 77.º, N.ºS 1 E 2, 131.º E 132.º
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 32.º E 205.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 13-02-1991, IN AJ, NºS 15/16, 7;
- DE 01-03-2000, BMJ 495, 209;
- DE 12-04-2000, PROC. Nº 141/2000-3ª; SASTJ, Nº 40. 48;
- DE 13-11-2002, SASTJ, Nº 65, 60;
- DE 07-07-2005, PROC. N.º 1670/05 - 5.ª SECÇÃO;
- DE 08-11-2006, PROC. N. 3102/06- 3.ª SECÇÃO;
- DE 09-11-2006, PROC. N. 4056/06 – 5.ª SECÇÃO;
- DE 15-11-2006, PROC. N.º 2555/06- 3ª SECÇÃO;
- DE 15-11-2006, PROC. N.º 3135/06 - 3.ª SECÇÃO;
- DE 17-05-2007, PROC. N.º 1608/07 - 5.ª SECÇÃO;
- DE 14-06-2007, PROC. N.º 1387/07 - 5.ª SECÇÃO;
- DE 03-10-2007, IN PROC 07P1779;
- DE 13-03-2008, PROC. N.º 3307/07 - 5.ª SECÇÃO;
- DE 03-04-2008, PROC. N.º 2811/06 - 5.ª SECÇÃO;
- DE 15-05-2008, PROC. N.º 3979/07 - 5.ª SECÇÃO.

ACÓRDÃOS N.º 524/97 E N.º 133/2010 DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ESTE IN D.R. N.º 96, SÉRIE II DE 2010-05-18.
Sumário : I - As conclusões delimitam o objecto do recurso, uma vez que resumem as razões do pedido - artº 412º nº 1 do CPP.
II – O artigo 434º do CPP quando alude aos vícios constantes do artº 410º nº 2 do CPP significa que estes são conhecidos oficiosamente pelo Supremo ao detectá-los na decisão recorrida, e, não quando suscitados pelos recorrentes como fundamento de recurso., uma vez que ” o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito” III - Mesmo nos recursos interpostos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, terá de recorrer para a tribunal da relação, já que a invocação expressa dos vícios pertence ao conhecimento de matéria de facto, e é ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de facto. - arts. 427º e 428º do CPP.
IV - O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, assegura sim, o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.
V - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência.
VI - O processo penal fundamenta-se e, é conduzido, de harmonia com as exigências legais da produção e exame de provas legalmente válidas, com vista à determinação da existência de infracção, identificação do seu agente e definição da sua responsabilidade criminal.
VII - A actividade probatória consiste na produção, exame e ponderação dos elementos legalmente possíveis a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de concreta e determinada situação de facto.
VIII- O modo de valoração das provas, e o juízo resultante dessa mesma valoração, efectuados pelo ”tribunal a quo”, ao não coincidir com a perspectiva do recorrente nos termos em que este a analisa e consequências que daí derivam,, não traduz omissão de pronúncia, pelo que não integra qualquer nulidade, uma vez que ao tribunal apenas incumbe valorar as provas de harmonia com o critério legal..
IX - No sistema processual penal português, vigora a regra da livre apreciação da prova, em que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, sendo admissíveis as provas que não forem admitidas por lei.- artºs 125º e 127 do CPP
X - O princípio in dubio pro reo, diz respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, e, só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
XI - Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à decisão condenatória,, e não tendo esse juízo factual por fundamento, uma imposição de inversão da prova - ónus da prova a cargo do arguido -, mas, resultando do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artº 32º nº 1 da Constituição da República., fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência,
XII-: A fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente tem raiz constitucional, conforme artº 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa,.
XIII - O modo de fundamentação das sentenças penais subordina-se ao critério constante do artº 374º nº 2 do CPP: “uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”
XIV - Não dizendo a lei em que consiste o “exame crítico das provas”, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade e de prudência na inter relação dos factos e comportamentos,, compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, que permitam ao julgador esclarecer objectivamente quais os elementos probatórios que, o elucidaram, porquê, e de que forma, com vista a possibilitar a compreensão racional da decisão,
XVI - O tipo legal fundamental dos crimes contra a vida encontra-se descrito no art. 131.º do CP, sendo desse preceito que a lei parte para, nos artigos seguintes, prever as formas agravada e privilegiada, fazendo acrescer ao tipo-base, circunstâncias que qualificam o crime, por revelarem especial censurabilidade ou perversidade ou que o privilegiam por constituírem manifestação de uma diminuição da exigibilidade.
XVII - As circunstâncias referidas no nº 2 do artº 132º do CP não são de funcionamento automático; são meramente indicativas e, não taxativas; são circunstâncias de referência exemplificativa,
A não verificação de qualquer dessas circunstâncias não arreda ipso facto a verificação do crime de homicídio na forma qualificada, caso venham a proceder quaisquer outras das não indicadas mas, susceptíveis de revelarem especial censurabilidade ou perversidade. XVIII - No art. 132.º do CP o legislador utilizou a chamada técnica dos exemplos-padrão, estando em causa, pelo menos para parte muito significativa da doutrina, no seu n.º 2, circunstâncias atinentes à culpa do agente e não à ilicitude, as quais podem traduzir uma especial censurabilidade ou perversidade do agente – Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 27 e Teresa Quintela de Brito, Direito Penal – Parte Especial: Lições, Estudo e Casos, pág. 191.
XIX - O cerne do ilícito p. e p. no artº 132º do CP, está, assim na caracterização da acção desenvolvida pelo agente: se as circunstâncias em que - e como - agiu, são reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade.
XX - Qualquer “motivo torpe ou fútil” significa que o motivo da actuação avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito (…) de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana.”- v. Jorge de Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, tomo I, §13, p. 32.
XXI - Sendo os factos integrantes do crime de profanação (ocultação) de cadáver cometidos posteriormente ao homicídio, são autónomos em relação aos do crime de homicídio, configurando acções ilícitas típicas diferenciadas. Embora uma seja subsequente a outra, não se integram, mas coexistem separadamente, ou seja, estão em acumulação real e não em comsumpção.
XXII - Por aplicação do art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, na interpretação que lhe tem sido dada maioritariamente por este Supremo Tribunal, condenado o arguido por vários crimes, uns puníveis com pena de multa ou com pena de prisão não superior a 5 anos e outros puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, e tendo sido interposto recurso para a Relação, o recurso, em segundo grau, da decisão desta para o Supremo fica limitado aos crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos.
XXIII - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.
XXIV – 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa, 3)Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização,excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.” Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121)
XXV - As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
XXVI - As imposições de prevenção geral, são determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência diária..
XXVII - Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
XXVIII- Numa situação em que, tendo em conta:
O grau elevado de ilicitude do facto, revelado pelas circunstâncias desenvolvidas; praticado com arma de fogo; a gravidade das consequências: expressas na quantidade, natureza e características das lesões que directa e necessariamente produziram a morte e nas consequências afectivas, económicas e financeiras que dela resultaram, quer para o filho, quer para a companheira da vítima, quer para sociedade comercial formada por esta e pela vítima, que ficou extinta; a intensidade da culpa, o arguido agiu com dolo directo; motivado por apropriação de dinheiro e de produto estupefaciente, revelando indiferença ostensiva pela vida alheia; a actuação desenvolvida para ocultar o cadáver; o arguido consumia haxixe mas não foi sujeito a qualquer acompanhamento terapêutico, por não se considerar dependente; trabalhava; tinha 26 anos e pelo menos dois filhos, vivendo com a avó. (o pai faleceu e a mãe iniciou nova relação marital; não tendo a mesma obtido a aprovação do arguido contribuindo para a existência de problemas de comunicação entre ambos mas, em situações mais complexas a mãe, esteve, contudo, presente); já tinha sido condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de um crime de condução ilegal na pena única de um ano e cinco meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, e na pena acessória de proibição de conduzir, relativamente a factos ocorridos em 22/09/200; as prementes exigências de prevenção geral que são especialmente acutilantes, face à defesa da vida – bem supremo - e à necessidade de defesa do ordenamento jurídico na reposição contrafáctica da norma violada; as exigências de prevenção especial, com vista à dissuasão da reincidência, face à pluralidade de crimes praticados, e a intensidade da culpa, e ainda o tempo já decorrido bem como o limites punitivos integrantes do crime de homicídio qualificado, entende-se por justa a medida concreta da pena de dezassete anos de prisão aplicada por este crime, e não se afigura desproporcionada a medida concreta da pena única aplicada em cúmulo, de 19 anos de prisão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Como relata o acórdão recorrido:
“ Pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, sob acusação do Ministério Público, a que o assistente AA aderiu, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, os arguidos
BB, filho de CC e de DD, natural da freguesia do Tramagal, concelho de Abrantes, nascido a …, solteiro, operário de serigrafia, residente na Rua …, nº …, …, Entroncamento,
EE, filho de FF e de GG, natural da freguesia de Tramagal, concelho de Abrantes, nascido em …, solteiro, desempregado, residente na Rua …, nº …, Tramagal,
HH, filho de II e de JJ, natural da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, nascido a …, solteiro, motorista, residente na Rua …, nº …, Entroncamento,
imputando-se-lhes a prática dos factos constantes de fls. 1436-1454, pelos quais teriam cometido:
----------- o arguido BB, em concurso real e:
- em co-autoria material, um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos art.ºs 132.º, n.ºs 1 e 2 als. d) e g) e 26.º do Cód. Penal;
- em co-autoria material, um crime de ocultação de cadáver, p. e p. nos art.ºs. 254.º, n.º 1 al. a) e 26.º do Cód. Penal;
- em co-autoria material, um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. no art 6.º, n.º 1, da Lei nº 22/97, de 27/06, na redacção decorrente do art. 2º da Lei nº 98/2001, de 25/08, com referência ao art. 1º, al. b), do primeiro diploma citado; e
- em autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01, por referência à Tabela Anexa I - C;
--------- o arguido EE, em concurso real e :
- em co-autoria material, um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos art.ºs 132.º, n.ºs 1 e 2, als. d) e g) e 26.º do Cód. Penal; e
- em co-autoria material, um crime de profanação de cadáver, p. e p. nos artºs. 254.º, n.º 1, al. a) e 26.º do Cód. Penal; e
- em autoria material, um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. no art. 6.º, nº 1, da Lei nº 22/97, de 27/06, na redacção decorrente do art. 2.º, da Lei nº 98/2001, de 25/08, com referência ao art. 1º, al. b) do primeiro diploma citado; e
---------- o arguido HH, como cúmplice material, um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos art.ºs 132.º, n.ºs 1 e 2 , als. d) e g) e 27.º do Código Penal.

