Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04A2673
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: RECURSO DE AGRAVO
EFEITO SUSPENSIVO
SUSPENSÃO
Nº do Documento: SJ200410120026736
Data do Acordão: 10/12/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 9422/03
Data: 02/26/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Sumário : I - O efeito suspensivo do agravo umas vezes traduz-se na suspensão dos termos do próprio processo, paralisando a sua marcha; outras vezes, na suspensão da execução do despacho agravado.
II - O agravo que sobe imediatamente nos próprios autos tem um duplo e cumulativo efeito suspensivo.
- suspende os termos do processo, paralisando a sua marcha;
- suspende os efeitos do despacho agravado, ou seja, a execução desse despacho.
III - Se estiver em curso o prazo para alegações do recurso de apelação, tal prazo beneficia da paralisação dos termos processuais.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Nesta acção ordinária que A instaurou contra B e esposa C, vieram os réus agravar para este Supremo, do Acórdão da Relação de Lisboa de 26-2-04 (fls 336 e segs), que negou provimento ao agravo que haviam interposto do despacho de 17-6-03 (fls 304), proferido em 1ª instância, despacho esse que julgou intempestivas as alegações oferecidas pelos réus, relativamente ao recurso de apelação que haviam apresentado da sentença final e que, por isso, julgou deserto tal recurso de apelação.
Nas conclusões das suas alegações, os agravantes B e esposa suscitam as seguintes questões:
Erro de julgamento do Acórdão recorrido:
1 - por não considerar que o questionado despacho da 1º instância é nulo por fundamentação deficiente e por contradição com decisões anteriores proferidas no processo - art. 668, nº1. al. b) e c) do C.P.C.;
2 - por não declarar a nulidade do despacho de 11-12-01, que é de conhecimento oficioso, e que resulta desse despacho não ter apreciado no prazo legal de 2 dias o requerimento de 6-12-01, onde se solicitava o pedido de suspensão do prazo das alegações - art. 160, nº2, do C.P.C.
3 - por não atender a que os réus estavam justamente impedidos da prática tempestiva do acto de alegar no recurso de apelação, por evento imputável ao próprio Tribunal, decorrente do exercício das suas funções, o que configura um justo impedimento de conhecimento oficioso, invocável a todo o tempo, perante qualquer instância;
4 - justo impedimento esse que segue o regime do art. 146, nºs 1 e 3 e 514 do C.P.C., o qual deve conduzir à suspensão da marcha do processo desde 6-12-01 (data em que foi requerida rectificação da acta da audiência de julgamento e a suspensão do prazo para alegações, constante daquele requerimento de 6-12-01) até à data da apresentação das alegações da apelação, em 24-4-03, recusadas pelo despacho de 17-6-03, que julgou deserto tal recurso.
5 - por não ter retirado as devidas consequências da atribuição de efeito suspensivo ao agravo, efeito esse que não inviabilizou o prazo anteriormente decorrido, mas que o suspendeu, por respeitar a uma decisão que colocaria fim ao processo.
Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre decidir:

Factos a considerar:

1 - A presente acção foi julgada parcialmente procedente por sentença de 8-5-01.

2 - Inconformados, os réus (aqui agravantes) interpuseram recurso de apelação, através do seu requerimento de 21-5-01 (fls 103), onde disseram que, tendo o recurso por objecto também a reapreciação prova gravada, seria de aplicar o prazo de alegação (30 + 10 dias) resultante da conjugação do disposto nos nºs 2 e 6 do art. 698, do C.P.C.

3 - O recurso de apelação foi admitido por despacho de 17-10-01, tendo a admissão do recurso sido notificado por carta registada, expedida em 25-10-01 (fls 107).

4 - Através do seu requerimento de 6-12-01 (fls 108), os recorrentes vieram dar conhecimento de que os números de voltas assinalados na acta de julgamento como correspondendo ao início e termo da cada depoimento e a indicação do lado da cassete onde se inicia e termina o depoimento de uma testemunha não estão de acordo com a gravação utilizada, o que obstaria a que nas alegações indicassem as rotações em consonância com o constante da acta e a que o tribunal de recurso apreciasse a prova gravada, devido á disparidade entre a acta, as cassetes as referências feitas em alegações.
Por isso, requereram, então:
- a rectificação da acta, em conformidade com o que especificaram, dos números de voltas e lado da cassete;
- a suspensão do prazo para apresentarem as suas alegações do recurso de apelação, iniciando-se (ex novo) o prazo para alegar na data da notificação da acta devidamente rectificada.

