Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA JOÃO VAZ TOMÉ | ||
Descritores: | NULIDADE NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA EXCEÇÃO DILATÓRIA AUTORIDADE DO CASO JULGADO CAUSA PREJUDICIAL ÁREA URBANA DE GÉNESE ILEGAL PROPRIETÁRIO COMPROPRIETÁRIO ADMINISTRAÇÃO PRÉDIO COMPARTICIPAÇÃO DESPESAS LOTEAMENTO CASO JULGADO | ||
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Data do Acordão: | 02/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA, REPRISTINANDO A DECISÃO DA 1ª INSTÂNCIA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I. Apenas existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, desde que assumam relevância para a decisão de mérito, e não quando não se pronuncie sobre todo e qualquer argumento por aquelas esgrimido. II. Não resultando qualquer contradição entre aquilo que se afirma a propósito da improcedência da exceção dilatória do caso julgado e a procedência da autoridade do caso julgado, o acórdão não enferma de nulidade. III. Não se verifica a existência de uma relação de prejudicialidade ou de dependência entre as duas ações quando a decisão proferida na primeira ação (de procedência dos embargos por inexequibilidade de título executivo) não tem por que se impor na segunda ação, em que se pede o reconhecimento da existência de uma dívida, assim como a condenação dos Réus no seu cumprimento, pois não a condiciona, não é seu antecedente lógico ou premissa, não é decisão de questão fundamental que constitua precedente lógico indiscutível das pretensões ora apresentadas. IV. A relação de correspetividade entre as duas ações restringe-se à proibição da contradição que, no caso em apreço, não pode verificar-se. De um lado, uma decisão que reconhecesse à Autora a titularidade do direito ao pagamento de determinada quantia não contradiria a decisão que lhe não reconheceu título executivo. De outro lado, uma decisão que condenasse os Réus no pagamento daquela quantia não contradiria a decisão que extinguiu a execução por falta ou inexequibilidade de título executivo. Não procede, assim, a autoridade do caso julgado da decisão de procedência proferida nos embargos para impedir a discussão e a decisão da pretensão formulada pelo Autor na segunda ação. V. A reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas numa AUGI constituem dever dos respetivos proprietários ou comproprietários. Este dever inclui aquele de comparticipar nas despesas de reconversão. Os prédios integrados na AUGI estão, até ao termo da execução do processo de reconversão, sujeitos a um regime de administração conjunta assegurada pelos proprietários ou comproprietários. VI. Considerar que até à aprovação da operação de loteamento ou de urbanização a administração conjunta não tem competência para aprovar quotizações seria admitir que o legislador consagrou, nesta fase, uma solução sem qualquer utilidade prática. VII. O cumprimento do dever de reconversão urbanística e legalização das construções integradas na AUGI, no âmbito de uma reconversão de iniciativa particular, pressupõe a definição e o pagamento de comparticipações por parte dos proprietários e comproprietários. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I – Relatório
1. Administração Conjunta do Bairro da Milharada, sito na Freguesia da Pontinha, propôs ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo a sua condenação no pagamento: - do montante de comparticipações e juros, no valor de €45.944,23, acrescido da compensação igual aos juros, calculados à taxa legal sobre o capital de €20.175,37, a partir de 30 de agosto de 2019 até integral pagamento, sem prejuízo do art. 16.º C, n.º 5, da Lei das AUGI; – de indemnização dos danos causados pela mora dos Réus, não cobertos pelos juros vencidos e vincendos, a liquidar em execução de sentença, com todas as consequências legais.
2. Para o efeito alega, em síntese: - que é entidade equiparada a pessoa coletiva instituída nos termos da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro (doravante Lei das AUGI), para reconversão da Área Urbana de Génese Ilegal do Bairro da Milharada, mediante deliberação da Assembleia Constitutiva de 14-03-1999; - que os Réus são comproprietários dos lotes ... e ... sitos no Bairro da Milharada, cuja área, por ter sido objeto de uma operação física de parcelamento antes do início de vigência do DL n.º 400/84, de 31 de dezembro, foi integrada no perímetro da Área Urbana de Génese Ilegal (doravante AUGI) do Bairro da Milharada; - que os Réus têm a obrigação de comparticipar nas despesas da reconversão urbanística do solo e legalização das construções integradas nesta AUGI, conforme os Regulamentos do Bairro (Comissão de Melhoramentos) de 1992-1993, a deliberação da Assembleia Constitutiva de 14 de março de 1999 (comparticipações mensais de 10.000$00 por cada lote de rés-do-chão e 1.º andar com um fogo, acrescidos de 5.000$00 por cada fogo a mais de construção a legalizar), e as deliberações da Assembleia de Proprietários de 19 de novembro de 2006 e de 6 de maio de 2017, nenhuma das quais por eles impugnadas no prazo legal; - que os Réus não pagaram a sua quota parte nem no custo de execução das obras das infraestruturas do Bairro da Milharada a partir de 1 de março de 1994, e nem nas restantes despesas de legalização a partir de 1 de maio de 2001, as quais se encontram praticamente concluídas, apesar de delas beneficiarem e retirarem rendimentos consideráveis dos prédios construídos nos lotes mediante a celebração de contratos de arrendamento; - que o valor em dívida dos lotes ... e ..., a 30 de agosto de 2019, é de €16.922,11 e €29.022,12, respetivamente, acrescido dos juros à taxa legal sobre as respetivas comparticipações brutas de €7.531,85 e de €12.644,52, a partir dessa data.
3. Pessoalmente citados, os Réus deduziram contestação, defendendo-se por impugnação, de facto e de direito, e por exceção, invocando, designadamente: - o caso julgado da decisão proferida nos embargos que deduziram na execução que correu os seus termos sob o n.º 4916/12.... da então Seção de Execução ...; - a prescrição da “pretensa” dívida no que respeita à comparticipação (e respetivos juros) para despesas de infraestruturas no valor de €12.994,22, pelo decurso do prazo de 20 anos desde 1 de março de 1994; e, quanto à totalidade da dívida, a prescrição dos juros vencidos nos cinco anos que antecedem a citação dos Réus. - que a dívida não é líquida nem certa; - o pagamento do valor global de €30.392,43 à Câmara Municipal de Odivelas a título de taxas urbanísticas.
4. Na sequência do despacho que a convidou a exercer o contraditório quanto à matéria das exceções, a Autora Administração Conjunta do Bairro da Milharada apresentou resposta – 12 de dezembro de 2019 -, pronunciando-se no sentido da improcedência de tais exceções e defendendo que: - como reconheceu a existência da obrigação subjacente e se limitou a julgá-los procedentes por insuficiência do título, a sentença proferida nos embargos não obsta a que em ação declarativa seja exigido o cumprimento coercivo daquela obrigação; - as comparticipações não correspondem a obrigações vencidas, aplicando-se aos juros o regime do art. 16.º-C da Lei das AUGI.
5. No seguimento do despacho que convidou as partes a manifestarem, querendo, a sua objeção ao conhecimento da exceção do caso julgado no saneador, os Réus AA e BB, a 31 de janeiro de 2020, requereram a junção aos autos de certidão da sentença proferida nos referidos com nota do trânsito em julgado.
6. A 28 de maio de 2020, foi proferido despacho saneador (recorrido) que julgou improcedente a exceção do caso julgado. Foi relegado para final o conhecimento da exceção da prescrição e foi proferido despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
7. Realizou-se audiência final, com produção de prova testemunhal e declarações de parte.
8. O Tribunal de 1.ª Instância, que julgou parcialmente procedente a ação declarativa de condenação, decidiu o seguinte: “Nestes termos e nos demais de direito, julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência: a). Condeno os RR. a pagar à A. o valor global de €45.944,23 (Quarenta e cinco mil, novecentos e quarenta e quatro euros e vinte e três cêntimos), a título de comparticipações devidas pelo processo de reconversão da AUGI do Bairro da Milharada e respectivos juros, acrescido do valor dos juros calculados à taxa legal (art. 559.º do C.C. e fixados por Portaria 291/03, de 08/04/2003) sobre o capital de €20.175,37, a partir de 30 de Agosto de 2019 até integral pagamento; b). Absolver os RR. do demais peticionado; c). Condenar os RR. nas custas da presente acção”.
9. Não conformados, os Réus AA e BB interpuseram recurso de apelação da sentença.
10. Por acórdão de 17 de junho de 2021, o Tribunal da Relação ... decidiu o seguinte: “Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar parcialmente a sentença recorrida - na parte em que condenou os Réus a pagar à Autora o valor global de 45.944,23 €, a título de comparticipações devidas pelo processo de reconversão da AUGI do Bairro da Milharada e respetivos juros -, que se substitui pela decisão de condenar os Réus a pagar à Autora a quantia global de 20.176,37 € (vinte mil, cento e setenta e seis euros, e trinta e sete cêntimos), a título de comparticipações devidas pelo processo de reconversão da AUGI do Bairro da Milharada, acrescida dos respetivos juros, à taxa legal, vencidos desde 30-06-2017 e vincendos até integral pagamento, mantendo-se quanto ao mais tal sentença. Mais se decide condenar as partes no pagamento das custas da ação e do recurso, na proporção de 48% os Réus-Apelantes e 52% a Autora-Apelada.”