O assistente AA, deduziu contra os arguidos BB, EE e HH pedido de indemnização civil, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de € 60.000 a título de indemnização pelos danos morais sofridos, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento.

A assistente KK deduziu contra os arguidos BB e EE pedido de indemnização civil, pedindo a condenação destes no pagamento solidário da quantia global de € 202.800 (dos quais € 1.200.000 a título de indemnização pela perda de rendimentos, € 7.500 relativos ao valor do veículo e € 300 relativo ao valor do telemóvel e ao dinheiro furtado; e a quantia de € 75.000 a título de indemnização pelos danos morais sofridos pela demandante e pela perda da vida e sofrimento da vítima LL), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento.

Realizada a audiência de julgamento, no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, e condenados os arguidos BB e EE, dele interpuseram recurso os mesmos arguidos para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão proferido a 30 de Setembro de 2008, decidiu ordenar o reenvio do processo para novo julgamento no Tribunal determinado no art.426.º-A do Código de Processo Penal.

Realizada nova audiência de julgamento, no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar, no decurso da qual foi dado cumprimento ao disposto no art.358.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.P., o Tribunal Colectivo, por acórdão proferido a 27 de Abril de 2009, decidiu julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
- Absolver o arguido HH da prática, como cúmplice, do imputado crime de homicídio qualificado, p. e p. nos artºs. 132.º nºs 1 e 2 als. d) e g) e 27.º nº 1 do Cód. Penal e operando a respectiva convolação, condenar o mesmo, pela prática em autoria material de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. no art. 6.º nº 1 da Lei nº 22/97, de 27/06, na redacção dada pela Lei nº 98/2001, de 25/08 ( vigente à data da prática dos factos ), na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.
- Absolver o arguido BB da prática em autoria material do imputado crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art. 21.º do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01 e, operando a respectiva convolação, condenar o mesmo arguido, pela prática em autoria material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. no art. 25.º, al. a) do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência à Tabela Anexa I - C, na pena de 24 ( vinte e quatro ) meses de prisão.
- Condenar o arguido BB pela prática, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos art.ºs. 26.º, 28.º, 29.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 al. d) do Cód. Penal, na pena de 17 ( dezassete ) anos de prisão; de um crime de profanação de cadáver, p. e p. nos art.ºs. 26.º, 28.º, 29.º e 254.º n.º 1, al. a) do Cód. Penal, na pena de um ano de prisão; de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. no art. 6.º, n.º 1 da Lei nº 22/97, de 27/06, na redacção dada pela Lei nº 98/2001, de 25/008, na pena de um ano de prisão;
- Operar o respectivo cúmulo jurídico entre as diversas penas parcelares referidas e condenar o arguido BB na pena única de 19 ( dezanove ) anos de prisão.
- Absolver o arguido EE da prática, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26.º, 28.º, 29.º, 131.º e 132.º, nºs 1 e 2 als. d) e f) do Cód. Penal; de um crime de profanação de cadáver, p. e p. nos artºs. 26.º, 28.º, 29.º e 254.º n.º 1 al. a) do Cód. Penal; e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. no art. 6.º, nº 1 da Lei nº 22/97, de 27/06, na redacção dada pela Lei nº 98/2001.
- Nos termos do disposto no art. 109.º do Cód. Penal, declarar perdidos a favor do Estado: a pistola calibre 6,35 mm de marca “Speer”, a pistola calibre 6,35 mm de marca BBM, a pistola de marca “Valtro”, a pistola de marca “Gamo” e respectivos coldres, carregadores, e as diversas munições (projécteis e invólucros ) apreendidas nos autos; o produto estupefaciente, a moca de madeira, as três ampolas de “profedine 100”, a boina de fazenda preta, o par de luvas azul, a bengala de madeira com pega plástica vermelha, as duas ampolas de marca “Jaba B12”, apreendidos nos autos, ordenando-se a sua destruição, após trânsito; os documentos de identificação pessoal e os cartões de débito / crédito bancário titulados pelo falecido LL, e por MM, estes apreendidos a fls. 380, e ordenar a sua remessa à competente entidade emissora ou congénere portuguesa; e o telemóvel de marca “Sendo” e respectivo carregador de marca “Changda TAO13G”.
- Relativamente aos demais objectos apreendidos nos autos, ordenar que se notifiquem os respectivos titulares para procederem ao seu levantamento, no prazo de 3 meses, apresentando as respectivas licenças legais, sob pena de, findo esse prazo, os mesmos serem declarados perdidos a favor do Estado.
Mais acordaram em julgar o pedido cível deduzido pelo demandante AA
- totalmente improcedente e não provado relativamente aos demandados HH e EE e, consequentemente, absolver os mesmos do pedido.
- parcialmente procedente e provado relativamente ao demandado BB e, consequentemente, condenar o mesmo a pagar ao demandante a quantia de 40.000 € ( quarenta mil euros ) a título de indemnização pelos danos morais por este sofridos em consequência da morte do LL, acrescida de juros de mora vencidos desde a notificação, e vincendos, contados à taxa anual de 4 %, até integral pagamento.
Mais acordaram em julgar o pedido cível deduzido pela demandante KK:
- totalmente improcedente e não provado relativamente ao demandado EE e, consequentemente, absolver o mesmo do pedido.
- parcialmente procedente e, consequentemente, condenar o demandado BB a pagar à demandante a quantia de 40.000 € ( quarenta mil euros ) a título de indemnização pelos danos morais, e relegar para liquidação de sentença o valor dos danos patrimoniais por esta sofridos em consequência da morte do LL, acrescida de juros de mora vencidos desde a notificação, e vincendos, contados à taxa anual de 4 %, até integral pagamento.”

Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o arguido BB, para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 28 de Janeiro de 2010, acordou: “em apenas conceder parcial provimento ao recurso quanto à existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto, que foi declarada suprida em face da prova existente nos autos com aditamento de novos factos à matéria de facto provada e, no mais, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido BB, mantendo o douto acórdão recorrido.”

De novo inconformado, veio o arguido BB, recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo assim a respectiva motivação de recurso:
A.- O acórdão recorrido sofre do vício de contradição entre a fundamentação e a decisão, n° 2, al. b) do art.410º do C.P.P.,
B. - Porquanto o tribunal a quo dá como provado que foi o arguido BB quem disparou, matou, colocou o corpo do falecido na mala do carro e empurrou o veículo para dentro da lagoa, C- Porém, na fundamentação refere que dificilmente uma só pessoa poderia ter metido o cadáver na mala do carro, bem como empurrá-lo;
D - Refere, ainda, que da prova testemunhal resulta que o falecido estava acompanhado, pelo menos, por 2 pessoas.
E.- Ora, se é convicção do tribunal que havia mais do que uma pessoa no local do crime, não podia dar como provado que foi o arguido BB quem praticou os crimes de homicídio qualifica do, posse de arma e profanação de cadáver.
F.- E não foi produzida prova de que o recorrente praticou qualquer daqueles factos que o Tribunal recorrido deu como provados, antes pelo contrário, da leitura da fundamentação do acórdão, resulta a dúvida.
G.- Deve, assim, o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que determine essa nulidade e produza decisão isenta de vícios.
H. Ora desconhecendo-se o autor do crime, desconhece-se o motivo, e desconhecendo o tal motivo não pode considerar-se existir motivo fútil, sob pena de haver então um "salto lógico" em violação do princípio da presunção de inocência.
L- Além disso, o tribunal a quo, formou a sua convicção nas declarações do co-arguido EE que afirmou que o arguido BB lhe disse para darem a banhada ao AA, porém para que tal depoimento pudesse ser valorado como foi, deveria ter sido corroborado por qualquer outra prova, o que não aconteceu, conforme dispõe o n ° 4 do artigo 345° do CPP.
J. - Acresce ainda que, na fundamentação do douto acórdão a M. Juiz refere que as testemunhas não disseram tudo quanto sabiam, o que só pode ser interpretado como uma tentativa de não revelar o verdadeiro autor de tais crimes, por medo de represálias;
L. - Assim da prova produzida em audiência de julgamento resulta que não foi possível apurar quem foi o autor dos factos imputados ao arguido, ora, prevalecendo no nosso Direito Penal o princípio de "In dubio pro reo" como corolário do princípio constitucional da presunção de inocência, não poderia o Tribunal a quo condenar o arguido BB pela prática de tais factos.
M.- Porque assim não o fez o tribunal a quo violou o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 131° e 132°, n °s 1 e 2, ai. d), 254°, n ° 1 ai. a) do Cód. Penal de 1995 e ainda, do art. 6°, n ° 1 da Lei 22/97e345°,n°4 do C.P.P.;
N.- Pelo que deve ser revogado o acórdão recorrido e em consequência o arguido BB absolvido e consequentemente absolvido também quanto ao pedido de indemnização civil.
O.- Finalmente ainda se diz que o recorrente não podia ser condenado pelo crime de profanação de cadáver, desde logo, porque apenas existem factos provados relativos à ocultação de cadáver para encobrimento do crime de homicídio, pelo que, em nosso modesto entender, o crime de homicídio consome aquele crime de ocultação de cadáver.
P.- Sem prescindir e atendendo a que o tribunal a quo se estribou no auto de reconstituição em que o arguido esteve presente, não pode o mesmo ser valorado sem a conjugação com o depoimento da Testemunha NN, inspector da judiciária, que acompanhou tal reconstituição, com o arguido e que refere que o mesmo relata os factos com sinceridade, terror e emoção, dizendo que não disparou.
Q. - Ora, sempre sem conceder, quando muito o Tribunal a quo apenas poderia ter dado como provado que o arguido esteve presente aquando de tais factos, e apenas condenar o arguido a título de cúmplice,
R.- Que nos termos do artigo 27°, n° 2 do Código Penal, implicaria uma atenuação especial da pena a aplicar ao recorrente.
S. - Finalmente, sem prescindir, ainda se diz que a pena aplicada ao arguido foi excessiva, desajustada e desproporcional, já que o arguido, à data dos factos, era um jovem adulto, de 25 anos, com 2 filhos, trabalhava, era primário neste tipo de crimes - do seu registo criminal apenas consta a prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de um crime de condução ilegal - e já decorreram cerca de 5 anos sobre os factos, pelo que mesmo que se entenda - o que não se espera - que o recorrente cometeu o crime que lhe foi imputado, a pena deveria ser próxima do limite mínimo previsto na moldura penal.
T. - Pelo que deverá sempre ser reduzida a pena aplicada ao arguido.
Decidindo-se de acordo com o que se peticiona, suprindo, doutamente, o muito que há a suprir, VV. Excelências farão como é hábito, a CORRECTA e SÃ JUSTIÇA!