5 - O processo foi concluso ao Sr Juiz em 11-12-01, que nessa mesma data proferiu o despacho de fls 112, que decidiu:
- inexistir fundamento para se proceder a qualquer rectificação da acta, porque os réus não fizeram uso da faculdade estabelecida no art. 7, nº2, do dec-lei 39/95, de 15 de Fevereiro;
- indeferir o pedido de suspensão do prazo de alegações.

6 - Tal despacho foi notificado às partes por carta de 7-1-02.

7 - Deste despacho, os réus interpuseram recurso, com o seu requerimento de 11-1-02 (fls 116), que foi admitido por despacho de 18-1-02 (fls 119), como sendo de agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

8 - O referido agravo foi julgado por Acórdão da Relação de Lisboa de 8-4-03 (fls 214 e segs), de cuja parte decisória consta o seguinte:
- "Pelo exposto, concedendo-se parcial provimento parcial ao agravo, revoga-se o despacho recorrido na parte em que rejeitou o pedido de rectificação da acta, pedido a que deverá ser dado seguimento, verificando-se se a desconformidade denunciada existe e, no caso de se verificar, alterando-se a acta, de modo a retratar o que da gravação consta;
- no mais (indeferimento do pedido de suspensão do prazo de alegações na apelação), confirma-se o decidido".

9 - A parte interessante da fundamentação da parte decisória daquele Acórdão da Relação de 8-4-03 é do seguinte teor:

"... feito o pedido de rectificação no decurso do prazo das alegações no âmbito da apelação, devia o Tribunal de 1ª instância tê-lo considerado tempestivo, averiguando da veracidade da invocada discrepância...
A acta de julgamento deve atestar, com fidelidade, aquilo que em audiência se passou.
Ao pedido de rectificação não podia, pois, deixar de ser dado o adequado seguimento, sendo de reconhecer razão aos agravantes, quanto a este ponto.

Porém, o que acaba de dizer-se não conduz ao acolhimento da pretensão dos agravantes, no sentido de verem suspenso o prazo de que dispunham para alegar na apelação por si interposta.
Esta suspensão poderia, quando muito, encontrar justificação no caso de lhes ser impossível dar cumprimento a norma que lhes impusesse a menção, quanto a depoimentos de que pretendessem socorrer-se para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, da sua exacta localização na fita gravada, por referência ao que a propósito se exarou em acta.
Mas uma localização nesses termos não tinha de ser feita por eles, na medida em que a lei aplicável - nº2 do citado art. 690-A do C.P.C., na redacção emergente do dec-lei 39/95, - lhes impunha, diversamente e como se disse já , a transcrição das passagens desses depoimentos com interesse para o fim em vista.
E essa transcrição podia ser feita, independentemente do eventual desacerto da acta na indicação do início e termo dos depoimentos.
Improcedem, pois, as razões invocadas a este propósito".
10 - Esse Acórdão foi notificado às partes, por cartas registadas, expedidas em 10-4-03 (fls 222), e transitou em julgado.
11 - Com o seu requerimento de 24-4-03, os réus apresentaram em 1ª instância, as suas alegações do recurso de apelação (fls 257 e segs).
12 - Também por requerimento de 7-5-03, os réus juntaram em 2ª instância (onde os autos ainda se encontravam), alegações do mesmo teor atinentes ao recurso de apelação (fls 224 e segs).
13 - Por despacho do Ex-mo Desembargador Relator de 13-5-03, foi ordenada a remessa dos autos à 1ª instância, "a quem cabe o processamento da apelação a que as alegações respeitam e, designadamente, apreciar a tempestividade da sua apresentação, em face do conteúdo do referido Acórdão de 8-4-03" (fls 255).
14 - Tendo os autos baixado à 1ª instância, foram conclusos, em 5-6-03, ao Ex.mo Juiz que, por despacho de 17-6-03, decidiu o seguinte:

"Da tempestividade das alegações dos réus:
Os réus formularam inicialmente pedido de suspensão e concessão de novo prazo de alegação, com os fundamentos do seu requerimento de 6-12-01 (fls 108).
O seu pedido foi indeferido com os fundamentos do despacho de 11-12-01 (fls 112), que apreciou aquele, entre outros pedidos.
Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8-4-03 foi confirmado tal despacho, no que respeita ao indeferimento do pedido de suspensão do prazo para alegar.
Os réus só apresentaram as suas alegações na sequência daquele Acórdão da Relação de Lisboa.
A autora insurgiu-se invocando a intempestividade das alegações e pedindo a condenação dos réus como litigantes de má fé.
O efeito atribuído ao recurso que indeferiu o pedido de suspensão do prazo das alegações não contende com o teor daquele Acórdão da Relação de Lisboa que confirmou o despacho, pelo que o prazo para apresentar as alegações já terminou há muito.
A entender-se como os réus pretendem agora, seria inviabilizar, de todo, o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e encontrar uma forma expedita de eternizar o prazo das alegações, bastando, a quem da mesma se quisesse prevalecer, invocar um qualquer argumento dois dias antes de terminar o prazo, ganhando na prática todo o tempo que é necessário para a tramitação da decisão e notificação do recurso.
Pelo exposto, julgam-se intempestivas as alegações oferecidas pelos réus e, em consequência, ordena-se o seu desentranhamento (apensação por linha), e julga-se deserto o recurso que as mesmas sustentavam - arts 698 e 291 do C.P.C."

15 - Os réus interpuseram recurso de agravo deste despacho, que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (fls 308 e 313).

16 - A Relação de Lisboa, por Acórdão de 26-2-04, negou provimento ao agravo e confirmou o despacho aqui recorrido (fls 366 e segs).

17 - É deste Acórdão que vem interposto o presente agravo.

Questão prévia:

Neste Supremo, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto suscitou a questão prévia do não conhecimento do agravo, à luz do art. 754, nº2, 1ª parte, do C.P.C., em face da inaplicabilidade da previsão do nº3, do mesmo preceito, por o agravo não ter sido interposto de decisão que ponha termo ao processo.
Julga-se, porém, não ser esse o melhor entendimento.
Com efeito, a decisão recorrida não admitiu as alegações, por intempestividade e, em consequência disso, julgou o deserto o recurso de apelação interposto.
Tal decisão põe termo ao processo, na medida em que este finda por via dela, não podendo os autos prosseguir seus termos para apreciação do recurso de apelação que se encontrava admitido.
Por isso, o agravo é admissível, ao abrigo do art. 754, nº3, do C.P.C., cumprindo passar ao conhecimento do seu mérito.

Conhecendo:

Os recorrentes pugnam pela suspensão do prazo de apresentação das alegações referentes ao recurso de apelação, em todo o período decorrido desde 6 de Dezembro de 2001 (data em que pediram a suspensão do prazo) até 24 de Abril de 2003 (data em que efectivamente apresentaram as alegações).
Que dizer?
O recurso de apelação foi recebido por despacho de 17-10-01, notificado às partes por cartas expedidas em 25-10-01, pelo que os recorrentes se presumem notificados em 29-10-01 (dia 28 foi Domingo), nos termos do art. 254, nº2, do C.P.C.
Vindo admitido pelas instâncias que o prazo para alegações era de 40 dias, tal prazo findaria em 10 de Dezembro de 2001 (dia 8 foi feriado; dia 9 foi Domingo).
Todavia, em 6 -12-01, os recorrentes solicitaram a suspensão do prazo das alegações.
Nessa data, estava em curso o 38º dia para as alegações, faltando dois dias para o termo do respectivo prazo normal.
Tal pedido foi indeferido por despacho de 11-12-01, notificado por carta de 7-1-02.
Os réus recorreram desse despacho em 11-1-02, recurso que foi admitido como agravo, por despacho de 18-1-02, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do art. 740, nº1, do C.P.C.
O Acórdão da Relação de 8-4-03 considerou que o motivo invocado pelos recorrentes, naquele seu requerimento de 6-12-01, não constituía impedimento que obstasse à apresentação das alegações no prazo normal, pelo que confirmou o indeferimento do pedido de suspensão do prazo, decretado pelo despacho de 11-12-0, então recorrido.
Tal Acórdão, que foi notificado às partes por cartas expedidas em 10-4-03 e se presume notificado em 22-4-03 (de 13 a 21 de Abril foram férias da Páscoa), transitou em julgado.
Assim sendo, formou-se caso julgado formal sobre a decisão proferida, com base no fundamento então invocado pelos recorrentes, que constitui antecedente lógico e necessário da mesma decisão, pois foi nesses precisos limites e termos que julgou - arts 672 e 673 do C.P.C.