11. Irresignada, a Autora Administração Conjunta do Bairro da Milharada interpôs recurso de revista com as seguintes Conclusões: “A) - A presente demanda destina-se à obtenção de um título-sentença para eventual cobrança coerciva posterior de comparticipações em AUGI com base naquela, e não integra uma acção de embargos de execução fundada em pública-forma de acta da assembleia da administração conjunta; B) - As administrações conjuntas das AUGI são constituídas por norma imperativa e não se destinam a realizar fins de interesse privado, mas a organizar internamente o cumprimento pelos interessados, violadores das normas urbanísticas, do interesse público da regularização dos loteamentos ilegais; C) - De acordo com os factos provados da primitiva sentença (12, 13 e 14), à data da emissão do alvará referido no ponto 9, as infraestruturas do Bairro da Milharada estavam em grande parte realizadas e em condições de funcionamento, tendo a câmara dispensado a prestação de caução e os RR têm vindo a beneficiar das mesmas (água luz, comunicações e esgotos) uma vez que construíram nos seus lotes dois edifícios de andares habitados, dos quais retiram rendimentos desde 1992. D) - Repugna logo à equidade que alguém, que tem capital para construir dois edifícios de apartamentos e os ponha a render, se venha a locupletar com as comparticipações da esmagadora maioria dos proprietários do bairro, pessoas trabalhadoras e de fracas posses, que com sacrifícios foram entregando a parte que lhes cabia nas obras e, fruto das quais, aquele tenha beneficiado sem contrapartidas. E) - Em 45º da petição, a A deduziu à cautela o pedido subsidiário de compensação pela não realização das comparticipações no tempo devido com fundamento no ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA (art. 473º e seguintes do C. Civil); Ora se o douto acórdão recorrido indefere parcialmente o pedido de compensação pelo atraso quanto ao período anterior a 2017, estava cominado a apreciar os factos, o que não fez, à luz daqueles preceitos, pelo que padece de omissão de pronúncia, o que implica a sua nulidade (art. 615º nº 1 alínea d)- CPC). F) - Sobre a 1ª questão que avalia, o douto acórdão declara que: Destarte, não se verifica a excepção dilatória de caso julgado (invocado pelos RR na contestação por força da sentença dos embargos prévia referidos nos autos) concordando-se com a apreciação feita a este respeito no despacho saneador, pelo que improcedem neste particular as conclusões da alegação de recurso.” G) - Sobre a excepção invocada aprecia a decisão da 1ª instância que: “Analisados os embargos de executado e a sentença proferida nesse apenso, verificamos que os ora RR. apresentaram uma defesa orientada no sentido da invalidade do titulo (inexistência/inexequível/ilegitimidade/ nulidade da deliberação) e na prescrição de capital/juros. Em suma, não se analisa a própria obrigação exequenda. Todavia, na presente acção o que se pretende é que seja declarada a existência do direito, que o Tribunal reconheça a qualidade de credor e de devedor, para assim se formar um título exequível. Sobre esta matéria não existiu qualquer pronúncia; apenas quanto à existência de título. Deste modo, não podendo ser coartado o direito ao reconhecimento de um crédito, entendo que não existe identidade de pedidos, pelo que não estão verificados os pressupostos de verificação da exceção dilatória de caso julgado.” H) - No entanto, o douto acórdão recorrido, reconhecendo pelo acima exposto que naqueles embargos se não discutia a própria obrigação, e ao arrepio da sua decisão de mérito que expressamente declara que com isso se concorda, reserva para o remanescente da sua decisão o acolhimento de um alegado caso julgado material, extensivo por isso a estes autos, qual seja o de que, na sentença dos embargos e dentro dos parâmetros em que ali se julgava, havia sido acolhida a tese peregrina de que as comparticipações para as obras de urbanização só seriam exigíveis depois da emissão do alvará. Além de contradizer a sua confirmação da decisão de indeferimento do caso julgado proferida em despacho saneador, tal considerando, esbarra até no por si citado douto Acórdão do STJ de 7/3/2017, onde se estabelece que “o caso julgado só se verifica em relação às questões suscitadas e apreciadas na acção e que devam ser consideradas nos precisos limites e termos em que julga”. G) - Acresce mais à frente que, para confundir ainda mais os pressupostos da decisão, se vem dizer que a presente acção declarativa para reconhecimento da obrigação e obter um título executivo autónomo, só é admissível porque, nos termos do art. 621º do CPC foi posteriormente aprovado o mapa das comparticipações após a assembleia da AUGI de 19/11/2006 cuja exequibilidade foi negada nos embargos, como se aqui se tratasse de uma acção executiva. H) -Termos em que o douto acórdão recorrido é também nulo na parte em que confirma nos seus precisos termos a decisão da 1ª instância quanto à excepção do caso julgado e, simultaneamente, faz emergir um alegado “caso julgado material” sobre a tese peregrina da sentença dos embargos (exigibilidade da comparticipação para as obras apenas e só depois da emissão do alvará), a qual, conforme a decisão confirmada, se reportava apenas à exequibilidade do título-acta, estando assim ferido de nulidade por contradição insanável e obscuridade (art. 615º nº 1 b) e c) do CPC). I) - Igual contradição e obscuridade (logo ferida da mesma nulidade) se relevam nas considerações feitas sobre a questão “da certeza exigibilidade da obrigação”; além disso, confunde-se a exequibilidade da pública-forma das actas, com a própria obrigação de comparticipar nos termos das deliberações aí vertidas e que os RR não impugnaram no prazo legal. J) - Ora, conforme resulta dos fatos provados, em todas as actas da administração conjunta estão estabelecidas, ou comparticipações fixas por lote, ou a fórmula de cálculo das mesmas, nomeadamente para as obras, podendo os valores exactos devidos ser obtidos por simples cálculo aritmético (douto Ac. do STJ, Proc. 1078/18.6T8STB-A, E1.S1 de 28 de Janeiro de 2020, citado na douta sentença recorrida). (note-se que, ainda por citação, o douto acórdão recorrido contém um erro: não foi a alteração da Lei da 64/2003 de 23 de Agosto que atribuiu força executiva à pública-forma das actas, mas sim a da lei 165/99 de 14 de Setembro, sendo que neste diploma se não exigia a menção das fórmulas de cálculo e o mapa de comparticipações) K) - Sobre a questão epigrafada de “Prescrição” permite-se o douto acórdão recorrido considerar contraditórias as seguintes considerações da douta sentença da 1ª instância: “Em primeiro lugar algumas das afirmações feitas na sentença recorrida parecem-nos contraditórias, como quando se considera que a “obrigação de pagar as comparticipações só se vence com a aprovação das contas finais” mas, do mesmo passo, se diz que são devidos “juros em compensação pelo atraso no seu pagamento, calculados quanto às obras (…). Ora se a obrigação não se tivesse vencido, por certo não existiria nenhum atraso no pagamento e não seriam devidos quaisquer juros.” L) - Tal afirmação – pede-se desculpa da rudeza – revela pura e simplesmente desconhecimento da letra da lei excepcional (é juros, logo aplica-se o código civil…); em sede de alegações para que vivamente se remete é circunstanciado o regime das AUGI no art. º 16 C da lei, quanto às comparticipações: - Constituem provisões ou adiantamentos até a aprovação das contas finais, nas quais só então será definido o exacto valor das dívidas de cada um, posto que aquelas são fixadas pro critérios de previsibilidade (donde só aí se vencer a obrigação); - Não obstante essa natureza, as provisões ou adiantamentos vencem “juros à taxa legal” por atraso no respectivo prazo de entrega; - Os valores assim pagos não revertem “em benefício do credor” mas são antes aplicados no processo de reconversão e, ocorrendo saldo positivo nas contas finais, este é devolvido aos comproprietários na proporção do seu direito, incluindo a favor de quem os pagou. M) - Daí que aplicar a regra geral (derrogada pela lei excepcional) quanto ao regime de compensação pelo atraso nas entregas das comparticipações, seja qual for o conteúdo e a forma da deliberação da assembleia repugnaria à lei, ao direito em geral e à moral, por beneficiar o devedor relapso de três formas: - Locupletar-se com o valor da comparticipação pelo tempo do atraso; - Usufruir das obras já realizadas com as comparticipações dos cumpridores; - Participar no rateio do saldo das contas finais relativamente aos juros pagos pelos restantes devedores. N) - Quanto à questão da prescrição propriamente dita, o douto acórdão recorrido, sempre encadeado pela contradição e obscuridade já invocada e de que resulta a sua nulidade, demonstra continuar a ignorar a letra do art. º 16º C da Lei das AUGI, ao considerar que cada comparticipação aprovada antes das contas finais é uma obrigação vencida, porque de outro modo não venceria juros. Daí se perder em determinar qual o prazo de prescrição aplicável. O) - Só que ignora que as comparticipações são provisões ou adiantamentos até a aprovação das contas finais e o disposto no art. 8º nº 1 da Lei das AUGI onde se comina por lei que “o prédio ou prédios integrados na mesma AUGI ficam sujeitos à administração conjunta (sublinhado nosso) dos respectivos proprietários ou comproprietários”. P) - Ora, nos termos do art. 318º do CPC, a prescrição não começa nem corre entre as pessoas cujos bens estejam sujeitos por lei à administração de outrem e aquelas que exercem a administração até serem aprovadas as contas finais, razão porque improcedem as doutas considerações sobre os prazos aplicáveis e os seus alegados termos iniciais. Q) - Ao decidir como contraditado, o douto acórdão recorrido violou as normas substantiva e processuais referenciadas e para que se remete, bem como as estabelecidas na Lei das AUGI (diploma excepcionai) que neste articulado expressamente se invocam. R) - Finalmente, não pode o signatário, para além das considerações de direito que respeitosamente explanou, expressar a sua apreensão caso o acórdão recorrido fosse confirmado, no que se não concede. A solução constante do mesmo é ofensiva da ordem pública (prossecução do interesse público de promover a reconversão) e dos bons costumes e provocaria no Bairro da Milharada a mais viva repulsa, porque o Réu marido se gabou após a procedência dos embargos de executado que os restantes, que ao contrário dele, pagaram e, se atrasados, também as compensações, eram uns “parolos” porque ele não ia pagar nada.(julgava que a procedência dos embargos o liberava integralmente das comparticipações) Vejam-se as fotos do Google Earth juntas aos autos, que foram esses “parolos”, a maioria deles simples trabalhadores vivendo do seu salário, quem com grandes sacrifícios pagou a execução das obras que permitiram o fornecimento do acesso às redes para os RR continuarem a receber as rendas das suas casas ilegais que nem destinavam a habitação própria. Acresce ainda que, quanto às compensações por atraso, a Comissão de Administração teria que refazer, por questão de equidade, o cálculo de todas as antes recebidas e que têm financiado a conclusão das obras, de sorte que poderia aquela ser obrigada a lançar novas comparticipações para cobrir a diferença, por necessidade de devolução de juros já recebidos. Em suma, a decisão recorrida, para além de violar a lei e o direito, seria passível de provocar alarme social e dificuldades de gestão a quem tem assegurado o cumprimento dessa mesma lei.) Por isso e por tudo o exposto, deve o presente recuso de revista confirmar na íntegra a douta decisão da 1ª instância, porquanto o douto acórdão recorrido, nunca negando a obrigação de comparticipar, - Omite pronúncia sobre o fundamento de enriquecimento sem causa; - É contraditório e obscuro porque, confirmando por um lado a fundamentação daquela sentença, que indefere de todo a excepção de caso julgado por as considerações da decisão dos embargos se reportarem exclusivamente à exequibilidade do título e não à natureza da obrigação, vem posteriormente considerar que existe caso julgado material quanto a uma dessas considerações, nomeadamente a de que as comparticipações para as obras de urbanização só seriam exigíveis após a emissão do alvará de loteamento. Ainda que assim não fosse, no que se não transige, sempre deveria ter reportado a exigibilidade dessa comparticipação e, por conseguinte, o lançamento de juros, após a assembleia de 19/11/2006, posterior à emissão do alvará, já que, essas deliberações nunca foram impugnadas pelos RR. nos termos e prazos legais. Acresce que estabelece um regime de prescrição de juros em violação do art. 16º C da Lei das AUGI e do art. 318º do C. Civil. Pede deferimento”.
