Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00026845 | ||
Relator: | FERNANDO FABIÃO | ||
Descritores: | PRAZOS JUSTO IMPEDIMENTO DOENÇA ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | SJ199503070867841 | ||
Data do Acordão: | 03/07/1995 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR PROC CIV. | ||
Legislação Nacional: | CPC67 ARTIGO 146 N1 N2 ARTIGO 490 ARTIGO 659 N2 ARTIGO 713 N2. CCIV66 ARTIGO 258 ARTIGO 264 N4 ARTIGO 342 N1 ARTIGO 1165 ARTIGO 1178 N1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1962/07/20 IN BMJ N119 PAG354. ACÓRDÃO STJ DE 1964/02/26 IN BMJ N134 PAG417. ACÓRDÃO STJ DE 1969/02/19 IN BMJ N184 PAG214. ACÓRDÃO STJ DE 1976/04/02 IN BMJ N256 PAG77. ACÓRDÃO STJ DE 1979/03/22 IN BMJ N285 PAG254. ACÓRDÃO STJ DE 1980/07/08 IN BMJ N299 PAG248. ACÓRDÃO STJ DE 1980/02/26 IN BMJ N294 PAG271. ACÓRDÃO STJ DE 1988/02/10 IN BMJ N374 PAG399. | ||
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Sumário : | I - A doença, quer do advogado, quer do seu empregado de escritório, no tocante à falta de prática tempestiva de um acto processual, só constituirá justo impedimento, se for normalmente imprevisível para a generalidade das pessoas medianamente capazes e diligentes, além de súbita e tão grave que impossibilite em absoluto a prática do acto. II - Não configura justo impedimento a circunstância de uma alegação de recurso não ter sido tempestivamente apresentada em juízo. Tão só porque o advogado da parte confiou a sua entrega ao empregado do seu escritório, que veio a referir ter sofrido entretanto de um ataque de amnésia resultante de doença contraída em África. III - De qualquer modo, à parte que invoca o justo impedimento compete, logo que este cesse, oferecer prova dos factos respectivos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na comarca de Guimarães, A deduziu embargos de executado por apenso à execução para entrega de coisa certa n. 61-A/87, os quais foram contestados pelo embargado B. O Meritíssimo Juiz julgou improcedentes estes embargos no saneador - sentença, decisão esta de que o embargante apelou, recurso que foi admitido. O senhor desembargador relator fixou em 10 dias o prazo para alegações, por despacho de 19 de Outubro de 1993, o qual foi notificado ao senhor advogado do embargante por carta registada de 27 de Outubro de 1993. Seguidamente, em 22 de Novembro de 1993, o mesmo advogado do embargante apresentou no tribunal o requerimento de folha 35 a pedir se julgue verificado justo impedimento pela apresentação extemporânea das alegações, as quais só nesta mesma data apresentou. Ouvido o recorrido, nada disse. E o Tribunal da Relação acabou por indeferir o invocado justo impedimento, mandou desentranhar as alegações e julgar deserto o recurso. Deste acórdão agravou o embargante e, na sua alegação, concluiu assim: I - configura uma situação de justo impedimento o facto de o advogado ter entregue no dia 12 de Novembro as alegações ao seu empregado eventual, que há mais de um ano estava encarregado de entregar os seus requerimentos nos diversos Tribunais e sempre cumpria adequadamente esse encargo, com a indicação de que o prazo terminava no dia 15 seguinte (2. feira), e o mesmo não o ter feito por ter adoecido de doença que apanhara em África e que lhe provoca amnésias, que o advogado de todo desconhecia; II - tendo esse empregado dado conhecimento ao advogado dessa não entrega somente no Sábado seguinte (pois entretanto não apareceu mais ao escritório nem fora necessário chamá-lo para proceder a qualquer outra entrega), e tendo o advogado apresentado as alegações na 2. feira imediata, com a invocação do justo impedimento, deve entender-se que se apresentou a praticar o acto logo que o impedimento cessou; III- o acórdão recorrido violou, por erro de aplicação, o disposto no artigo 146 n. 1 do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que mande prosseguir o incidente, nos termos do n. 2 do mesmo artigo. Não houve contra-alegação. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Não se fez prova sobre os factos invocados como integrantes do justo impedimento, nomeadamente sobre a doença causadora de amnésias, nem a Relação se deu ao trabalho de discriminar os factos provados (cfr. artigos 659 n. 2 e 713 n. 2 do Código de Processo Civil), mas, visto o acórdão recorrido, estamos em crer que a Relação assim procedeu por ter partido do princípio de que não existia justo impedimento, mesmo dando como provados todos os factos invocados pelo recorrente, no requerimento de folhas 35 e 36. E cabe dizer, a este respeito, que a não impugnação dos factos pelo recorrido não implica a sanção da sua admissão por acordo, não só porque se não está na fase dos articulados (cfr. artigo 490 do Código de Processo Civil) como também porque a questão da existência, ou não, de justo impedimento, capaz de evitar o efeito extintivo de decurso do prazo peremptório, é matéria subtraída à disponibilidade das partes, não funcionando, portanto, a dita cominação. Por nossa parte, partimos também do pressuposto de que se provaram todos os factos invocados pelo recorrente atinentes ao justo impedimento na entrega extemporânea das alegações de recurso, assim se dispensando a produção das provas, já que, mesmo aceitando como provados todos esses factos, o recurso terá de improceder. Considera-se justo impedimento o evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilidade de praticar o acto, por si ou por mandatário (artigo 146 n. 1 do Código de Processo Civil). Esta disposição legal tem sido interpretada como exigindo, para a verificação de justo impedimento, os três seguintes requisitos: 1 - um evento normalmente imprevisível, ou seja, insusceptível de prever pela generalidade das pessoas medianamente capazes e diligentes, 2 - estranho à vontade da parte, entendendo-se por este termo "parte" tanto o sujeito da relação processual como o seu mandatário, em termos de a parte não poder desculpar-se com o dolo ou negligência do patrono nem um nem outro com a culpa do empregado do escritório do advogado; além disto, necessário é ainda que o interessado não tenha agido com culpa, negligência ou improcedência, pois que, se tal acontecer, o evento é-lhe imputável e não se pode considerar estranho à sua vontade, 3 - e que impossibilite a parte de praticar o acto, por si ou mandatário, mesmo usando da devida diligência (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil Anotado, volume 2, 71 e seguintes; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Julho de 1962, 19 de Fevereiro de 1969, 2 de Abril de 1976, 10 de Fevereiro de 1988, 8 de Junho de 1989, respectivamente, Boletins do Ministério da Justiça 119, página 354; 184, página 214; 256, página 77; 374, página 399; 384, página 412; v. ainda o acórdão proferido no processo n. 83111, relatado pelo mesmo relator do presente). Concretamente quanto à doença do advogado, para além, claro está, de poder ser considerado como um evento normalmente imprevisível nos termos supra citados, tem-se vindo a entender que ela só constitui justo impedimento quando seja súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato (Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, ed. de 1966, 90, Nota 1; Alberto dos Reis, obra citada, 73 e seguintes; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Março de 1979, 26 de Fevereiro de 1980, Boletins do Ministério da Justiça 285, página 254; 294, página 271, respectivamente). E o mesmo valerá para a doença do empregado do advogado quanto à prática do acto de que foi encarregado (a entrega das alegações de recurso até 15 de Novembro de 1993), porquanto, como já se disse, nem a parte nem o advogado se podem desculpar com a culpa do empregado do escritório do advogado, abrangendo o termo "parte" do n. 1 do artigo 146 referido tanto o sujeito da relação processual como o seu mandatário; e o mandatário, na execução do mandato, pode servir-se de auxiliares, nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer (artigo 1165 do Código Civil) e este último pode, sem quaisquer limitações, servir-se dos ditos auxiliares (artigo 264 n. 4 do Código Civil) e, por outro lado, quando o mandato é representativo, os efeitos dos negócios e actos jurídicos praticados pelo mandatário repercutem-se na esfera jurídica do mandante, nos mesmos termos em que os