Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL PARTE COMUM ARRENDAMENTO TELECOMUNICAÇÕES TELHADO ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS NULIDADE DE ACÓRDÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE AGRAVO | ||
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Nº do Documento: | SJ200903190036077 | ||
Data do Acordão: | 03/19/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NAO CONHEC. REC. OPTIMUS E NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | 1. Não provoca nulidade de acórdão, nem uma hipotética inversão ilegal do ónus da prova, nem uma possível errada decisão sobre a matéria de facto, questões apenas sindicáveis por via de recurso, se e na medida em que for admissível. 2. Também não provoca nulidade a afirmação de que a fundamentação é insuficiente por não ser convincente. 3. É inútil declarar e suprir uma eventual nulidade por excesso de pronúncia quando respeita ao conhecimento de uma questão irrelevante para o julgamento do recurso. 4. A interdependência existente entre as partes comuns e as fracções autónomas num prédio em propriedade horizontal, que tem de ser entendida à luz da função instrumental que aquelas desempenham, repercute-se no regime jurídico aplicável a umas e a outras. 5. Por princípio, aplica-se às partes comuns o regime da compropriedade, com as adaptações decorrentes da relação funcional que as liga às fracções autónomas. 6. Não está sujeito às regras do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-A/90, de 15 de Outubro, o arrendamento destinado a proporcionar a ocupação de parte do telhado de um prédio com a instalação e exploração comercial de antenas e demais equipamentos de telecomunicações. 7. Carecem, todavia, de ser aprovadas por unanimidade as deliberações da assembleia de condóminos que se destinam a permitir a celebração de um contrato de arrendamento com esse objecto, sob pena de serem anuláveis. 8. Não é necessariamente abusivo o exercício do direito de anulação por parte de um condómino que votou contra as deliberações, nem por se tratar de uma arrendamento que poderia trazer grandes vantagens ao condomínio e graves prejuízos ao arrendatário, nem por não ter ficado provado que o equipamento em causa é efectivamente prejudicial à saúde. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Por sentença da 4ª Vara Cível da Comarca do Porto, de fls. 1765, foi julgada procedente a acção proposta por AA Lda. (a que se juntaram outros condóminos, por intervenção espontânea) contra BB e outros, e, na sequência de intervenção provocada (despacho de fls. 577), contra Optimus – Telecomunicações, SA, anteriormente denominada Main Road – Telecomunicações, S.A., sendo decidido “declarar a anulabilidade das deliberações aprovadas pela Assembleia de Condóminos realizada em 22 de Maio e 3 de Junho de 1998, bem como todos e quaisquer contratos que com base nelas tenham sido ou venham a ser celebrados com terceiros, designadamente a Optimus – Telecomunicações, SA.” O pedido de anulação fora deduzido a título subsidiário – o pedido principal era de que fossem “declaradas nulas e de nenhum efeito” as mesmas deliberações e os mesmos contratos –, com fundamento em não terem sido aprovadas, nem por unanimidade dos condóminos, o que seria necessário por afectarem a utilização de partes comuns, nem sequer por 2/3 dos votos representativos do valor total do prédio, que corresponderiam a 646 votos (porque a deliberação de dar de arrendamento uma parte comum exige aprovação por unanimidade e porque o contrato que, em concreto, está em causa implica a alteração do fim a que se destina a parte comum afectada e a instalação de equipamento pesado e prejudicial para a saúde e priva os condóminos de acederem ao local). Conforme alegado na petição inicial, trata-se de deliberações de aprovação da “instalação e funcionamento de antenas no telhado do prédio, para efeitos de telecomunicações por telefones móveis, mediante retribuição” (aprovada por 502 votos a favor, com 212 votos contra e 39 abstenções), de uma “proposta (…) destinada a ser ‘celebrado o contrato’ de arrendamento ‘proposto’ pela Main Road Telec., S.A., ‘no mais curto prazo’ (…)”, aprovada por 475 votos, com 150 votos contra, e da “minuta do contrato de arrendamento, bem como sua celebração com a interessada Main Road, Telecomunicações, S.A., para instalação, exploração comercial e funcionamento de antenas e mais equipamento de telecomunicações, na parte do telhado do bloco do prédio (…)”, votada por 510 votos a favor e 121 votos contra. A autora esclareceu ainda ter sempre estado presente e ter votado contra as deliberações. Na contestação, os réus refutaram a exigência de unanimidade. Em síntese, e além de invocarem ser abusivo o exercício de um eventual direito por parte da autora, alegaram que o arrendamento deliberado era um acto de administração ordinária, nem sequer carecido de ser submetido a assembleia de condóminos, quanto mais de ser aprovado por unanimidade; a entender-se que lhe seria aplicável o regime definido para as inovações, que resultaria da conjugação entre os artigos 1425º e 1432º, nº 4, do Código Civil, que as deliberações teriam sido aprovadas pela maioria legalmente exigida; que a instalação aprovada não importa qualquer risco, nem de interferência com quaisquer equipamentos, nem de perigo para a segurança do prédio ou a saúde de quaisquer pessoas e encontra-se devidamente licenciada. Quanto à interveniente Optimus – Telecomunicações, S.A., apresentou o articulado de fls. 608. Aceitou expressamente a contestação referida, pronunciou-se sobre os factos relevantes e invocou falta de causa de pedir contra si e abuso de direito por parte do autor e dos intervenientes. Houve réplica. Por despacho de fls. 995, foi admitida, a título de ampliação da causa de pedir, a alegação, na mesma réplica, de factos relativos a “trabalhos realizados por Main Road, Telecomunicações, S.A.” Em resumo, a sentença considerou que: “As deliberações em questão visaram a aprovação de um contrato de arrendamento que tem por objectivo o telhado do prédio construído em propriedade horizontal, ao qual se aplica o disposto no art. 1024º, 2º, C. Civil. Assim, só com o consentimento de todos os condóminos a assembleia podia aprovar o uso da cobertura do edifício para a instalação e funcionamento da estação base de telecomunicações, e o inerente contrato de arrendamento com a Main Road. A não observância desta formalidade acarreta a ineficácia relativamente aos consortes que não deram o seu assentimento – conf. Prof. Vaz Serra, ano 100º pág. 201 e ac. STJ, 19.1.84, BMJ, 333 e 428 e7.2.95, CJ/STJ, I, 67 (…). A colocação do equipamento no telhado do edifício constitui inovação. Este contrato de arrendamento do telhado visa a instalação de material de telecomunicação, o que sendo inovação acarretaria de igual modo para a sua aprovação o número de votos correspondentes a 2/3 do valor total do prédio – art. 1425º, nº 1 C. Civil. Tendo em conta o título constitutivo junto a fls. 10 a 51 e acta e docs. juntos a fls. 52 e segts. tal não ocorreu. O título constitutivo da propriedade horizontal é precisamente o instrumento jurídico ao qual compete em 1ª linha definir as relações entre os condóminos e fixar, nomeadamente, não só o fim a que se destina cada uma das fracções do prédio, mas também a sua composição ou individualização, enquanto unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública (art. 1414º, 1415º e 1418º, C. Civil. Às deliberações em que se exige a mencionada qualificação de 2/3 não é aplicável o disposto no art. 1432º, 4º, C. Civil, não podendo ser aprovada por uma maioria menor (…). Esta maioria qualificada não foi observada consequentemente são anuláveis nos termos do art. 1433,º C.C., não podendo subsistir. Além de ineficazes são também anuláveis.” 2. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto foi negado provimento, quer ao agravo interposto a fls. 1118, quer às apelações de fls. 1783 e 1788. Também em síntese, e no que respeita às apelações, o acórdão da Relação afastou a aplicação do disposto no nº 2 do artigo 1024º do Código Civil, entendendo, portanto, não ser exigida a unanimidade para a aprovação das deliberações impugnadas; mas considerou que “eventuais alterações a realizar nas partes comuns do prédio ou sua afectação (ainda que parcial), como aquelas que foram referidas, correspondem a uma oneração ou limitação das anteriores utilidades das partes comuns (e não propriamente uma alteração do fim), exigindo, não obstante, e só por isso, prévia autorização da assembleia de condóminos que fosse aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio – art. 1422º nº 3. Além disso, correspondem também a inovações – art. 1425º. Na verdade, no conceito de inovação cabem as alterações introduzidas na substância como na forma das coisas, como as modificações relativas ao seu destino ou afectação que beneficiem ou prejudiquem algum condómino, pelo que, nos termos do art. 1425º não são admitidas, a menos que as deliberações das assembleias de condóminos que as tenham aprovado contem cumulativamente com uma dupla maioria: a maioria dos condóminos (maioria numérica) e a maioria qualificada de dois terços do valor do prédio (dois terços do capital investido no edifício). Nessa situação estaria portanto qualquer deliberação que visasse o arrendamento de espaço comum que necessariamente implicasse algumas dessas alterações.” Acresce, entendeu ainda o acórdão, “que ficou provado que a instalação de antenas de transmissão de telecomunicações móveis terrestres em parte comum do prédio são um foco permanente de radiações, e que não são seguras nas proximidades onde estão instaladas.” Assim, e considerando não fazer sentido ser menos exigente neste caso do que se estivesse em causa a instalação “de uma simples tabuleta, um tolde, um simples aparelho de ar condicionado exterior, ou uma marquise”, o acórdão concluiu de novo ser necessária a referida dupla maioria”. Sendo que “a deliberação atinente à instalação e funcionamento das antenas no telhado do prédio para efeitos de telecomunicações, embora tenha reunido a maioria dos condóminos, só reuniu 51,8% dos votos representativos do valor total do prédio”; que “na mesma situação é apanhada a deliberação relativa à celebração do contrato com a Main Road (neste caso apenas aprovada com 49% dos votos representativos do valor total do prédio)”, que não é aplicável o disposto no nº 4 do artigo 1432º do Código Civil, e que não houve “manifestação” posterior suficiente para se poder ter por completada a maioria necessária (aplicação, por analogia, dos nº 5 a 9 do mesmo artigo 1432º), as deliberações são anuláveis, podendo a anulabilidade ser decretada porque “a anulação vem pedida por quem votou contra as deliberações”. A terminar, o acórdão recorrido esclareceu não estar, nem alegada, nem provada matéria de facto que permita concluir pela existência de abuso de direito. 3. BB e outros, a fls. 2399, e Optimus – Telecomunicações, S.A, a fls. 2402, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça. A fls. 2456 foi proferido novo acórdão da Relação, indeferindo o requerimento de reforma e de arguição de nulidade parcial do acórdão, apresentado por Optimus – Telecomunicações, S.A. Os recursos foram admitidos como revista, com efeito meramente devolutivo. 4. Nas alegações que apresentaram, BB e outros formularam as seguintes conclusões: “1ª- O douto Acórdão recorrido violou, por errada interpretação, o disposto nos artigos 264º, nº 2, 659º, nº 3 e 660º, nº 2, do Código de Processo Civil, sustentando-se em factos que, ou não foram alegados na acção, ou não podem considerar-se provados, e conheceu de questões que não lhe foram submetidas. 2ª - Dos elementos dos autos não resulta provado qualquer prejuízo para a segurança do edifício decorrente da colocação do equipamento de telecomunicações na sua cobertura. 3ª - Crêem mesmo os recorrentes que o facto contrário, de o peso do equipamento não afectar a estrutura do prédio, se deve ter como confirmado, não só pelo relatório do Instituto de Soldadura e Qualidade de fls. 460, como pela circunstância de não ter sido invocado nos autos, durante os mais de oito anos entretanto decorridos, qualquer eventual dano superveniente causado no edifício. 4ª - Por outro lado, o prejuízo do arranjo estético e da linha arquitectónica do edifício, para além de também não poder considerar-se provado, não integrou a causa de pedir, pelo que a respectiva questão não podia ser conhecida pelo Acórdão. 5ª - As considerações feitas no Acórdão sobre a afectação das partes comuns a uso diverso do fim a que se destinam ou limitação das suas utilidades são, salvo sempre o devido respeito, vagas e confusas, e não são aplicáveis à concreta situação em causa. 6ª - A este propósito, refira-se que o Tribunal a quo desprezou o facto de ele próprio ter alterado a redacção da resposta ao quesito 3º, esclarecendo que ‘o espaço ocupado pelo telhado é em declive e sem protecções, inapropriado à frequência pelos habitantes do prédio, excepto em situações limite de reparações de antenas parabólicas, reparações no telhado, ou limpeza de chaminés’, e rejeitando a alegação, feita pela A., de que os condóminos iriam ficar impedidos e privados, de dia e de noite, ininterruptamente, de se movimentarem na área do telhado. 7ª - A instalação das antenas a que respeitam os autos não constituem inovações. 8ª - Por outro lado, no que respeita à questão da saúde, parece claramente injusto que possam ser tomadas decisões contra uma das partes num litígio, apenas com base na existência de um risco, ou de não haver garantia de que não haja perigo para aquela, ou seja, com fundamento em suposições ou excessos de cautela. 9ª – De qualquer modo, no entender dos recorrentes, a questão do direito à saúde (quando efectiva e comprovadamente violado) não deve ser tratado no âmbito do regime da propriedade horizontal. 10ª – Finalmente, ainda que se considere que a colocação das antenas constitui uma obra, e que a mesma, ou prejudica a segurança ou a linha arquitectónica e o arranjo estético (e que esta questão pode ser conhecida na decisão) ou altera o uso das partes comuns, ou constitui inovação, e que era, portanto, necessária a maioria qualificada de dois terços, crêem os recorrentes que as deliberações foram validamente aprovadas, uma vez que deve aplicar-se ao caso o disposto no artigo 1432º, nº 4, do Código Civil. 11ª – Não se entende por que razão o Acórdão, recorrendo à analogia, defende a aplicação do regime previsto para as deliberações em que se exige a unanimidade e não o regime previsto para aquelas em que é suficiente a maioria simples (que é diferente da ‘simples administração ordinária’ ali referida. 12ª – A douta decisão recorrida violou, por errada interpretação a aplicação, o disposto nos artigos 1422º, 1425º, 1432º e 1433ºdo Código Civil.” Quanto à recorrente Optimus – Telecomunicações. SA, formulou as seguintes conclusões do recurso que interpôs: “1. O douto acórdão posto em crise viola, por errada interpretação e aplicação, as normas dos artigos 10º, 334º, 342º e 344º, 1422º, 1425º e 1426º, 1432º, 1436º do Código Civil, padece dos vícios previstos nas disposições das alíneas b), c) e d) do nº 1 do art. 668° do CPC, encontrando-se, por isso, ferido de nulidade, e viola as disposições dos arts. 264°, n° 2, 659°, n° 3 e 660°. Faz ainda uma errada interpretação e aplicação das disposições constantes dos arts. 42°, 582°, nºs 3 e 4, 583°, 589°, n° 3, e 577°, n° 2, todos do CPC, como se passa a demonstrar sumariamente. 2. No que ao Agravo diz respeito, convirá referir que a perícia cujo objecto corresponde à medição das radiações das antenas em causa para apurar se cumpriam as disposições aplicáveis requerida pela Recorrente e a perícia cujo objecto corresponde às consequências das radiações na saúde requerida pela Autora correspondem a duas perícias distintas, por terem objectivos e objectivos inconciliáveis e por exigirem conhecimentos técnicos e científicos distintos. O douto acórdão recorrido (fls. 2373) confunde uma segunda perícia com duas perícias, ao defender que «a menos que os objectos e objectivos das perícias sejam estruturalmente inconciliáveis (…), o CPC só prevê a existência de uma segunda perícia se alguma parte lha pedir, mas, sublinha-se, só depois de conhecido o resultado da primeira (...)» [sublinhado no original]. «Mesmo assim, (…) a segunda Perícia só é admitida tendo por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira, e se destina a corrigir a eventual inexactidão dos resultados daquela. – art. 589°-3 do CPC». Contrariamente ao defendido no acórdão, quem estiver técnica e cientificamente habilitado a respeito de radiações electromagnéticas não ionizantes, apesar de poder estar também familiarizado sobre as suas consequências para a saúde, não está necessariamente habilitado para conhecer os seus efeitos sobre a saúde humana, como ficou evidenciado no relatório pericial e subsequentes esclarecimentos, visto que os Senhores Peritos não se pronunciaram sobre questões relativas a aspectos relacionados com a saúde. 