11. Os Réus apresentaram AA e BB contra-alegações, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.
12. A 7 de outubro de 2021, em conferência, o Tribunal da Relação ... decidiu o seguinte: “Pelo exposto, acorda-se em julgar não verificada a nulidade do acórdão invocada na alegação do recurso de revista.” II – Questões a decidir Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões de saber se o acórdão recorrido: - é ou não nulo por omissão de pronúncia (sobre o fundamento de enriquecimento sem causa); - é ou não nulo por contradição e obscuridade (quanto à decisão proferida sobre a inverificação da exceção dilatória do caso julgado e à conclusão alcançada de que não se pode voltar a discutir, nos presentes autos, se a obrigação cujo cumprimento peticionado existe, nem se é certa ou exigível, por se tratar de matéria que já foi apreciada e decidida pela sentença proferida anteriormente em sede de embargos à execução); - se aplicou (in)corretamente a figura da autoridade do caso julgado; - se violou ou não as normas substantivas e processuais aplicáveis à exigibilidade da dívida e à prescrição. III – Fundamentação
A) De Facto
Foram considerados como provados os seguintes factos: “1 - A Autora é uma entidade equiparada a pessoa colectiva, inscrita no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, instituída para reconversão da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) do Bairro da Milharada, mediante deliberação da Assembleia Constitutiva de 14 de Março de 1999. 2 - Os prédios, correspondentes aos lotes ... e ..., sitos em ..., encontram-se descritos na Conservatória do Registo Predial ..., sob os n.ºs ... da ...,a favor dos RR., respectivamente. 3 - Estes prédios foram objecto de uma operação física de parcelamento destinada à construção, sem licença prévia de loteamento, sendo a respectiva área integrada no perímetro da AUGI do Bairro da Milharada, pela Câmara Municipal ... (antes da criação da Câmara Municipal ...). 4 - O processo de reconversão do Bairro da Milharada teve início no ano de 1992, ainda na Câmara Municipal .... 5 - No âmbito deste processo, foi eleita uma Comissão de Melhoramentos, sob direcção da autarquia, destinada, à realização de infraestruturas no Bairro da Milharada, cujo financiamento foi aprovado pelos moradores do Bairro, nos Regulamentos de comparticipação. 6 - Na Assembleia Constitutiva, realizada a 14/03/1999 foi aprovada, por unanimidade, a adesão à Lei N.º 91/95 de 2 de Setembro, 7 - Bem como, foram aprovadas as novas comparticipações mensais, assim definidas: - Esc.10.000$00 (49,88€) por cada lote de rés-do-chão e primeiro andar com um fogo, acrescidos de Esc. 5.000$00 (24,94€) por cada fogo a mais de construção a legalizar. 8 - A Acta da Assembleia Constitutiva da AUGI do Bairro da Milharada foi publicada em forma de extracto no “Diário de Notícias” de 22 de Abril de 1999 e a 22 de Junho de 1999 9 - A reconversão da AUGI do Bairro da Milharada foi formalizado mediante a emissão do alvará de Loteamento n.º 3/2006/DRU-AUGI de 19 de Setembro de 2006, emitido pela Câmara Municipal .... 10 - Na Assembleia de Proprietários, realizada a 19/11/2006, a Comissão de Administração apresentou e fez aprovar a proposta na qual constituiu a ratificação (confirmação) da deliberação da Assembleia constitutiva de 1999 e dos Regulamentos da Comissão de Melhoramentos de 1992 e 1993: Deliberação da Assembleia de 14/3/1999: Prestação mensal para o processo de legalização de €49,88/lote de 1 fogo de rés-do-chão e 1º andar, acrescidos de €24,94 por cada fogo adicional a legalizar, durante 24 meses, vencendo-se a primeira em 31 de Maio de 1999; Regulamentos do Bairro de 1992: 1 - Por lote: a) - Por cada lote de terreno: € 349,16; b) - Por pavimento construído em cave: € 2,49/ m2; c)- Por pavimento construído em r/c e 1º andar: € 4,99/ m2; d)- Por pavimento construído em 2º andar e superiores: € 9,98/ m2; 2 - Construções com mais de um fogo: a) - Por cada fogo: € 249,40; b) - Por cada fogo em 2.º andar ou superior: € 498,80, sendo o valor de €349,16 a pagar até 30 de Abril de 1992 e o restante em dezoito prestações mensais sucessivas em valor não inferior, cada uma, a €74,82, vencendo-se a primeira em 30 de Junho de 1992. 11-A A. procedeu à cobrança judicial das comparticipações em dívida, tendo para o efeito intentado acções executivas, nomeadamente contra os RR.- a qual correu termos sob o n.º de Proc. 49/12...., instaurada em Junho de 2012. 12 - À data da emissão do Alvará referido no ponto 9, a execução das infraestruturas estava em grande parte realizada e em condições de funcionamento, tendo a Câmara Municipal ... dispensado a caução de boa execução. 13 - Actualmente, as infraestruturas do bairro estão praticamente concluídas. 14 - Os RR. têm vindo a beneficiar dessas infraestruturas - redes de água, luz, comunicações e esgotos -, uma vez que construíram nos seus lotes dois edifícios de andares habitados, dos quais retiram rendimentos, pelo menos desde 1992. 15 - Na Assembleia de 6 de Maio de 2017, Comissão de Administração Conjunta da A. apresentou à Assembleia de Proprietários e fez aprovar e publicar a proposta que consta da Acta nº 10, na qual se deliberou: - A aprovação do mapa integral das comparticipações (em anexo à Acta n.º 10 e da qual faz parte integrante); - Mandatar a Comissão de Administração para, se o entender, apresentar em tribunal acções declarativas para obter sentença que condene os devedores a pagar todos os montantes em falta e, nomeadamente, juros vencidos que se julguem não estar abrangidos por esta deliberação; - O débito aos ainda faltosos de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a AUGI tenha gasto ou haja ainda que gastar para cobrar aquelas; 16 - A publicidade das Assembleias ocorreu mediante publicação do extracto das Actas, em jornal. 17 - Dos Regulamentos do Bairro de 1992 e 1993, da deliberação da Assembleia Constitutiva da AUGI de 14/3/1999 e das deliberações da Assembleia de Proprietários de 19/11/2006 e de 6/5/2017, resulta que as comparticipações para as despesas de reconversão dos Lotes dos RR aqui referenciados são as seguintes: LOTE ...: - Despesas administrativas, técnicas e de projecto - € 2.992,79; - Comparticipação para a realização das infraestruturas - € 4.539,06. LOTE ... - Despesas administrativas, técnicas e de projecto - € 4.189,90; - Comparticipações para a realização das infraestruturas - € 8.454,62. 18- Os RR não impugnaram qualquer uma das deliberações supra referidas”. Foi dada como não provada a seguinte factualidade: “a - Os RR são especuladores imobiliários, tendo construído ilegalmente dois prédios de apartamentos nos lotes em causa, tendo vindo há longos anos a enriquecer injustamente com as rendas. b - No âmbito do procedimento de reconversão urbanística do Bairro da Milharada, os RR. já pagaram à Câmara Municipal ..., relativamente aos lotes 94 e 175, taxa municipais de urbanização, nos montantes de €13.715 e 16.677,43€, respectivamente, o que fizeram em prestações trimestrais, a partir de 8 de Setembro de 2013”.