Respondeu o Ministério Público à motivação do recurso, concluindo que” na improcedência de todas as questões que o arguido/recorrente suscita nas conclusões da sua motivação, o RECURSO não merece provimento.

Neste Supremo, o Digmo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer onde conclui:
“a. O Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer dos vícios a que alude o nº 2 do artigo 410º do C. P. Penal, não a pedido do recorrente, mas por iniciativa própria, se concluir que, por força da existência de qualquer desses vícios, não pode chegar a uma correcta decisão de direito,
b. Assim sendo, deverá ser rejeitada, por inadmissível, a impugnação do acórdão recorrido com fundamento no vício do nº 2, b) do artigo 410º do C. P. Penal.
c. Da análise do acórdão recorrido, do respectivo texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência, não se indicia a existência de qualquer desses vícios.
d. Em face dos factos dados como provados e que estão definitivamente assentes, a qualificação do crime de homicídio, nos termos dos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, d) [aliena e), após as alterações da Lei nº 59/2007, de 4-09] do C. Penal não oferece o mínimo reparo.
e. Não se mostra violado o princípio in dubio pro reo, nem qualquer dos restantes princípios e das disposições legais a que alude o recorrente.
f. Os factos provados integram o crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artigo 254º nº 1, a) do C. Penal, o qual se encontra em relação de concurso efectivo com o crime de homicídio qualificado, a que se reporta a al. d), cometido pelo arguido, como autor material e não como simples cúmplice.
g. As penas parcelares e a pena única de 19 anos de prisão aplicadas ao arguido não merecem qualquer reparo, mostrando-se justas, adequadas e proporcionais, carecendo de fundamento qualquer intervenção correctiva do Supremo Tribunal de Justiça,”
-
Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP
-
Não tendo sido requerida audiência seguiu o processo para conferência, após os vistos legais.
-
Consta da decisão recorrida:

