Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
303/12.1JACBR.P1-B.P1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: EDUARDO LOUREIRO
Descritores: ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECLAMAÇÃO
IRREGULARIDADE
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: ACLARAÇÃO INDEFERIDA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - De acordo com o princípio da tipicidade consagrado no art. 118.º, n.º 1, do CPP, a violação ou inobservância das disposições da lei de processo só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que – n.º 2 da norma –, nos casos em que a lei não comina a nulidade, o acto ilegal é irregular.
II - As nulidades insanáveis são, por definição, insusceptíveis de reparação, podendo ser conhecidas a todo o tempo na pendência do procedimento, oficiosamente ou a pedido. Não podem porém ser declaradas após a formação de caso julgado sobre a decisão final que, neste aspecto, actua como forma de sanação.
III - A regra geral é a de que as nulidades relativas e as irregularidades ficam sanadas se não forem acusadas nos prazos legais de arguição.
IV - Tais prazos, quanto às nulidades, são o geral de 10 dias previsto no art. 105.º, n.º 1 e os específicos previstos nos arts. 120.º, n.º 3. Podendo a sanação ocorrer, ainda, por via da assunção das atitudes tipificadas no art.º 121º.
V - As irregularidades, essas, haverão de ser arguidas no próprio acto em que tiveram ocorrido, isso estando os interessados presentes. Não tendo assistido ao acto, devem os interessados suscitá-las «nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado» – art. 123.º n.º 1.
Podendo, ainda, reparar-se oficiosamente a irregularidade que possa afectar o valor do acto praticado no momento em que dela se tomar conhecimento. Desde que ainda não sanada, sob risco de, a admitir-se reparação de irregularidades já sanadas, se introduzir grave entorse no sistema qual seja a de, relativamente ao menos solene dos vícios formais se admitir, afinal, um regime de reparação não só mais permissivo do que o das nulidades relativas, como equiparável, até, ao das nulidades insanáveis.
VI - A falta de notificação ao arguido recorrente da resposta do Ministério Público á motivação de recurso de uniformização de jurisprudência prevista no art. 413.º, n.º 3 e 448.º, do CPP, constitui irregularidade nos termos do art. 123.º, n.º 1, do CPP. Está, porém, in casu sanada, por não ter sido arguida pelo recorrente no prazo de três contados da sua primeira intervenção no processo.
VII - Não há lugar à não notificação ao recorrente do parecer emitido pelo Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do art. 440.º, n.º 1, do CPP, pelo que a sua falta não acarreta qualquer invalidade, ainda que simples irregularidade.
VIII - Na sua fase preliminar, o recurso de uniformização de jurisprudência é julgado em conferência com a intervenção do três juízes, o presidente, o relator e o adjunto, sendo que o primeiro só vota para desempatar – arts. 441.º n.º 3, 443.º, n.º 1 e 419.º, n.os 1 e 2, do CPP.
A referência no art. 440.º, n.º 4, do CPP a quatro juízes tem que ser corrigida por interpretação correctiva da norma, que não acompanhou a alteração introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25.8, no art. 419.º, n.º 1, do CPP que passou de «Na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e dois juízes-adjuntos» da versão originária do código para a «Na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e um juiz-adjunto».
IX. A identificação no despacho de exame preliminar do juiz adjunto que, segundo as regras dos ,art. 661.º, n.º 2 e 679.º, n.º 2. do CPC, aplicáveis ex vi do art. 4.º, do CPP, haverá de intervir no julgamento em razão de declaração de impedimento nos termos do art. 40.º, al. d), do CPP do primitivo adjunto e da ausência prolongada do serviço do que o devesse substituir nos termos dos art. 46.º, do CPP, 116.º, n.º 4, do CPC e 56.º, da LOSJ, nem enforma decisão sobre a constituição do tribunal, nem ofende o princípio do juiz natural consagrado no art. 32.º, n.º 9, da CRP, nem envolve nulidade insanável nos termos do art. 119.º, al. a), segunda parte, do CPP.
Decisão Texto Integral:


Recurso de Fixação de Jurisprudência
Proc. n.º 303/12.1JACBR.P1-B.P1.S1
5ª Secção

Acordam em conferência os juízes na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. relatório.
1. AA, arguido nos autos de PCC n.º 303/12... do Juiz ... do Juízo Central Criminal ... de que os presentes são dependência, interpôs, em 7.12.2020 e ao abrigo do art.º 437º n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP), recurso extraordinário para fixação de jurisprudência afirmando a oposição entre o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 28.10.2019 e integrado e complementado pelos acórdãos de 10.12.2019 (arguição de nulidades), 22.1.2020 (reforma quanto a custas) e 19.2.2020 (reforma por erro de julgamento quanto a custas) – o, então, acórdão recorrido – e o acórdão de 15.9.2011 do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Proc. n.º 1154/07.0POLSB.L1-9 – o, então, acórdão-fundamento.