B) De Direito Tipo e objeto de recurso 1. Está em causa um recurso de revista interposto por Administração Conjunta do Bairro da Milharada, Autora na ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, intentada contra AA e BB, do acórdão do Tribunal da Relação ... de 17 de junho de 2021, que, concedendo parcial provimento ao recurso de apelação, decidiu “…revogar parcialmente a sentença recorrida - na parte em que condenou os Réus a pagar à Autora o valor global de 45.944,23 €, a título de comparticipações devidas pelo processo de reconversão da AUGI do Bairro da Milharada e respetivos juros -, que se substitui pela decisão de condenar os Réus a pagar à Autora a quantia global de 20.176,37 € (vinte mil, cento e setenta e seis euros, e trinta e sete cêntimos), a título de comparticipações devidas pelo processo de reconversão da AUGI do Bairro da Milharada, acrescida dos respetivos juros, à taxa legal, vencidos desde 30-06-2017 e vincendos até integral pagamento, mantendo-se quanto ao mais tal sentença.”. 2. A Autora/Recorrente Administração Conjunta do Bairro da Milharada não se conformou com a decisão do Tribunal da Relação ... por entender que enferma de nulidade por omissão de pronúncia e contradição insanável, de um lado e, de outro, que procedeu a uma errada interpretação, aplicação e determinação das normas legais aplicáveis. (In)admissibilidade do recurso de revista 1. A Autora/Recorrente Administração Conjunta do Bairro da Milharada apresentou o recurso de revista nos termos do art. 671.º, n.º 1, do CPC. 2. Tendo em conta o valor da causa, a legitimidade da Recorrente e o teor do acórdão recorrido, conclui-se pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos termos dos arts. 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, e 674.º, n.º 1, als. a) e c), do CPC. Se o acórdão recorrido é ou não nulo por omissão de pronúncia (sobre o fundamento de enriquecimento sem causa) 1. A Autora/Recorrente Administração Conjunta do Bairro da Milharada começa por invocar a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, alegando que o Tribunal da Relação ... não se pronunciou sobre o pedido subsidiário de compensação pela não realização das comparticipações no tempo devido com fundamento no enriquecimento sem causa. 2. A propósito desta questão, no âmbito do recurso de revista ora interposto, a Autora/Recorrente apresenta as seguintes conclusões [nos pontos D) e E)]: “D) - Repugna logo à equidade que alguém, que tem capital para construir dois edifícios de apartamentos e os ponha a render, se venha a locupletar com as comparticipações da esmagadora maioria dos proprietários do bairro, pessoas trabalhadoras e de fracas posses, que com sacrifícios foram entregando a parte que lhes cabia nas obras e, fruto das quais, aquele tenha beneficiado sem contrapartidas. E) - Em 45.º da petição, a A deduziu à cautela o pedido subsidiário de compensação pela não realização das comparticipações no tempo devido com fundamento no enriquecimento sem causa (art. 473.º e seguintes do C. Civil); Ora se o douto acórdão recorrido indefere parcialmente o pedido de compensação pelo atraso quanto ao período anterior a 2017, estava cominado a apreciar os factos, o que não fez, à luz daqueles preceitos, pelo que padece de omissão de pronúncia, o que implica a sua nulidade (art. 615.º, n.º 1 al. d) do CPC)”.
3. Os Réus/Recorridos AA e BB apresentaram contra-alegações, em que pugnaram pela improcedência das conclusões da revista, referindo que: “No caso aqui em apreço, não consubstancia uma “questão” a alegação, aliás falsa, da recorrente, de que repugna à equidade que alguém que tem capital para construir 2 edifícios os põe a render e venha a locupletar-se com as comparticipações da esmagadora maioria dos comproprietários do Bairro ... pois tal não se identifica com os pedidos formulados na acção nem com a causa de pedir da mesma situando-se, antes, no plano da argumentação, ainda que desajeitada e infeliz, e das razões jurídicas em defesa da sua posição e do seu ponto de vista. Por isso e pelo que doutamente será suprido por esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, a invocada nulidade por omissão de pronúncia deverá ser tida por improcedente.”. 4. A omissão de pronúncia está contemplada no preceito do art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC - aplicável aos acórdãos da Relação ex vi do art.º 666.º do mesmo corpo de normas -, segundo o qual é nula a sentença quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. 5. Ao art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, subjaz a regra estabelecida no art. 608.º do CPC, segundo a qual: “1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278. º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica. 2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. 6. Apenas existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, desde que assumam relevância para a decisão de mérito, e não quando não se pronuncie sobre todo e qualquer argumento por aquelas esgrimido. 7. Com efeito, o Tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas, mas, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir[1]. 8. Conforme mencionado supra, a Autora Administração Conjunta do Bairro da Milharada começa por dizer, na sua alegação de revista, que deduziu o pedido subsidiário de compensação pela não realização das comparticipações no tempo devido com fundamento no enriquecimento sem causa, pelo que o Tribunal da Relação devia ter conhecido de tal pedido. 9. Importa, pois, atender ao que foi concretamente peticionado pela Autora/Recorrente no articulado inicial que apresentou nos autos. Compulsada a petição inicial, apresentada a 20 de setembro de 2019, verifica-se que pediu que os Réus/Recorridos fossem condenados a pagar-lhe: “- O montante de comparticipações e juros, no valor total de 45.944,23 €, acrescido dos juros à taxa legal sobre o capital de 20.175,37 € calculados a partir de 30-08-2019 até integral pagamento, sem prejuízo do art. 16.º- C, n.º 5, da Lei das AUGI; - Todas as restantes quantias necessárias ao ressarcimento dos danos a que a mora dos Réus deu causa, não cobertos pelos juros vencidos e vincendos, a liquidar “em execução de sentença”.
10. Nada mais foi pedido, designadamente a título subsidiário. 11. Assim, a mera alusão, no artigo 45.º da petição inicial, ao “enriquecimento sem causa” -“E se ainda nada mais bastasse, sempre o comportamento dos RR se inscreveria na previsão do enriquecimento sem causa (art. 473º e seguintes do C. Civil), aqui invocado a título subsidiário”) - não sugere a formulação do referido pedido subsidiário. 12. De acordo com a Mm.ª Juíza, Relatora do acórdão recorrido, em sede de pronúncia sobre a nulidade invocada, a referida alegação, inserida no corpo daquela peça processual, nem sequer sugere que “se estava perante causa de pedir subsidiária, mas apenas perante parte integrante da exposição das razões de direito que ali foi feita. Não estando o Tribunal sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. art. 5.º, n.º 3, do CPC) e não tendo a questão do enriquecimento sem causa sido apreciada na sentença (até face à matéria de facto provada / não provada e respetiva motivação), muito menos na alegação recursória ou até na alegação de resposta, dela não havia que conhecer no acórdão.”. 13. Acolhe-se a fundamentação exposta no acórdão recorrido. Na verdade, a sentença (ou acórdão) só tem de se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa, reportando-se esta às pretensões concretas deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir. A questão do enriquecimento sem causa, surgindo no corpo da petição inicial, aparece despojada da alegação suficiente de factos – causa de pedir – que a pudessem, de algum modo, sustentar, de um lado e, de outro, não está incorporada no segmento petitório. Consequentemente, não resultam provados quaisquer factos – não tendo sido deduzida, aliás, impugnação da matéria de facto apurada – que pudessem relevar para a apreciação do instituto do enriquecimento sem causa. 14. No pressuposto de que o Tribunal só tem de se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa, impõe-se concluir que, na ausência tanto de pedido expresso nesse sentido como de substrato factual suficiente para convocar a aplicação do referido instituto a título subsidiário (cf. al. a) do elenco dos factos considerados não provados), o Tribunal recorrido não tinha de conhecer da referida alegação (que não foi também apreciada na sentença do Tribunal de 1.ª Instância). 15. De resto, o acórdão recorrido conteve-se no âmbito do objeto do recurso de apelação, tal como delimitado pelas respetivas conclusões (arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, do CPC). 16. Efetivamente, no caso em apreço, as questões de direito a discutir no domínio da apelação consistiam (unicamente) em saber: a) se se verificava ou não a exceção do caso julgado, atendendo à sentença proferida na oposição à execução anteriormente instaurada; b) se devia ou não ter sido discutido o valor probatório de dois documentos emitidos pela Câmara Municipal ...: c) se a quantia peticionada não é devida por não ser exigível; d) se procedia ou não a exceção de prescrição quanto a parte da dívida. 17. Como decorre com toda a clareza do acórdão recorrido, todas estas questões foram apreciadas e fundamentadas à luz das normas que se consideraram aplicáveis, pelo que a arguição da sua nulidade se encontra destituída de fundamento. 18. No corpo da sua alegação (ponto 5.), a Autora/Recorrente Administração Conjunta do Bairro da Milharada qualifica ainda a atuação dos Réus como consubstanciadora de abuso do direito (instituto de conhecimento oficioso), invocação que, não se encontrando expressamente nas conclusões, poderá, ainda assim, inferir-se da conclusão D), citada supra. 19. Valem, a este propósito, as considerações tecidas a propósito do instituto do enriquecimento sem causa. É que, também nesta parte, não resultaram provados quaisquer factos suscetíveis de convocar oficiosamente o agora alegado abuso do direito, pelo que o Tribunal recorrido não tinha o dever de se pronunciar sobre esse instituto. 20. Improcede, assim, a nulidade por omissão de pronúncia invocada pela Autora/Recorrente. Se o acórdão recorrido é ou não nulo por contradição e obscuridade (quanto à decisão proferida sobre a exceção dilatória do caso julgado e à conclusão alcançada de que não se pode voltar a discutir, nos presentes autos, se a obrigação cujo cumprimento se peticiona existe, nem se é certa ou exigível, por se tratar de matéria que já foi apreciada e decidida pela sentença proferida anteriormente em sede de embargos à execução) 1. A Autora/Recorrente Administração Conjunta do Bairro da Milharada invoca ainda a nulidade do acórdão recorrido por considerar que este padece, na sua fundamentação, de contradição insanável e obscuridade quanto à apreciação da exceção dilatória do caso julgado (art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC). 