Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | ||||||||||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | |||||||||
Relator: | RAUL BORGES | |||||||||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO VIOLAÇÃO AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO GRAVIDEZ MENOR APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL MEDIDA CONCRETA DA PENA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL | |||||||||
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Data do Acordão: | 03/21/2018 | |||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | |||||||||
Texto Integral: | S | |||||||||
Privacidade: | 1 | |||||||||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | |||||||||
Decisão: | JULGAR IMPROCEDENTE O RECURSO | |||||||||
Área Temática: | DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL / CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL / VIOLAÇÃO / CRIMES CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / RECURSOS PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. | |||||||||
Doutrina: | - Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, p. 94 -113; - Denis Sala, Le délinquant sexuel, La Justice e le mal, ed. Odile Jacob, 1997, p. 53 e ss.; - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, p. 320 e 321 ; edição de 2000, p. 335; - Hans Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, p. 1194; - José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV volume, p. 359; - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, Abril de 2011, p. 1186; - Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, p. 1528 e 1529; - Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, volume II, 2.ª edição, p. 801. | |||||||||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 164.º, 177.º, N.ºS 3 E 6. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 427.º, 432.º E 433.º. | |||||||||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 19-10-2000, PROCESSO N.º 2546/00, SASTJ, N.º 44, P. 87; - DE 28-04-2016, PROCESSO N.º 2377/13.9GBABF.E1.S1; - DE 23-06-2016, PROCESSO N.º 181/15.9JAFAR.S1. | |||||||||
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Sumário : | I - Apesar de as conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente reproduzirem praticamente de forma integral o texto da motivação apresentada, prescinde-se de formular convite a apresentação de novas e verdadeiras concisas conclusões, face às questões colocadas serem de fácil detecção. II - A penalidade do crime de violação desde 1995 é a mesma, de 3 a 10 anos de prisão, tendo-se mantida inalterada. O resultado gravidez sempre foi agravado de metade da pena, nas suas várias versões. A agravação em função da menor idade de 14 anos sofreu alterações a partir de 2007: a agravação da pena era de um terço em 1995 e 1998 – art. 177.º, n.º 4, em ambas as versões – passando a metade da pena a partir de 2007, com o art. 177.º, n.º 6. A partir de 2007, a agravação, quer para o resultado gravidez, quer para menor de 14 anos, é de metade da pena. III - Tendo em conta que os factos ocorreram em 2003, ter-se-á de optar pela redacção de 1998, em que a agravação para a idade – n.º 4 do art. 177.º - é de um terço e não de metade como posteriormente passou a ser, sendo considerada a agravante da gravidez – n.º 3 do art. 177.º - para efeitos de moldura penal, sendo a da idade valorada na medida da pena, tudo conforme o disposto no art. 177.º, n.º 6, que reproduziu o texto no texto n.º 5 da versão de 1995. IV - Face ao exposto em III, a idade inferior a 14 anos da vítima será valorada na determinação da medida concreta da pena, sem que se fira o princípio da proibição da dupla valoração. Assim a moldura penal abstracta cabível ao crime de violação agravado, p. e p. pelos arts. 164.º e 177.º. n.ºs 3 e 6, do CP, é a de prisão de 4 anos e 6 meses a 15 anos de prisão. V - As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração – que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição – são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir no tipo de crime de violação, gerador de grande e forte sentimento de repúdio pela comunidade, justificando resposta punitiva firme, impondo-se assegurar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas. VI - No que respeita à execução do facto, dir-se-á que a violação da assistente, menor, à data, com 13 anos, releva uma intensa ilicitude. À data dos factos o arguido era uma pessoa próxima da ofendida, sendo namorado da sua irmã mais velha, aproveitando-se da relação de confiança existente. Por outro lado, há que considerar que já decorreu quase 14 anos desde a prática dos factos. Observados os critérios legais e não se estando perante uma desproporção da quantificação efectuada, nem face a violação das regras da experiência comum, é de manter a pena aplicada pela 1.ª instância de 6 anos de prisão, não havendo lugar a intervenção correctiva do STJ. | |||||||||
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Decisão Texto Integral: |
No âmbito do processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo n.º 49/16.1T9FNC.L1.S1, dos Juízos Centrais Criminais do --, da Comarca da -- – Juiz 2, foi submetido a julgamento o arguido AA, [...], residente no --.
Por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal do -- – Juiz 2, de 11 de Maio de 2017, constante de fls. 247 a 265, depositado no mesmo dia, conforme declaração de fls. 273, foi deliberado: - Condenar o arguido, pela prática, em autoria material, de um crime de violação agravada, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1, e 177.º, n.º 3 e 6, do Código Penal (versão resultante da Lei n.º 65/98, de 2-09), na pena de 6 (seis) anos de prisão; - Julgar o pedido de indemnização civil, parcialmente procedente, por parcialmente provado e, consequentemente, condenar o demandante civil (SIC) a pagar à demandada civil (SIC) a quantia de € 20.000,00 a título de indemnização por danos morais. *** Há um evidente lapso de escrita, que ora se corrige, nos termos do artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do CPP, neste último segmento, pois ter-se-á querido condenar o demandado civil a pagar à demandante civil parte do montante pedido - 100.000,00 € - deduzido a título de indemnização por danos não patrimoniais, conforme pedido de fls. 180 a 187, tendo sido em consequência o demandado civil condenado no pagamento das custas, conforme alínea d) do dispositivo, a fls. 269.