2. No requerimento impugnatório, após transcrição do que considerou serem os momentos fundamentais dos dois arestos, enunciou a oposição, identificou a questão sob recurso e indicou o sentido interpretativo a fixar pela seguinte forma:
─ […].
II. A QUESTÃO DE DIREITO
Do acórdão fundamento vindo de citar e transcrever, referente à omissão de despachos pelo JIC conclui-se que, a junção aos autos dos dados de faturação detalhada de telemóvel, registos de trace-back, localização celular, interceção de IMEI, mensagens escritas, serviço de roaming, identificação de reencaminhamentos ativos e respetiva origem e destinos só é possível mediante decisão jurisdicional, o que a não acontecer tem como cominação a proibição de valoração prescrita no artigo 190.º do Código de Processo Penal, nos termos do artigo 32.º n.º 8 da Constituição da República Portuguesa, 189.º n.º 2 e 190.º todos do Código de Processo Penal.
[…].
Sobre esta questão, o acórdão recorrido deu uma solução completamente oposta, designadamente que, tratando-se a faturação detalhada de uma realidade estática e preexistente, fica destituída de qualquer lógica a necessidade de um segundo despacho a determinar a junção aos autos desses dados.
Para além do vindo de referir, os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação atendendo a que não sobreveio qualquer alteração legislativa; o acórdão fundamento já transitou em julgado e não foi até ao momento fixada jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça.
III. SENTIDO EM QUE DEVE SER FIXADA JURISPRUDÊNCIA
A junção aos autos de dados de faturação detalhada de telemóvel, registos de trace-back, localização celular, interceção de IMEI, mensagens escritas, serviço de roaming, identificação de reencaminhamentos ativos e respetiva origem e destinos só é possível mediante decisão jurisdicional, o que a não acontecer tem como cominação a proibição de valoração prescrita no artigo 190.º do Código de Processo Penal, nos termos do artigo 32.º n.º 8 da Constituição da República Portuguesa, 189.º n.º 2 e 190.º todos do Código de Processo Penal.
Termos em que se requer respeitosamente a V. Exa. se digne admitir o recurso, seguindo-se a ulterior tramitação processual.
[…].»

3. No momento previsto no art.º 439º n.º 1 do CPP, os co-arguidos "M..." e BB, aderiram ao recurso do arguido AA, «aceitando integralmente os termos pelos quais o recurso foi interposto». Já os co-arguidos BB, CC, DD e EE nada disseram.
Por seu turno, o MP, pela pena do Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação do Porto (TRP), respondeu ao recurso concluindo pela sua rejeição por intempestividade ou, assim não se entendendo, por inverificação do requisito substancial da oposição de julgados.

4. Por ofício electrónico de 14.5.2021, presumivelmente recebido em 17.5.2021 – art.º 113º n.º 12 do CPP [1] – os arguidos foram notificados, nas pessoas dos respectivos defensores – art.º 113º n.º 10 – do despacho do mesmo dia do Senhor Desembargador que ordenara a subida dos autos de recurso ao STJ.
Até ao dia 20.5.2021 – ou até ao dia 25.5.2021 – nada requereram ou arguiram os arguidos, ou o Ministério Público, no processo.

5. Recebidos os autos de recurso neste Supremo Tribunal de Justiça (STJ), a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, lavrou promoção, deferida pelo relator em 26.5.2021, no sentido de  ser solicitado ao TRP que certificasse o trânsito em julgado do acórdão recorrido.

6. Atestada pelo TRP a ocorrência do trânsito a 5.11.2020, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta produziu douto parecer em 14.6.2021, pronunciando-se pela verificação dos pressupostos formais e substancial de admissão do recurso e dando o aval ao seu prosseguimento em vista da ulterior fixação de jurisprudência.

7. Por despacho de 6.9.2021, determinou o relator que os autos fossem conclusos ao Senhor Juiz Conselheiro Dr. FF, «tendo em conta o disposto no art.º 40º al.ª d) do CPP», isso na consideração de que tinha intervindo no julgamento no TRP que tinha culminando no acórdão recorrido e que, na ordem de precedência indicada no art.º 56º n.º 2 da LOSJ, era o juiz adjunto indigitado por lei para integrar o colectivo que neste STJ haveria de julgar o recurso.

8. Por despacho de 6.9.2021, o Senhor Juiz Conselheiro Dr. FF declarou-se impedido nos termos do art.º 40º al.ª d).

9. Impedido por motivo doença o Senhor Conselheiro Dr. GG – que na ordem do art.º 46º do CPP e 56º n.º 2 da LOSJ deveria intervir em substituição do Senhor Dr. FF –, exarou o signatário no despacho de exame preliminar – art.os 417º e 448º – que interviria como juíza adjunta a Senhora Conselheira Dra. Helena Moniz, que era a magistrada que, na ordem de precedência sempre referida, se seguia ao colega ausente do serviço.
E, no mesmo acto, proferido em 7.9.2021, determinou que o processo fosse aos vistos – o que, atentos os constrangimentos decorrentes da situação pandémica, ordenou que se processasse mediante o envio das peças processuais que fossem solicitadas – e que se inscrevesse em tabela para julgamento em conferência na sessão seguinte agendada, a de 15.9.2021.

10. Nenhum dos actos referidos em 5., 6., 7. 8. e 9. que precedem foi notificado aos arguidos.
    
11. Em 15.9.2021 teve lugar a conferência com intervenção do Senhor Conselheiro Dr. António Clemente Lima como Presidente, da Senhora Conselheira Dra. Helena Moniz, como juíza adjunta e do, ora, relator como juiz relator, a final da qual foi proferido acórdão subscrito pelo juiz relator e pela juíza  adjunta que, sem voto de vencido, rejeitou o recurso nos termos dos art.os 437º n.os 1 e 3, 440º n.º 3 e 441º n.º 1 por inverificação do requisito substancial da oposição de julgados.

12. O acórdão foi notificado ao Ministério Público por termo nos autos de 15.9.2021 e aos arguidos, nas pessoas dos respectivos defensores, por ofícios electrónicos da mesma data, presumivelmente recebidos em 20.9.2021, segunda-feira, primeiro dia útil posterior ao terceiro (art.º 113º n.os 10 e 12).