3. Quanto aos vícios que importam as nulidades, cumpre referir que no acórdão não se encontram especificados os fundamentos de facto que justificam a decisão, os fundamentos invocados estão em contradição com a decisão, apreciam-se questões de que não se podia tomar conhecimento, inexistindo pronúncia sobre outras que mereciam atenção, como nas alegações melhor se descreve. À Autora cabia provar (artigo 3420 do CC) que existiria o risco das radiações das antenas interferirem no funcionamento de pace-makers e o risco de as mesmas radiações serem prejudiciais à saúde das pessoas, designadamente ao bom funcionamento do cérebro, memória, pressão arterial, perturbação do sono e da visão. Na fundamentação do acórdão quanto à decisão destes pontos diz-se que se «(continua ainda sem se conhecerem quais as consequências a longo prazo que tais exposições contínuas poderão vir a ter sobre a saúde (…)» (fls. 2379) e refere-se ainda que nos diversos documentos juntos aos autos vem dito que (não estão ainda cientificamente reconhecidas (…) que as radiações emitidas pelas antenas ( ... ) tenham efeitos prejudiciais à saúde. Mas nenhuma delas exclui que, designadamente a longo prazo, não se coloque o risco de prejuízo para a saúde ou sua perturbação ( ... )». Este fundamento está em inteira contradição lógica com a decisão tomada (de considerar provadas as alegações da Autora). Então se cientificamente não se conhecem consequências na saúde, vai dar-se como provado que há o risco de fazerem mal? Esta contradição é relevante porquanto todos os raciocínios e decisões posteriores se sustentam na suposição de que as antenas fazem mal à saúde (como acontece na fundamentação da decisão de não se pronunciar [ou pronunciar-se erradamente, como melhor desenvolvido nas alegações] sobre a questão do abuso de direito, ou na fundamentação de que os condóminos veriam limitado o uso do telhado, entre muitas outras), ao arrepio do que é dito nos documentos emanados de entidades como a Organização Mundial de Saúde, a Direcção-Geral de Saúde e na perícia efectuada. 4. Novas contradições entre os fundamentos e a decisão encontram-se a fls. 2383 e 2384 porquanto se diz que o que «essencialmente interessa para a acção é saber qual o real nível de exposição a que estão sujeitos os habitantes das fracções (...) em consequência da instalação dos equipamentos (…) e fazer a determinação da eventual necessidade dos condóminos (…) para acederem à caixa de ventilação e ao telhado face às supostas dificuldades que, com a instalação dos equipamentos, vieram a ser criadas aos condóminos». Ora, na matéria cujo aditamento à base instrutória se requeria (e foi negado) explicava-se que ninguém ia ao telhado e que o anterior acesso era feito por uma clarabóia, tendo-se depois aberto uma porta e, assim, facilitado tanto o acesso ao telhado (local perigoso pela altitude e declive do mesmo) que foi necessário colocar uma fechadura na porta. Constitui ainda uma contradição o facto de, apesar da alteração da a matéria do quesito 3º (fls. 2376 e 2377), no restante texto do acórdão considera-se que o acesso ao telhado teria ficado dificultado, prejudicado o seu uso, na suposição de que as pessoas iriam natural e periodicamente ao telhado, e fundamentar com esta irrealidade as decisões tomadas. Por outro lado, se, segundo o acórdão, o que realmente interessava era o nível de exposição das radiações, e se isso é resolvido pelos dados objectivos medidos pelos Senhores Peritos, e se essas medições obtidas foram remetidas para a matéria assente (al. P', cfr. fls. 2384), e se dessas medições resulta inequivocamente que mesmo a 0 m (zero metros) ou 10 cms (dez centímetros) as radiações medidas cumprem as disposições aplicáveis e em vigor relativamente à segurança das pessoas e à saúde humana, por que motivo se vem depois afirmar no acórdão (fls. 2392) que as antenas «não são seguras nas proximidades onde estão instaladas» ou que «envolvem perigo para a saúde»? 5. A fundamentação das decisões relativas à matéria de facto é, para além de contraditória, manifestamente insuficiente porque, ao não ser bastante para contrariar aquelas entidades (Organização Mundial de Saúde e Direcção-Geral de Saúde) e os resultados da perícia, não convence da sua bondade e justiça, como deveria acontecer em todas as decisões judiciais. 6. No acórdão veio a conhecer-se de questões que não estavam em causa, não tinham sido invocadas, debatidas, discutidas, não estavam provadas, não integravam a causa de pedir nem o pedido, o que constitui uma nulidade inequívoca. Isto aconteceu com a consideração referida no acórdão de que as antenas provocariam alteração estética ou da linha arquitectónica do edifício. Isso nunca foi invocado, não era disso que se queixava a Autora ou os demais Intervenientes. De forma que não foi levada à base instrutória matéria cuja resposta pudesse levar a semelhante conclusão. Como é bom de ver, as decisões devem ater-se àquilo que as partes estão a discutir, escolheram para debater, e sustentam (ou não) os seus pedidos pois, de outro modo, isso conduz à nulidade da decisão (cfr. pontos 2.5 e 4.1 das alegações). 7. Para além disso, o acórdão não se pronunciou sobre a questão invocada do abuso de direito, ou fê-lo com uma superficialidade tal que não se pode considerar que o tenha feito, o que implica nova nulidade (cfr. pontos 2.6 e 3 das alegações). 8. O acórdão viola ainda, por errada interpretação e aplicação, as normas dos artigos 10°,334°, 342° e 344°, 1422°, 1425° e 1426°, 1432°, 1436° do Código Civil. Vimos já, embora melhor desenvolvido nas alegações (4.1), que não foi invocado qualquer facto que pudesse levar a concluir que a colocação das antenas alteraria a linha arquitectónica ou a estética do edifício, motivo pelo qual o assunto não foi discutido nem foi demonstrado pelo que sobre ele o acórdão não tinha que se pronunciar. 9. Como é manifesto, também não é pela colocação de três mastros de antenas que o telhado passa a ter um uso diferente ou vê a sua utilidade modificada ou alterada. O telhado continua a ter a mesma função que unicamente tinha, a de salvaguardar e proteger o edifício. Na verdade, alterada a resposta ao quesito 3° da forma que é feita no acórdão (embora depois pareça terem-se esquecido dessa alteração), demonstra-se claramente que o telhado não é um espaço de fruição dos condóminos, ou que sirva para estes passearem ou utilizarem de alguma forma: é um espaço perigoso, em declive, que mais nenhuma função tem que não seja proteger. Do mesmo modo, dificilmente se compreenderia que a colocação de umas simples calhas para passagem de cabos eléctricos ou outros, ou a colocação de um pára-raios prejudicasse o uso das coisas comuns ou diminuísse a sua utilidade. Uma vez mais cairíamos numa situação de abuso de direito que não foi, seguramente, o que esteve presente no espírito do legislador ao regulamentar a propriedade horizontal (a ideia era regulamentar regras de vizinhança, não certamente oferecer a possibilidade das pessoas se insurgirem contra as coisas mais pequenas e até ridículas, como seja considerar-se que a passagem de uns simples cabos diminui a utilidade das coisas comuns...). 10. No douto acórdão recorrido considerou-se que a instalação do equipamento em causa constituiria uma inovação e, como tal, necessitaria a respectiva deliberação de ser aprovada pela maioria dos condóminos, representando dois terços. Com todo o respeito se dirá que existe aqui um enorme equívoco pois afigura-se que não é feita a devida distinção entre as situações do nº 3 do art. 1422° e a do 1425°, confundindo-se as maiorias de 2/3 aí previstas sem se cuidar de saber o que esteve no espírito do legislador. Nas situações previstas no art. 1422, n° 3, exige-se que as deliberações sejam aprovadas por 2/3 do valor do prédio; nas situações previstas no art. 1425° exige-se que as deliberações sejam aprovadas pela maioria dos condóminos, devendo no entanto essa maioria representar 2/3 do valor do prédio. Neste segundo caso, ou seja, para a realização de obras que constituam inovações, não basta a maioria de 2/3 do valor do prédio: essa maioria tem de representar também a maioria dos condóminos. Existe, por isso, uma grande diferença entre as duas maiorias referidas. E o motivo (como se demonstra pelo art. 1426°) é de ordem financeira. Ao contrário da situação prevista no n° 3 do art. 1422°, em que aquele que faz as obras é quem as custeia, os custos das obras que constituam inovações impõem-se a todos os condóminos (1426º). Pretendeu então o legislador evitar que um condómino que tivesse 2/3 do edifício pudesse impor aos restantes (3 ou 4 ou 5 ou os que fossem) encargos com obras inovadoras (cfr., melhor desenvolvido, ponto 4.3, bem como os exemplos aí descritos). Por isso é que aqui existe uma 'dupla maioria': 2/3 do valor do prédio, mas também a maioria dos condóminos. Ou, se se preferir, a maioria dos condóminos, representando 2/3 do valor do prédio. Ora, se o fundamento desta especial maioria prevista no art. 1425° é o encargo financeiro resultante para os condóminos (aprovem ou não as obras) e se da instalação das antenas não resultou qualquer encargo financeiro para qualquer dos condóminos (Autora e intervenientes incluídos), inexiste qualquer razão para aplicar à instalação das antenas as disposições dos artigos 1425° e 11. Confunde-se muito a instalação de antenas com a afixação de painéis publicitários nos edifícios, para o que se exige uma maioria de 2/3. Mas aqui devemos esclarecer as coisas: para a colocação de painéis publicitários exige-se uma maioria de 2/3, não porque constituam inovações (inexiste qualquer encargo para os condóminos, também nestas situações) mas porque (e apenas se o fizerem) podem alterar a estética ou a linha arquitectónica do edifício. Ou seja, é por aplicação do n° 3 do art. 1422°, e não por aplicação do art. 1425° (sendo que, neste caso, teriam de ser aprovadas por 2/3 pela maioria dos condóminos). Acontece que, como já se disse, em momento algum deste processo se invocou, discutiu, alegou ou provou que a colocação das antenas alterava a estética ou a linha arquitectónica deste edifício, o que sempre seria extremamente difícil de provar porquanto as antenas estão colocadas no telhado, à altura de cerca de 12 ou 13 andares, num local onde ninguém vai, muito longe da vista das pessoas. 