negócios e actos jurídicos praticados pelo representante se repercutem directamente na esfera jurídica do representado, se praticados dentro dos limites que lhe competem (artigos 1178 n. 1 e 258 do Código Civil) (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4. edição, 1. volume, página 240 e 245; Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, 3. volume, páginas 298, 334, 335 e 341; Heirnich Ewald Horster, Teoria Geral do Direito Civil, página 487; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 1988 já referido e acórdão da Relação do Porto de 6 de Novembro de 1985, Boletim do Ministério da Justiça 351, página 463). Ora, no tocante à doença do empregado do escritório, foi alegado o que se segue: em 12 de Novembro de 1993, o advogado do recorrente entregou ao seu empregado de escritório as alegações de recurso com a informação de que o prazo de entrega terminava na segunda-feira seguinte, dia 15 de Novembro de 1993, mas ele, sem que nada fizesse supor ao advogado que tivesse havido qualquer anomalidade quanto à entrega das alegações, dado sempre ter cumprido encargos idênticos ao longo de um ano e nunca tendo dado mostras de padecer de doença ou amnésias, só apareceu no escritório no dia 20 de Novembro de 1993, Sábado da semana seguinte, a informar o advogado de que se tinha sentido mal desde o fim da semana anterior, referindo tratar-se de uma doença que apanhara em África onde vivera vários anos, a qual lhe provocava amnésia, e que estivera toda essa semana de cama, pelo que não pudera levar ao Porto as alegações em causa e lhas vinha trazer. Pois bem, como já dissemos, a doença, quer do advogado quer do seu empregado de escritório, só constituirá justo impedimento, se for normalmente imprevisível para a generalidade das pessoas medianamente capazes e diligentes e súbita e tão grave que as impossibilite de praticar o acto, em absoluto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato. Mas dos factos invocados e acima descritos não decorre necessariamente que a doença do empregado de escritório tivesse sido súbita e tão grave que o impedisse, em absoluto, de praticar o acto ou avisar o advogado, seu patrão, ou a parte, pois que podia ter-se anunciado por sintomas ligeiros ainda não determinantes de amnésia nas primeiras horas, podendo ainda o empregado de escritório, na perspectiva de que iria perder a memória, avisar o advogado ou a parte, directamente ou por interposta pessoa. Além disto, e este é um argumento mais decisivo, se a doença era normalmente imprevisível para o advogado, seguramente que já o não era para o próprio empregado de escritório, sabedor como era da doença que tinha, de tal maneira que se pode dizer que ele agiu negligentemente quando não tomou qualquer providência para a hipótese, para ele previsível, segundo o padrão da generalidade das pessoas, de ser acometido da doença que o impediria, ou poderia impedir, de praticar o acto de que fora incumbido, no tempo devido. Nesta ordem de ideias, parece-nos não se verificar o justo impedimento. Mas, admitindo que assim não deva ser, há ainda outro obstáculo à procedência do recurso. Segundo o disposto no n. 2 do citado artigo 146, a parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova e o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou. À luz da parte final deste texto, tanto a doutrina como a jurisprudência têm entendido que o requerimento a invocar o justo impedimento para a prática do acto dentro do prazo tem de ser apresentado logo que cesse a causa impeditiva, sendo vedado apresentar tal requerimento alguns dias após esta causa ter cessado (Alberto dos Reis, obra citada, 79, Nota 1; Anselmo de Castro, obra citada, 91; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 1964, 22 de Março de 1979, 8 de Julho de 1980, respectivamente, Boletins do Ministério da Justiça 134, página 417, 285, página 254, 299, página 248; acórdão da Relação de Coimbra, de 28 de Outubro de 1970, 25 de Janeiro de 1978, respectivamente, Boletim do Minstério da Justiça 200, página 296; 275, página 283; acórdão da Relação do Porto de 18 de Maio de 1983, Boletim do Ministério da Justiça 327, página 697). Ora