13. Em 30.9.2021, o arguido AA – doravante, Reclamante – apresentou requerimento de arguição de  irregularidades e de nulidades, nos seguintes termos:
─ […].
Os presentes autos de recurso, constatou agora o recorrente, tiveram uma tramitação, no mínimo, anómala, sendo que umas anomalias configuram irregularidade e outras configuram nulidade insanável.
Na verdade, num primeiro momento, constatou o recorrente através da leitura do acórdão que:
a) o Ministério Público junto do Tribunal da Relação apresentou contra-alegações que não foram notificadas ao recorrente, o que deveria ter acontecido nos termos do disposto nos artºs 413º nº 3 e 448º do Código de Processo Penal;
b) o Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer que também não foi notificado ao recorrente, o que também deveria ter acontecido, nos termos do disposto nos artºs 417º nº 2 e 448º do Código de Processo Penal.
Qualquer destas omissões de notificação configura irregularidade, nos termos do disposto no artº 123º nº 2 do Código de Processo Penal que afectam o acto praticado por omissão do contraditório que devem ser reparadas.
Num segundo momento constatou o recorrente através da plataforma Citius que:
a) a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta promoveu a remessa de informações relativamente ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, através de promoção datada de 26/5/21, que foi deferida na mesma data pelo Exmo. Senhor Conselheiro Relator, sendo que o recorrente não foi notificado quer da promoção, quer do referido despacho;
b) em 6/9 transacto o Exmo. Senhor Conselheiro Relator ordenou a abertura de conclusão ao Exmo. Sr. Conselheiro FF (adjunto nos autos), por forma a que este se pronunciasse “tendo em conta o disposto no artº 40º al. d) do Código de Processo Penal”, sendo que o  recorrente, mais uma vez não foi notificado – e deveria tê-lo sido, tal como não foi notificado o Ministério Público;
c) Por despacho do mesmo dia, o Exmo. Sr. Conselheiro FF declarou-se impedido, sendo certo que, independentemente de o despacho em causa ser irrecorrível – artº 42º nº 1 do Código de Processo Penal -, o mesmo deveria ter sido notificado ao recorrente e ao Ministério Público;
d) Em 7/9 transacto foi proferido despacho pelo Exmo. Sr. Conselheiro Relator no qual se disse “Impedido, nos termos do artº 40º al. d) do CPP, o Exmo. Conselheiro FF e impedido, por doença, o Exmo. Conselheiro GG, intervirá como juíza adjunta a Exma. Conselheira Helena Moniz” e acrescentou-se “Os vistos são efectuados mediante o envio das peças processuais que forem solicitadas. Inscreva na tabela de 15.9.2021, para julgamento em conferência.
As omissões de notificação referidas nas als. a), b) e c) precedentes configuram irregularidades, nos termos do disposto no artº 123º nº 2 do Código de Processo Penal que afectam o acto praticado por omissão do contraditório que devem ser reparadas.
A omissão de notificação do despacho de 7/9 configura, do mesmo passo, irregularidade nos termos da mesma norma, tal como configura irregularidade prevista na mesma norma, a remessa aos vistos do Presidente e dos juízes adjuntos em prazo inferior a 10 dias em relação à data designada para a conferência (despacho a 7/9 e conferência a 15/9) – partindo do pressuposto de que terá sido no mesmo dia enviado o projecto de acórdão aos referidos Conselheiros no mesmo dia, o que não consta dos autos –, tendo em conta o disposto no artº 440º nº 4 do Código de Processo Penal.
Já a nomeação do Juiz Conselheiro Adjunto que intervirá na conferência pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Relator, constitui nulidade insanável por violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do Tribunal, prevista no artº 119º al. a) do Código de Processo Penal, uma vez que este não é competente para tal nomeação.
Da mesma forma, a ausência de um dos juízes Conselheiros Adjuntos referidos no artº 440º nº 4 do Código de Processo Penal na conferência (estão previstos 2 e apenas interveio 1) e a falta de voto e assinatura do Presidente da Secção na conferência e no acórdão, configuram nulidade insanável prevista no artº 119º al. a) do Código de Processo Penal.

Termos em que devem os vícios supra arguidos ser declarados com as legais consequências.».