12. E, na verdade, as antenas estão instaladas num local onde as pessoas não vão, não retiram qualquer utilidade do telhado que não seja a natural de salvaguarda e protecção, não lhe alteram a finalidade, não sai em nada prejudicada a utilização que os condóminos possam fazer do telhado. De onde resulta que, não se tratando de uma inovação nem alterando a estética ou a linha arquitectónica do edifício, tem aqui aplicação o disposto no n° 3 do art. 1432°, pelo que, face à matéria assente, as deliberações aqui em causa foram aprovadas por uma maioria muito maior do que a necessária e são, por isso, válidas e eficazes. Decidindo assim, que em nossa opinião é o modo e interpretação correcta, pôr-se-á termo a uma enorme quantidade de equívocos que, quanto a estes temas, têm circulado, não só na opinião pública como até nos tribunais. 13. Mas mesmo que se entendesse que as obras de instalação do equipamento de telecomunicações constituiriam inovações – o que se concebe como mera hipótese de patrocínio e sem se conceder – a conclusão seria a mesma. A maioria qualificada exigida no art. 1425°, nº 1 do Código Civil, de dois terços do valor total do prédio aplica-se caso a assembleia de condóminos reúna em primeira convocatória e, em segunda convocatória, que é o caso dos autos, aplica-se o disposto no artigo 1432, nº 4, do Código Civil. Neste artigo, o legislador teve a preocupação de prescrever soluções para a falta de quorum para a aprovação das deliberações, tentando superar as dificuldades decorrentes das habituais ausências de condóminos e modernizar e agilizar as relações dentro do instituto da propriedade horizontal. A realidade não permite uma solução diferente. O legislador, no nº 5 do citado preceito, teve o cuidado de expressamente prever a aprovação de deliberações dependentes da unanimidade dos condóminos em assembleia reunida em segunda convocatória, aligeirando o modo de aprovar a deliberação também nestes casos especialíssimos em que se exige a unanimidade. Ora, se até para estas deliberações dependentes da unanimidade dos votos totais, o legislador aligeirou a exigência da maioria necessária para a sua aprovação, é lógico, que para as deliberações que dependam da presença da maioria qualificada de dois terços do valor total, quando aprovadas em segunda convocatória, também se aligeire tal maioria. 14. Segundo o acórdão recorrido, existiria aqui uma lacuna nos casos das inovações, lacuna essa que se pretende resolver por analogia com a situação da falta de quorum nos casos em que se exige a unanimidade. No entanto, não parece que a lacuna referente uma situação menor de maioria qualificada exigida para as inovações) possa ser resolvida por analogia recorrendo à situação mais gravosa e exigência da unanimidade). Na verdade, se a maioria dos votos representativos do capital investido em primeira convocatória passa para a maioria dos votos de um quarto do valor investido, em segunda convocatória; e se para a unanimidade dos votos em primeira convocatória se passa para a maioria de dois terços do valor total do prédio, em segunda convocatória; ditam as regras da interpretação que a maioria qualificada em primeira convocatória também seja aligeirada na segunda convocatória. O legislador não previu expressamente a situação da aprovação das deliberações dependentes de maioria qualificada, em segunda convocatória mas, atendendo a intenção do legislador de facilitar a aprovação das deliberações e de superar as dificuldades decorrentes da reunião de uma grande maioria (2/3) e da unanimidade dos condóminos, deve entender-se ser aqui aplicável a regra do nº 4 do art. 1432° do Código Civil. Caso contrário, para estas deliberações, se não se conseguisse reunir em segunda convocatória dois terços do valor total do prédio, jamais se conseguiria aprová-las. Não nos parece ter sido essa a intenção do legislador. 15. De resto, não é uma situação completamente nova, entre nós pois, no Código das Sociedades Comerciais, o art. 383°, n° 2, dispõe que para a assembleia geral poder deliberar, em primeira convocação, sobre determinados assuntos para os quais se exija maioria qualificada, terão de estar presentes ou representados accionistas que detenham acções representativas de um terço do capital social. Diz o nº 3 do art. 386° que a deliberação sobre esses assuntos deve ser aprovada por dois terços dos votos emitidos, quer a assembleia reúna em primeira ou em segunda convocação. Mas já o n° 4 do mesmo artigo dispõe que, em segunda convocação, se estiverem presentes ou representados accionistas detentores de, pelo menos, metade do capital social, as deliberações sobre algum dos assuntos referidos no n° 2 do art. 383° já poderá ser tomada apenas pela maioria dos votos emitidos. Parece boa solução para desentorpecer e agilizar as deliberações». Termina sustentando que se deve conceder provimento ao recurso e “declarar-se nulo ou revogar-se o douto acórdão recorrido, julgando-se a acção totalmente improcedente” ou, para o caso de “assim se não entender (…) julgar(…) procedente o recurso na parte respeitante ao indeferimento doa agravo interposto em 1ª instância e, consequentemente, ordenar(…) a realização da perícia requerida, anulando-se todo o processado subsequente (...)”. Quanto aos recorridos, responderam a ambas as alegações, sustentando que o acórdão devia ser confirmado. Em síntese, afirmaram: – que o acórdão recorrido se baseia na matéria de facto que foi julgada provada, cuja alteração não é já possível, não ocorrendo nenhuma causa da respectiva nulidade; – que está assente que existe “prejuízo para a segurança do prédio, decorrente das obras e da instalação e funcionamento do equipamento de Telecomunicações da Optimus”, bem como para a segurança pessoal e a saúde, quer dos condóminos, quer de quem se deslocar ao edifício, que se trata de inovações e que tais inovações prejudicam a utilização “quer das coisas próprias, quer das comuns”; – que as deliberações impugnadas, que nem sequer foram votadas pela “maioria dos condóminos representativos de 2/3 do valor total do prédio”, careciam de unanimidade para terem sido validamente aprovadas; – que não pode proceder o recurso na parte respeitante ao agravo. 5. A fls. 2685 foi proferido o seguinte despacho: «Tendo em conta a data da propositura da presente acção, é-lhe aplicável a redacção que o Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, veio dar ao artigo 721º do Código de Processo Civil. Assim sendo, só é possível, na revista, “alegar, além da violação de lei substantiva, a violação de lei de processo, quando desta for admissível o recurso, nos termos do nº 2 do artigo 754º (…) do mesmo Código. Ainda tendo em conta aquela mesma data, a redacção deste nº 2 do artigo 754º que há-de ser conjugada com o nº 1 do artigo 722º é a que resultou do Decreto-Lei nº 329-A/95, alterado pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, segundo a qual não era admissível “recurso do acórdão da relação que confirme, ainda que por diversos fundamentos, sem voto de vencido, a decisão proferida na 1ª instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo (…), jurisprudência com ele conforme”. Ora, no caso, e apenas no que agora interessa, a recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A. pretende – embora apenas para o caso de “se não entender” que a acção deva ser julgada “totalmente improcedente” – que se julgue “procedente o recurso [de revista que interpôs] na parte respeitante ao indeferimento do agravo interposto em 1ª Instância” e, consequentemente, que se ordene “a realização da perícia requerida, anulando-se todo o processado subsequente”. Resulta, todavia, do que se disse que, quanto a essa “parte”, não se afigura admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Assim, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 704º e no artigo 726º do Código de Processo Civil, convidam-se as partes a pronunciarem-se, querendo, sobre a hipótese de se não conhecer parcialmente do recurso, nos termos expostos.» Respondeu a recorrida, pronunciando-se no sentido da inadmissibilidade de recurso na parte correspondente ao agravo. Pelos fundamentos constantes do despacho de fls. 2685, não se conhece do recurso interposto por Optimus – Telecomunicações, S.A., na parte respeitante à impugnação da decisão de negar provimento ao agravo interposto em 1ª Instância, a fls. 1118. 