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Inconformado com a deliberação judicial, o arguido, dizendo ter o recurso “como objecto toda a matéria de facto e de direito da douta sentença condenatória”, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando a motivação de fls. 275 a 283, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluindo o itálico na conclusão X): I — O recontente foi condenado pela prática de um crime de violação agravada. p. e p. pelo artigo 164°, n°. 1 e 177°, n0s 3 e 6 do C.P., na pena de seis anos de prisão. II - O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da douta sentença condenatória proferida nos presentes autos. III- A sentença recorrida aplicou ao caso concreto uma pena única de prisão efetiva de 6 anos na ponderação de três factores: grau de ilicitude do facto; existência de dolo directo e exigências ditadas pela necessidade de prevenção. IV- No entanto, não pretendendo de modo algum negar essa mesma necessidade, consideramos desproporcionada e desadequada a aplicação, ao arguido de uma pena de prisão efetiva de 6 anos. V- O arguido não aceita, assim, a pena aplicada porquanto a mesma se revela totalmente desadequada e excessiva. VI - O tribunal “a quo”, violou, assim, na determinação da pena o disposto nos arts. 43.° a 46.°, 50.°. 54.º, 58.° e 70°, todos do C.P. impondo-se, assim, a revogação da douta sentença recorrida. VII - A prisão efetiva, não dará certamente resposta à prevenção de um comportamento futuro e idêntico, por parte do arguido, muito pelo contrário, poderá produzir efeitos perversos, de dimensões imprevisíveis. VIII - Cremos, ainda, que a medida e natureza da pena, por excessiva, não se adequa ao grau de culpabilidade do arguido nem atende às circunstâncias a favor do agente, violando, assim, as normas constantes dos arts. 71.º° e 72.° do C.P, devendo: -ser reduzida para, no máximo cinco anos de prisão e subsequentemente ser suspensa a sua execução, nos termos previstos no n° 1 do art.º 50.° do C.P., uma vez que o arguido reúne todos os seus pressupostos e, que, com base no estatuído no n°2 desse mesmo art.º seja subordinada à observância de uma regra de conduta, tal como prevista no n° 2 do art.º 52.° do mesmo diploma, ou seja, a sujeição a cura em instituição adequada, sujeito a regime de prova (arts. 53.° e 50.°, n°2). IX - “A alteração ao C.P., introduzida pela Lei 59/2007, de 29 de Agosto, assentou na filosofia subjacente ao nosso sistema punitivo de que as penas devem ser sempre executadas com um sentido pedagógico e ressocializador, vindo assim a ampliar o campo de aplicação desta e outras medidas não institucionais que funcionam como medidas de substituição, visando limitar o mais possível os efeitos crirnogéneos da prisão”- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23-10-2007. X - E como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-01-2008, “os direitos fundamentais não poderão ser limitados senão na medida do estritamente indispensável à defesa dos próprios direitos e liberdades constitucionalmente consagrados. É o que decorre do princípio da máxima restrição das normas afetadoras dos direitos e liberdades fundamentais, só se justificando a pena e o seu quantum na medida do indispensável à salvaguarda dos “direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (art.º 18°, n°2 da CRP). Se o legislador entende que uma pena menos grave e, portanto, menos limitadora dos direitos fundamentais, maxime da liberdade, é suficiente para realizar as funções político-criminais da prevenção geral (de integração e de intimidação) e de prevenção especial, deve esta ser aplicada.” XI - E ainda como se escreveu no mesmo Acórdão “(....) com a Lei 59/07, o legislador introduziu um conjunto de alterações ( ) no sentido de reforçar a aplicação de penas não privativas da liberdade, reconhecendo a estas especial aptidão para prosseguir a reinserção do agente e dando a ideia que o recurso à pena de prisão, preventiva e efectiva, deve ser reservado à criminalidade especialmente grave.” XII - E como sublinha o Prof Figueiredo Dias, “à pena privativa da liberdade, o tribunal deve preferir urna pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale por dizer que são finalidades exclusivarnente preventivas, de prevenção especial e de prevenção gera não finalidades de compensação da culpa, que justificam a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação.” XIII - O arguido rejeita, por conseguinte, que a pena de prisão efetiva seja a única espécie de pena que realize, no caso concreto, de forma adequada e suficiente as finalidades da prisão, por se encontrarem esgotadas todas as virtualidades pedagógicas e ressocializadoras que uma pena não detentiva poderá ainda ter sobre o arguido, não obstante as suas anteriores condenações pela prática do mesmo crime. XIV - O tribunal “a quo” violou, assim, o preceituado no art.º 70.° do C.P porquanto o critério de escolha da pena estabelecido no aludido artigo impõe ao julgador a preferência pela pena não detentiva desde que esta se mostre adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição prescritas no art.º 40.°. n.° 1 do C.P. ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. XV - Encontram-se reunidas todas as condições necessárias à aplicação de uma pena não privativa da liberdade ao arguido. XVI - Assim sendo, o Tribunal “a quo” deveria ter determinado a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, conforme previsto no art.º 50.° do C.P, ainda que, subordinando-a ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta destinados a facilitar a sua reintegração na sociedade nos termos do disposto nos arts.51.º e 52.º do C.P. XVII - A prisão efetiva do Recorrente é desnecessária, desadequada, desproporcional e mais prejudicial do que benéfica, além de que representa custos elevados para a comunidade. XVIII - A douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, pois não ponderou todas as possibilidades de substituição da pena de prisão efectiva aplicada pelas penas não detentivas previstas no C.P. XIX - Pelo que, a douta decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que aplique ao arguido uma pena não superior a cinco anos suspensa na sua execução. Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão do tribunal de 1.ª instância ser revogada e substituída por outra que aplique ao arguido uma pena não superior a cinco anos suspensa na sua execução nos termos previstos no n° 1 do art.º 50.° do C.P., por ser suficiente e certamente mais adequada para dar resposta às necessidades ditadas pela prevenção especial. ***
O recurso foi admitido por despacho de fls. 285.
*** A fls. 289 veio o recorrente dizer ter por lapso endereçado as alegações de recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa, requerendo que as mesmas fossem remetidas ao Supremo Tribunal de Justiça por ser, neste caso concreto, o Tribunal competente.
Este requerimento, que deu entrada em 11 de Julho de 2017, faz fls. 289, estando colocado antes da resposta do Ministério Público, que deu entrada em 20 de Junho de 2017, fazendo fls. 290 a 292, o que poderá explicar, de alguma forma, a indevida remessa dos autos para o Tribunal da Relação de Lisboa.
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O Ministério Público junto da Procuradoria da Instância Central - Secção Criminal da Comarca da -- apresentou resposta, de fls. 290 a 292, dirigida aos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo: 1.º O Tribunal “a quo” explicou de forma clara como chegou à pena de seis (6) anos de prisão. 2.° Na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal “a quo” teve em conta todas as circunstâncias atenuantes que militavam a favor do arguido. 3.° Esta pena é, sem dúvida alguma, a que afigura mais justa em face dos factos praticados pelo recorrente AA. 4.° O tribunal “a quo” fez uma mais que correcta aplicação dos arts. 40.°, n.º 1, 70°, ns. 1 e 2, 71°, 164°, n°1 e 177°, n°s 3 e 6, todos do Código Penal. Nestes termos, entende-se ser de negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, a manutenção do acórdão recorrido.
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Em 22-09-2017 foi proferido o despacho de fls. 293, a dizer “Subam os autos”, sem especificar o tribunal ad quem, e sem ter em conta a correcção antecedente.
Face a essa falta de clarificação, aliada à desconsideração do aludido requerimento correctivo, o processo foi enviado indevidamente para o Tribunal da Relação de Lisboa, conforme fls. 298.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa, a fls. 301, atenta a medida da pena aplicada – 6 anos de prisão –, o facto de o recurso visar apenas matéria de direito – medida da pena – e invocando o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, defendeu dever o processo ser remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, o competente para conhecer do recurso interposto.