14. Notificados o Ministério Público e os demais arguidos para se pronunciarem, querendo, sobre o requerido, apenas Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste STJ emitiu pronúncia, do seguinte teor:
─ «A Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, notificada do requerimento apresentado pelo recorrente em que argui a nulidade do acórdão e suscita irregularidades processuais, vem responder nos termos seguintes:
1- AA na sequência da notificação do acórdão proferido nos autos de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência vem arguir a nulidade do mesmo e suscitar diversas irregularidades, invocando o disposto na al. a), do art. 119º e o art. 123º, ambos do CPP.
2- Começa por referir que não tomou conhecimento de trâmites processuais, que enuncia, por omissão de notificação. Entende que essas omissões constituem irregularidades que afectam os actos praticados e por isso devem ser reparadas nos termos do disposto no art. 123º, do CPP.
Todavia, o recorrente não tem de ser notificado de cada trâmite do processo, mas apenas daqueles que estão previstos na lei e dos que possam afectar os seus direitos.
3- Assim, deveria ter sido notificado da resposta apresentada pelo Mº Pº no Tribunal da Relação do Porto, como prescreve o nº 3, do art. 413º, do CPP. No entanto, essa omissão não afecta a validade do acto e tem de se considerar sanada, uma vez que após a apresentação da referida peça processual, em 17/03/2021, o ora requerente foi notificado, a 14/05/2021, do despacho que determinou a remessa dos autos de recurso a este Supremo Tribunal e nada requereu nos 3 dias subsequentes, como estabelece o art. 123º, nº 1, do CPP.
4- Mas não tinha já que ser notificado nem da promoção nem do parecer emitido pelo Mº Pº no Supremo Tribunal de Justiça, nem do despacho que recaiu sobre a primeira.
Com efeito, o art. 440º, do CPP, não prevê essa notificação, ao contrário do art. 417, do mesmo código, o que se percebe face à diferente natureza do recurso e ao facto de ter tramitação própria. Por essa mesma razão, o disposto naquele artigo não é directamente aplicável, nem por força da remissão do art. 448º, do CPP, dado que aí se prevê a aplicação subsidiária das disposições que regulam os recursos ordinários, ou seja, nos casos em que não haja normas próprias e mesmo nesse caso terá sempre que se atender à diferente natureza, finalidade e tramitação como recurso extraordinário que é.
5- Mas, igualmente, não ocorre qualquer nulidade que afecte a validade do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, designadamente a prevista no art. 119º, al. a), do CPP, pois não houve qualquer violação das regras da constituição e composição do Tribunal. Em concreto das normas do CPP – arts. 419º, nºs 1 e 2 e 440º - e art. 56º, da LOSJ.
Ao contrário do que afirma o recorrente, nesta fase do recurso a configuração da conferência é idêntica à dos recursos ordinários, bem como a composição do colectivo que integra a conferência – Presidente da secção criminal respectiva, relator e um adjunto – em conformidade com o disposto nos arts. 441º, nº 3, 419º, nº 1 e 418º, nº 1, todos do CPP.
*
Afigura-se-nos, assim, que o acórdão em causa não padece de qualquer nulidade, nem irregularidade e não violou o disposto nos arts. 123 e 119, do CPP, pelo que o requerimento em apreço deve, sem mais, ser indeferido.
[…].».

15. Colhidos os vistos, de acordo com o exame preliminar, foram os autos presentes a conferência.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. Fundamentação.

A. Questões a decidir.
16. Revisto o requerimento reclamatório, recenseiam-se as seguintes questões decidendas:
─ Ocorrência de irregularidades nos termos do art.º 123º n.º 1:
─ Por omissão de notificação ao Reclamante – e em alguns casos ao próprio Ministério Público – dos seguintes actos processuais:
─ Da resposta ao recurso do Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto (cfr. 3. supra).
─ Da promoção do Ministério Público no STJ de solicitação ao TRP da certificação do trânsito do Acórdão Recorrido e do respectivo despacho de deferimento (cfr. 5. supra).
─ Do parecer do Ministério Público proferido ao abrigo do art.º 440º n.º 1 (cfr. 6. supra).
─ Do despacho do relator que ordenou a apresentação dos autos ao Senhor Juiz Conselheiro Dr. FF, tendo em vista a, eventual, declaração de impedimento (cfr. 7. supra).
─ Do despacho de declaração de impedimento do Senhor Juiz Conselheiro Dr. FF (cfr. 8. supra).
─ Por inobservância do prazo de 10 dias para os vistos prescrito no art.º 440º n.º 4 do CPP (cfr. 9. supra).
─ Ocorrência de nulidades insanáveis nos termos do art.º 119º al.ª a):
─ Por violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição o tribunal, uma vez que o relator não tem competência para nomear o juiz adjunto (cfr. 9. supra).
─ Por ausência na conferência de um dos dois juízes adjuntos legalmente exigidos e pela falta de voto e assinatura do acórdão pelo presidente da secção (cfr. 11. supra).

B. Apreciação.

a. Factualidade relevante.
17. A factualidade relevante para a decisão é a que ficou extractada no Relatório supra, que aqui se dá por reproduzida.

Passando então às questões a decidir:

a). As invalidades processuais.
18. Os art.os 118º a 123º [2] regulam, em geral, as consequências da inobservância das prescrições estabelecidas por lei para a prática dos actos processuais geradoras de invalidade. Sem que porém, esgotem a temática, havendo ainda que atender a numerosas outras normas dispersas pelo código relativas a actos ou vícios determinados [3].
As invalidades são os efeitos dos desvios ao modelo prescrito na lei a que esta faça corresponder uma destruição mais ou menos extensa dos actos processuais.
E cataloga-as a lei processual penal em três espécies [4], as nulidades insanáveis – art.º 119º –, as nulidades dependentes de arguição – art.º 120º – e as irregularidades – art.º 123º.

O art.º 118º n.os 1 e 2 dispõe que a violação ou inobservância das disposições da lei de processo só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei e que, nos casos em que a lei não comina a nulidade, o acto ilegal é irregular.
E são razões sobretudo de economia processual que não consentem equiparar, quanto às consequências, todas as imperfeições dos actos. Só algumas, bem determinadas, produzem o vício da nulidade: é este o princípio da tipicidade, também designado por princípio da legalidade e da taxatividade ou tipicidade das nulidades, que o art.º 118º n.º 1 materializa na fórmula «A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei».
De resto, o objectivo do princípio da tipicidade é, precisamente, não considerar todas as imperfeições no mesmo plano, antes graduar os efeitos dos vícios formais em razão da sua gravidade: a desconformidade do acto com o modelo legal, o vício, não acarreta sempre a sua nulidade, podendo determinar, e determinando como regra, a mera irregularidade.
A norma do art.º 118º n.º 1 não consente, por outro lado, aplicação analógica: as nulidades são típicas, taxativamente indicadas na lei, não havendo, por isso, lacunas a preencher.