2. A propósito desta questão, no âmbito do recurso de revista ora interposto, a Autora/Recorrente apresenta as seguintes conclusões: “F) - Sobre a 1ª questão que avalia, o douto acórdão declara que: Destarte, não se verifica a excepção dilatória de caso julgado (invocado pelos RR na contestação por força da sentença dos embargos prévia referidos nos autos) concordando-se com a apreciação feita a este respeito no despacho saneador, pelo que improcedem neste particular as conclusões da alegação de recurso.” G) - Sobre a excepção invocada aprecia a decisão da 1ª instância que: “Analisados os embargos de executado e a sentença proferida nesse apenso, verificamos que os ora RR. apresentaram uma defesa orientada no sentido da invalidade do titulo (inexistência/inexequível/ilegitimidade/ nulidade da deliberação) e na prescrição de capital/juros. Em suma, não se analisa a própria obrigação exequenda. Todavia, na presente acção o que se pretende é que seja declarada a existência do direito, que o Tribunal reconheça a qualidade de credor e de devedor, para assim se formar um título exequível. Sobre esta matéria não existiu qualquer pronúncia; apenas quanto à existência de título. Deste modo, não podendo ser coartado o direito ao reconhecimento de um crédito, entendo que não existe identidade de pedidos, pelo que não estão verificados os pressupostos de verificação da exceção dilatória de caso julgado. H) - No entanto, o douto acórdão recorrido, reconhecendo pelo acima exposto que naqueles embargos se não discutia a própria obrigação, e ao arrepio da sua decisão de mérito que expressamente declara que com isso se concorda, reserva para o remanescente da sua decisão o acolhimento de um alegado caso julgado material, extensivo por isso a estes autos, qual seja o de que, na sentença dos embargos e dentro dos parâmetros em que ali se julgava, havia sido acolhida a tese peregrina de que as comparticipações para as obras de urbanização só seriam exigíveis depois da emissão do alvará. Além de contradizer a sua confirmação da decisão de indeferimento do caso julgado proferida em despacho saneador, tal considerando, esbarra até no por si citado douto Acórdão do STJ de 7/3/2017, onde se estabelece que “o caso julgado só se verifica em relação às questões suscitadas e apreciadas na acção e que devam ser consideradas nos precisos limites e termos em que julga”. G) - Acresce mais à frente que, para confundir ainda mais os pressupostos da decisão, se vem dizer que a presente acção declarativa para reconhecimento da obrigação e obter um título executivo autónomo, só é admissível porque, nos termos do art. 621º do CPC foi posteriormente aprovado o mapa das comparticipações após a assembleia da AUGI de 19/11/2006 cuja exequibilidade foi negada nos embargos, como se aqui se tratasse de uma acção executiva. H) - Termos em que o douto acórdão recorrido é também nulo na parte em que confirma nos seus precisos termos a decisão da 1ª instância quanto à excepção do caso julgado e, simultaneamente, faz emergir um alegado “caso julgado material” sobre a tese peregrina da sentença dos embargos (exigibilidade da comparticipação para as obras apenas e só depois da emissão do alvará), a qual, conforme a decisão confirmada, se reportava apenas à exequibilidade do título-acta, estando assim ferido de nulidade por contradição insanável e obscuridade (art. 615º nº 1 b) e c) do CPC). I)- Igual contradição e obscuridade (logo ferida da mesma nulidade) se relevam nas considerações feitas sobre a questão “da certeza exigibilidade da obrigação”; além disso, confunde-se a exequibilidade da pública-forma das actas, com a própria obrigação de comparticipar nos termos das deliberações aí vertidas e que os RR não impugnaram no prazo legal. J) - Ora, conforme resulta dos fatos provados, em todas as actas da administração conjunta estão estabelecidas, ou comparticipações fixas por lote, ou a fórmula de cálculo das mesmas, nomeadamente para as obras, podendo os valores exactos devidos ser obtidos por simples cálculo aritmético (douto Ac. do STJ, Proc. 1078/18.6T8STB-A, E1.S1 de 28 de Janeiro de 2020, citado na douta sentença recorrida). (note-se que, ainda por citação, o douto acórdão recorrido contém um erro: não foi a alteração da Lei da 64/2003 de 23 de Agosto que atribuiu força executiva à pública-forma das actas, mas sim a da lei 165/99 de 14 de Setembro, sendo que neste diploma se não exigia a menção das fórmulas de cálculo e o mapa de comparticipações).” 3. Os Réus/Recorridos AA e BB apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência das conclusões da revista também nesta parte, mencionando o seguinte: “Quanto à alegada – mas não fundamentada “contradição insanável e obscuridade” do douto acórdão aqui recorrido – pelo facto de, no entendimento da A. e aqui recorrente ter sido feita “tábua rasa” ao fazer emergir um alegado caso julgado material sobre a tese peregrina da sentença de embargos” dir-se-á que a aqui recorrente se limita a divagar texto sem qualquer conteúdo útil ou fundamento. Na verdade, o douto acórdão recorrido diz-nos algo bem diferente daquilo que pretende revelar a recorrente”. 4. Segundo o art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, aplicável ex vi do art.666.º, n.º 1, do mesmo corpo de normas, é nulo o acórdão quando: “c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.” 5. No caso dos autos, o acórdão recorrido acolheu a decisão do Tribunal de 1.ª Instância que julgou improcedente a exceção dilatória do caso julgado, fundamentando tal conclusão nos seguintes termos: “(…) Tendo presente o conteúdo da sentença proferida nos embargos (e num esforço interpretativo da mesma) e as considerações acima expendidas sobre a exceção e autoridade do caso julgado, estamos já em condições de adiantar que não assiste razão ao Apelante quando pugna pela verificação dos pressupostos daquela exceção. Com efeito, não obstante a identidade de sujeitos processuais e até a circunstância de ter sido pedido na ação executiva o pagamento coercivo da mesma importância ora peticionada, com fundamento fáctico quase inteiramente coincidente (causa de pedir), não se pode olvidar que na referida sentença de embargos o tribunal julgou que a obrigação exequenda, não só existia, como era certa, e não ser exigível antes de 19-11-2006, considerando-a ilíquida (indeterminada no plano quantitativo), bem como não ser possível nesse processo executivo, perante o título dado à execução e os factos então provados, a sua liquidação/quantificação, pelo que concluiu pela inexequibilidade do título. Por outras palavras, na sentença dos embargos considerou-se que antes do alvará do loteamento a obrigação não era exigível, apenas vindo a ser exigível com a subsequente assembleia (realizada em 19-11-2006). Ademais, entendeu-se que faltava a fórmula ou mapa de cálculo da comparticipação nas despesas aprovadas de modo a determinar a prestação a cargo dos Executados, pelo que a obrigação não era líquida e não podia (ainda, em sede executiva) ser quantificada. Estamos, assim, perante uma decisão que convoca a aplicação do disposto no art. 621.º do CPC, na medida em que, após a prolação dessa sentença, se veio a verificar o facto atinente à aprovação (e publicação) do mapa integral das comparticipações (em anexo à Ata n.º 10 e da qual faz parte integrante), cuja falta tinha fundamentado a decisão de procedência dos embargos. Logo, o caso julgado material formado por tal decisão não obsta a que numa ação declarativa, com alegação de factos novos (que são objetivamente supervenientes à sentença), se procure obter a condenação dos Réus no pagamento da obrigação pecuniária que, entretanto, além de exigível, se tenha tornado líquida. No entanto, podemos adiantar que, na presente ação, não poderá ser feita tábua rasa da apreciação feita naquela sentença a respeito da existência e exigibilidade da obrigação em apreço, sob pena de ofensa da autoridade do caso julgado material. Destarte, não se verifica a exceção dilatória de caso julgado, concordando-se com a apreciação feita a este respeito no despacho saneador, pelo que improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso.” 6. Entendeu-se, assim, no acórdão recorrido, que, apesar da improcedência da exceção dilatória do caso julgado, a sentença proferida nos embargos apreciou a obrigação exequenda. O Tribunal da Relação ... julgou, com efeito, que esta obrigação não só existia, como era certa, embora não fosse exigível por inexequibilidade do título. Esta inexequibilidade constituiu o fundamento da procedência dos embargos. 7. Efetivamente, o acórdão recorrido, com recurso a extensas fontes doutrinais e jurisprudenciais, estabelece a destrinça entre a exceção dilatória do caso julgado e a autoridade do caso julgado. Todavia, a Autora/Recorrente parece desatender a essa distinção quando invoca a contradição ou obscuridade em apreço. 8. Da fundamentação do acórdão recorrido resulta claramente que não subsiste qualquer contradição entre aquilo que se afirma a propósito da improcedência da exceção dilatória do caso julgado e a conclusão de que o crédito relativo às comparticipações apenas se pode considerar exigível a partir da Assembleia de 19 de novembro de 2006 e somente se tornou líquido com a aprovação do mapa na assembleia de 6 de maio de 2017 – isto, com respeito ao anteriormente decidido na sentença proferida em sede de embargos à execução (i.e., perante a autoridade do caso julgado desta decisão de mérito). 