*** Por decisão sumária de 2-11-2017, de fls. 305 a 307, invocando o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, não sendo caso de recurso prévio para a Relação, face n.º 2 do mesmo preceito, foi declarada a Relação incompetente para julgar o recurso interposto pelo arguido, ordenando-se, uma vez transitada a decisão, a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, dando-se conhecimento à 1.ª instância. Anota-se que na decisão sumária foi referido que os autos foram remetidos ao Tribunal da Relação “apesar de o recorrente ter entretanto requerido que os mesmos fossem enviados ao Supremo Tribunal de Justiça, por ser o competente para a apreciação do recurso”.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, de fls. 315 a 318, emitiu douto parecer, de que se respiga: “4. O recurso do arguido não merece provimento. Convocando a matéria de facto dada como provada, dela sublinhamos: os factos sob os nºs 1 a 15, inclusivé, do ponto “II Fundamentação” do Acórdão ora recorrido. Bem sabendo o arguido da idade da menor ofendida, abusado da confiança e familiaridade com aquela, por ser namorado da irmã, aproveitando o facto de a ir buscar à escola e ficarem sozinhos na casa desta, consciente e voluntariamente contra a sua vontade, pela violência, manteve acto sexual de cópula completa, do qual resulta a gravidez da menor e o nascimento de uma bebé, do sexo feminino, em ....2004. Dos factos dados como provados, relativamente às condições pessoais de vida do arguido resulta que este tem uma tendência para se relacionar emocionalmente com adolescentes. Em Junho de 2016, foi condenado, pelo mesmo Tribunal, a 9 anos de prisão pelos crimes de coação e violação agravada, decisão ainda sob recurso. O arguido não aceita a sua responsabilidade dos factos que praticou. O Acórdão ora recorrido regista que o arguido, “(…) no seu discurso é perceptível a existência de algumas distorções cognitivas nesta esfera (da sexualidade), traduzidas, por exemplo na legitimiação de relacionamento com menores quando consentidos por estes ou por adulto responsável e de estes poderem ocorrer num contexto de provocação das mesmas (…)”. Não mostrou arrependimento, apresentando uma versão diferente dos factos, imputando à vítima, menor de 13 anos, a responsabilidade do ocorrido, porquanto tendo o arguido “estabelecido uma relação de namoro com a irmã mais velha, (aquela) foi-lhe ganhando afecto e a dada altura disputava-o com a irmã (…) o arguido afirma que chegou a comentar com a namorada”, BB, que a sua irmã mais nova estava sempre a olhar para ele “com maldade” e no que respeita à relação sexual que levou à gravidez da assistente, o arguido refere que certo dia se encontrava em casa daquela e quando a assistente chegou, veio ao seu encontro com uma mini-saia roxa, a abrir as pernas. Mais refere que “(…) quando (o arguido) saiu da casa de banho com a toalha à volta da cintura, (…) a assistente apareceu-lhe completamente nua, jogou-o para cima da cama e pôs o seu pénis na boca (…)”, lê-se no segmento “c) Motivação”, fls. 21, do Acórdão recorrido. O arguido tinha, à data dos factos, cerca de 35 anos, a vítima cerca de 13 anos e a própria namorada daquele, BB, irmã mais velha desta, 15 anos. Demonstra uma personalidade não conforme às regras sociais, éticas e do direito, com inclinação para relacionamento amoroso com jovens muito mais novas, a quem não reconhece dignidade e o direito de livre e conscientemente conformarem o seu crescimento físico e psicológico com a sua autonomia sexual e emocional. A ilicitude é elevadíssima e a culpa muito grave. Na avaliação da personalidade do arguido, expressa nos factos dados como provados, é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado – Cfr. Ac. do STJ, de 09.01.2008, proc. 3177/07, 3ª Secção. O arguido não reconhece que agiu mal, não confessou, atribuindo a responsabilidade dos factos à “provocação” sexual que lhe foi feita pela vítima. Não foram provadas circunstâncias que atenuem a culpa e a censura ética e jurídico-penal que deve ser feita ao arguido. Não merece provimento o recurso do arguido. 5. Pelo exposto, emite-se parecer no sentido da improcedência total do recurso interposto pelo arguido AA.”
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente silenciou.
*** Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.
*** Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
*** Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série – A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ n.º 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso. As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).
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Questão Prévia – Falta de conclusões tout court
O recorrente afirma a sua discordância com o decidido no acórdão recorrido, conforme resulta do exposto na motivação e levado em repetição quase integral às supostas “conclusões”, que deveriam traduzir, de forma sintética, as razões de divergência com o decidido. Como ensinava José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV volume, pág. 359, as conclusões visam habilitar o tribunal a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados. Como refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, págs. 320/1 (e edição de 2000, a págs. 335), o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Nas conclusões da motivação o recorrente tem de indicar concretamente os vícios da decisão impugnada e essa indicação delimita o âmbito do recurso. São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar. As conclusões devem ser «um resumo explícito e claro das questões levantadas pelo recorrente (…). O tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no artº. 684.º, n.º 3, do CPC» - Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, volume II, 2.ª edição, pág. 801. Segundo o acórdão de 04-02-1993, proferido no processo n.º 83281, in CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 140, proferido em sede de acção cível, mas com pleno cabimento aqui, as conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações; sem a indicação concisa e clara dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações não há conclusões. As conclusões servem para resumir as razões do pedido, para condensar a matéria tratada no texto da motivação – cfr. acórdãos de 15-07-2009, processo n.º 103/09-3.ª e de 5-12-2012, processo n.º 250/10.1JALR.E1.S1-3.ª. Lidas a motivação e as conclusões é patente que as ditas “conclusões” mais não são do que a repetição quase integral da motivação. E só não é total, completa e integral, porque os artigos da motivação estão subordinados a numeração árabe, enquanto as conclusões são apresentadas com numeração romana. O número destas – I a XIX – não coincide com os artigos da motivação – 1 a 21 – exactamente porque dois dos artigos não foram transpostos para as “conclusões”, concretamente o artigo 17 (O arguido está tremendamente arrependido e com medo de ir parar à prisão, o que lhe provocou grave depressão) e o artigo 18 (O Recorrente está a equilibrar a sua vida familiar, com vista à sua integração na vida em sociedade). Até o uso do itálico é idêntico no artigo 10 e na conclusão X. Apesar de as conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente reproduzirem praticamente de forma integral o texto da motivação apresentada, prescinde-se de formular convite a apresentação de novas e verdadeiras concisas conclusões, face às questões colocadas de fácil detecção. Não obstante no artigo 2.º da motivação, o recorrente proclamar que o recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença condenatória, afirmação repetida e transposta para a conclusão II, patente é que a impugnação se dirige apenas à medida da pena aplicada, que pretende ver reduzida para cinco anos e subsequentemente suspensa na execução.