O princípio da tipicidade não respeita apenas às nulidades por contraposição às irregularidades. Dentro das nulidades, importa distinguir as nulidades insanáveis, ou absolutas, das nulidades dependentes de arguição, ou relativas.
Se para que o acto possa ser declarado nulo é necessário que a lei expressamente comine a nulidade, também para que a nulidade seja considerada insanável importa que a lei explicitamente o preveja: é o que decorre da conjugação das normas dos art.os 120º n.º 1 e 119º, que enumera, este, as nulidades insanáveis e que exige, aquele, que qualquer nulidade diversa das previstas no primeiro deve ser arguida.
Só é insanável a nulidade a que a lei assim expressamente designe. Prevendo-se simplesmente nulidade, então, trata-se de vício dependente de arguição.

As nulidades insanáveis são, por definição, insusceptíveis de reparação, podendo ser conhecidas a todo o tempo na pendência do procedimento, oficiosamente ou a pedido.
Não podem porém ser declaradas após a formação de caso julgado sobre a decisão final que, neste aspecto, actua como forma de sanação.
Entre as nulidades insanáveis conta-se a da «falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição.» – art.º 119º n.º 1 al.ª a) – que o Reclamante especificamente acusa.
Trata-se de vício referente à composição dos tribunais colegiais, que se concretiza tanto na falta de algum juiz no tribunal colectivo ou no tribunal de recurso, ou de jurado no tribunal do júri, como na violação das regras legais determinativas da respectiva composição, mormente, das relativas à selecção de jurados ou à intervenção dos juízes naqueles tribunais.

A regra geral é a de que as nulidades relativas e as irregularidades ficam sanadas se não forem acusadas nos prazos legais de arguição.
Prazos que, quanto às nulidades, são o prazo geral de 10 dias previsto no art.º 105º n.º 1 e os prazos específicos previstos nos art.os 120º n.º 3. Podendo a sanação ocorrer, ainda, por via da assunção das atitudes tipificadas no art.º 121º.
As irregularidades, essas, haverão de ser arguidas no próprio acto em que tiveram ocorrido, isso estando os interessados presentes. Não tendo assistido ao acto, devem os interessados suscitá-las «nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado» – art.º 123º n.º 1.
Podendo, ainda, reparar-se oficiosamente a irregularidade que possa afectar o valor do acto praticado no momento em que dela se tomar conhecimento. Desde que, naturalmente, ainda não sanada, sob risco de, a admitir-se reparação de irregularidades já sanadas, se introduzir grave entorse no sistema, qual seja a de, relativamente ao menos solene dos vícios formais se admitir, afinal, um regime de reparação não só mais permissivo do que o das nulidades relativas como equiparável, até, ao das nulidades insanáveis!

Tal como a(s) nulidade(s), também a irregularidade determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar – art.º 123º n.º 1 e 122º n.º 1.

19. Isto dito em tese, e volvendo ao caso:

(a). As irregularidades.
20. Diz, então, o Reclamante que o procedimento padece das irregularidades arroladas em 16. supra, uma, relativa à inobservância do prazo de 10 dias nos vistos ao Senhor Conselheiro Presidente e à Senhora Conselheira Adjunta, as restantes à omissão da notificação de vários actos processuais que indica. E pede o seu reconhecimento por este Tribunal, «com as legais consequências.».
Veja-se.

21. Numa primeira aproximação à resposta a dar ao Reclamante, logo se diz que, suposto que todas as ocorrências apontadas constituem, de facto, irregularidades nos termos do art.os 123º do CPP e suposto, ainda, que lhe assiste interesse em agir na sua arguição, todos esses vícios se encontram sanados pela sua não acusação atempada, isto é, no prazo de três dias subsequentes à primeira intervenção ulterior dele no processo:
─ É o que acontece com a falta de notificação da resposta do Ministério Público no TRP à motivação de recurso, que na verdade e em obediência ao disposto nos art.os 413º n.º 3 e 448º lhe deveria ter sido efectuada, mas que haveria de ter sido arguida, mas não foi, até três dias após a notificação que (presumivelmente) recebeu em 17.5.2021, é dizer, até 20.5.2021 ou, o mais tardar, até 25.5.2021, valendo-se neste caso (do máximo) da tolerância concedida pelos art.os 104º e107º-A do CPP e 139º n.º 5 do CPC, como tudo melhor resulta dos n.os 4. e 10. supra.
─ É o que, igualmente, acontece com a falta de notificação da promoção e do despacho referidos em 5., do parecer referido em 6. e dos despachos referidos em 7. e 8. e com a inobservância do prazo dos vistos referida em 9., tudo conjugado com o referido em 10., que haveriam de ter sido arguidas em três dias contados da notificação do acórdão de 15.9.2021 (presumivelmente) ocorrida em 20.9.2021, isto é, até 23.9.2021 ou, com a tolerância acima referida, até 28.9.2019, mas que só o vieram a ser em 30 seguinte, por ocasião do requerimento ora sob apreciação, como tudo melhor resulta dos números citados conjugados com o n.º 13..    

Razões por que, seja em que circunstância for e suposto – repete-se – que algum dos actos ou omissões verificadas possa ter padecido de irregularidade – e diga-se que apenas vício dessa natureza poderá estar em causa por nenhuma das situações estar tipificada na lei como nulidade, como exigido pelo art.º 118º n.º 1 do CPP – , jamais pode algum dos actos processuais praticados ou omitidos, ou algum dos que deles dependam, ser ora invalidado, nessa medida (sempre) improcedendo as arguições deduzidas.