acontece que o recorrente não precisou quando cessou a doença do empregado de escritório e tal ónus cabia-lhe, nos termos do preceituado no artigo 342 n. 1 do Código Civil, pelo que, assim, se ignora se ele se apresentou a requerer a verificação do justo impedimento logo que cessou a causa impeditiva, ou seja, a doença com amnésia. É certo referir-se que o empregado de escritório devia ter estado toda a semana de cama quando, no Sábado dessa semana, se apresentou ao advogado, mas uma coisa é estar de cama e outra é estar doente com amnésia, bem podendo ter acontecido que ele tivesse recuperado a memória e, não obstante, tivesse continuado de cama, hipótese em que se impunha o aviso ao advogado ou à parte imediatamente após a recuperação da memória. Além disto, vê-se que o acórdão recorrido disse que dos factos invocados pelo recorrente não ficava claro se o empregado de escritório acometido de doença, de nome C, passou a substituir o seu falecido irmão, D, como empregado de escritório, digamos a tempo inteiro, com presença no escritório em todos os dias úteis, ou se apenas passou a substituí-lo na tarefa de entregar nas repartições públicas, inclusivé tribunais, os documentos que lhe eram confiados, como articulados, alegações, requerimentos. A nosso ver, é mais provável a primeira hipótese, porquanto o recorrente, após ter referido que teve ao seu serviço como empregado de escritório o dito D, durante mais de 27 anos, a quem encarregava, além do mais, de entregar nos diversos tribunais os articulados, alegações e requerimentos ... disse que passou a confiar idêntica tarefa ao seu irmão, o falado C, mas a segunda hipótese também tem alguma viabilidade, embora menor, porque o recorrente também acrescentou, a seguir, que este C passou a cumprir tal encargo, designadamente fazendo atempada entrega, nas repartições públicas, dos documentos entregues, na medida em que o advérbio "designadamente" inculca a completa designação das tarefas a cumprir, ao contrário do advérbio "nomeadamente" que apenas designa as tarefas principais. Contudo, seja como for, o resultado é o mesmo. Se concluirmos pela primeira hipótese - o novo empregado C era um empregado de escritório a tempo inteiro, obrigado a estar presente no escritório todos os dias úteis - não sofre dúvida que houve acentuada negligência do advogado do recorrente, determinante de extemporânea alegação do justo impedimento, porquanto qualquer advogado, perante a falta do seu empregado durante cinco dias úteis, teria procurado saber o que se passava logo no primeiro ou no segundo dia, isto é, na segunda-feira ou na terça-feira, tanto mais que o prazo das alegações que lhe entregara terminava numa segunda-feira. E daí o podermos concluir que, em tal hipótese, a verificação do justo impedimento não foi requerida quando podia e devia ter sido, ou seja, naquelas segunda-feira ou terça-feira, ou, vá lá, quarta-feira, dias em que o advogado não podia deixar de se aperceber da causa impeditiva e sua subsequente cessação, caso tivesse agido com a devida diligência. Na segunda hipótese - o novo empregado C só fazia a entrega de documentos nas repartições públicas e não ia todos os dias úteis ao escritório do advogado - afigura-se-nos que não haveria negligência do advogado em ter deixado transcorrer toda uma semana sem indagar do que teria acontecido com o empregado. Simplesmente, para além de esta hipótese ser como já dissemos, a menos provável, temos que persiste a dúvida sobre qual das duas hipóteses adoptar e daí que deva ser o recorrente a suportar as consequências desta dúvida, porque só a ele cabia o ónus de alegar claramente os factos, de forma a não deixar dúvidas sobre eles, certo como é que tem o ónus de alegação quem tem o ónus da prova (cit. artigo 342 n. 1 do Código Civil). Consequentemente, ainda nesta segunda hipótese, seria de concluir, por deficiente invocação dos pertinentes factos por banda do recorrente, pela extemporaneidade do requerimento de invocação do justo impedimento. Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso. Custas pelo recorrente. Lisboa, 7 de Março de 1995. Fernando Fabião, César Marques, Martins da Costa. |