Questões propostas a reapreciação e decisão
Questão I – Medida da pena – Conclusões I a XIX; Questão II – Suspensão da execução da pena – Conclusões VIII, XV, XVI e XIX; Questão III – Omissão de pronúncia – Conclusão XVIII.
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Apreciando. Fundamentação de facto
Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, congruente, harmonioso, e devidamente fundamentado.
Factos Provados
1. O arguido conheceu a CC (à data menor), nascida em ...-1990, [n]o ano de 2002 por ser namorado da irmã mais velha desta (BB, à data com 14 anos), frequentando, por essa razão, a residência de ambas, sita na Rua .... 2. Por força da relação amorosa que mantinha com a irmã da CC e também pelo auxílio económico que dava à progenitora desta, o arguido logrou obter uma relação de confiança com o agregado familiar daquela. 3. No âmbito dessa relação de confiança, o arguido, em dia não concretamente apurada [o] do mês de Outubro do ano de 2003, foi buscar a CC à escola e transportou-a para a residência desta onde permaneceram sozinhos. 4. Já na sua residência, a CC foi para o seu quarto sozinha estudar deitada na cama. 5. Pouco depois, o arguido dirigiu-se ao quarto da CC e iniciou uma conversa com ela. 6. A dada altura, o arguido pergunta-lhe: “Não queres brincar?”, tendo a CC recusado porque “precisava de estudar”. O arguido, no entanto, insistiu afirmando que seria uma “brincadeira divertida” mantendo a menor a sua recusa. 7. Não obstante a recusa da menor, o arguido manteve-se junto dela e, pouco depois, aproximou-se daquela por trás, virou-a com violência na sua direcção e afirmou: “vamos brincar sim, porque eu quero!” 8. Nessa altura, a menor pediu ao arguido que a largasse. 9. No entanto, o arguido agarrou-a com força nos braços e começou a levantar-lhe as saias. 10. Apesar da força que a menor efectuou para se tentar, sem sucesso, libertar, o arguido abriu o fecho das suas calças e retirou o pénis. 11. Acto contínuo, o arguido afastou com força as pernas da menor, afastou as cuecas desta e manteve com esta cópula vaginal. 12. Atenta a dor que que a menor estava a sentir que lhe provocava choro, o arguido ainda retirou, por momentos, o pénis da vagina desta. Todavia, voltou a introduzi-lo na vagina daquela até ejacular. 13. Em consequência da actuação do arguido, a menor veio a engravidar, facto de que apenas se apercebeu, pela inexperiência própria da sua idade, quando já estava grávida de 7 meses. 14. Em resultado da gravidez nasceu, no dia ... - 2004, a menor que veio, posteriormente e no âmbito do processo de averiguação oficiosa da paternidade n.º 676/04.0TMFUN, a ser perfilhada pelo arguido. 15. O arguido sabia qual a idade da menor, tanto mais que era namorado da irmã desta e frequentava quotidianamente a residência desta. 16. Com a conduta descrita, o arguido bem sabia que, ao fazer uso da sua força física, colocou a menor na impossibilidade de se opor aos seus intentos, forçando-a a manter consigo acto sexual de cópula vaginal contra a vontade desta pondo em causa a sua autodeterminação sexual, o que representou e concretizou. 17. Sabia ainda que com a sua conduta e que supra se descreveu, estava a limitar gravemente a liberdade e a autodeterminação sexual da menor, bem como estava a prejudicar o desenvolvimento da sua personalidade, sem se preocupar com os prejuízos e os danos irreparáveis que a este [a] causava. 18. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção conseguida de satisfazer os seus instintos libidinosos, apesar de conhecer o carácter proibido da sua conduta.
Das condições pessoais de vida do arguido AA provém dum contexto familiar aparentemente estruturado. As necessidades económicas familiares, que incluíam para além do próprio mais cinco irmãos, eram satisfeitas através dos rendimentos do progenitor, estivador, não sendo mencionadas dificuldades financeiras. O percurso escolar parece ter sido efectuado com normatividade, tendo como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade. Profissionalmente, exibe hábitos de trabalho, com a profissão de ..., trabalho que exerce há mais de 20 anos. Nunca casou, assumindo ter iniciado a vida sexual aos 34 anos de idade, com uma adolescente de 15 anos de idade, sendo que a partir de então estabeleceu várias relações afectivas, algumas com adolescentes, nas quais se inclui a irmã da ofendida no presente processo. Da relação que estabeleceu com a ofendida resultou o nascimento de uma filha, actualmente com 12 anos de idade. Foi feita averiguação oficiosa da paternidade e o arguido refere ter passado a ter contactos mais regulares com a descendente, com algumas visitas desta a casa dos avós paternos. Os contactos terão cessado há cerca de dois anos, alegadamente na sequência de processo no tribunal. Refere ter mantido uma relação mais significativa, com coabitação, durante três anos, tendo mesma entrado em ruptura há cerca de cinco anos, alegadamente por incompatibilidades relacionais com a ex-companheira e com a enteada. Não foram apuradas problemáticas aditivas. Em Junho do ano transacto o arguido foi condenado por este Tribunal a 9 anos de prisão pelos crimes de coacção e violação agravada, aguardando recurso do Tribunal da Relação. O arguido reside sozinho num apartamento que adquiriu à empresa Investimentos Habitacionais da --, a custos controlados. Na sequência de um acidente de trabalho, no final do ano passado, com fractura dos dois membros inferiores, tem ficado a pernoitar em casa dos progenitores, elementos que o apoiam. Em relação à filha vem realizando o pagamento de uma pensão de alimentos no valor de 100€. Actualmente mostra-se acomodado ao afastamento sentindo-o como inevitável face ao desenrolar dos processos judiciais. Profissionalmente, AA mantém o vínculo de efectividade à empresa “ --, S.A.”, tendo um vencimento mensal médio de 700€. Encontra-se de baixa médica desde final do ano passado, sendo percepcionado como um funcionário sem problemáticas assinaladas. O arguido refere a realização de alguns trabalhos “espirituais” para pessoas conhecidas, por telefone, tendo chegado a deslocar-se a casas particulares, negando auferir quaisquer proventos daqui decorrentes. Esta actividade que diz manter é desconhecida dos seus familiares. Em termos pessoais AA assume-se como uma pessoa reservada e pouco expansiva nos afectos. A condenação recente, considera-a imerecida, sentindo-se penalizado e estigmatizado na zona de residência pelo conhecimento público da situação. É um assunto não dialogado quer com os familiares quer com a entidade laboral, ainda que seja do conhecimento de ambos, através dos meios de comunicação social. AA verbaliza a necessidade de sancionar indivíduos que assumam comportamentos abusivos na esfera da sexualidade. No entanto, no seu discurso é perceptível a existência de algumas distorções cognitivas nesta esfera, traduzidas por exemplo na legitimação de relacionamentos com menores quando consentidos por eles ou por adulto responsável e de que estes poderão ocorrer num contexto de provocação das mesmas.