9. Improcede, por conseguinte, a arguição da nulidade em apreço. Se o acórdão recorrido aplicou (in)corretamente a figura da autoridade do caso julgado 1. Esta questão surge nas seguintes conclusões da alegação da Recorrente: G) - Sobre a excepção invocada aprecia a decisão da 1ª instância que: “Analisados os embargos de executado e a sentença proferida nesse apenso, verificamos que os ora RR. apresentaram uma defesa orientada no sentido da invalidade do titulo (inexistência/inexequível/ilegitimidade/ nulidade da deliberação) e na prescrição de capital/juros. Em suma, não se analisa a própria obrigação exequenda. Todavia, na presente acção o que se pretende é que seja declarada a existência do direito, que o Tribunal reconheça a qualidade de credor e de devedor, para assim se formar um título exequível. Sobre esta matéria não existiu qualquer pronúncia; apenas quanto à existência de título. Deste modo, não podendo ser coartado o direito ao reconhecimento de um crédito, entendo que não existe identidade de pedidos, pelo que não estão verificados os pressupostos de verificação da exceção dilatória de caso julgado.” H) - No entanto, o douto acórdão recorrido, reconhecendo pelo acima exposto que naqueles embargos se não discutia a própria obrigação, e ao arrepio da sua decisão de mérito que expressamente declara que com isso se concorda, reserva para o remanescente da sua decisão o acolhimento de um alegado caso julgado material, extensivo por isso a estes autos, qual seja o de que, na sentença dos embargos e dentro dos parâmetros em que ali se julgava, havia sido acolhida a tese peregrina de que as comparticipações para as obras de urbanização só seriam exigíveis depois da emissão do alvará. Além de contradizer a sua confirmação da decisão de indeferimento do caso julgado proferida em despacho saneador, tal considerando, esbarra até no por si citado douto Acórdão do STJ de 7/3/2017, onde se estabelece que “o caso julgado só se verifica em relação às questões suscitadas e apreciadas na acção e que devam ser consideradas nos precisos limites e termos em que julga”. G) - Acresce mais à frente que, para confundir ainda mais os pressupostos da decisão, se vem dizer que a presente acção declarativa para reconhecimento da obrigação e obter um título executivo autónomo, só é admissível porque, nos termos do art. 621º do CPC foi posteriormente aprovado o mapa das comparticipações após a assembleia da AUGI de 19/11/2006 cuja exequibilidade foi negada nos embargos, como se aqui se tratasse de uma acção executiva.” 2. Tal como referido no acórdão recorrido, a doutrina[2] e a jurisprudência têm sido unânimes no reconhecimento daquelas duas dimensões distintas ao caso julgado material: a de exceção e a de autoridade. 3. A primeira, que desempenha uma função negativa, obsta a que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura (proibição de repetição). Implica uma não decisão sobre a nova ação. Pressupõe uma total identidade entre os sujeitos, a causa de pedir e o pedido das duas ações. 4. A segunda, que desenvolve uma função positiva, conduz a que a solução compreendida no julgado se torne vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais (proibição de contradição). Implica uma aceitação de uma decisão proferida numa ação anterior, decisão esta que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda ação, enquanto questão prejudicial[3]. Pressupõe a identidade de sujeitos, mas permite a diversidade de objetos (aliás, é esta diversidade que a demarca da exceção). 5. Exceção e autoridade de caso julgado da mesma sentença parecem ser duas faces da mesma medalha. Refere-se a exceção quando a eadem quaestio se suscita na ação ulterior como thema decidendum do mesmo processo e fala-se em autoridade de caso julgado quando a eadem quaestio se coloca na ação subsequente como questão de outro tipo (fundamental ou mesmo tão somente instrumental). 6. Enquanto a exceção é alegada para impedir que seja proferida uma nova decisão, a autoridade é invocada como decisão de um pressuposto de uma nova decisão. 7. Esta distinção pressupõe a identidade dos objetos processuais na exceção, sendo o objeto da ação anterior repetido na ação subsequente, de um lado, e a diversidade dos objetos processuais na autoridade, surgindo o objeto da primeira ação como pressuposto da apreciação do objeto da segunda. No primeiro caso, deve impedir-se a repetição, porquanto esta iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a. Na segunda hipótese, verificando-se a existência como que de uma dependência do objeto da segunda ação perante o objeto da primeira, as questões comuns não devem ser decididas de modo diferente. Por isso, a decisão da segunda ação deve incorporar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível. 8. Prescindindo da identidade objetiva, a autoridade do caso julgado exige a identidade das partes[4]. 9. A autoridade do caso julgado implica, pois, o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação subsequente, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. 10. A exceção corresponde à dimensão negativa (inadmissibilidade de segunda ação, não permissão de repetição) e pressupõe, de acordo com o art. 581.º, n.º 1, do CPC, a tripla identidade, nas duas ações, de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. 11. A autoridade de caso julgado, por seu turno, corresponde à dimensão positiva (imposição da primeira decisão) e não exige aquela tripla identidade, mormente no que concerne à causa de pedir. 12. O fundamento da exceção do caso julgado consiste na prevenção de segunda pronúncia judicial sobre determinada questão concreta e do risco de contradição de decisões judiciais. Já o fundamento da autoridade de caso julgado reside na certeza e segurança jurídicas inerentes à definitividade das decisões judiciais e na preservação do prestígio dos tribunais. 13. Enquanto na exceção de caso julgado (exceptio rei judicatae) se atende apenas à existência de uma ação idêntica, na autoridade de caso julgado levam-se em conta o dispositivo (independentemente de ser de procedência ou de improcedência) e a importância prejudicial de que se reveste na nova causa. 14. É, todavia, a autoridade, e não a exceção, do caso julgado formado na ação n.º 4916/12.... que deve ser apreciada nesta ação n.º 9028/19.....: a diversidade de causas de pedir, enquanto elemento diferenciador da autoridade perante a exceção, manifesta-se na alegação das duas ações. 15. Com efeito: “A inadmissibilidade de nova decisão em futuro processo entre as mesmas partes e com o mesmo objeto, seja repetindo-a (proibição de repetição), seja modificando-a (proibição de contradição), mais não é do que consequência processual desse efeito substantivo: uma vez conformadas, pela sentença, as situações jurídicas das partes, elas passam a ser indiscutíveis. Esta indiscutibilidade manifesta-se de dois modos: - Entre as mesmas partes e com o mesmo objeto (isto é, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir), não é admissível nova discussão: o caso julgado opera negativamente, constituindo uma exceção dilatória que evita a repetição da causa (efeito negativo do caso julgado); - Entre as mesmas partes mas com objetos diferenciados, entre si ligados por uma relação de prejudicialidade, a decisão impõe-se enquanto pressuposto material da nova decisão: o caso julgado opera positivamente, já não no plano da admissibilidade da ação, mas no do mérito da causa, com ele ficando assente um elemento da causa de pedir (efeito positivo do caso julgado)”[5].
16. "A decisão ou as decisões tomadas na primeira acção vinculam os tribunais em acções posteriores entre as mesmas partes relativas a pedidos e/ou causas de pedir diversos"[6].
17. A decisão proferida no âmbito do processo n.º 4916/12.... não tem autoridade do caso julgado impeditiva do julgamento do pedido nesta ação. 18. Não estão em causa o prestígio dos tribunais, a certeza e a segurança jurídicas das decisões judiciais, porquanto a decisão a proferir neste processo, a dispor em sentido diverso sobre o mesmo objeto da decisão anterior transitada em julgado, não abala a autoridade da última. 19. Não sendo levado em linha de conta pelo Tribunal, na presente ação, o valor extraprocessual da decisão de mérito não é, de resto, negativamente afetado, pois que não assume relevância prejudicial. Não opera, pois, o caso julgado enquanto autoridade. Não existe, in casu, o risco de contradizer. Não existindo identidade entre a res iudicata e a res iudicanda, o Tribunal não aceita a autoridade da decisão anterior e, por isso, reaprecia o mérito. 20. A autoridade do caso julgado pressupõe a existência de uma relação de prejudicialidade entre a primeira e a segunda ação: na primeira terá de se haver decidido questão jurídica cuja resolução constitua pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir na segunda, nomeadamente por respeitar à causa de pedir ou a uma exceção perentória[7]. Não pode, no caso em apreço, afirmar-se a existência de uma relação de prejudicialidade entre a primeira ação e a presente ação, pois naquela decidiu-se questão jurídica cuja resolução não constitui pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir na última. 21. Não se verifica, com efeito, no caso sub judice, a existência de uma relação de prejudicialidade ou de dependência entre as duas ações. Apenas nos casos em que a primeira ação é prejudicial da primeira ou a segunda ação é dependente da primeira se poderá admitir a autoridade da primeira decisão[8]. Não se descortina, no caso em apreço, qualquer decisão prejudicial: a decisão proferida na primeira ação (de procedência dos embargos por inexequibilidade de título executivo) não tem por que se impor na segunda ação, em que se pede o reconhecimento da existência de uma dívida, assim como a condenação dos Réus no seu cumprimento, pois não a condiciona, não é seu antecedente lógico ou premissa[9], não é decisão de questão fundamental que constitua precedente lógico indiscutível das pretensões ora apresentadas. 22. O pedido formulado na segunda ação em nada resulta do pedido da primeira. A relação de correspetividade entre as duas ações restringe-se à proibição da contradição que, no caso em apreço, não pode verificar-se. De um lado, uma decisão que reconhecesse à Autora a titularidade do direito ao pagamento de determinada quantia não contradiria a decisão que lhe não reconheceu título executivo. De outro lado, uma decisão que condenasse os Réus no pagamento daquela quantia não contradiria a decisão que extinguiu a execução por falta ou inexequibilidade de título executivo. 23. Deste modo, também não procede a autoridade do caso julgado da decisão de procedência proferida nos embargos para impedir a discussão e a decisão da pretensão formulada pela Autora nesta ação[10]. 24. Justamente por ter sido considerado na decisão proferida no proc. n.º 4916/12.... que as atas da Administração Conjunta do Bairro da Milharada não configuram título executivo exequível, é que a Autora intentou a presente ação com vista ao reconhecimento do direito de exigir dos Réus o pagamento das quantias referentes à sua quota parte nas despesas comuns de reconversão da AUGI. Direito da Autora de exigir dos Réus o pagamento das quantias referentes à sua quota parte nas despesas comuns de reconversão da AUG 1. Note-se, desde logo, que a Lei das AUGI incide sobre prédios ou conjunto de prédios contíguos predominantemente ocupados por construções não licenciadas (construções ilegais) ou que tenham sido submetidos a uma operação de parcelamento destinado à construção apesar de não ter sido emitida uma licença de loteamento[11]. 