Mas uma coisa é o efeito desse caso julgado.
Coisa diferente são as consequências do efeito suspensivo atribuído ao agravo interposto da decisão de 11-12-01.
Como é sabido, o efeito suspensivo do agravo umas vezes traduz-se na suspensão dos termos do próprio processo, paralisando a sua marcha ; outras vezes, na suspensão da execução do despacho agravado (Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, Vol. VI, pág. 140; Rodrigues Bastos, Notas ao Código do processo Civil, 3ª ed., pág. 301/302).
O agravo que sobe imediatamente, nos próprios autos (como foi o caso do agravo interposto da decisão de 11-12-01, admitido por despacho de 18-1-02), tem um duplo e cumulativo efeito suspensivo:
- suspende os termos do processo, paralisando a sua marcha, nos termos do art. 740, nº1, do C.P.C.;
- suspende os efeitos do despacho agravado, ou seja, a execução desse despacho, por força do art. 740, nº2.

Cabe agora decidir desde quando se devem considerar suspensos os termos do processo.
Se, nessa ocasião, ainda estiver em curso o prazo para as alegações, esse prazo também terá de beneficiar da paralisação dos termos processuais.
As consequências do efeito suspensivo do recurso não estão abrangidas pelo âmbito do caso julgado formado pela decisão constante do anterior Acórdão de 8-4-03, que não sai aqui beliscado, por não ter versado sobre tal matéria.
Ora, entende-se que é a partir da data da apresentação do requerimento de 6-12-01 que deve operar-se a suspensão da marcha do processo, para efeito da contagem do prazo das alegações.
Com efeito, tratava-se de um requerimento de natureza urgente, que devia ser decidido no prazo máximo de 2 dias - art. 160, nº2, do C.P.C.
Só que tal não aconteceu, pois esse requerimento apenas foi objecto de decisão em 11-12-01, notificada por carta de 7-1-02.
Se o referido prazo máximo legal de 2 dias, para a prolacção do despacho judicial, tivesse sido observado, os réus ainda poderiam apresentar as suas alegações dentro do prazo normal, ou nos três dias imediatos, com multa - art. 145, nº5 e 6 do C.P.C.
Não tendo o requerimento sido oportunamente decidido, nem tendo sido oportunamente notificado aos réus o resultado da decisão proferida, ficaram estes justamente impedidos de actuar, por facto que lhes não é imputável, mas que decorre apenas de causa interna do próprio tribunal, relacionada com a demora anormal do funcionamento dos serviços da administração da justiça.
Situação em que os réus se mantiveram até lhes ser notificado o despacho que decidiu tal requerimento de 6-12-01, de que logo recorreram.
Por via deste impedimento, conjugado com o efeito suspensivo do referido agravo, traduzido na paralisação dos termos da causa principal a que se refere o art. 740, nº1, do C.P.C., a solução justa, razoável e com suporte legal só pode ser a de considerar que a suspensão do prazo para alegar opera durante todo o período decorrido desde 6-12-01 até à data em que foi notificado o Acórdão de 8-4-03, ou seja, 22-4-03.
Como o prazo para as alegações se suspendeu no 38º dia, os réus dispunham ainda de mais dois dias para as apresentar, após o termo da suspensão.
Tendo as alegações sido apresentadas dentro desses dois dias, ou seja, em 24-4-03, foram - no tempestivamente, não podendo o recurso de apelação ser julgado deserto.

Termos em que revogam o Acórdão de 26-2-04, aqui recorrido e, com ele, o respectivo despacho da 1ª instância, julgando tempestiva a apresentação das alegações da apelação e ordenando que o Ex.mo Juiz determine o adequado prosseguimento dos termos do mesmo recurso.

Custas pela agravada.

Lisboa, 12 de Outubro de 2004
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Ponce de Leão