Dos antecedentes criminais do arguido Nada consta do certificado de registo criminal do arguido no que respeita a condenações criminais anteriores à data da prática dos factos em apreço nos presentes autos.
Factos provados do pedido de indemnização civil 1 - Em Outubro de 2003 o demandado, contra a vontade da demandante, à altura menor, e com recurso ao uso da força, introduziu o pénis na sua vagina, mantendo com esta acto sexual de cópula vaginal até ejacular. 2 - A demandante tentou impedir que o demandado prosseguisse os seus intentos, o que não conseguiu dada a diferença de idades e ainda a diferença de estatura física entre ambos. 3 - Com tal actuação o demandado causou à demandante forte perturbação, sentindo dores físicas, medo e pânico; 4 - A ofendida viveu naquele dia momentos de terror porquanto nunca havia tido qualquer acto de natureza sexual, nem foi algum dia exposta a tais actos; 5 - O arguido continuou a ser visita assídua da casa da menor, o que provocava nesta sentimentos de medo e de ansiedade; 6 - Em consequência da actuação do arguido, a demandante engravidou, o que descobriu com 7 meses de gestação; 7 - A demandante desconhecia à data a relação de causa efeito entre a conduta do arguido e o fenómeno da gravidez; 8 - Ao aperceber-se que a demandante estava grávida algumas pessoas no meio escolar e familiar suspeitaram da rectidão do seu comportamento o que lhe provocou maior transtorno, angústia, vexame e humilhação; 9 - A demandante enfrentou os efeitos da conduta do arguido praticamente sozinha, tendo perdido a confiança da mãe e da irmã; 10 - A própria mãe manifestou a intenção de a expulsar de casa; 11 - Houve ruptura entre a demandante e a sua irmã; 12 - A ofendida concluiu o 9º ano de escolaridade e o curso de Auxiliar de Educadora de Infância; 13 - A demandante teve necessidade de criar a sua filha e entrar no mercado de trabalho, em trabalhos precários, em regime de part-time ou com carácter sazonal; 14 - A conduta do arguido influenciou o início da vida laboral da demandante.
***** Recurso directo
Como vimos, o recorrente interpôs recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa. Mais tarde, ainda na Comarca, corrigiu o endereço, requerendo a remessa para o Supremo Tribunal de Justiça, por ser o competente para apreciar o recurso. Foi ordenada a subida dos autos sem explicitação de tribunal ad quem, e foram mesmo remetidos para a Relação de Lisboa, onde foi excepcionada a incompetência de tal Tribunal e ordenada a remessa para este Supremo Tribunal de Justiça. Esta opção da primeira instância determinou a produção de processado anómalo, no caso, não tributado, e demoras de evitar. Estes endereços incorrectos, que se vêm sucedendo, pese embora a clareza da lei, apenas contribuem para o atraso da tramitação (a ordem de subida data de 22-09-2017, conforme fls. 293 e devido à escusada viagem à Praça do Município e estadia na Relação de Lisboa, apenas em 5-12-2017 o processo deu entrada neste Supremo Tribunal), o que significa perda de tempo escusado, para além de dar causa a encargos extra, perfeitamente dispensáveis, dando ainda esta solução errada azo a outras consequências, como conduzir a distribuições nas Relações causadoras de desequilíbrios, pois a quem couber em sorte um processo nestas condições pode dar baixa do mesmo com ligeira decisão sumária ou despacho ao correr da pena, tendo recentemente sido aposto um célere “Como se promove”, por parte do Exmo. Desembargador de turno, o que aconteceu no processo n.º 8/15.1GAOAZ.P1.S1. Dir-se-á que, infelizmente, não é caso único. Longe disso. Casos há em que a indevida circulação ocupa dois ou três meses. Poder-se-ia ter evitado o trilho percorrido pelos autos no qual foram gastos mais de dois meses, tendo em conta a data da indevida remessa para o Tribunal da Relação de Lisboa e a entrada neste Supremo Tribunal de Justiça. Como se disse no acórdão de 28 de Abril de 2016, processo n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1: “Pese embora a clareza da lei, a verdade é que são vários os casos em que, estando em causa acórdãos finais de tribunal colectivo, aplicando pena de prisão superior a 5 anos e visando o recurso exclusivamente matéria de direito, os recursos, como no caso presente, são dirigidos ao Tribunal da Relação, com todas as conhecidas nefastas consequências”. Abordando esta questão a nível de direito intertemporal, por o acórdão recorrido no caso então em apreciação datar de 13 de Dezembro de 2006 (o arguido fora julgado na ausência, declarado contumaz em 18-05-2009 e notificado do acórdão condenatório em 30-01-2014, quando se encontrava preso) e o recorrente ter optado por dirigir o recurso ao Tribunal da Relação de Coimbra, não obstante a dimensão da pena única – 8 anos e 6 meses de prisão – pode ver-se o acórdão de 15 de Outubro de 2014, por nós proferido no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1-3.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199. (Esta numeração não respeita o número do processo, como facilmente se retira da data do acórdão recorrido, o qual foi proferido no processo comum colectivo n.º 15/03.7GJCTB, do então 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco). Assim foi decidido nos acórdãos de 04-12-2008, de 4-11-2009 (dois), de 23-02-2011, de 31-03-2011, de 15-12-2011, de 30-05-2012, de 17-04-2013, de 22-05-2013, de 5-06-2013, de 15-10-2014, de 3-06-2015, de 09-09-2015, de 28-04-2016, de 07-07-2016 (dois), de 16-11-2016, de 30-11-2016, de 7-12-2016, de 14-12-2016, de 4-01-2017, de 18-01-2017, de 15-02-2017, de 5-04-2017, de 15-11-2017 e de 22-11-2017, nos processos n.º 2507/08, n.º 97/06.0JRLSB.S1 e n.º 619/07.9PARGR.L1.S1, n.º 250/10.1PDAMA.S1, n.º 169/09.9SYLSB.S1, n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1, n.º 21/10.5GATVR.E1.S1, n.º 237/11.7JASTB.L1.S1, n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, n.º 7/11.2GAADV.E1.S1, in CJSTJ 2013, tomo 2, págs. 210 a 225, n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191/9, n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1, n.º 2361/09.7PAPTM.E1.S1, n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1, n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1 e n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1, n.º 747/10.3GAVNG-B. P1.S1, n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, n.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1, n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1, n.º 6547/06.8SWLSB-H.L1.S1, n.º 5/14.4GHSTC.E1.S1, n.º 976/15.3PAPTM.E1.S1, n.º 25/16.4PEPRT.P1.S1, n.º 336/11.5GALSB.S1, n.º 731/15.0JABRG.S1 (incêndio florestal), todos por nós relatados. No acórdão de 7 de Julho de 2016, proferido no processo n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1, consta: “Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007. A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que se tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e que o impugnante vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito. Sendo assim, a recorrente dirigiu correctamente o recurso a este Supremo Tribunal, contribuindo a remessa para a Relação apenas para o atraso do andamento do processo e a despesas evitáveis”.