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante do acórdão recorrido é a seguinte:
a) Factos provados
1) No ano de 2004 LL residia nos Açores juntamente com o seu filho, OO, local onde havia estabelecido uma empresa comercial.
2) O LL tinha o estado civil de divorciado, e deslocava-se com frequência ao Sardoal, para visitar a sua companheira, KK, residente na Rua …, lote …, …, com quem vivia, desde há 17 anos, em comunhão de cama, mesa e habitação, como se marido e mulher fossem.
3) Em data concretamente não apurada, mas ocorrida na primeira semana de Fevereiro de 2004, o LL viajou conjuntamente com o seu filho OO dos Açores para o Sardoal, com o intuito de comprar produto estupefaciente para revender nos Açores.
4) Nessa ocasião, o LL deslocou-se com o seu filho OO ao bar ..., sito no Tramagal, onde abordou PP, perguntando-lhe como poderia obter haxixe.
5) Concomitantemente, PP apresentou-lhe o arguido BB, o qual vendia de produtos estupefacientes, nomeadamente de haxixe.
6) No dia 16 de Fevereiro de 2004 o LL encontrava-se novamente no Sardoal; e, pela hora do almoço, saiu da sua residência no veículo automóvel pertença da KK, de marca Daewoo Lanos, de cor verde, com a matrícula ..., e dirigiu-se à Esplanada ..., em Abrantes, onde consumiu bebidas alcoólicas na companhia de QQ, tendo confidenciado a este que tencionava transportar “sabonetes”para os Açores.
7) Após as 21 horas desse dia 16 de Fevereiro de 2004, o LL dirigiu-se ao café ..., sito no Tramagal, e, aí chegado, estacionou a viatura junto à EN 118, no sentido Santa Margarida / Abrantes.
8) Já no interior do citado bar, o LL, sabendo que o arguido BB lhe venderia haxixe, entabulou conversa com este, dizendo que estava interessado na aquisição de um kg de haxixe.
9) Na sequência o arguido BB acordou vender-lhe haxixe. (sabonetes de 250gr cada)
10) Após o encerramento do Bar ..., pelas 2 horas da madrugada do dia 17/02/2004, os arguidos BB e EE, dirigiram-se conjuntamente com o LL para junto da viatura deste
11) De seguida, entraram na viatura do LL e seguiram pela EN 118, no sentido Tramagal / Santa Margarida.
12) Chegados em frente das instalações da A.T.M. da Caixa de Crédito Agrícola do Tramagal, o LL parou o carro e, pelas 02h33m05s daquele dia 17/02/2004, o arguido EE efectuou um levantamento monetário no valor de 200 € da sua conta no Banco Totta & Açores.
13) Seguidamente, pelas 02h35m, o LL efectuou também um levantamento no valor de 200 € com o seu cartão “American Express” da sua conta do Millenium BCP, após o que o LL tentou levantar 200 € da sua conta da Caixa Geral de Depósitos, o que lhe foi negado.
14) De seguida, seguiram todos no mesmo veículo, na direcção das residências dos arguidos.
15) O arguido EE residia na Rua …, n.º …, Tramagal.
16) O arguido BB residia na …, nº …, …, no Tramagal.
17) Chegado à sua residência o arguido BB apeou-se do carro e deslocou-se à sua garagem, trazendo consigo dois sabonetes de haxixe.
18) Entrou no veículo do falecido LL e entregou-lhe o haxixe.
19) De seguida o arguido BB dirigiu-se conjuntamente com o falecido LL, no carro deste, pela EN 118 no sentido Santa Margarida Tramagal.
20) No Tramagal, o LL virou a viatura à direita, a caminho das Bicas, passando no Moinho de Vento, nas pedreiras, passando por uns lagos, e, cerca de 200 metros mais à frente, virou à direita, abandonando a estrada de alcatrão, e percorreu cerca de 150 metros em estrada de terra batida, ficando assim a cerca de 200 metros do Sobreiro, no meio de um pinhal, perto de uma casa abandonada, situada a cerca de 2 Kms de distância do Tramagal.
21) Pelas 02h48m /2h55mdo dia 17 de Fevereiro de 2004, o LL, utilizando o seu telemóvel de marca “Sendo M550” com o IMEI … e com o nº de cartão …, telefonou para o seu filho OO e dele recebeu um telefonema, dizendo que já tinha dois sabonetes de haxixe na sua posse e que estava na companhia dos dois indivíduos conhecidos do Bar ....
22) Após o telemóvel ficou na posse do arguido BB.
23) De seguida, tentando apoderar-se do dinheiro e do produto estupefaciente, o arguido BB, em circunstancias não apuradas, munido de uma arma de fogo transformada adaptada a disparar munições com projéctil de calibre 6,35 mm Browning, apontou a dita na direcção da cara do LL e disparou 3 a quatro tiros atingindo-lhe a face direita zona da cabeça e do pescoço.
24) Em consequência o mesmo veio a falecer.
25) Após o arguido BB colocou o corpo do falecido LL na mala da viatura Daewoo Lanos.
26) Conduziu a viatura até junto do lago que se situa mais próximo da estrada e, mantendo a porta aberta, engatou a viatura na primeira velocidade, rodou a chave da ignição e, seguidamente, colocou uma bengala no acelerador empurrando a traseira da viatura, projectando-a para o interior do lago.
27) Abandonou o local, levando consigo o dinheiro que o LL havia levantado, o telemóvel marca “Sendo”, a pistola calibre 6,35 mm e o produto estupefaciente.
28) O arguido BB desfez-se da roupa que na altura vestia não tendo sido recuperada.
29) Em data que concretamente não se apurou, situada no mês de Março de 2004, o arguido BB entregou a arma transformada utilizada para matar o LL e o telemóvel de marca “Sendo” ao seu tio, HH, pedindo-lhe que os vendesse.
30) O arguido HH, em meados de Março de 2004, vendeu o telemóvel de marca “Sendo” ao RR, pelo preço de 50€.
31) O arguido HH escondeu a arma debaixo do colchão da sua casa, sita na Rua Dr. …., nº ., r/c direito, no Entroncamento.
32) Em 13 de Maio de 2004, após realização de busca na residência do arguido BB, sita em Vale Formoso, foi encontrada na posse deste uma substância que, sujeita a análise efectuada pelo Laboratório Nacional de Polícia Científica da Polícia Judiciária, revelou ser Cannabis, com o peso de 16,780 gramas.
33) Nessa mesma data foram encontradas na residência do arguido EE, sita no Tramagal, uma pistola de alarme de marca Valtro, de calibre nominal 9 mm, apenas apta para munições sem projéctil, com adaptador de sinais acoplado, munida de carregador, e uma pistola de ar comprimido, de marca “Gamo”, com as respectivas munições, mas a que faltava a botija de CO2 para estar operacional.
34) Os referidos tiros disparados pela arma de fogo causaram ao LL as lesões descritas no relatório de autópsia junto aos autos a fls. 941 a 951 - cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais -, designadamente:
“(...) EXAME DO HÁBITO EXTERNO
cabeça:
(...) solução de continuidade de forma sensivelmente ovalada, na região masseterina direita, com bordos biselados para baixo e bordo superior escurecido (1* 0,8 cm) - orifício de entrada correspondente aos tiros A e B.
Solução de continuidade 2 centímetros abaixo do pavilhão auricular, de bordos regulares, sensivelmente circular (9 mm de diâmetro) -orifício de entrada do Tiro C.
Pescoço:
Zona de infiltração sanguínea na parte direita do pescoço, até ao ombro e omoplata; zona de efração cutânea na região do ombro direito com 11 *7 cm.
(...) EXAME DO HÁBITO INTERNO
1.(...) Ossos do crâneo - Base
Orifício no occipital medindo 28*19 mm na tábua externa e 4*5 centímetros na tábua interna, fazendo esquírola em forma de cruz na tábua interna, onde foi encontrado um projéctil deformado (tiro D). Fractura da parte direita da escama do occipital.
B) Face
Ossos da face: fractura em forma de “w” do bordo inferior direito do ramo horizontal da mandíbula, com bisel interno numa extensão de 4,5 cm, correspondente ao trajecto inferior do tiro A.
2. Pescoço
Trajecto de coloração indistinta dado o estado do cadáver, inferior, com. origem no orifício masseterino direito e, depois, na fractura do ramo direito da mandíbula descrita acima, terminando na fascia cervical, 2 centímetros abaixo daquele osso, onde foi encontrado um projéctil (Tiro A).
5. Coluna Vertebral, meninges e medula
Trajecto de coloração indistinta dado o estado do cadáver, infero-posterior, que terminava na apófise transversa direita de C2, onde foi encontrado o segundo projéctil.(Tiro B).
Trajecto de coloração indistinta dado o estado do cadáver perfurando o esterno-cleido-mastoideu direito e terminando sobre a face direita do atlas a nível da chanfradura occipito-atloideia onde se encontrava a bala, segundo uma direcção horizontal da frente para trás e da direita para a esquerda. (Tiro C).
RESUMO
1. Hábito Externo:
Orifícios de entrada de bala na cabeça (3)
2. Hábito Interno:
. lesões traumáticas cranianas:
- fractura do occipital.
- solução de continuidade óssea no occipital.
- fracturas da face.
Lesões traumáticas do pescoço:
- trajectos perfurantes de 3 disparos
- projéctil na fascia cervical
- projécteis na coluna cervical.
DISCUSSÃO
(...) Tiros A e B: orifício na região masseterina. Internamente este orifício era o início de dois trajectos entre a face e o pescoço: um que fracturou o ramo horizontal da mandíbula, terminando na fascia cervical, dois centímetros abaixo da mandíbula, à direita, onde foi encontrado um projéctil (Tiro A); outro, que terminava na apófise transversa de C2, onde foi encontrado o segundo projéctil (Tiro B). A direcção destes dois tiros foi assim de cima para baixo, da direita para a esquerda e da frente para trás, este último, mais posterior.
Tiro C: orifício de entrada dois centímetros abaixo do pavilhão auricular, com trajecto perfurando o esterno-cleido-mastoideu direito e terminando sobre a face direita do atlas a nível da chanfradura occipito-atloideia onde se encontrava a bala, segundo uma direcção horizontal da frente para trás e da direita para a esquerda.
Tiro D: orifício de entrada occipital, com projéctil deformado alojado entre as. duas tábuas.
Não foram encontrados outros sinais de lesões traumáticas.
(...) Outra particularidade consiste em ter havido dois disparos pelo mesmo orifício de entrada (masseterino - Tiros A e B), o que está descrito ser possível, sobretudo em tiros de curta distância como parece ter sido o caso. O bordo escurecido deste orifício, visível apesar do estado do cadáver, o seu maior diâmetro relativamente aos restantes e a sua forma ovóide devido à não congruência dos dois disparas, são elementos adicionais que justificam esta conclusão, de dois disparos par um mesmo orifício.
CONCLUSÕES:
A morte de LL foi devida às lesões traumáticas da cabeça e pescoço descritas.
Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte.
Estas lesões traumáticas denotam ter sido produzidas por acção de projecteis de arma de fogo de cano curto.(...)
Foram encontrados três orifícios de entrada de bala na cabeça, correspondentes a quatro disparos, cujos trajectos e direcções se encontram descritos.(...)”
35) O arguido BB, ao actuar na forma e circunstância supra descritas e ao utilizar a pistola de calibre 6,35mm adaptada para fogo real contra o LL, quis e conseguiu matar o LL, bem sabendo que com a utilização da dita pistola colocava aquele em desvantagem, impossibilitando-o de se defender.
36) O arguido BB agiu com vontade livre e consciente, sabendo que a sua conduta era reprovável e contrária à lei.
37) O arguido BB conhecia as características do produto que detinha e transaccionava, nas circunstâncias acima descritas, bem sabendo que não o podia por qualquer forma ceder, vender, distribuir ou proporcionar a outrem, pois para tal não estava autorizado.
38) Sabia que a quantidade de produto de estupefaciente que detinha na sua posse era superior à necessária para o consumo individual durante o período de 10 dias e que como tal incorria na prática de um crime.
39) O arguido BB agiu livre e conscientemente.
40) O arguido BB, ao colocar o cadáver de LL na mala da viatura e em seguida lançar a mesma no citado lago da pedreira, agiu livre e conscientemente, sabia que o fazia sem autorização de quem de direito e que incorriam na prática de um crime.
41) O arguido BB sabia que não podia deter nem trazer consigo arma de fogo transformada e não susceptível de ser manifestada e licenciada e, todavia, utilizou-a.
42) Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que esta sua conduta era proibida.
43) O arguido HH conhecia as características da pistola de alarme calibre 6,35mm adaptada para fogo real, e sabia que, por isso, a mesma não era susceptível de ser manifestada ou licenciada, e que o seu recebimento e detenção eram proibidos por lei.
44) O arguido HH agiu livre e conscientemente
45) O demandante AA, nascido a …de Maio de …, é filho do falecido LL.
46) O referido AA não vivia com o pai, mas contava com o seu apoio afectivo, educacional e financeiro.
47) Em consequência da morte do seu pai, e das circunstâncias trágicas em que esta ocorreu, o AA sentiu desalento, mágoa, angústia e tristeza.
48) O LL e a KK assistiam-se mutuamente na saúde e na doença, saíam juntos nos períodos de descanso, frequentavam juntos o café e os acontecimentos sociais e familiares, planeavam as férias e passavam-nas juntos.
49) A demandante KK confeccionava as refeições de ambos, cuidava da roupa e efectuava as limpezas da casa.
50) A KK e o LL constituíram entre si a sociedade comercial “Q... Lda”, com sede na freguesia e concelho do Sardoal.
51) Esta sociedade constituía um meio de sustento para o casal formado pela KK e pelo LL, sendo este o impulsionador e o trabalhador principal da mesma.
52) Com a morte do LL a actividade da dita sociedade comercial cessou.
53) Após a morte do LL ficou a cargo da KK o pagamento de material adquirido para obras a iniciar e em curso, a satisfação de empréstimos pedidos para esse fim e o pagamento de impostos.
54) Desde Fevereiro de 2004 que a KK está privada do rendimento que o LL lhe entregava, em montante não concretamente apurado, e que resultava do trabalho que prestava na actividade comercial da referida sociedade comercial por quotas que ambos detinham.
55) A KK teve e tem desgosto com a morte do LL e com as circunstâncias em que a mesma ocorreu e chorou e chora por isso.
56) E sofreu sobressalto e angústia enquanto durou o desaparecimento do LL.
Mais se provou:
57) O arguido BB foi condenado, por sentença datada de 24/06/2003, proferida nos autos de processo comum singular nº 537/01.4 TAABT do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes, transitada em julgado em 06/10/2004, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de um crime de condução ilegal na pena única de um ano e cinco meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, e na pena acessória de proibição de conduzir, relativamente a factos ocorridos em 22/09/2000.
58) O arguido HH tem os antecedentes criminais constantes do CRC junto aos autos - cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - tendo sido condenado pela prática de crimes de furto qualificado na forma consumada e tentada, roubo, furto de uso de veículo, falsificação de documentos e abuso de confiança.