6. Tendo em conta as alterações determinadas pelo acórdão recorrido, a matéria de facto que vem dada como provada, que não foi impugnada nos termos do disposto no nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil, é a seguinte: - A Autora é dona e legítima possuidora da fracção autónoma designada por "AO", relativa ao 5.º andar direito, com entrada pelo n.º 175, do prédio sito na Praceta do Prof. Egas Moniz, n.ºs 183, 181, 177/187, 173/189, 169/191, 165/193, 161, 168, 170, 172, 158/162, 156, 175, 167 e 164, desta cidade do Porto. - alínea a) dos factos assentes; - Descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 61.169 e inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de Aldoar sob o artigo 1357. - alínea b) dos factos assentes; - O aludido prédio acha-se constituído em propriedade horizontal, conforme escritura de 26.08.1980, realizada no 7.º Cartório Notarial do Porto. - alínea c) dos factos assentes; - O sócio gerente da Requerente, - o médico Doutor AAl -, mora e vive na dita fracção "AO" com todo o seu agregado familiar. - alínea d) dos factos assentes; - O requerente é dono e legítimo possuidor da facção autónoma designada por “AAJ”, relativa ao 8º andar, direito, com entrada pelo nº 164, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Praceta do Professor Egas Moniz, nºs 183, 181,177, 187, 173/189, 169/191, 165/193, 161, 168, 170, 172, 158/162, 156, 175, 167 e 164, no Porto - alínea e) dos factos assentes; - A requerente é dona e legítima possuidora da facção autónoma designada por “AAN”, relativa ao 9º andar, centro, com entrada pelo nº 164, do prédio sito na Praceta do Professor Egas Moniz, nºs 183, 181,177, 187, 173/189, 169/191, 165/193, 161, 168, 170, 172, 158/162, 156, 175, 167 e 164, no Porto - alínea f) dos factos assentes; - A requerente é dona e legítima possuidora da fracção autónoma designada por “N”, relativa ao 1º andar, Esquerdo, com entrada pelo nº 175, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Praceta do Professor Egas Moniz, nºs 183, 181,177, 187, 173/189, 169/191, 165/193, 161, 168, 170, 172, 158/162, 156, 175, 167 e 164, no Porto – alínea g) dos factos assentes; - Conforme consta do documento de fls. 52 foi convocada uma assembleia para o dia 20 de Maio de 1998 para os condóminos deliberarem sobre a instalação de antenas de telecomunicações, no telhado do prédio em condomínio alínea h) dos factos assentes; - Nesta mesma convocatória, fixou-se desde logo o dia 22 do mês de Maio para nova reunião, se não comparecesse o número de condóminos suficientes para se obter vencimento. - alínea i) dos factos assentes; - A Assembleia convocada para 20 de Maio último, só veio a realizar-se, em segunda convocação, no anunciado dia 22 do mesmo mês de Maio, e, portanto, em nova reunião, nela se tendo votado de novo a instalação e funcionamento de antenas no telhado do prédio, para efeitos de Telecomunicações por telefones móveis, mediante retribuição .- alínea j) dos factos assentes; - A instalação e funcionamento das antenas de Telecomunicações, no telhado do prédio em Condomínio, foi considerada aprovada por 502 votos a favor, 212 votos contra e 39 abstenções. – alínea l) dos factos assentes; - A 3 de Junho do corrente ano, em 2.ª sessão, voltou a reunir-se a Assembleia de Condóminos, - em continuação da 1.ª efectuada a 22 de Maio -, visto que esta última ficara suspensa devido ao adiantado da hora. - alínea m) dos factos assentes; - Nesta última e 2.ª sessão, os Condóminos começaram por votar uma proposta apresentada pelo Sr. CC, destinada a ser "celebrado o contrato" de arrendamento "proposto" pela Main Road Telec., S.A. "no mais curto prazo", sendo mandatário, para o efeito, o Condómino Sr. DD. – alínea n) dos factos assentes; - Esta proposta foi considerada aprovada com 475 votos a favor e 150 votos contra. – alínea o) dos factos assentes; - Procedeu-se também, nesta mesma 2.ª reunião, - aliás por duas vezes -, à votação da própria minuta do contrato de arrendamento, bem como sua celebração com a interessada Main Road, Telecomunicações, S.A., para a instalação, exploração comercial e funcionamento de antenas e mais equipamentos de telecomunicações, na parte do telhado do bloco do prédio em Condomínio, com entrada pelo nº 164. – alínea p) dos factos assentes; - Com tais deliberações pretendeu-se a celebração com a Main Road – S.A. – actual Optimus – a celebração de um contrato destinado a proporcionar a ocupação do telhado, por determinado período de tempo, com a instalação e exploração comercial mediante retribuição anual. – alínea r) dos factos assentes; - Requereu também, ainda que preliminarmente, a suspensão das três ultimas deliberações citadas. – alínea s) dos factos assentes; - As antenas encontram-se devidamente licenciadas pela entidade a quem compete a fiscalização nesta área (Instituto das Comunicações de Portugal) cumprindo todas as normas nacionais e europeias em vigor.- alínea u) dos factos assentes; - Ao contrário das antenas isotrópicas, que radiam com igual potência em todas as direcções, as antenas em causa, as GSM (Group Special Mobile são altamente directivas, o que significa, em primeiro lugar, que radiam para frente, sendo a radiação para a rectaguarda (o denominado back lobe) apenas residual.- alínea v)dos factos assentes; - Pelo que é praticamente nula a radiação na superfície que corresponde à parte superior à caixa dos “elevadores” situada sempre na parte de trás das antenas em causa – que aliás, na sua maior parte corresponde à parede da referida “caixa” – pelo que são cumpridos nessa superfície os limites definidos para a compatibilidade electromagnética e para a exposição ao público.- alínea x) dos factos assentes; - E, em segundo lugar, as antenas em causa não radiam na sua máxima potência na direcção do chão mas num plano horizontal, algumas vezes, ligeiramente inclinado (tilt entre 0º e 10º),- alínea z) dos factos assentes; - Este tipo de emissão na horizontal reduz consideravelmente o nível de campo electromagnético radiado abaixo do nível do telhado, acima do qual estão instaladas as antenas. Além de que, a abertura vertical do feixe é sempre muito estreita, tipicamente entre 6º-8º.- alínea a’) dos factos assentes; - A A. é proprietária da fracção “AO”.- alínea b’) dos factos assentes; - Segundo essa licença, a potência desses Emissores/Receptores, – vulgarmente designados por “Antenas” – é de 462.4 Watts, 473.2 Watts e 495.5 Watts. – alínea c’) dos factos assentes; - A zona de insegurança produzida no telhado foi inicialmente calculada pelo referido Instituto como sendo de 2 metros tendo como base uma PAR de 60 Watts, isto é, uma “Antena”com Potência Activa Radiada de apenas 60 Watts.- alínea d’) dos factos assentes; - Foi passado um cabo do tipo 4X10+T10 mm2 desde a caixa de coluna direita do 10º andar para o contador situado no 11º andar e para o limitador de potência no terraço, junto da BTS. – alínea f’) dos factos assentes; - Alterou a caixa de coluna direita do 10º andar com a instalação de 3 Porta-Fusíveis 14X51, para protecção da sua instalação.- alínea h’) dos factos assentes; - Está, agora, em ininterrupto funcionamento no interior dessa “Caixa de Ventilação” – um aparelho que faz parte do Equipamento de Telecomunicações da Optimus.- alínea m’) dos factos assentes; - A empresa contratante – Main Road – S.A. – actual Optimus – procederá no telhado do prédio, à exploração de toda uma estrutura destinada ao exercício empresarial de prestação de serviços de Telecomunicações por telefones móveis, tendo em vista o público em geral.. Essa estrutura traduz-se na utilização/ocupação de parte do espaço comum, com a instalação dos equipamentos referidos na resposta ao quesito 2º, e cuja função se destina à recepção e transmissão de comunicações móveis terrestres – nº 1 da B.I. - Tudo isto implica, a instalação simultânea de equipamentos diversos, sistemas de antenas, cabos de transmissão, fios, pára-raios e a montagem de várias cabines de rádio/gabinetes técnicos cujo peso total ronda os 2.000 kg de peso, dos quais 850 kg a 900 kg respeitam à caixa do armário – nº 2 da B.I. - O espaço ocupado pelo telhado é em declive e sem protecções, inapropriado à frequência pelos habitantes do prédio, excepto em situações limite de reparações de antenas parabólicas, reparações no telhado, ou limpeza de chaminés. – nº 3 da B.I. - Existe o risco de as referidas radiações interferirem no funcionamento dos pace-makers dos doentes cardíacos. – nº 5 da B.I. - Existe o risco de a propagação das referidas radiações electromagnéticas provenientes do referido equipamento serem prejudiciais à saúde da A., intervenientes e demais condóminos, designadamente ao bom funcionamento do cérebro, à memória, pressão arterial, perturbação do sono e da visão – nº 6 da B.I. - As placas do prédio, que se situam desde o cimo das "Caixas da Ventilação e dos Elevadores" até ao 10º andar, foram perfuradas e atravessadas por cabos e calhas DLP, mercê de trabalhos realizados pela Main Road, Telecomunicações, SA. – nº 8 da B.I. - Foi com esta obra que a referida empresa ligou o seu Equipamento de Telecomunicações à Rede Eléctrica e à Rede de Terras do próprio prédio em condomínio. – nº 9 da B.I. - Procedeu à montagem de caixa contador e à montagem de Pater para Limitador de Potência. – nº 10 da B.I. - A porta de acesso à "Caixa da Ventilação", cujo interior constitui desvão do telhado, foi fechada à chave; o fecho da porta de acesso à caixa de ventilação e ao telhado foi feito por razões de segurança; qualquer condómino pode aceder a esse local procurando a chave junto da administração ou do guarda/porteiro do prédio – nº 11º da B.I. Conforme aditado pela Relação: “ – o teor do doc. junto como nº 2 com a p.i. (escritura de constituição de propriedade horizontal) – fls- 17 a 51, cujo teor se dá aqui por reproduzido”. – O teor do doc. junto como nº 3 com a p.i. (deliberações da Assembleia de condóminos em 22 de Maio e 3 de Junho de 1998 – fls. 53 a 55); – As medições apuradas pela Perícia efectuada – fls. 1186 e ss e 1359 e ss. – Entre o condomínio e a Main Road (actual Optimus) foi celebrado o contrato titulado pelo doc. junto na contestação dos RR. – fls. 254 e ss., cujo teor se dá aqui por reproduzido”. 