No caso presente, objecto do recurso é um acórdão condenatório, tendo sido aplicada pena de 6 anos de prisão e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso, apenas o reexame de matéria de direito (circunscrita à medida da pena de prisão e eventual suspensão da execução), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.
Apreciando. Fundamentação de direito
Antes de avançarmos, dir-se-á que o presente recurso se cinge a apreciação de matéria de direito. O recorrente inicia o recurso dizendo recorrer de facto e de direito, mas averdade é que o recorrente não coloca qualquer questão relativa a matéria de facto, caso em que competente para apreciar o recurso seria o Tribunal da Relação, só havendo lugar a reenvio em caso de verificação de algum dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP, cognoscíveis oficiosamente, o que não ocorre no caso presente. Estamos perante sucessão de leis no tempo, no concreto respeitantes à configuração do crime de violação agravado, sendo que atenta a data da prática dos factos, haverá que olhar as versões dadas pelas reformas de 1998 (Lei n.º 65/1998, de 2 de Setembro, esta em vigor à data da prática dos factos) e de 2007 (Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro), bem como as alterações de 2015 (a Lei n.º 83/2015, de 5 de Agosto, no que toca à redacção dos artigos 164.º e 177.º e a Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto, no que tange ao artigo 177.º). Assim, bem andou a primeira instância ao abordar a indagação de qual o regime penal concretamente mais favorável ao arguido, o que fez ao longo de fls. 18 a 21 do acórdão e fls. 264 a 267 dos autos, concluindo: “Como vimos, exige a lei que se aplique em concreto o regime penal mais favorável ao arguido. In casu, a pena a aplicar seria sempre a mesma em qualquer dos regimes que se sucederam, uma vez que não só prevêem todos a mesma moldura penal (3 a 10 anos), como todos prevêem a agravação de metade do limite máximo e mínimo, levando a uma moldura penal agravada de 4 anos e meio a 15 anos de prisão. Finalmente, os três regimes mandam aplicar, em caso de concorrerem mais do que uma das circunstâncias agravantes, aquela que tiver efeito mais forte. Consequentemente, sendo o resultado exactamente o mesmo nos três regimes penais, aplicaremos o regime penal vigente à data da prática dos factos, por imposição dos artigos 2º, nº 1 e 4 do Código Penal”.
Passando ao enquadramento normativo em causa, recuando-se a tempos mais remotos, a fim de se ter uma perspectiva de evolução do tratamento desta matéria mais abrangente.
Sucessão de leis
Estando em causa direito intertemporal é de chamar à colação o quadro normativo integrado pelo disposto no artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República (Aplicação da lei criminal) e no artigo 2.º, n.ºs 1 e 4, do Código Penal (Aplicação no tempo).
Estabelece a Constituição da República
Artigo 29.º “Aplicação da lei criminal” 4 – Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.
Dispõe o Código Penal
Artigo 2.º “Aplicação no tempo” 1 – As penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem. 2 –………………………………………………………………………………………… 3 – ….…………………………………………………………………………………….. 4 – Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior.
Evolução da integração do tipo legal de crime de violação
Código Penal de 1886.
Pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886, usando da autorização concedida ao Governo pelo artigo 5.º da Carta de Lei de 14 de Junho de 1884 (Nova Reforma Penal), foi aprovada a nova publicação oficial do Código Penal, inserindo as disposições da mesma Lei, ou seja, as da Nova Reforma. Então o crime de violação estava integrado no Capítulo IV – Dos crimes contra a honestidade –, abrangendo a Secção I, contendo apenas o artigo 390.º, que previa o crime de ultraje público ao pudor – a que se seguia a Secção II – Atentado ao pudor, estupro voluntário e violação – contendo os artigos 391.º a 400.º.
O crime de violação estava previsto no artigo 393.º, que dispunha: “Aquele que tiver cópula ilícita com qualquer mulher, contra sua vontade, por meio de violência física, de veemente intimidação, ou de qualquer fraude, que não constitua sedução, ou achando-se a mulher privada do uso da razão, ou dos sentidos, comete o crime de violação, e terá a pena de prisão maior de dois a oito anos”.
A agravação era prevista no artigo 398.º, que sob a epígrafe “Agravação especial”, estabelecia: “Nos crimes de que trata esta secção, as penas serão substituídas pelas imediatamente superiores, se o criminoso for: 1.º - Ascendente ou irmão da pessoa ofendida; 2.º - Se for tutor, curador ou mestre dessa pessoa, ou por qualquer título tiver autoridade sobre ela; ou for encarregado da sua educação, direcção ou guarda; ou for eclesiástico ou ministro de qualquer culto, ou empregado público de cujas funções dependa negócio ou pretensão da pessoa ofendida; 3.º - Se for criado ou doméstico da pessoa ofendida ou da sua família, ou, em razão de profissão, que exija título, tiver influência sobre a mesma pessoa ofendida; 4.º - Se tiver comunicado à pessoa ofendida afecção sifilítica ou venérea.
A pena imediatamente superior à pena de prisão maior de dois a oito anos, então prevista no n.º 5 do artigo 55.º, era a prevista no n.º 4 do mesmo preceito, ou seja, “A de prisão maior de oito a doze anos”. Significa isto que, ao tempo, apesar da severidade das penas previstas, completamente arredada, por remota/longínqua/de todo não considerada/não ponderada/ não cogitada, estava a consideração expressa sobre a tutela da infância, da adolescência e da menoridade então inferior a 21 anos de idade.
Código Penal de 1982
Aprovado pelo Decreto - Lei n.º 400/82, de 2 de Setembro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1983 (artigo 2.º).
Na redacção originária de 1982 os crimes sexuais integravam a Secção II - Dos crimes sexuais (Artigos 201.º a 218.º) do Capítulo I - Dos crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida social, do Título III - Dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade.