Foram ainda aditados pela Relação os seguintes factos provados:

59) O pai do arguido BB faleceu há 15 anos por motivos de doença prolongada. A mãe, passado pouco tempo, encetou nova relação marital, não tendo a mesma obtido a aprovação do arguido contribuindo para a existência de problemas de comunicação entre ambos. Face a situação, a avó materna surgiu, durante o processo de desenvolvimento do arguido,, como o elemento mais activo junto do arguido BB, passando a residir com ela. Emm situações mais complexas a mãe, esteve, contudo, presente.
Tem dois irmãos mais novos, estando um a trabalhar em Barcelona e uma irmã que reside no Entroncamento, sozinha, em casa própria e com situação sócio-económica consolidada.
60. O arguido BB iniciou o consumo de haxixe numa idade precoce do seu desenvolvimento, situação que se mantinha à dat da prisão preventiva, não tendo sido sujeito a qualquer acompanhamento terapêutico, por não se considerar dependente.
61. à data da prisão preventiva, que deu lugar à realização da citada Informação da Equipa da DGRS do ..., datado de 5-3-2008, o arguido BB trabalhava por conta da empresa “B...”, com sede em Fernão Ferrro, encontrando-se no segundo contrato de trabalho, de duração de seis meses. Anteriormente desenvolveu outras actividades profissionais, nomeadamente na construção civil, como ladrilhador, como empregado de mesa e, como operário fabril, na Holanda, país onde tem os tios paternos.
62. O arguido BB, que a data ds factos tinha 26 anos de idade, tem pelo menos dois filhos.
b) Factos não provados
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente que:
- Que o LL tenha viajado dos Açores conjuntamente com o seu filho OO em Janeiro de 2004 e tenha sido nesse mês que conheceu o arguido BB;
- Que o veículo Daewoo Lanos de matrícula ... fosse pertença do LL e que, à data de Fevereiro de 2004, tinha o valor de 7.500 € ( sete mil e quinhentos euros ).
- Que o LL se tenha encontrado com a testemunha QQ no café ..., no Tramagal, pelas 21 horas do dia 16/02/2004 e que ambos tenham saído juntos desse café;
- Que LL disse ao BB que lhe entregava o seu telemóvel como garantia dos 100 € remanescentes, os quais lhe daria no dia seguinte, o que o arguido BB aceitou.
- Que o arguido que se encontrava sentado no interior do veículo Daewoo, no lugar do “pendura” tenha empurrado o LL para junto da porta do condutor, afastando-se ligeiramente;
- Que após ter sido atingido pelo primeiro disparo o LL tenha proferido as palavras “já me mataram”;
- Que o arguido HH tenha agido com intenção de auxiliar o seu sobrinho BB no encobrimento da morte do LL;
- E para isso tenha passado o telemóvel para a posse do SS;
- E ainda tenha tentado vender a pistola 6,35 mm, o que não conseguiu;
- Que a pistola de marca “Valtro” encontrada na casa do arguido EE tivesse sido transformada para produzir disparos de fogo real;
- Que a pistola de arma comprimido de marca “Gamo” estivesse apta a disparar;
- Que o arguido EE tenha, por alguma forma, comparticipado, aceite ou executado qualquer dos factos imputados.
- Que o arguido HH soubesse que, ao esconder a arma de fogo e o telemóvel de marca “Sendo”, estaria a prestar auxílio material aos arguidos BB e EE, ou soubesse que ocultava provas relevantes quanto à culpabilidade destes na morte do LL;
- Que à data da morte do LL o AA frequentasse um curso técnico-profissional e jogasse futebol;
- Que o AA sempre tenha gozado de boa saúde e tivesse grande alegria de viver e permanente boa disposição; e a morte do pai lhe tenha deixado profundas marcas que não serão apagadas;
- Que todos os meses o LL entregasse a KK quantia não inferior a 500 €;
- Que a dor da lembrança do ocorrido com o LL vá acompanhar a KK durante todos os dias da sua vida;

Cumpre apreciar e decidir.

Como se sabe, as conclusões delimitam o objecto do recurso, uma vez que resumem as razões do pedido - artº 412º nº 1 do CPP.
Se cotejarmos as mesmas com as constantes do recurso interposto para a Relação, verifica-se que versam sobre o mesmo objecto, sendo idênticas quanto às pretensões e até na maior parte obedecendo à mesma redacção, tendo essas questões sido apreciadas e decididas pela Relação no acórdão recorrido.
Limita-se o recorrente a reeditar, no essencial, a mesma argumentação já anteriormente invocada.

Como refere o Exmo Magistrado do Ministério Público na resposta à motivação, “Deste modo, tendo o arguido/recorrente se limitado, no essencial, a renovar a argumentação que utilizara já no Recurso que interpôs do acórdão da 1ª instanciam, sem, verdadeiramente introduzir qualquer fundamento novo na motivação do recurso que, agora, interpõe para o STJ, podendo mesmo dizer-se que a sua discordância se dirige à decisão da 1ª instância, e não aos fundamentos da decisão proferida pela 2ª instância, que praticamente ignora, pelo que não fora, designadamente, a questão da medida concreta da pena, e o recurso, em conformidade com o entendimento que tem vindo a ser sufragado pelo STJ, carecia de motivação bastante para ser conhecido – artº 412º, nº 1 do CPP – o que seria caso para a sua admissão – artº 411º nº 3 e 414º , nº 2 do mesmo Código.”

Na verdade: vem o arguido reeditar as questões referentes:

Ao vício constante da alínea b) do artº 410º do CPP.,(Porquanto o tribunal a quo dá como provado que foi o arguido BB quem disparou, matou, colocou o corpo do falecido na mala do carro e empurrou o veículo para dentro da lagoa, Porém, na fundamentação refere que dificilmente uma só pessoa poderia ter metido o cadáver na mala do carro, bem como empurrá-lo)
À livre apreciação da prova e respectiva convicção do tribunal (Argumenta, que da prova testemunhal resulta que o falecido estava acompanhado, pelo menos, por 2 pessoas., e se é convicção do tribunal que havia mais do que uma pessoa no local do crime, não podia dar como provado que foi o arguido BB quem praticou os crimes de homicídio qualifica do, posse de arma e profanação de cadáver., aduzindo ainda que não foi produzida prova de que o recorrente praticou qualquer daqueles factos que o Tribunal recorrido deu como provados, antes pelo contrário, da leitura da fundamentação do acórdão, resulta a dúvida.”
À validade das declarações do co-arguido EE (que afirmou que o arguido BB lhe disse para darem a banhada ao AA, porém para que tal depoimento pudesse ser valorado como foi, deveria ter sido corroborado por qualquer outra prova, o que não aconteceu, conforme dispõe o n ° 4 do artigo 345° do CPP., acrescendo ainda que, na fundamentação do douto acórdão a M. Juiz refere que as testemunhas não disseram tudo quanto sabiam, o que só pode ser interpretado como uma tentativa de não revelar o verdadeiro autor de tais crimes, por medo de represálias;)
Ao princípio in dubio pro reo. (alegando que da prova produzida em audiência de julgamento resulta que não foi possível apurar quem foi o autor dos factos imputados ao arguido, ora, prevalecendo no nosso Direito Penal o princípio de "In dubio pro reo" como corolário do princípio constitucional da presunção de inocência, não poderia o Tribunal a quo condenar o arguido BB pela prática de tais factos)
À absolvição do arguido BB ( incluindo quanto ao pedido de indemnização civil.)
À consumpção do crime de profanação de cadáver pelo crime de homcídio (porque apenas existem factos provados relativos à ocultação de cadáver para encobrimento do crime de homicídio,)
À não valoração do auto de reconstituição em que o arguido esteve presente, (diz que não pode o mesmo ser valorado sem a conjugação com o depoimento da Testemunha NN, inspector da judiciária, que acompanhou tal reconstituição, com o arguido e que refere que o mesmo relata os factos com sinceridade, terror e emoção, dizendo que não disparou. Quando muito o Tribunal a quo apenas poderia ter dado como provado que o arguido esteve presente aquando de tais factos, e apenas condenar o arguido a título de cúmplice, que nos termos do artigo 27°, n° 2 do Código Penal, implicaria uma atenuação especial da pena a aplicar ao recorrente.)

Sobre essas questões reeditadas:
Embora o nº 1 do artº 410º do CPP, refira: “Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, vem sendo entendido por este Supremo, que os vícios constantes do artigo 410º nº 2 do CPP, apenas podem ser conhecidos oficiosamente e, não quando suscitados pelos recorrentes.
È certo que dispõe o nº 2 do artigo 410º:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada,
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
É certo também que o artº 434º do CPP determina que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º nºs 2 e 3 , - artº 434º do CPP
Mas, isto significa que sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no artigo 410º nº 2, de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais.
Mesmo nos recursos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, sempre terá de se dirigir à Relação.
Esta é a solução que está em sintonia com a filosofia do processo penal emergente da reforma de 1998 que, significativamente, alterou a redacção da al. d) do citado art. 432., fazendo-lhe acrescer a expressão antes inexistente "visando exclusivamente o reexame da matéria de direito", filosofia que, bem vistas as coisas, visa limitar o acesso ao Supremo Tribunal, sob pena do sistema vigente comprometer irremediavelmente a dignidade deste como tribunal de revista que é.(v Acórdão deste Supremo Tribunal de 09-11-2006 Proc. n. 4056/06 - 5.a Secção)
Com tal inovação, o legislador claramente pretendeu dar acolhimento a óbvias razões de operacionalidade judiciária, nomeadamente, restabelecendo mais equidade na distribuição de serviço entre os tribunais superiores e garantir o desejável duplo grau de jurisdição em matéria de facto.
Esta posição nada tem de contraditório, já que a invocação expressa dos vícios da matéria de facto, se bem que algumas das vezes possa implicar alguma intromissão nos domínios do conhecimento de direito, leva sempre ancorada a pretensão de reavaliação da matéria de facto, que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais, se conseguem, se o recurso para ali for logo encaminhado.
Como se decidiu por ex. no Acórdão de 8-11-2006, deste Supremo Tribunal, in Proc. n. 3102/06- desta 3.a Secção: Os vícios elencados no art. 410º, nº 2, do CPP, pertinem à matéria de facto; São anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. Também o apelo ao princípio in dubio pro reo respeita à matéria de facto.
Se o agente intenta ver reapreciada a matéria de facto, esta e a de direito, recorre para a Relação; se pretende ver reapreciada exclusivamente a matéria de direito recorre para 0 STJ, no condicionalismo restritivo vertido nos arts. 432º e 434º do CPP, pois que este tribunal, salvo nas circunstâncias exceptuadas na lei, não repondera a matéria de facto.
É ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de facto. - arts. 427º e 428º do CPP.
A reforma do Código de Processo penal operada pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto não alterou esse entendimento.