22. Mas acontece que mesmo sem alargar a discussão a todas as situações acusadas, por desnecessário em face da apontada sanação – ainda assim, não se deixa de dizer, por exemplo, que se tem por muito duvidoso que o(s) arguido(s) devessem ter sido notificados da promoção e despacho referidos em 5. –, em pelo menos duas delas é inequívoco que inexiste irregularidade alguma ou que, mesmo que exista, não releva da violação de norma estabelecida em benefício do arguente, pelo que lhe falece o pressuposto processual interesse em agir para a sua arguição.
Com efeito:
 
23. A situação em que, inequivocamente, inexiste irregularidade é – como, aliás, bem observa a Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste STJ – a respeitante à não notificação ao(s) arguido(s) do parecer produzido pelo Ministério Público ao abrigo do art.º 440º n.º 1 [5].
E assim porquanto, como é jurisprudência praticamente incontestada neste STJ – de que, por ser dos mais recentes se indica como (mero) exemplo o AcSTJ de 2.10.2019 - Proc. n.º 36/16.0PEPDL.L1.S1-A [6], cujo sumário segue transcrito –, a remissão do art.º 448º – que dispõe que aos recursos (extraordinários) de fixação de jurisprudência, contra jurisprudência fixada e no interesse da unidade do direito «aplicam-se subsidiariamente as disposições que regulam os recursos ordinários» – não abrange a do art.º 417º n.º 2 – que, precisamente, prescreve que, «Se, na vista a que se refere o artigo anterior [[7]], o Ministério Público não se limitar a apor o seu visto, o arguido e os demais sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso são notificados para, querendo, responder no prazo de 10 dias» – , por isso que não havendo lugar à notificação pretendida pelo Reclamante nem, naturalmente, importando a sua omissão irregularidade:
─ «Nos recursos extraordinários e, no que à economia dos autos interessa, no recurso de uniformização de fixação de jurisprudência, o parecer do MP previsto no art. 440.º, n.º 1, do CPP, não deve ser notificado aos sujeitos processuais e não admite contraditório.
II - Interpretação de que não resulta ofensa do direito de defesa – o recurso visando a certeza e a segurança do direito é um recurso «normativo» destinando a uniformizar jurisprudência sobre uma questão de direito e não a resolver um litígio concreto –, nem viola (obstaculiza) o direito de acesso ao tribunal – a pretensão está no tribunal e foi apreciada e decidida – nem o princípio do contraditório.
III - A intervenção do MP no recurso extraordinário de fixação de jurisprudência não se inscreve no conteúdo do exercício da ação penal de que está incumbido pela CRP e nos termos da lei. Intervém, como nos demais ramos do processo, em defesa da legalidade democrática.
IV - O recurso para fixação de jurisprudência não é uma garantia do direito de defesa. Não existe nem pode converter-se num quarto grau de recurso destinado a reapreciar e reverter uma condenação que se tornou definitiva na ordem jurídica.
V - A questão da não notificação aos sujeitos processuais do parecer do MP nos recursos extraordinários está abundantemente tratada na jurisprudência deste STJ que tem decidido pacificamente e de modo praticamente unânime no sentido de não ser exigida e, consequentemente, de não configurar irregularidade.
VI - A interpretação do art. 440.º, n.º 1, do CPP adotada no acórdão, perfeitamente inserida no entendimento que vem de se expor, não viola o art. 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, nem o art. 6.º, n.º 3, al. c), da CEDH, porque neste recurso não está em causa o reexame da condenação do arguido.».

Já a situação em que podendo existir irregularidade mas em que não assiste interesse ao Reclamante para a sua dedução é a relativa aos vistos ao Senhor Juiz Conselheiro Presidente e à Senhora Juíza Conselheira Adjunta em que, na verdade, não foi observado o prazo de 10 dias previsto no art.º 440º n.º 4.
E assim pois que a norma não tutela qualquer interesse próprio e específico dele, antes daqueles Senhores Magistrados, em benefício dos quais é estabelecida.
E, na circunstância, e não abdicando a arguição da irregularidade do, imprescindível, interesse em agir – de resto, é sintomático que o art.º 123º n.º 1 se refira aos arguentes pela designação de interessados – entendido na acepção, importada do processo civil por via do art.º 4º,  de o «direito» do peticionante «estar carecido de tutela judicial» [8], sempre falecerá ao Reclamante o correspondente pressuposto processual, sem o qual a arguição não pode ser deferida.

24. Improcedentes, assim e sem necessidade de mais alargadas considerações, as arguições de irregularidades, passe-se, então, ao capítulo das nulidades.

(b). As nulidade insanáveis.
25. Recordando aqui o enquadramento das questões, tem-se, então que, como melhor referido, em 7., 8. e 9. supra, o Senhor Juiz Conselheiro FF, que na previsão do art.os 56º n.º 2 da LOSJ deveria intervir com juiz adjunto no julgamento, em conferência, do recurso extraordinário, declarou-se impedido, nos termos do art.º 40º al.ª d), por ter participado, enquanto juiz desembargador do TRP, no julgamento que culminou no Acórdão Recorrido.
Impedido esse Magistrado e ausente, por motivo de doença que se previa prolongada [9], o Senhor Conselheiro substituto dele, Dr. GG, exarou o relator que interviria na conferência em lugar deste último a Senhora Conselheira Dra. Helena Moniz, que se lhe seguia na ordem de precedência do art.º 56º citado, reunindo, depois, a conferência com a intervenção do Senhor Conselheiro Presidente da Secção, da Senhora Conselheira Dra. Helena Moniz como Ajunta e do conselheiro relator.
E,  a final, foi proferido acórdão que rejeitou o recurso de fixação, tirado por unanimidade pela Senhora Conselheira Adjunta e pelo conselheiro relator e, apenas, por estes assinado.
Ora, no ver do Reclamante tudo isto releva da comissão de nulidades insanáveis previstas no art.º 119º al.ª a), quer por na conferência não terem intervindo todos os juízes que deveriam ter integrado o tribunal – em sua opinião, deveriam ter participado dois juízes adjuntos e não apenas um –, quer por o juiz presidente não ter assinado o acórdão, quer por, de qualquer modo, terem sido violadas as regras da sua composição por o relator não ter competência para nomear os respectivos membros, o que no caso teria acontecido relativamente à Senhora Conselheira Adjunta.
Veja-se.
    