Inserto no Capítulo I estabelecia o
Artigo 201.º Violação 1 – Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, grave ameaça, ou depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir ou ainda, pelos mesmos meios, a constranger a ter cópula com terceiro, será punido com prisão de 2 a 8 anos. 2 – Na mesma pena incorre quem, independentemente dos meios empregados, tiver cópula ou acto análogo com menor de 12 anos ou favorecer estes actos com terceiro. 3 – No caso do n.º 1 deste artigo, se a vítima, através do seu comportamento ou da sua especial ligação com o agente, tiver contribuído de forma sensível para o facto, será a pena especialmente atenuada.
Artigo 208.º Agravação 1 – As penas previstas nos artigos 201.º a 207.º serão aumentadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se o ofendido: a) For ascendente ou descendente, filho ou neto do outro cônjuge, parente em segundo grau, filho adoptivo, pupilo ou estiver sob a tutela ou curatela, custódia ou autoridade do agente; b) For aluno, aprendiz, confiado aos cuidados, assistência, ou , em vista da sua educação ou correcção, à guarda do agente ou for fiel de qualquer culto de que este seja ministro ou eclesiástico; c) Estiver numa relação de dependência hierárquica, económica, ou de trabalho do agente, ou, sendo este funcionário público, dele depender a satisfação de qualquer seu negócio ou pretensão, e o crime for praticado com grave ofensa dessas funções ou relações.
2 – O disposto no número anterior aplica-se ao caso de o agente ser portador de doença venérea ou sifilítica e disso tiver conhecimento. 3 – As penas previstas nos artigos 201.º, 202.º, 205.º e 206.º serão agravadas de metade dos seus limites mínimo e máximo se dos actos aí descritos resultar gravidez, ofensa corporal grave, suicídio ou morte da vítima.
Código Penal de 1995
Com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 63, de 15 de Março, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 73-A/95, Diário da República, I Série-A, n.º 136, de 14-06-1995, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, os crimes sexuais foram transferidos para o Título I da Parte Especial dedicado aos Crimes contra as pessoas, em capítulo criado de novo - Capítulo V – Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, integrado pelos artigos 163.º a 179.º – mais concretamente ainda na Secção I (Crimes contra a liberdade sexual) – artigos 163.º a 170.º – e com a agravação prevista no artigo 177.º. Os referidos artigos 163.º a 179.º, introduzidos na reforma de 1995, “substituiram” os artigos 201.º a 218.º da versão originária do Código Penal de 1982, que tratavam “Dos crimes sexuais” - Secção II -, então inserta no Capítulo I, com a epígrafe “Dos crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida social”, por novos artigos, que passaram a integrar o Capítulo V, «Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual» com os n.ºs 163.º a 179.º, repartidos por três secções, respectivamente, dos crimes contra a liberdade sexual (artigos 163.º a 170.º), dos crimes contra a autodeterminação sexual (artigos 171.º a 176.º) e das disposições comuns (artigos 177.º a 179.º), conferindo-lhes nova redacção. Assim foi preconizado na solução n.º 115, constante do artigo 3.º-A – Relativamente à parte geral – da Lei n.º 35/94, de 15 de Setembro (Lei de autorização legislativa), rectificada pela Declaração de rectificação n.º 17/94, publicada no Diário da República, I Série-A, de 13-12-1994, donde emergiu o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que procedeu à terceira alteração do Código Penal, entrado em vigor em 1-10-1995. O preâmbulo do diploma de revisão, no ponto 7, § 2.º, assinala a deslocação dos crimes sexuais do capítulo relativo aos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade para o título dos crimes contra as pessoas, onde constituem um capítulo autónomo, sob a epígrafe «Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual», abandonando-se a concepção moralista («sentimentos gerais de moralidade»), em favor da liberdade e autodeterminação sexuais, bens eminentemente pessoais.
Artigo 164.º Violação 1 – Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, ou, ainda, pelos mesmos meios, a constranger a tê-la com terceiro, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. 2 – Com a mesma pena é punido quem, nos termos previstos no número anterior, tiver coito anal com outra pessoa, ou a constranger a tê-lo com terceiro.
Artigo 177.º Agravação 1 – As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima: a) For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente, ou encontrar numa relação familiar, de tutela ou curatela; ou, b) Se encontrar numa relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação. 2 – As penas previstas nos artigos 163.º a 167.º e 172.º a 175.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se o agente for portador de doença sexualmente transmissível, nomeadamente, doença venérea ou sifilítica. 3 – As penas previstas nos artigos 163.º a 168.º e 172.º a 175.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se dos comportamentos aí descritos resultar gravidez, ofensa à integridade física grave, transmissão de vírus da síndroma de imunodeficiência adquirida, suicídio ou morte da vítima. 4 – As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º, 168.º e 169.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos. 5 – Se no mesmo comportamento concorrerem mais do que uma das circunstâncias referidas nos números anteriores só é considerada para efeito de determinação da pena aplicável a que tiver efeito agravante mais forte, sendo a outra ou outras valoradas na medida da pena.
Com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 63, de 15 de Março, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 73-A/95, Diário da República, I Série-A, n.º 136, de 14-06-1995, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, os crimes sexuais foram transferidos para o Título I da Parte Especial dedicado aos Crimes contra as pessoas, em capítulo criado de novo - Capítulo V – Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, integrado pelos artigos 163.º a 179.º – mais concretamente ainda na Secção I (Crimes contra a liberdade sexual) – artigos 163.º a 170.º – e com a agravação prevista no artigo 177.º. Os referidos artigos 163.º a 179.º, introduzidos na reforma de 1995, “substituiram” os artigos 201.º a 218.º da versão originária do Código Penal de 1982, que tratavam “Dos crimes sexuais” - Secção II -, então inserta no Capítulo I, com a epígrafe “Dos crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida social”, por novos artigos, que passaram a integrar o Capítulo V, «Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual» com os n.ºs 163.º a 179.º, repartidos por três secções, respectivamente, dos crimes contra a liberdade sexual (artigos 163.º a 170.º), dos crimes contra a autodeterminação sexual (artigos 171.º a 176.º) e das disposições comuns (artigos 177.º a 179.º), conferindo-lhes nova redacção. Assim foi preconizado na solução n.º 115, constante do artigo 3.º-A – Relativamente à parte geral – da Lei n.º 35/94, de 15 de Setembro (Lei de autorização legislativa), rectificada pela Declaração de rectificação n.º 17/94, publicada no Diário da República, I Série-A, de 13-12-1994, donde emergiu o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que procedeu à terceira alteração do Código Penal, entrado em vigor em 1-10-1995. O preâmbulo do diploma de revisão, no ponto 7, § 2.º, assinala a deslocação dos crimes sexuais do capítulo relativo aos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade para o título dos crimes contra as pessoas, onde constituem um capítulo autónomo, sob a epígrafe «Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual», abandonando-se a concepção moralista («sentimentos gerais de moralidade»), em favor da liberdade e autodeterminação sexuais, bens eminentemente pessoais.