Ora, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se perfila a existência de qualquer dos vícios aludidos no nº 2 do artº 410ºdo CPP.
A matéria de facto provada é bastante para a decisão de direito, inexistem contradições insuperáveis de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, não se afigurando, por ouro lado, que haja situações contrárias à lógica ou à experiência comum, constitutivas de erro patente detectável por qualquer leitor da decisão, com formação cultural média.
Como já salientava o Acórdão deste Supremo de 13 de Fevereiro de 1991, (in AJ, nºs 15/16, 7), se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o nº 2 do artº 410º do CPP, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no artº 127º do CPP.
É também o caso dos autos em que o recorrente questiona o modo de valoração das provas,
A nulidade por omissão de pronúncia referente a provas e ao seu modo de valoração da prova, integra objecto de recurso em matéria de facto.
O artigo 379º do Código de Processo Penal, determina que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. (nº 1 al. c))
A discordância do recorrente no modo de valoração das provas, e no juízo resultante dessa mesma valoração, não traduz omissão de pronúncia ao não coincidir com a perspectiva do recorrente sobre os termos e consequências da valoração dessas mesmas provas, pelo que não integra qualquer nulidade, uma vez que o tribunal se orientou na valoração das provas de harmonia com os critérios legais.
O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, assegura sim, o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.
A violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artº 32º nº 1 da Constituição da República.

Ora:
A decisão recorrida conheceu de todas as questões suscitadas, como resulta de fls 3761v a 3763 v, 3766 a 3771. e fez uma análise fundamentada do que perante os seus poderes de cognição processualmente delimitados, poderia conhecer, de forma a que ficasse segura de um juízo de convicção, socorrendo-se nessa ponderação das provas, das regras da experiência comum, e explicitando como tribunal de recurso, as razões por que acolheu a decisão da 1ª instância.
As questões suscitadas pelo recorrente relativamente à sua discordância em relação à forma como o tribunal de 1.ª instância decidiu a matéria de facto, constituem matéria especificamente questionada, integrando-se em objecto de recurso em matéria de facto, estranha aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, que sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do CPP, efectua exclusivamente o reexame da matéria de direito.- artº 434º do CPP.
O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência.
O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.° do CPP.
O Processo Penal fundamenta-se e, é conduzido, de harmonia com as exigências legais da produção e exame de provas legalmente válidas, com vista à determinação da existência de infracção, identificação do seu agente e definição da sua responsabilidade criminal.
A actividade probatória consiste na produção, exame e ponderação dos elementos legalmente possíveis a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de concreta e determinada situação de facto.
Como se sabe, no sistema processual penal, vigora a regra da livre apreciação da prova, em que conforme artº 127º o CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
São admissíveis as provas que não forem admitidas por lei.- artº 125º do CPP
Costuma distinguir-se entre prova directa e prova indiciária, referindo-se aquela ao thema probandum, aos factos a provar, e respeitando a prova indirecta ou indiciária a factos diversos (instrumentais) do tema probatório, mas que possibilitam, pelo uso das regras da experiência, extrair ilações no domínio do thema probandum, de convicção racional e objectivável do julgador.
A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em 1.ª instância.,
O citado art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.

Por outro lado, os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, reexaminando decisões proferidas por jurisdição inferior. Ao tribunal superior pede-se que aprecie a decisão à luz dos dados que o juiz recorrido possuía.
Para tanto, aproveita-se a exigência dos códigos modernos, inspirados nos valores democráticos, no sentido de que as decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, sejam fundamentadas.
Desse modo, com tal exigência, consegue-se que as decisões judiciais se imponham não em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230)
Ao mesmo tempo, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em condições melhores para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova - ( Ac. do STJ de 17-05-2007 Proc. n.º 1608/07 - 5.ª Secção).
Com efeito, por força do artº 205º nº 1 da Constituição da República: As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
E, determina o artº 374º nº 2 do Código de Processo Penal sobre os requisitos da sentença que: Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se assim, com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. (v. Ac. do STJ de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 - 5.ª Secção)
O exame crítico das provas imposto pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto tem como finalidade impor que o julgador esclareça "quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra.( v. Ac. do S.T.J. de 01.03.00, BMJ 495, 209)
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. (Ac do STJ de 12 de Abril de 2000, proc. nº 141/2000-3ª; SASTJ, nº 40. 48.)
Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão.
Como decidiu este Supremo e, Secção, no Ac. de 3-10-07 , in proc 07P1779 ), a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” de facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.
Aplicada aos tribunais de recurso, a norma do artº 374º nº 2 do CPP, não tem aplicação em toda a sua extensão, nomeadamente não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito (exame crítico das provas que serviram para formar a livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista. Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a ccnstar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o decidido (Ac. do STJ de 13 de Novembro de 2002, SASTJ, nº 65, 60)
Na verdade, como se elucida no Ac. deste Supremo, de14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 – 5ª Secção, se a Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso em matéria de facto nas provas examinadas no processo, acolhendo, justificando-o na parte respectiva, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como detalhada, então as instâncias cumpriram suficientemente o encargo de fundamentar, sendo que a discordância quanto aos factos apurados não permite afirmar que não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias.

Em síntese e, parafraseando o Acórdão deste Supremo de 03-04-2008, Proc. n.º 2811/06 - 5.ª Secção.
O facto de a Relação conhecer de facto não significa que tenha de proceder a um novo julgamento de facto, em toda a sua extensão, tal como ocorrera em 1.ª instância.
No recurso de matéria de facto, haverá que ter por objectivo o passo que se deu, da prova produzida aos factos dados por assentes, e/ou o passo que se deu, destes à decisão. O recorrente poderá insurgir-se contra o modo como teve lugar um ou ambos os momentos deste trânsito, desde logo, impugnando a matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, e podendo mesmo ser pedida a renovação de prova, ou, então, invocando um dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. Neste caso, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do n.º 2 do art. 410.º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (als. a) e b) do n.º 2 do art. 410.º).
Em qualquer das hipóteses, haverá que ter em conta que, uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário a questão sobre que incidiu a decisão recorrida e, outra, ter por objecto do recurso essa decisão ela mesma. No primeiro caso, haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispôs(useram). Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo julgamento global de todo o objecto do processo.
Importa ainda ter em consideração, quanto ao julgamento de facto pela Relação, que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção do julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório
Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.

A decisão recorrida analisou devidamente as questões postas, como exemplificativa e sinteticamente, se transcreve:

Quanto ao vício impetrado acabou por concluir
“Deixando claro que é possível que no momento dos factos em causa, além do BB e do LL, estivesse no local uma terceira pessoa - em face do que foi referido no telefonema do LL ao filho OO e à dificuldade em uma só pessoa realizar os actos necessário à ocultação do cadáver no lago -, e que essa terceira pessoa possa até ter participado com o arguido BB na ocultação do cadáver no lago, o Tribunal a quo ao consignar que o arguido BB quis dar uma “banhada” ao LL e que para tal utilizou “garantidamente” uma arma que esteve na sua posse antes e continuou a possuir após ter sido utilizada na morte do LL e que “ não se provou a intervenção de terceiro na prática dos disparos”, não entra em qualquer contradição e menos ainda insanável, pois a conclusão é racional, não viola as regras da experiência comum, nem demonstra dúvidas sobre a participação do arguido BB na posse do haxixe, na posse e utilização da arma contra o LL na execução do propósito de dar a “banhada” que anunciou ao co-arguido EE e na ocultação do cadáver do LL.
Assim, não se reconhece a existência deste vício”

Quanto às questões de valoração da prova suscitadas, nomeadamente as declarações do co-arguido EE, fundamentou, em suma:
“O que estava ali em causa é o exercício do contraditório pelo co-arguido que se remeteu ao silêncio em relação àquele que pretendeu colaborar com o Tribunal.
O n.º 4, do art. 345.º do C.P.P, aditado pela Lei n.º 48/2007, de 29/8, ao passar a estatuir que « Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2 », mais não consagrou que a jurisprudência acórdão n.º 524/97 do Tribunal Constitucional.
(…)
No caso em apreciação o arguido/recorrente BB não compareceu nas várias sessões da audiência de julgamento.
Por sua vez, o co-arguido EE compareceu e prestou declarações em que envolveu o co-arguido BB em parte dos factos imputados a este na acusação, designadamente num negócio de venda de haxixe ao LL, e na sugestão feita pelo arguido BB de darem uma “banhada” ao LL.
O co-arguido EE não se recusou, porém, a responder às perguntas formuladas pelos Juízes, nem suscitadas pelo Ministério Público ou pelos advogados presentes, designadamente do co-arguido ora recorrente.”
E acabou por concluir que: “Deste modo, improcede esta questão.”