26. Como se sabe, o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, regulado no art.º 437º e ss., estrutura-se em duas fases, uma, a fase preliminar, destinada à aferição dos respectivos pressupostos formais – v. g., aptidão do requerimento recursório; legitimidade e interesse em agir; tempestividade; trânsito e origem dos acórdãos em confronto; suficiência instrutória – e do pressuposto substancial – a oposição de julgados definida no art.º 437º –, outra, a fase subsequente, que se destina ao julgamento do objecto do recurso, é dizer, à afirmação da oposição de julgados propriamente dita, à emissão da injunção interpretativa com a força prevista no art.º 445º n.º 3 e à confirmação ou à reforma, à luz dela, do acórdão recorrido.

Apenas interessando à economia da presente decisão a fase preliminar por o acórdão reclamado se referenciar a esse momento, cumpre começar por realçar que o julgamento respectivo se processa, sempre, em conferência, como inequivocamente decorre da normação dos art.os 440º n.º 4 – que dispõe que «Efectuado o exame, o processo é remetido, com projecto de acórdão, a vistos do presidente e dos juízes-adjuntos, por 10 dias, e depois à conferência, na primeira sessão que tiver lugar»  – e 441º – que sob a epígrafe «Conferência» estabelece que «1 - Se ocorrer motivo de inadmissibilidade ou o tribunal concluir pela não oposição de julgados, o recurso é rejeitado; se concluir pela oposição, o recurso prossegue. 2 - Se, porém, a oposição de julgados já tiver sido reconhecida, os termos do recurso são suspensos até ao julgamento do recurso em que primeiro se tiver concluído pela oposição. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 419º.» [10].
E quanto à composição do tribunal e ao modo de intervenção dos seus membros no acto judicativo e na assinatura do acórdão, cumpre igualmente sublinhar que o art.º 441º n.º 3 remete concreta e especificamente para o regime do art.º 419º n.os 1 e 2, ou seja para que «Na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e um juiz-adjunto» e para que «A discussão é dirigida pelo presidente, que, porém, só vota, para desempatar, quando não puder formar-se maioria com os votos do relator e do juiz-adjunto[11].

Ora, perante a clareza do texto da lei  pouco mais é necessário acrescentar para se concluir pela manifesta falta de fundamento da arguição da nulidade insanável do acórdão reclamado no enfoque da falta de um dos juízes que o deveriam compor e da não assinação dele pelo juiz presidente:
─ Contrariamente ao que parece entender o Reclamante, o tribunal não tinha que ser composto por quatro membros – presidente, relator e dois adjuntos – sendo que a discrepância entre o art.º 440º n.º 4 – que, como já assinalado, diz que o processo vai «a vistos do presidente e dos juízes adjuntos» – e os art.os 443º n.º 1 e 419º n.º 1 – que falam de presidente, de relator e de um juiz adjunto – tem que ser contornada por via de interpretação correctiva do primeiro, que não acompanhou a alteração introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25.8, no último, que passou de «Na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e dois juízes-adjuntos» da versão originária do código para a «Na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e um juiz-adjunto», que se mantém no momento actual [12].
─ E contrariamente, também, ao seu entendimento, o acórdão, obtida a maioria dos votos por via da concordância da Senhora Conselheira Adjunta e do relator, não tinha de ser, como não foi, assinado pelo Senhor Conselheiro Presidente, que só deveria ter intervindo se tivesse sido necessário desempatar.    

27. E também na perspectiva da violação das regras relativas à composição do tribunal a nulidade do art.º 119º al.ª a) não pode proceder.
Pelos motivos que seguem.

Uma das garantias constitucionais do processo criminal é a do princípio do juiz natural, consagrado no art.º 32º n.º 9 da CRP sob a fórmula de que «Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior» e que, numa explicitação simplista, significa que «o julgamento dos feitos penais deve ser realizado pelo Tribunal a que a lei anterior haja conferido competência para tal» [13].
Tal quer dizer que, competente para julgar o ilícito penal, será o juiz pré-constituído por lei geral e abstracta e nunca o juiz arbitrária e discricionariamente designado a posteriori para o caso concreto, ou seja, o juiz ad hoc escolhido à revelia de qualquer critério minimamente consistente, objectivo e legal.
Concorrendo com outras normas e princípios no sentido de assegurar a independência do tribunal – à cabeça de todas a do art.º 203º da CRP, que proclama que «Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei» –, serve, em última instância, a ideia do julgamento isento, justo e imparcial, aliás, inerente à ideia do Estado-de-Direito acolhida no art.º 1.º da CRP e com concretizações várias na lei fundamental, na lei ordinária e na lei supranacional.
E a violação da regra do juiz natural pode redundar na comissão da nulidade insanável prevista no art.º 119º a), isso na medida em que a causa seja deferida a outro tribunal, ou a membros dele, que não o(s) abstractamente (pré-)determinável(eis) em razão daquelas regras atributivas de competência.