7. Cumpre passar ao conhecimento dos recursos, recordando desde já não serem aplicáveis as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 307/2007, de 24 de Agosto. Para o efeito, cumpre conhecer das seguintes questões: – nulidade do acórdão; – necessidade de unanimidade ou, apenas, de maioria, e, nesta eventualidade, de que maioria, para a aprovação das deliberações impugnadas; – eventualmente, abuso de direito, delimitado pela recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A., nos termos da conclusão 9ª das respectivas alegações (nºs 2 e 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil). 8. É aplicável ao acórdão proferido em recurso de apelação o regime definido para as nulidades da sentença pelo artigo 668º do Código de Processo Civil (nº 1 do respectivo artigo 716º). Entre os motivos de nulidade de acórdão encontram-se a falta de fundamentação, a contradição entre a fundamentação e a decisão, o excesso e a omissão de pronúncia – als. b), c) e d) do nº 1 daquele artigo 668º –, que são os vícios a que se reconduz a arguição de nulidade pela recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A. Verifica-se, todavia, que ao justificar a alegação, quer de falta de fundamentação de facto, quer de contradição entre a fundamentação e a decisão, a recorrente antes exprime a sua discordância quanto à interpretação que o acórdão recorrido fez das provas produzidas, e quanto às conclusões de facto que delas extraiu. E é dessa discordância que deriva a apontada contradição entre a fundamentação e a decisão, contradição de que o acórdão recorrido, na sua lógica interna, não enferma. Ora, nem uma hipotética “inversão ilegal do ónus da prova”, nas palavras da recorrente, nem uma errada decisão de facto provocaria nulidade, sendo apenas sindicável por via de recurso, se e na medida em que for admissível. Assim como também não provoca nulidade a afirmação de que a fundamentação é insuficiente por não ser convincente. Mas a recorrente sustenta ainda que o acórdão recorrido conheceu de questões cuja apreciação lhe estava vedada, referindo-se à repercussão que as antenas teriam na estética ou na linha arquitectónica do edifício. Note-se, no entanto, que o acórdão recorrido se baseou em factos havidos como provados para se pronunciar sobre essa repercussão; todavia, não foi efectivamente invocado como fundamento do pedido que “a colocação das antenas alterava o arranjo estético ou a linha arquitectónica do edifício”. De qualquer modo, e independentemente do peso que tais considerações tenham na decisão recorrida, acontece, como se verá, que a solução a que adiante se chega afasta a relevância da questão, razão pela qual se tornaria inútil declarar e suprir uma eventual nulidade, suprimento esse que seria da competência deste Supremo Tribunal (nº 1 do artigo 721º do Código de Processo Civil). Finalmente, a recorrente argui ainda nulidade por omissão de pronúncia, porque o acórdão recorrido “não se pronunciou sobre a questão invocada do abuso de direito, ou fê-lo com uma superficialidade tal que não pode considerar-se que o tenha feito”. Não procede esta arguição: o acórdão recorrido justificou que não havia matéria de facto suficiente para ser possível considerar verificado tal abuso. Indefere-se, pois, a arguição de nulidade. 9. Os recorrentes BB e outros também consideram que o acórdão recorrido se sustenta em factos não alegados ou não provados e conhece de uma questão não suscitada (conclusões 1ª a 6ª). Além do que consta do ponto anterior deste acórdão, cabe desde já verificar que não é possível, no âmbito da revista e fora das condições definidas no nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil, a alteração da decisão sobre a matéria de facto. 10. Como todos sabemos, na propriedade horizontal coexistem num mesmo edifício (ou eventualmente num conjunto de edifícios que obedeça aos requisitos previstos no artigo 1438º-A do Código Civil, ao qual foi acrescentado pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro), formando um conjunto incindível, os direitos de propriedade exclusiva dos condóminos sobre as respectivas fracções autónomas e os direitos dos mesmos condóminos sobre as partes comuns, por princípio moldados segundo o regime da compropriedade (artigo 1420º do Código Civil). Nas palavras de M. Henrique Mesquita (A propriedade horizontal no Código Civil Português, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII – nºs 1-2-3-4, pág. 79 e segs., pág.84), “o que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária – o que, necessariamente, há-de criar especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo pelo que respeita às fracções autónomas”. Essa interdependência – que carece de ser entendida à luz da função acessória e instrumental que as partes comuns desempenham por relação às fracções autónomas – repercute-se, naturalmente, no regime jurídico aplicável, quer a umas, quer a outras. Assim e por exemplo, no que respeita às fracções autónomas, os respectivos proprietários estão, não só, sujeitos “às limitações impostas aos proprietários (…) de coisas imóveis”, como relembra o nº 1 do artigo 1422º do Código Civil (vejam-se, por exemplo, os artigos 1346º ou 1347º do Código Civil), mas ainda sofrem, no âmbito dos normais poderes de “uso, fruição e disposição” que o artigo 1305º atribui ao proprietário, outras restrições decorrentes da sua inserção no conjunto. É o que resulta, nomeadamente, do nº 2 do artigo 1422º do Código Civil, que proíbe ao condómino que prejudique “a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício” com obras realizadas na sua fracção (ressalvada a autorização prevista no nº 3) ou “por falta de reparação” de que a mesma careça, que a destine a “usos ofensivos dos bons costumes” ou lhe dê “uso diverso do fim a que se destina” ou, ainda, que pratique “actos ou actividades que tenham sido proibidas no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição” (cfr. ainda o nº 4). Relativamente às partes comuns – que agora especialmente relevam, por estarem em causa deliberações relativas ao destino e utilização do telhado (al. b) do nº 1 do artigo 1421º do Código Civil) –, o legislador português optou por remeter para o regime da compropriedade, como se viu já, opção mantida pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro. Naturalmente que o regime da compropriedade tem de sofrer as adaptações decorrentes da apontada ligação funcional (acessória e instrumental, não é demais observar) entre as partes comuns e as fracções autónomas, em particular quanto aos poderes que cada condómino sobre elas pode exercer e quanto à forma como se processa a respectiva administração e eventual oneração, ou disposição. Em alguns casos, a lei afasta expressamente pontos do regime em geral definidos para a compropriedade. Assim sucede com a impossibilidade de renúncia ao direito sobre as partes comuns, como forma de o comproprietário se eximir ao pagamento de “despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum”, admitido pelo artigo 1411º para a compropriedade e excluído na propriedade horizontal pelo nº 2 do artigo 1420º; com o direito de pedir a divisão da coisa comum, consequência da regra segundo a qual nenhum comproprietário é obrigado a permanecer na indivisão (artigo 1412º do Código Civil), excluído na propriedade horizontal (artigo 1423º); ou com o direito de preferência (1409º), igualmente excluído na propriedade horizontal. Nenhuma novidade decorre destas exclusões: se o conjunto entre a propriedade singular (sobre as fracções) e comum (sobre as partes comuns) é incindível, e se nenhuma pode, portanto, ser alienada