Aliás recentemente, o Acórdão n.º 133/2010 do Tribunal Constitucional, in D.R. n.º 96, Série II de 2010-05-18 “Não julga inconstitucional a norma do artigo 345.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, conjugada com os artigos 133.º, 126.º e 344.º, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do co-arguido que entenda não prestar declarações sobre o objecto do processo”

Relativamente ao princípio in dubio pro reo considerou, em síntese, que:
“No presente caso, lendo o acórdão recorrido , nomeadamente a fundamentação da matéria de facto provada , não se detecta qualquer dúvida de que o arguido BB , em face da prova produzida em audiência , praticou os factos dados como provados. Dúvidas foram apenas mencionadas relativamente à participação do arguido EE nos factos em causa e delas retirou o Tribunal a quo a devida decisão.
Da fundamentação da matéria de facto provada não resulta um qualquer estado de dúvida insanável e que, face a ele, o Tribunal escolheu a tese desfavorável ao arguido BB. Pelo contrário, o que resulta dela é um estado de certeza do Tribunal recorrido relativamente à prática pelo arguido/recorrente de todos os factos dados como provados.
Deste modo, não se reconhece a violação pelo Tribunal recorrido do principio “in dubio pro reo”.

Relativamente à questão da ilicitude e a modalidade da responsabilidade criminal, decorrente da impetrada valoração do auto de reconstituição, se disse:

“.O arguido/recorrente apenas pede a absolvição dos crimes imputados e do pedido de indemnização por, no seu entender, se desconhecer o autor dos factos.
O Tribunal da Relação decidiu já não haver razões para censurar a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.
Assim, sendo conhecido o autor dos factos em causa - o arguido/recorrente -, e mostrando-se preenchidos os elementos dos tipos penais e os pressupostos da responsabilidade civil, a presente questão encontra-se prejudicada, não havendo razão para absolver o arguido BB dos crimes pelos quais foi condenado, nem do pedido de indemnização civil. “

Se se verifica o crime de homicIdio simples ou qualificado, nomeadamente tendo em conta o motivo da prática do crime, sintetizou::
“O motivo é conhecido, está dado como provado no acórdão recorrido, e é especialmente censurável pelo desprezo que dele resulta que o arguido BB tem da vida humana. O recorrente não menciona em lado algum das conclusões da motivação que o Tribunal recorrido interpretou mal o conceito de “motivo fútil” ou que aplicou mal este aos factos provados no acórdão recorrido.
Deste modo, improcede também esta questão.”

Relativamente à questão se o crime de homicídio consome o crime de profanação (ocultação) e cadáver, se disse:
“Estando preenchidos todos os elementos do tipo do crime de profanação de cadáver, como se constata da fundamentação da matéria de direito do acórdão recorrido, e não se verificando uma relação de exclusão com o crime de homicídio, o Tribunal da Relação não encontra motivos para censurar a decisão recorrida por haver condenado o recorrente pelo crime de profanação de cadáver.
Improcede assim esta questão.”

Sobre a valoração do auto de reoonstituição sintetizou:
“Porém, como já atrás se deixou consignado, a versão dos factos que resulta do auto de reconstituição em que interveio o arguido/recorrente, enquanto imputa a morte do LL a um acto do arguido EE que empunhando uma arma de fogo deu vários tiros na vítima, não convenceu o Tribunal a quo, que para o efeito fundamentou racionalmente a decisão da matéria de facto e o Tribunal da Relação tem como perfeitamente admissível a versão dada como provada pelo Tribunal recorrido na sentença, adquirida na base da imediação e da oralidade e na livre apreciação da prova.
A mera convicção pessoal sobre a credibilidade do arguido BB no relato de factos, a que a testemunha NN não assistiu, não é relevante para afastar a versão dos factos apresentada pelo arguido EE, tanto mais que a testemunha declarou que não esteve presente aquando da Reconstituição dos factos efectuada por este último arguido.
A reconstituição em que interveio o arguido/recorrente, conjugada com a convicção pessoal da testemunha NN, sobre a credibilidade do arguido BB não permite concluir que a participação deste arguido foi ter estado apenas presente aquando dos factos.
A participação do arguido BB nos factos dados como provados não é a de cúmplice, ou seja, de “ quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso” ( art.27.º, n.º1, do Código Penal), mas sim de verdadeiro autor dos factos, executando os estes por si mesmo ( art.26.º, do Código Penal).
Não se verificando uma situação de cumplicidade, não há que aplicar ao arguido BB a pena fixada para o autor, especialmente atenuada, a que alude o art.27.º, n.º 2 do Código Penal. “

Apenas há a acrescentar, em relação à fundamentação aduzida na Relação:
O tipo legal fundamental dos crimes contra a vida encontra-se descrito no art. 131.º do CP, sendo desse preceito que a lei parte para, nos artigos seguintes, prever as formas agravada e privilegiada, fazendo acrescer ao tipo-base, circunstâncias que qualificam o crime, por revelarem especial censurabilidade ou perversidade ou que o privilegiam por constituírem manifestação de uma diminuição da exigibilidade.
O crime de homicídio qualificado verifica-se: “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade,(…)” artº 132º nº 1 do C.Penal
As circunstâncias referidas no nº 2 do mesmo preceito, são meramente indicativas e, não taxativas, são circunstâncias de referência exemplificativa, mas não de abrangência exclusiva.
O nº 2 apenas determina que:
“É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância do agente (….) (sublinhado nosso)
A especial censurabilidade ou perversidade, sendo conceitos indeterminados, são representadas por circunstâncias que denunciam uma culpa agravada e são descritas como exemplos-padrão. A ocorrência destes exemplos não determina, todavia, por si só e automaticamente, a qualificação do crime; assim como a sua não verificação não impede que outros elementos possam ser julgados como qualificadores da culpa, desde que sejam substancialmente análogos aos legalmente descritos. (Ac. do STJ de 07-07-2005, Proc. n.º 1670/05 - 5.ª).
No art. 132.º do CP o legislador utilizou a chamada técnica dos exemplos-padrão, estando em causa, pelo menos para parte muito significativa da doutrina, no seu n.º 2, circunstâncias atinentes à culpa do agente e não à ilicitude, as quais podem traduzir uma especial censurabilidade ou perversidade do agente – Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 27 e Teresa Quintela de Brito, Direito Penal – Parte Especial: Lições, Estudo e Casos, pág. 191.
Assim sendo, é possível ocorrerem outras circunstâncias, para além das mencionadas, se bem que valorativamente equivalentes, as quais revelem a falada especial censurabilidade ou perversidade; e, por outro lado, apesar da descrição dos factos provados apontar para o preenchimento de uma ou mais alíneas do n.º 2 do art. 132.º, não é só por isso que o crime de homicídio cometido, deverá ter-se logo por qualificado.
A partir da verificação de circunstâncias que o legislador elegeu, com “efeito de indício” (expressão de Teresa Serra, Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena, pág. 126), interessará ver se não concorrerão outros factos que, funcionando como “contraprova”, eliminem a especial censurabilidade ou perversidade do acontecido, globalmente considerado. Ac. do STJ de 15-05-2008, Proc. n.º 3979/07 - 5.ª Secção)
O cerne do referido ilícito está, assim, na caracterização da acção letal do agente como de especial censurabilidade ou perversidade face às circunstâncias em que, e como, agiu, ou dito de outro modo, está nas circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade que integraram a acção letal do agente.
Como conclui Teresa Serra, in Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, Coimbra, 2003, p. 124:
“3.O critério generalizador do artigo 132º integra um tipo de culpa fundamental que permite caracterizar de forma autónoma a atitude especialmente censurável ou perversa do agente.
4. Só no âmbito de um conceito material de culpa susceptível de graduação, tendo como objecto de referência próprio o maior ou menor desvalor da atitude do agente actualizada no facto, a função de tipos de culpa agravadores da moldura penal pode ser inteiramente compreendida.”
O legislador apesar de optar pela técnica dos exemplos padrão, consubstanciados no artigo 132º funda-se porém “na combinação de um critério generalizador, constituído por uma cláusula geral de agravação penal, com uma enumeração exemplificativa de circunstâncias agravantes de funcionamento não automático”
Mesmo na construção do Leitbild dos exemplos padrão, é a partir de cada uma das concretas circunstâncias agravantes exemplificadas que se retira não apenas o seu especial grau de gravidade, mas também a sua própria estrutura valorativa.( idem, ibidem, p. 126 e 127)
O arguido foi condenado pelo crime p. e p. nos artºs 131º e 132º nº 2 al. d) do CPenal, e, por isso na forma qualificada.
´E susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade, a circunstância de o agente “Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil.” – alínea d) do nº 2 do artº 132º do CP, agora vazada na alínea e) do mesmo normativo, com a lei 59/2007 de 4 de Setembro.
“Qualquer motivo torpe ou fútil” significa que o motivo da actuação avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito (…) de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana.”- v. Jorge de Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, tomo I, §13, p. 32.
Mas, a não verificação de qualquer das circunstâncias - exemplificativas e de funcionamento não automático -, do nº 2 do artº 132º não arreda ipso facto a verificação do crime de homicídio na forma qualificada, se procederem quaisquer outras das não indicadas desde que susceptíveis de revelarem especial censurabilidade ou perversidade.
Sendo certo que o arguido agiu na prática da acção letal, motivado pela tentativa de apoderar-se do dinheiro e do produto estupefaciente, no caso sub judice, a conduta do arguido é merecedora de especial censurabilidade e perversidade, por revelar um acentuado desvalor de atitude na acção empreendida, em que a forma de realização do facto se apresenta especialmente desvaliosa, e em que por outro lado as qualidades da personalidade do agente documentadas no facto são também especialmente desvaliosas.
O crime de homicídio procede na forma qualificada.