Ora, in casu, a apreciação e decisão do recurso de fixação de jurisprudência movido pelo Reclamante competia, segundo as referidas regras prévias, gerais e abstractas, ao Supremo Tribunal de Justiça, e, neste e no respeitante ao julgamento na fase preliminar, à conferência constituída pelo juiz presidente – no caso, e como já dito, o Senhor Conselheiro Dr. António Clemente Lima – pelo juiz relator – o mesmo deste acto – e por um juiz adjunto – o Senhor Conselheiro Dr. FF –, tudo conforme o disposto nas normas (quase todas) já citadas dos art.os 11º n.os 1, 3 al.ª c), 4 al.ª f) e 5, 440º n.º 4, 441º e 419º n.os 1 e 2 do CPP e 53º al.ª c), 54º n.º 1, 55º al.ª i), 56º n.os 1 e 2 da LOSJ.
Impedido no termos do art.º 40º al.ª d) o Senhor Dr. FF como juiz adjunto, as mesmas regras prévias, gerais e abstractas determinavam que interviesse no julgamento o juiz que «de harmonia com as leis da organização judiciária dev[esse] substituí-lo» – art.º 46º –, o qual, tratando-se de procedimento em tribunal superior, seria, de acordo com o disposto no art.º 116º n.º 2 do CPC [14], o «juiz imediato» na ordem precedência de que fala o art.º 56º n.º 2 da LOSJ,   
Sucedeu, contudo, que esse juiz era o Senhor Dr. GG, ao tempo – e ainda hoje, como já se disse – ausente do serviço, por motivo de doença.
Para essa hipótese, a lei prévia, geral e abstracta estatuía que a substituição do juiz adjunto ausente cabia «ao juiz seguinte ao último deles» – art.º 661º n.º 2 e 679º do CPC, ambos aplicáveis por acção do art.º 4º.
O juiz seguinte ao juiz adjunto ausente, na ordem de precedência do art.º 56º n.º 2 da LOSJ sempre referido, era, ao tempo, a Senhora Conselheira Dra. Helena Moniz, por isso que como tal o relator se lhe referiu no despacho de exame preliminar e que, depois, veio a intervir no julgamento do recurso.
O que, assim e por tudo, aconteceu,  sem ofensa alguma às regras de determinação da composição do tribunal ou da intervenção dos juízes, que, como fica demonstrado, foram escrupulosamente respeitadas.

E não se diga em contrário, como parece querer dizer o Reclamante, que a invalidade está na circunstância de o relator ter nomeado a Senhora Dra. Helena Moniz como juíza adjunta, o que não caberia no elenco das suas competências.
E não se diga assim porquanto, em primeiro lugar, o despacho de exame preliminar não procedeu à nomeação de nenhum juiz, limitando-se a verificar e identificar o magistrado que, de acordo com as leis de competência, deveria integrar o colectivo em conferência, o que, desde logo, se mostrava necessário para o efeito do processamento dos vistos.
E, depois, porquanto mesmo que assim não tivesse sido, só haveria nulidade nos termos do art.º 119º a) se a Senhora Dra. Helena Moniz não fosse o magistrado judicial que a lei efectivamente designava para intervir, coisa que nem o Reclamante contesta!

28. Razões por que – e conclui-se – também quanto à arguição das nulidades insanáveis tem a reclamação de improceder.
Como no imediato e sem necessidade de mais considerações, se vai decidir, aliás, quanto a tudo.

III. decisão.
29. Termos em que acordam os juízes desta 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a reclamação por irregularidades e por nulidades deduzida pelo arguido AA contra o acórdão de 15.9.2021.

Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC's

*
Digitado e revisto pelo relator (art.º 94º n.º 2 do CPP).
*
Supremo Tribunal de Justiça, em 27.1.2022.



Eduardo Almeida Loureiro (Relator)

Helena Moniz

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[1] Diplomas a que pertencerão os preceitos que se vierem a citar serem menção de origem.
[2] Segue-se, doravante, muito de perto a lição de Germano Marques da Silva, "Processo Penal", II, 5ª ed., pp. 111 e ss.
[3] Como é, v. g., , o caso dos art.os 321º n.º 1 e 330º n.º 1 (nulidades insanáveis); 86 n.º 1, 92º n.º 1, 103º n.º 3, 134º n.º 2, 174º n.º 5, 177º n.os 1 e 3, 179º n.os 1 e 2, 180º n.º 2, 189º, 258º n.º 1, 309º, 313º n.º 1 (nulidades dependentes de arguição).
[4] Abstraindo-se aqui, por sem interesse para a discussão, da categoria inexistência jurídica, aliás, de criação doutrinal e jurisprudencial.
[5] «Recebido no Supremo Tribunal de Justiça, o processo vai com vista ao Ministério Público, por 10 dias, e é depois concluso ao relator, por 10 dias, para exame preliminar.».
[6] In SASTJ.
[7] Artigo anterior o do art.º 416º, cujo n.º 1 estabelece, em paralelo com o art.º 440º n.º 1, que «Antes de ser apresentado ao relator, o processo vai com vista ao Ministério Público junto do tribunal de recurso.».
[8] Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", 1976, p. 79.
[9] Ausência que, aliás, persiste, sem interrupções, até ao dia de hoje.
[10] Sublinhados acrescentados.
[11] Sublinhados acrescentados.
[12] No sentido da interpretação correctiva, Pinto de Albuquerque, "Comentário do Código de Processo Penal", 4ª ed., p. 1196.
[13] Simas Santos et allii, "Noções de Processo Penal", 3ª ed., p. 33.
[14] No sentido do recurso, subsidiário, ao Código de Processo Civil na falta de norma nas leis da organização judiciária, Pinto de Albuquerque, ibidem, p. 139.