separadamente, é inevitável que aquela renúncia seja inadmissível; na compropriedade, cada comproprietário pode alienar a sua quota (art. 1408º). Se as coisas comuns (quer necessária, quer presumidamente comuns) são comuns ainda que estejam afectadas ao uso de uma fracção autónoma (cfr. artigo 1421º) e são instrumentais em relação à utilização das fracções autónomas, seria incongruente a possibilidade de divisão. Se é inalienável separadamente a “parte” de cada condómino nas partes comuns, não faria sentido que os outros pudessem preferir em eventuais alienações a terceiros. Note-se que não é comparável com a preferência na compropriedade a não atribuição do direito de preferência “na alienação de fracções”, expressa no artigo 1423º do Código Civil; na ausência de disposição expressa, seria necessário fazer decorrer tal direito de preferência da compropriedade em relação às partes comuns, o que não teria viabilidade, desde logo porque implicaria a inversão do nexo de acessoriedade e de instrumentalidade existente entre as partes comuns e as fracções autónomas. Admite-se, todavia, que o preceito esclareça dúvidas que poderiam, por exemplo, ser levantadas, tendo em conta o regime previsto no artigo 417º do Código Civil (aplicável à preferência legal do comproprietário por remissão do artigo 1409º, nº 2). Noutros pontos, a lei regula autonomamente questões com relevo específico no âmbito da propriedade horizontal, como se pode verificar, por exemplo, no regime previsto pelo artigo 1428º para a hipótese de destruição de todo ou de parte do edifício. Outras vezes ainda, disciplina expressamente matérias relativamente às quais admite que o regime se afaste em maior ou menor medida do que define para a compropriedade. É o que sucede, por exemplo, com o direito de uso das partes comuns. Na compropriedade, cada consorte tem direito de usar a coisa comum, com a limitação do fim “a que a coisa se destina” e da proibição de privar os demais “do uso a que igualmente têm direito” (nº 1 do artigo 1406º do Código Civil). É todavia possível regular o uso, por acordo (mesmo preceito). Na propriedade horizontal, mais uma vez ocorre que a relação funcional entre as partes comuns e as fracções autónomas se repercute nas regras aplicáveis ao uso das partes comuns: é admissível fixá-las no título constitutivo (cfr., por exemplo, o nº 3 do artigo 1421º) ou no regulamento do condomínio; mas nunca de forma a prejudicar a utilização e fruição das fracções autónomas. 11. Interessa agora prestar atenção especial à forma como a lei regula a administração das partes comuns, sendo evidente a preocupação (por razões práticas óbvias) de criar um mecanismo estável e organizado, por um lado sem paralelo com o regime difuso previsto para a compropriedade, mas, por outro, sem chegar à instituição de uma entidade juridicamente autónoma. Com efeito, na compropriedade, e na falta de convenção em contrário, cada consorte tem “igual poder para administrar” (nº 1 do artigo 985º do Código Civil, aplicável por remissão do nº 1 do artigo 1407º), funcionando supletivamente a regra da maioria dos consortes, desde que representem, “pelo menos, metade do valor total das quotas”. No âmbito da propriedade horizontal, os artigos 1430º e segs. atribuem a administração “à assembleia dos condóminos e a um administrador”, definindo os respectivos poderes, o peso de cada condómino nas deliberações aprovadas em assembleia e as maiorias necessárias para essa aprovação (maioria do capital investido, por princípio; unanimidade em alguns casos, maioria de 2/3 do capital ou, simultaneamente, maioria de condóminos e maior de 2/3 do capital). 12. Está agora fundamentalmente em causa a questão de saber qual o regime aplicável a uma deliberação de “celebração de um contrato destinado a proporcionar a ocupação do telhado, por determinado período de tempo, com a instalação e exploração comercial, mediante retribuição anual” de “antenas e mais equipamentos de telecomunicações, na parte do telhado do bloco do prédio em condomínio”, como se deu por provado. Trata-se assim de um contrato de arrendamento subtraído pela alínea e) do nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 321-A/90, de 15 de Outubro, ao Regime do Arrendamento Urbano, que este diploma aprovou. É pois ao Código Civil (não sendo aplicáveis as alterações nele introduzidas pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro para a locação em geral e para o arrendamento em especial), que há que recorrer para encontrar a disciplina aplicável ao mesmo contrato. No que em particular agora interessa – apreciar a validade da deliberação de celebrar um tal contrato, tendo como objecto partes comuns de um prédio em regime de propriedade horizontal – há que situar aquela disciplina no contexto da propriedade horizontal, tendo especificamente em conta o regime definido para a utilização e administração das referidas partes comuns. Entre as regras que o Código Civil define expressamente para a propriedade horizontal não figura a hipótese que agora nos interessa. No entanto, encontra-se na regulamentação específica da locação a afirmação, por um lado, de que, para o locador, “a locação constitui (…) um acto de administração ordinária, excepto quando for celebrada por prazo superior a seis anos” mas, por outro, a de que, tratando-se de “arrendamento de prédio indiviso”, o contrato só será válido se todos os comproprietários estiverem de acordo. É fácil de compreender esta exigência, tendo em conta os efeitos decorrentes da celebração deste contrato. A locação destina-se a proporcionar ao locatário “o gozo temporário de uma coisa” (artigo 1022º do Código Civil), o que implica, por exemplo, a sua entrega ao locatário e a obrigação de lhe assegurar o referido gozo (artigo 1031º), bem como a impossibilidade, por parte do locador, de praticar actos que o impeçam ou diminuam (artigo 1037º). Coloca-se assim a questão de saber se a exigência de unanimidade vale para o arrendamento de partes comuns em caso de propriedade horizontal, como resultaria da conjugação entre o nº 2 do artigo 1024º e o nº 1 do artigo 1420º, ambos do Código Civil e ambos já citados. A esta questão, o acórdão recorrido respondeu negativamente, louvando-se no parecer jurídico junto aos autos: “(…) o regime da propriedade horizontal não corresponde exactamente à soma de dois regimes (propriedade e compropriedade). A propriedade horizontal rege-se apenas por estes, naquilo que não seja específico da regulamentação própria. Não lhe é aplicável, por isso, a regra da unanimidade de determinadas deliberações previstas para a compropriedade, quando a propriedade horizontal tem previsto um regime específico. E também não pode ser aplicado à propriedade horizontal, nos casos omissos, o recurso à analogia de regimes diferentes, fazendo reverter contra si, um regime mais desfavorável do que aqueles que está previsto para as situações concretas mais gravosas. Ora, havendo uma gradação de prejuízo entre uma deliberação da assembleia e os interesses protegidos de algum condómino, entre onerar definitivamente ou onerar apenas temporariamente os direitos de um condómino, a menos onerosa (relativamente ao concreto objecto) é a deliberação que onere apenas temporariamente os direitos ou interesses desse condómino. Sendo assim, se para a validação de uma deliberação que envolva a disposição ou oneração definitiva de uma parte comum é exigido, na propriedade horizontal, que a respectiva aprovação conte com a maioria dos condóminos e com a maioria de dois terços do valor do prédio, não se pode sustentar que para a oneração temporária (com o arrendamento), seja exigido um regime mais gravoso, ou seja, a da unanimidade de todos os condóminos. A analogia tem de encontrar-se, portanto, dentro do regime específico das normas próprias da propriedade horizontal, e não dos regimes subsidiários dos direitos de propriedade e compropriedade. Entendemos por isso não poder ser aplicável a regra da unanimidade dos condóminos para a aprovação de deliberações que tenha em vista a celebração de um contrato de arrendamento que afecte partes comuns do edifício. De resto, e à laia de complemento, sempre se dirá que um prédio constituído em propriedade horizontal não pode considerar-se um prédio indiviso, pelo que nos parece forçada, até por isso, a chamada à colação do regime previsto no art. 1024.