Por outro lado, os factos integrantes do crime de profanação (ocultação) de cadáver são autónomos em relação aos do crime de homicídio. Foram praticados pelo arguido para ocultar este crime e por conseguinte já depois de o mesmo ter cometido o evento letal.- Daí que as acções ilícitas típicas diferenciadas, embora uma seja subsequente da outra, não se integram, mas coexistem separadamente, ou seja estão em acumulação real e não em comsumpção.

Resta pois apreciar a questão da pena.
Considera o recorrente que a pena aplicada ao arguido foi excessiva, desajustada e desproporcional, já que o arguido, à data dos factos, era um jovem adulto, de 25 anos, com 2 filhos, trabalhava, era primário neste tipo de crimes - do seu registo criminal apenas consta a prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de um crime de condução ilegal - e já decorreram cerca de 5 anos sobre os factos, pelo que mesmo que se entenda - o que não se espera - que o recorrente cometeu o crime que lhe foi imputado, a pena deveria ser próxima do limite mínimo previsto na moldura penal, pelo que deverá sempre ser reduzida a pena aplicada ao arguido.

A questão da pena apenas inclui a aplicada pelo crime de homicídio qualificado, uma vez que os demais crimes por que foi condenado o arguido são puníveis com penas, que sendo de prisão não excedem cinco anos e, somente é admissível recurso para o Supremo Tribunal de justiça, nos casos contemplados no artigo 432º e, sem prejuízo do artº 433º, do Código de Processo Penal.
No que aqui importa, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: “De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º” (artº 432º nº 1 al. b) do CPP)
Por aplicação do art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, na interpretação que lhe tem sido dada maioritariamente por este Supremo Tribunal, condenado o arguido por vários crimes, uns puníveis com pena de multa ou com pena de prisão não superior a 5 anos e outros puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, e tendo sido interposto recurso para a Relação, o recurso, em segundo grau, da decisão desta para o Supremo fica limitado aos crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos. (Ac. deste Supremo de 13-03-2008, Proc. n.º 3307/07 - 5.ª Secção)
Donde não ser cognoscível pelo Supremo Tribunal a questão sobre a pena referente a tais crimes

Disse a Relação:
“Resulta do acórdão recorrido que o Tribunal teve em consideração, para a fixação da medida da pena, o elevadíssimo grau de ilicitude das condutas imputadas ao ora recorrente; a culpa na modalidade de dolo directo; as muito elevadas necessidades de prevenir este tipo de criminalidade e ainda, designadamente, a idade e situação sócio-económica do arguido ( pese embora não mencione os respectivos factos concretos).
O Tribunal da Relação entende que o grau de ilicitude do facto imputado ao arguido recorrente é elevado, como é elevada a culpa, uma vez que agiu com dolo directo e intenso.
A conduta anterior aos factos não lhe é favorável uma vez que tem já antecedentes criminais e circunstâncias posteriores àqueles, como o arrependimento, a confissão relevante ou a reparação dos danos, não resultaram provados – até porque não compareceu nas várias audiências de julgamento.
As exigências de prevenção geral, no caso em análise, são prementes, tendo em conta nomeadamente , o elevado número de homicídios e dos outros crimes associados, pelos quais o recorrente foi condenado.
As razões de prevenção especial ou individual não são de desprezar considerando que já tem antecedentes criminais.
Existe acumulação de crimes de homicídio, de tráfico de menor gravidade, de profanação de cadáver e de detenção ilegal de arma de defesa.
Além da idade, há que considerar que o arguido/recorrente tem hábitos de trabalho e alguma ligação à família, sendo de modesta condição social e económica.
Considerando o exposto e que a pena de prisão multa tem de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, o Tribunal da Relação conclui que a pena aplicada pelo homicídio qualificado ( 17 anos de prisão), bem como as aplicadas pelos restantes crimes e fundamentadas na decisão recorrida, são adequadas e suficientes, atentos os citados critérios definidos pela lei.
Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. ( art.77.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal).
Com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente – cfr. “ Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º1 , Dr.ª Cristina Líbano Monteiro, pág. 155 a 166.
O homicídio, tráfico de menor gravidade, profanação de cadáver e detenção ilegal de arma de defesa, que determinaram a aplicação das penas ao arguido BB e que se encontram em concurso, estão estritamente ligados entre si.
Do desvalor final dos factos entre si e com a personalidade do arguido/recorrente, concluímos que é de manter a pena única aplicada ao arguido recorrente em cúmulo jurídico.”

Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. ( Figueiredo Dias in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo Tribunal e desta 3ª Secção, , Proc. n.º 2555/06)
A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.
O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinacão da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Como ensina Figueiredo Dias ( Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”

É no âmbito do exposto, que este Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.
Como resulta, v. g. do Ac. deste Supremo de 15-11-2006, Proc. n.º 3135/06 - 3.ª Secção, o modelo de prevenção acolhido pelo CP - porque de protecção de bens jurídicos - determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

O n ° 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece:
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
Assim e ponderando:
O grau de ilicitude do facto, é elevado pois que a violação do direito à vida é o bem primeiro, o mais elevado da tutela jurídica;
O modo de execução: através de uso de arma de fogo
A gravidade das consequências: atinentes à quantidade, natureza e características das lesões que directa e necessariamente produziram a morte e às consequências afectivas, económicas e financeiras quer para o filho, quer para a companheira da vítima, quer para sociedade comercial formada por esta e pela vítima, que ficou exxtinta,
A intensidade do dolo que é directo
Os fins ou motivos determinantes: apropriação de dinheiro e de produto estupefaciente.
Os sentimentos manifestados no cometimento do crime: indiferença ostensiva pela vida alheia, e circunstâncias desenvolvidas para ocultar o cadáver.( Após o arguido BB colocou o corpo do falecido LL na mala da viatura Daewoo Lanos. Conduziu a viatura até junto do lago que se situa mais próximo da estrada e, mantendo a porta aberta, engatou a viatura na primeira velocidade, rodou a chave da ignição e, seguidamente, colocou uma bengala no acelerador empurrando a traseira da viatura, projectando-a para o interior do lago.) Abandonou o local, levando consigo o dinheiro que o LL havia levantado, o telemóvel marca “Sendo”, a pistola calibre 6,35 mm e o produto estupefaciente. O arguido BB desfez-se da roupa que na altura vestia não tendo sido recuperada.)
A condição pessoal e económica: O arguido BB iniciou o consumo de haxixe numa idade precoce do seu desenvolvimento, situação que se mantinha à data da prisão preventiva, não tendo sido sujeito a qualquer acompanhamento terapêutico, por não se considerar dependente.
À data da prisão preventiva, que deu lugar à realização da citada Informação da Equipa da DGRS do ..., datado de 5-3-2008, o arguido BB trabalhava por conta da empresa “B...”, com sede em Fernão Ferro, encontrando-se no segundo contrato de trabalho, de duração de seis meses. Anteriormente desenvolveu outras actividades profissionais, nomeadamente na construção civil, como ladrilhador, como empregado de mesa e, como operário fabril, na Holanda, país onde tem os tios paternos
O pai do arguido BB faleceu há 15 anos por motivos de doença prolongada. A mãe, passado pouco tempo, encetou nova relação marital, não tendo a mesma obtido a aprovação do arguido contribuindo para a existência de problemas de comunicação entre ambos. Face a situação, a avó materna surgiu, durante o processo de desenvolvimento do arguido,, como o elemento mais activo junto do arguido BB, passando a residir com ela. Em situações mais complexas a mãe, esteve, contudo, presente.
Tem dois irmãos mais novos, estando um a trabalhar em Barcelona e uma irmã que reside no Entroncamento, sozinha, em casa própria e com situação sócio-económica consolidada.
O arguido BB, que a data dos factos tinha 26 anos de idade, tem pelo menos dois filhos.
A conduta anterior e posterior ao facto: O arguido BB foi condenado, por sentença datada de 24/06/2003, proferida nos autos de processo comum singular nº 537/01.4 TAABT do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes, transitada em julgado em 06/10/2004, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de um crime de condução ilegal na pena única de um ano e cinco meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, e na pena acessória de proibição de conduzir, relativamente a factos ocorridos em 22/09/2000.
Tendo ainda em conta as prementes exigências de prevenção geral que são especialmente acutilantes, face à necessidade de defesa do ordenamento jurídico na reposição contrafáctica da norma violada, bem como as exigências de prevenção especial, com vista à dissuasão da reincidência, face à pluralidade de crimes praticados, e a intensidade da culpa, e ainda o tempo já decorrido bem como o limites punitivos integrantes do crime de homicídio qualificado, entende-se por justa a medida concreta da pena aplicada, não se afigurando, bem como a medida concreta da pena única aplicada em cúmulo, desproporcionada nem contrária às regras da experiência,, sendo pois de manter.
O recurso não merece provimento
Termos em que, decidindo:
Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – em, negar provimento ao recurso e, confirmam o acórdão recorrido
Tributam o recorrente em 8 UC de taxa de justiça

Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Maio de 2010

Pires da Graça (Relator)
Raul Borges