2. Segundo a jurisprudência, “uma AUGI destina-se a legalizar uma clandestinidade, a reconverter em vários prédios urbanos um ou mais prédios rústicos divididos de facto, não de direito, numa multiplicidade de loteamentos de facto ilegais, onde depois foram construídos, ilegalmente, sem licença, edifícios”[12]. 3. Não está apenas em causa o fracionamento físico ilegal — ou a constituição de situações de compropriedade substancialmente complexas (situações estas que, todavia, na maioria dos casos encontra âncora legal, na medida em que a aquisição de quotas ideais da compropriedade não era, nem é, geralmente proibida. Proibida era a construção sem o devido título, a partir da entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, e a construção sem a precedência de loteamento, a partir do DL n.º 400/84, de 31 de dezembro). A dificuldade reside na legalização das construções e da divisão fundiária[13]. 4. Como as construções não tinham sido antecedidas de loteamento, não podiam também obter as licenças ou comunicações de obras de construção, uma vez que não se encontravam preenchidos os pressupostos para a sua concessão, nem as respetivas autorizações de utilização, o que impede a celebração da compra e venda, do arrendamento, a obtenção de financiamento ou a constituição de hipotecas sobre os imóveis assim construídos. Foi precisamente para acautelar situações em que a construção era feita sem aprovação de loteamento e da realização de obras de urbanização e de edificação que o legislador criou, em 1995, um regime excecional de legalização. 5. Foi intenção do legislador que a ilegalidade resultante das AUGI se resolvesse dentro de certo prazo e se não mantivesse indefinidamente, tal como não deveria perdurar ad aeternum o regime excecional previsto na respetiva lei. Esta surgiu para viabilizar ou facilitar a regularização fundiária, sendo por via desta que se conseguirá a legalização das edificações existentes nas AUGI e a conformação destas com as regras do ordenamento do território e do urbanismo aplicáveis. 6. O regime jurídico das AUGI constitui um exemplo paradigmático da intersecção das regras do direito do urbanismo com as regras jus-civilistas que regem os poderes de disposição da propriedade. Na verdade, a regularização destas áreas de génese ilegal passa, por um lado, pela sua regularização urbanística — através, precisamente, de instrumentos tipicamente urbanísticos como a operação de loteamento e os planos de pormenor — e, por outro lado, pela regularização fundiária do direito de propriedade (ou de outros direitos fundiários), mediante o recurso a instrumentos típicos de direito civil e de direito processual civil. 7. Com efeito, trata-se não apenas dos poderes e deveres dos proprietários e comproprietários na regularização (reconversão) urbanística da área e na legalização das construções nela implantadas, de acordo com os instrumentos urbanísticos devidamente aprovados (dirigida, assim, a regular aspetos publicistas das relações em causa), mas também da disciplina da relação entre os proprietários ou comproprietários durante todo o processo de reconversão (dirigida, portanto, a regular relações estritamente privadas). 8. A reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em AUGI constituem dever dos respetivos proprietários ou comproprietários. Este dever inclui, inter alia, a comparticipação nas despesas de reconversão, sendo certo que os encargos com a operação de reconversão impendem sobre os titulares dos prédios abrangidos pela AUGI (arts. 3.º, n.os 1 – 4, e 7.º, n.º 3, da Lei das AUGI). 9. De modo a garantir o cumprimento desse dever de reconversão, a lei determina o regime da administração dos prédios integrados na AUGI, estabelecendo que o prédio ou prédios integrados na mesma AUGI ficam sujeitos a administração conjunta, assegurada pelos respetivos proprietários ou comproprietários. Tal administração conjunta - inscrita no Registo Nacional de Pessoas Coletivas, não tem personalidade jurídica, mas tem capacidade judiciária e legitimidade ativa e passiva nas questões emergentes das relações jurídicas em que seja parte - é integrada por uma assembleia de proprietários ou comproprietários e uma comissão de administração, às quais incumbe organizar e dirigir os trâmites do processo de reconversão urbanística, e por uma comissão de fiscalização (arts. 8.º - 16.º-C da Lei das AUGI). 10. Efetivamente, os prédios integrados na AUGI, até ao termo da execução do processo de reconversão, encontram-se sujeitos a um regime de administração conjunta assegurada pelos proprietários ou comproprietários. A Administração Conjunta pode suceder à anterior entidade que conduzia a reconversão, tal como se aconteceu no caso sub judice. 11. A assembleia de proprietários ou comproprietários delibera, nos termos previstos no CC para a assembleia de condóminos dos prédios constituídos em propriedade horizontal, com algumas especificidades, podendo tais deliberações ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação das deliberações adotadas nessa assembleia, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião (art. 12.º da Lei das AUGI). 12. No caso da reconversão de iniciativa particular (RIP) – art. 4. º da Lei das AUGI -, os particulares promovem a constituição da administração conjunta, o pedido de licenciamento de loteamento e as obras de urbanização, de um lado e, de outro, a Câmara Municipal emite o alvará de loteamento. 13. Se é certo que o dever de reconversão que impende sobre os proprietários e comproprietários na área das AUGI inclui o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, esta comparticipação é apenas devida “nos termos fixados na presente lei” (art. 3.º, n.º 3). 14. Não estando em causa, nos presentes autos, a questão de saber se os proprietários e comproprietários da Administração Conjunta estão obrigados a comparticipar apenas nas despesas de funcionamento da comissão de administração, para execução dos projetos e acompanhamento técnico do processo e não já, inter alia, nos gastos com infra-estruturas, refira-se que, nesta sede, a jurisprudência mais recente[14] não tem adotado uma posição restritiva. De acordo com esse entendimento jurisprudencial, não é apenas após a obtenção do instrumento de reconversão (operação de loteamento) que se pode exigir aos proprietários e comproprietários o pagamento da sua comparticipação nas despesas de reconversão para execução dessas obras. A jurisprudência não limita, outrossim, as comparticipações às despesas de funcionamento da comissão de administração, para execução dos projetos e acompanhamento técnico do processo. Quanto às infra-estruturas, sustenta-se que “(…) as despesas de reconversão vão sendo feitas ao longo de todo o processo e não na fase final do mesmo, designadamente as infra-estruturas básicas (redes viárias, de electricidade, de águas, de esgotos) em princípio estarão feitas antes da parte final, para que os comproprietários tenham podido viver com o mínimo de condições durante todo o processo. E os órgãos da AUGI existirão para fazerem, ou participarem ou ajudarem em obras ao longo do processo — daí as contas anuais — e não para dar origem a despesas burocráticas com o seu próprio funcionamento improdutivo”[15]. Considera normal que sejam os compradores ou construtores de obras que realizem ou paguem aquelas infra-estruturas, e não terceiros. Refere que se assim não fosse não se justificaria o pagamento das despesas com a administração de uma entidade que nada (ou pouco) faria. 15. O título de reconversão é o documento final que comprova o cumprimento dos parâmetros legais e urbanísticos da AUGI, permitindo assim a divisão em lotes. 16. Conforme o art. 10.º, n.os 1 e 2, da Lei das AUGI, compete à assembleia de proprietários e comproprietários acompanhar o processo de reconversão e fiscalizar os atos da comissão de administração bem como, nomeadamente, aprovar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos no art. 15.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, al. f), do mesmo diploma legal. 17. Por seu turno, segundo o art. 15.º da Lei das AUGI, compete, inter alia, à comissão de administração, elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações, assim como a sua cobrança, designadamente para satisfazer as despesas do seu funcionamento, para execução dos projetos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização e, também, cumprir as deliberações da assembleia. 18. Tal como refere o Tribunal de 1.ª Instância, a propósito das fórmulas de cálculo admissíveis, importa levar em linha de conta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[16]: “ I. Verifica-se o requisito da liquidez da obrigação exequenda quando o seu valor é determinável através de simples cálculo aritmético. II. Se a deliberação da assembleia de comproprietários de área urbana de génese ilegal (AUGI) aprova a fórmula de cálculo aplicável para comparticipação de cada um dos comproprietários no processo de reconversão, conforme os lotes a aprovar no licenciamento camarário, o valor da comparticipação de cada um dos interessados é determinável através da aplicação dessa mesma fórmula.” 19. In casu, as comparticipações devidas pelos proprietários e comproprietários da AUGI do Bairro da Milharada foram definidas, debatidas e aprovadas em assembleia, nomeadamente nas assembleias realizadas em 1999, 2006 e 2017. 20. Também como menciona o Tribunal de 1.ª Instância, a fórmula de cálculo das comparticipações dos proprietários e comproprietários, que tem por base os lotes a aprovar no licenciamento camarário, encontra-se definida nos Regulamentos de 1992 e 1993 e, ulteriormente, no Mapa de Comparticipações anexo à assembleia de 2017, documentos estes que estiveram disponíveis para consulta e que foram publicados. 21. Os Réus não impugnaram as deliberações tomadas em assembleia e que foram devidamente publicitadas. 22. Considerar que até à aprovação da operação de loteamento ou de urbanização a administração conjunta não tem competência para aprovar quotizações seria admitir que o legislador consagrou, nesta fase, uma solução sem qualquer utilidade prática. 23. Com efeito, o cumprimento do dever de reconversão urbanística e de legalização das construções integradas na AUGI, no âmbito de uma reconversão de iniciativa particular, pressupõe a definição e o pagamento de comparticipações por parte dos proprietários e comproprietários. 24. “1 - O processo de reconversão de uma AUGI (Lei 91/95, com sucessivas alterações) não é incompatível com uma ACRRU ou com uma ARU, nem com um plano de urbanização que o prevê e que será elaborado no seu decurso. 2.