º ao caso em presença.” Antes de mais, cumpre esclarecer que a questão de saber se o nº 2 do artigo 1024º do Código Civil se aplica ou não à propriedade horizontal se restringe a determinar se é ou não aplicável ao arrendamento de partes comuns, porque só essas podem ser tratadas como um “prédio indiviso”; só aliás em relação às partes comuns é que o nº 1 do artigo 1420º do Código Civil afirma que cada condómino é “comproprietário”. Não se confunde o arrendamento de uma fracção autónoma com o arrendamento de partes comuns. O arrendamento de uma fracção autónoma, que pela própria natureza da propriedade horizontal implica a possibilidade de utilização, pelo arrendatário, das partes comuns, respeita ao exercício dos poderes de proprietário exclusivo de cada condómino. Mas, em tal eventualidade, essa utilização está sujeita às mesmas restrições que teriam de ser respeitadas pelo próprio condómino, proprietário da fracção arrendada. Diferentes problemas levanta o arrendamento de partes comuns, que necessariamente afecta em termos que não resultam da função instrumental que desempenham relativamente à utilização das fracções autónomas. Por isso se coloca, desde logo, o problema de saber a quem cabe o poder de o decidir – ao administrador ou à assembleia de condóminos; e, competindo à assembleia, o de determinar como tem de ser aprovada a correspondente deliberação – unanimidade ou maioria, e que maioria. Faz pois todo o sentido averiguar se o nº 2 do artigo 1024º do Código Civil é ou não aplicável ao arrendamento de partes comuns, no âmbito da propriedade horizontal. 13. Contrariamente ao acórdão recorrido, entende-se que é necessária a unanimidade dos condóminos (não se questionando, naturalmente, a possibilidade de tal unanimidade se manifestar pelo modo previsto no nº 5 do artigo 1432º do Código Civil), nos termos conjugados do disposto no nº 2 do artigo 1024º e no nº 1 do artigo 1420º, ambos do Código Civil. A aplicação destes preceitos não implica o reconhecimento de nenhum caso omisso, a preencher por analogia, mais ou menos próxima. O nº 2 do artigo 1024º contém uma regra própria do contrato de arrendamento; tal como as demais que a lei define para tal contrato, é aplicável no âmbito da propriedade horizontal, porque nenhuma regra específica deste instituto se lhe opõe, nem directa, nem indirectamente (como poderia na verdade resultar das normas definidas para a formação da vontade na assembleia de condóminos). É incontestável, como aliás se viu já, que a lei regulou a administração das partes comuns, no âmbito da propriedade horizontal; não previu expressamente, porém, a formação da vontade de decidir celebrar um contrato de arrendamento de partes comuns. É igualmente incontestável a qualificação legal da locação como acto de administração ordinária, desde que celebrada por prazo não superior a seis anos; e que, no caso, não se põe o problema do significado efectivo do prazo convencionado, como se poderia colocar em relação a contratos de arrendamento que excluam (pelo menos por princípio) o direito do senhorio de denunciar o contrato para o termo do prazo. Todavia, o mesmo artigo 1024º do Código Civil, que afirma essa qualificação, afasta desde logo dificuldades que criaria a sua articulação meramente formal com a atribuição a todos os comproprietários do direito de administrar a coisa comum. Não seria realmente aceitável que um comproprietário pudesse impor aos demais as consequências próprias da incidência de um arrendamento no prédio indiviso, já atrás apontadas. São essas mesmas consequências, aliás, que materialmente justificam a adequação da regra da unanimidade ao arrendamento de partes comuns na propriedade horizontal; e que excluiriam liminarmente a conclusão de que a decisão de arrendar partes comuns, ainda que por prazo não superior a seis anos, figuraria entre os poderes do administrador da propriedade horizontal. Note-se, quanto a este ponto, que o artigo 1436º do Código Civil não confere ao administrador, genericamente, o poder de praticar actos de administração ordinária, antes conferidos à assembleia de condóminos (nº 1 do artigo 1430º). E, diga-se ainda, são essas mesmas consequências que afastam a hipotética afirmação de que seria incongruente exigir unanimidade para a prática de um acto de administração e não a impor relativamente a diversos actos especialmente relevantes, para os quais a lei se satisfaz com maiorias qualificadas. Assim, por exemplo, para as decisões de aprovação de “obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício” (nº 3 do artigo 1422º) ou que “constituam inovações” (nº 1 do artigo 1425º), de alteração do uso, “sempre que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada fracção autónoma” (nº 4) ou de reconstrução, em caso de destruição do edifício que não atinja ¾ do seu valor (nº 2 do artigo 1428º). Ou para as deliberações em que o legislador revela que preferiria a unanimidade – preferência que se manifesta ao exigir a inexistência de oposição – mas em que se satisfaz com a aprovação por maioria simples ou qualificada sem votos contra, como ocorre com a proibição de actos ou actividades não vedados pelo título constitutivo (al. d) do nº 2 do artigo 1422º), com a autorização de divisão de fracções autónomas, quando não permitida no título constitutivo (nº 3 do artigo 1422º-A), com a inclusão, no regulamento do condomínio, de critérios de repartição das despesas relativas a serviços de interesse comum (nº 2 do artigo 1424º). É manifesta em várias hipóteses a intenção do legislador de facilitar a administração do prédio; essa intenção, todavia, não o levou – como poderia ter feito por ocasião da revisão do regime da propriedade horizontal em 1994, que consabidamente teve em vista um aumento da eficiência na administração dos prédios submetidos a tal regime –, a afastar a regra da unanimidade para a decisão de dar de arrendamento partes comuns do prédio. A terminar este ponto, relembra-se o que atrás se disse sobre a impossibilidade de fazer cessar a indivisão das coisas comuns; na verdade, essa impossibilidade justifica uma maior exigência para a aprovação de actos que, como o arrendamento, visam atribuir o direito de as utilizar. 14. As deliberações impugnadas na presente acção não obtiveram, pois, a unanimidade necessária para o efeito. Embora imediatamente com conteúdo diferente, todas se destinam a permitir o arrendamento de parte ou partes comuns do prédio dos autos. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 1433º do Código Civil, tais deliberações são anuláveis, “a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”. 15. O exercício do direito de anulação de deliberações de uma assembleia de condóminos pode, naturalmente, ser abusivo, nos termos gerais do artigo 334º do Código Civil, como sustenta a recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A. Ora a verdade é que, ainda que tivesse sido atendida pelo acórdão recorrido a sua pretensão de ampliação da base instrutória (cfr. acórdão recorrido, fls. 2386 e ponto 2.6 das alegações), e que os factos correspondentes fossem havidos como provados, ainda assim não procederia a alegação de abuso de direito. Desde logo, nada no processo permite concluir, por exemplo – e o ónus da prova do preenchimento dos requisitos do abuso caberia aos recorrentes – que a actuação da autora (e demais recorridos) tenha de qualquer modo criado nos recorrentes a convicção fundada de que não iriam reagir contra a aprovação das deliberações impugnadas, de forma a que merecesse tutela a confiança assim gerada. Para além disso, e porque só um excesso manifesto dos limites do direito de anulação, em violação das regras da boa fé, dos bons costumes e do fim social ou económico com que o mesmo é atribuído o tornaria abusivo, não seria a prova de que o arrendamento traria grandes vantagens ao condomínio e graves prejuízos à recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A. e aos serviços por ela prestados que permitiria concluir pelo abuso. Deixando de lado as restrições de acesso aos locais ocupados, eventualmente não significativas, e a falta de prova de que a segurança do prédio é realmente posta em causa, os termos em que o risco para a saúde ficou assente é suficiente para se não poder concluir pelo manifesto abuso de direito, não sendo necessária, neste âmbito, a prova de que a instalação e funcionamento do equipamento no telhado do prédio é efectivamente prejudicial à saúde. Recorde-se que não é esse o fundamento da invalidade das deliberações, mas sim a falta de unanimidade na sua aprovação; neste contexto, basta o risco de prejuízo para a saúde para excluir o abuso do direito de anulação. 16. Aqui chegados, nada mais há que analisar. A exigência da aprovação por unanimidade prejudica a apreciação das questões colocadas nas conclusões 2ª a 12ª das alegações dos recorrentes BB e outros (quanto às conclusões 2ª a 6ª, na parte em que excedem o que se disse já no ponto 9 deste acórdão) e nas conclusões 9ª a 15ª das alegações da recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A. 17. Nestes termos, decide-se: a) Não conhecer do recurso interposto por Optimus – Telecomunicações, S.A., na parte em que respeita à impugnação da decisão de negar provimento ao agravo interposto em 1ª Instância; b) Quanto ao mais, negar provimento a ambos os recursos, confirmando, ainda que por fundamento diferente, o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 19 de Março de 2009 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora) Salvador da Costa Lázaro Faria |