– Podem ser feitas obras de reconversão durante o processo de reconversão e, por isso, as despesas de reconversão podem ser devidas antes de haver título de reconversão. 3.– A fixação de uma comparticipação – para essas despesas de reconversão - por lote existente de facto é um critério admissível.”[17]. 25. “Os problemas de que tratam as AUGI datam principalmente de 1960 a 1990. Ainda hoje – 2018 - estão por resolver muitas destas situações. Se só depois do título de reconversão é que fossem feitas e pagas as obras, os habitantes das AUGI teriam que viver, até lá, sem infra-estruturas básicas: sem água, luz, esgotos, estradas, ruas... Lembre-se que se trata de prédios rústicos não divididos de direito, onde foram construídos edifícios sem licenças. A administração pública, paga com dinheiros dos contribuintes, não teria razões, em condições normais, para andar a fazer aquele tipo obras em prédios objecto de compropriedade. Seriam os comproprietários que as teriam de fazer. Recusar-se a possibilidade de eles fazerem, durante o processo de reconversão, despesas que tenham a ver com a reconversão, é um contra-senso. E sem a possibilidade de imposição de comparticipações não seria possível fazer as obras.”[18]. 26. De acordo com as deliberações sucessivamente adotadas pela assembleia de proprietários e comproprietários, os proprietários dos lotes ... e ... são devedores à administração conjunta das comparticipações calculadas de acordo com os critérios estabelecidos, acrescidas de juros pelo atraso no seu pagamento, calculados, quanto à comparticipação para as obras de infraestruturas, a partir de 1 de março de 1994 e, para as restantes despesas de legalização, a partir de 1 de maio de 2001. Assim, o montante em dívida pelo LOTE ... à data de 30 de agosto de 2019 fixava-se no valor de € 16.922,11 (dezasseis mil novecentos e vinte e dois euro e onze cêntimos), acrescido dos juros calculados à taxa legal sobre a comparticipação bruta de € 7.531,85, a partir daquela data; e a quantia em dívida pelo LOTE ... à data de 30 de Agosto de 2019 ascendia ao valor de € 29.022,12 (vinte e nove mil e vinte e dois euro e doze cêntimos), acrescido dos juros calculados à taxa legal sobre a comparticipação bruta de € 12.644,52, a partir daquela data. 27. Com efeito, dos Regulamentos do Bairro (Comissão de Melhoramentos) de 1992 e 1993, da deliberação da assembleia constitutiva da AUGI de 14 de março de 1999 e das deliberações da assembleia de proprietários e comproprietários de 19 de novembro de 2006 resulta que as comparticipações para as despesas de reconversão dos Lotes dos Réus são as seguintes: LOTE ... - (i) despesas administrativas, técnicas e de projeto - € 2.992,79; (ii) comparticipação para a realização das infraestruturas - € 4.539,06; LOTE ... – (i) despesas administrativas, técnicas e de projeto - € 4.189,90; (ii) comparticipações para a realização das infraestruturas - € 8.454,62. 28. Das deliberações da assembleia de proprietários e comproprietários de 6 de maio de 2017 resulta que o valor em dívida pelo LOTE ... era, a 30 de agosto de 2019, de € 16.922,11 (dezasseis mil novecentos e vinte e dois euro e onze cêntimos), acrescido dos juros calculados à taxa legal sobre a comparticipação bruta de € 7.531,85 a partir daquela data; e que o valor em dívida pelo LOTE ... era, a 30 de agosto de 2019, de € 29.022,12 (vinte e nove mil e vinte e dois euro e doze cêntimos), acrescido dos juros calculados à taxa legal sobre a comparticipação bruta de € 12.644,52, a partir daquela data. Se o acórdão recorrido violou ou não as normas substantivas e processuais aplicáveis à exigibilidade da dívida e à prescrição 1. No ponto J) das conclusões de recurso, a Autora/Recorrente Administração Conjunta do Bairro da Milharada invoca o erro na aplicação do direito aplicável, por não ter sido “a alteração da Lei 64/2003, de 23 de agosto que atribuiu força executiva à pública-forma das actas, mas sim a da Lei 165/99, de 14 de setembro”. 2. Não assiste, porém, razão à Autora/Recorrente. Com efeito, e como refere a Exma. Senhora Juíza Relatora no despacho que antecede a admissão do recurso, o acórdão recorrido limita-se, a esse propósito, a reproduzir o conteúdo da defesa deduzida pelos Réus/Recorridos AA e BB nos embargos de terceiro, não sendo esta matéria conhecida no recurso de apelação. 3. Por seu turno, no que concerne à questão da exigibilidade da dívida, remete-se para tudo quanto ficou dito sobre o respeito e a correção da aplicação da figura da autoridade do caso julgado da decisão proferida nos embargos de terceiro. 4. Por último, quanto à problemática da exceção de prescrição, a Autora/Recorrente alega o seguinte nas suas conclusões recursórias: “K) Sobre a questão epigrafada de “Prescrição” permite-se o douto acórdão recorrido considerar contraditórias as seguintes considerações da douta sentença da 1ª instância: “Em primeiro lugar algumas das afirmações feitas na sentença recorrida parecem-nos contraditórias, como quando se considera que a “obrigação de pagar as comparticipações só se vence com a aprovação das contas finais” mas, do mesmo passo, se diz que são devidos “juros em compensação pelo atraso no seu pagamento, calculados quanto às obras (…). Ora se a obrigação não se tivesse vencido, por certo não existiria nenhum atraso no pagamento e não seriam devidos quaisquer juros.” L) Tal afirmação – pede-se desculpa da rudeza – revela pura e simplesmente desconhecimento da letra da lei excepcional (é juros, logo aplica-se o código civil…); em sede de alegações para que vivamente se remete é circunstanciado o regime das AUGI no art. º 16 C da lei, quanto às comparticipações: - Constituem provisões ou adiantamentos até a aprovação das contas finais, nas quais só então será definido o exacto valor das dívidas de cada um, posto que aquelas são fixadas pro critérios de previsibilidade (donde só aí se vencer a obrigação); - Não obstante essa natureza, as provisões ou adiantamentos vencem “juros à taxa legal” por atraso no respectivo prazo de entrega; - Os valores assim pagos não revertem “em benefício do credor” mas são antes aplicados no processo de reconversão e, ocorrendo saldo positivo nas contas finais, este é devolvido aos comproprietários na proporção do seu direito, incluindo a favor de quem os pagou. M) Daí que aplicar a regra geral (derrogada pela lei excepcional) quanto ao regime de compensação pelo atraso nas entregas das comparticipações, seja qual for o conteúdo e a forma da deliberação da assembleia repugnaria à lei, ao direito em geral e à moral, por beneficiar o devedor relapso de três formas: - Locupletar-se com o valor da comparticipação pelo tempo do atraso; - Usufruir das obras já realizadas com as comparticipações dos cumpridores; - Participar no rateio do saldo das contas finais relativamente aos juros pagos pelos restantes devedores. N) Quanto à questão da prescrição propriamente dita, o douto acórdão recorrido, sempre encadeado pela contradição e obscuridade já invocada e de que resulta a sua nulidade, demonstra continuar a ignorar a letra do art. º 16º C da Lei das AUGI, ao considerar que cada comparticipação aprovada antes das contas finais é uma obrigação vencida, porque de outro modo não venceria juros. Daí se perder em determinar qual o prazo de prescrição aplicável. O) Só que ignora que as comparticipações são provisões ou adiantamentos até a aprovação das contas finais e o disposto no art. 8.º, n,º 1 da Lei das AUGI onde se comina por lei que “o prédio ou prédios integrados na mesma AUGI ficam sujeitos à administração conjunta (sublinhado nosso) dos respectivos proprietários ou comproprietários”. P) Ora, nos termos do art. 318.º do CPC, a prescrição não começa nem corre entre as pessoas cujos bens estejam sujeitos por lei à administração de outrem e aquelas que exercem a administração até serem aprovadas as contas finais, razão porque improcedem as doutas considerações sobre os prazos aplicáveis e os seus alegados termos iniciais. Q) Ao decidir como contraditado, o douto acórdão recorrido violou as normas substantiva e processuais referenciadas e para que se remete, bem como as estabelecidas na Lei das AUGI (diploma excepcional) que neste articulado expressamente se invocam.”.
5. Tanto quanto se compreende, a Autora/Recorrente insurge-se contra o enquadramento jurídico vertido no acórdão recorrido a propósito da prescrição, referindo que o mesmo demonstra “ignorância grosseira” do regime financeiro da Lei das AUGI (art. 16.º-C). Não se percebe nem por que o faz no âmbito de arguição de nulidade do acórdão (que, de resto, também nesta parte, não padece de qualquer contradição ou obscuridade) e nem as consequências a nível decisório que daí pretende retirar. 6. É que em parte alguma do acórdão recorrido foi julgada procedente a exceção da prescrição invocada pelos Réus/Recorridos, não existindo qualquer decisão de procedência dessa exceção quanto a parte da dívida, designadamente no que respeita ao montante de €12.999,29 e aos juros de mora. 7. Assim, na medida do que é possível retirar das conclusões de recurso, e tal como referido pela Exma. Senhora Juíza Relatora do acórdão recorrido (no despacho em que se pronunciou sobre as nulidades invocadas), “a discordância expressa pela Autora (ora recorrente) sobre a questão da prescrição versa sobre um segmento decisório do acórdão que foi favorável à Autora, na medida em que se manteve o decidido na sentença da 1.ª instância, que julgara improcedente a exceção da prescrição.”. 8. A pretensão da Autora/Recorrente não poderá, pois, deixar de improceder nesta parte.
IV - Decisão Nos termos expostos, acorda-se em julgar o recurso de revista interposto por Administração Conjunta do Bairro da Milharada parcialmente procedente, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a sentença do Tribunal de 1.ª Instância que condenou os Réus AA e BB a pagar à Autora/Recorrente o montante global de €45.944,23 (quarenta e cinco mil, novecentos e quarenta e quatro euros e vinte e três cêntimos), a título de comparticipações devidas pelo processo de reconversão da AUGI do Bairro da Milharada e respetivos juros, acrescido do valor dos juros calculados à taxa legal (art. 559.º do CC e Portaria n.º 291/03, de 8 de abril de 2003) sobre o capital de €20.175,37 (vinte mil, cento e setenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos), desde de 30 de agosto de 2019 até integral pagamento. Notifiquem-se as partes. Custas pelos Recorridos. Lisboa, 15 de fevereiro de 2022 Maria João Vaz Tomé (relatora) António Magalhães Jorge Dias _________ [1] Vide, inter alia, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 2020 (Maria do Rosário Morgado), proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt. |