Teresa Beleza, O Repensar dos Crimes Sexuais na Revisão do Código Penal, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, I volume, Lisboa, 1996, referindo-se a esta mudança, depois de afirmar a págs. 159 que “O pecado – como sombra da censura social suportando padrões morais de comportamento – cedeu o passo à preservação da liberdade individual” e a págs. 166 que “a liberdade sucede aos bons costumes”, diz a págs. 169: “ (…) a ideia de atentado ao pudor é substituída pela de desrespeito pela autodeterminação sexual. Já não é o pudor da criança ou do jovem que está em causa – ele pode, até, ser inexistente e nem por isso o crime deixa de existir ou o Direito ficciona um pudor inexistente – mas a convicção legal (iuris et de jure, dir-se-ia) de que abaixo de uma certa idade ou privada de um certo grau de autodeterminação a pessoa não é livre de se decidir em termos de relacionamento sexual”.
Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, na 3.ª edição de Novembro de 2015, pág. 708, “ a introdução da circunstância agravante da idade da vítima, na reforma do CP de 1995, teve o efeito de afastar o concurso efectivo entre os crimes contra a liberdade sexual e os crimes contra a autodeterminação sexual”.
Reforma de 1998
A Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, publicada no Diário da República, I-A Série, n.º 202/98, de 02-09, no que ora interessa alterou os artigos 164.º e 177.º, que passaram a estabelecer: Artigo164.º Violação
1 – Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. 2 – Quem, abusando de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, constranger outra pessoa, por meio de ordem ou ameaça não compreendida no número anterior, a sofrer ou a praticar cópula, coito anal ou coito oral, consigo ou com outrem, é punido com pena de prisão até 3 anos.
O n.º 1 corresponde aos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo, conforme fora introduzido em 1995, porém com o alargamento do conceito de violação, que passou a abranger, além da cópula e do coito anal, também o coito oral. Relativamente à versão de 1995 no n.º 1 foi eliminada a referência à cópula com mulher, passando pois a ser indiferente o sexo da vítima no caso de cópula, talqualmente já sucedia nos outros casos de penetração sexual. O n.º 2, que foi introduzido em 1998 e não tinha correspondente nas versões anteriores, estabelece a incriminação, como modalidade menos grave de violação, de um caso de assédio sexual praticado por quem tem a vítima sob sua dependência hierárquica, económica ou de trabalho e, servindo-se dessa situação, a constrange a sofrer ou a praticar a cópula, coito anal ou coito oral, consigo ou com terceiro.
Artigo 177.º Agravação 1 – ……………………………………………………………………………………...… 2 – ………………………………………………………………………………………... 3 – As penas previstas nos artigos 163.º a 168.º e 172.º a 175.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se dos comportamentos aí descritos resultar gravidez, ofensa à integridade física grave, transmissão de vírus da síndroma de imunodeficiência adquirida ou de formas de hepatite que criem perigo para a vida, suicídio ou morte da vítima. 4 – As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º e 168.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos. 5 – A agravação prevista na alínea b) do n.º 1 não é aplicável nos casos dos artigos 163.º, n.º 2, e 164.º, n.º 2. 6 – (Anterior n.º 5.)
Entretanto, é publicada a Lei n.º 99/2001, de 25 de Agosto, publicada no Diário da República, I Série, n.º 197, de 25 de Agosto, que introduziu a nona alteração ao Código Penal, e alterou os artigos 169.º (lenocínio), 170.º (importunação sexual), 172.º (abuso sexual de menores dependentes), 176.º (pornografia de menores) e 178.º (queixa), sem conexão directa com o crime de que tratamos, excepto na perspectiva do procedimento criminal com o último.
Reforma de 2007
A Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, que operou a vigésima terceira alteração ao Código Penal [publicada no Diário da República, I Série, n.º 170, de 4 de Setembro, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 102/2007, in Diário da República, 1.ª série, n.º 210, de 31-10-2007, contemplando apenas ligeiríssimas rectificações – alterações aos artigos 152.º-A, n.º 2 (no texto da lei e da republicação); no artigo 262.º, n.º 1, (da republicação) e artigo 373.º, n.º 3, (igualmente da republicação)], entrada em vigor em 15-09-2007, conforme o artigo 13.º, alterou, no que ora importa, os artigos 160.º a 167.º e 169.º a 179.º.
Artigo 164.º Violação 1 – Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa: a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos; é punido com pena de prisão de três a dez anos. 2 – Quem, por meio não compreendido no número anterior e abusando de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou aproveitando-se de temor que causou, constranger outra pessoa: a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos; é punido com pena de prisão até três anos.
Artigo 177.º Agravação 1 – As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima: a) For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente; ou b) Se encontrar numa relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação. 2 – As agravações previstas no número anterior não são aplicáveis nos casos do n.º 2 do artigo 163.º, do n.º 2 do artigo 164.º, da alínea c) do n.º 2 do artigo 169.º e da alínea c) do n.º 2 do artigo 175.º. 3 – As penas previstas nos artigos 163.º a 167.º e 171.º a 174.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se o agente for portador de doença sexualmente transmissível. 4 – As penas previstas nos artigos 163.º a 168.º e 171.º a 174.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se dos comportamentos aí descritos resultar gravidez, ofensa à integridade física grave, transmissão de agente patogénico que crie perigo para a vida, suicídio ou morte da vítima. 5 – As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º, 168.º, 174.º, 175 e n.º 1 do artigo 176.º agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 16 anos. 6 – As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º, 168.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos. 7 – Se no mesmo comportamento concorrerem mais do que uma das circunstâncias referidas nos números anteriores só é considerada para efeito de determinação da pena aplicável a que tiver efeito agravante mais forte, sendo a outra ou outras valoradas na medida da pena.
A Lei n.º 83/2015, de 5 de Agosto, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 151, de 05-08, entrada em vigor em 4 de Setembro (artigo 3.º) operou a trigésima alteração ao Código Penal, autonomizando o crime de mutilação genital feminina, criando os crimes de perseguição e casamento forçado e alterando os crimes de violação, coação sexual e importunação sexual, em cumprimento do disposto na Convenção de Istambul (Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adoptada em Istambul, a 11 de Maio de 2011, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 13/2013).
Pelo artigo 1.º foram aditados os artigos 144.º - A, 154.º - A, 154.º - B e 154.º - C. Pelo artigo 2.º foram alterados os artigos 5.º, 118.º, 145.º, 149.º, 155.º, 163.º, 164.º, 170.º, 177.º e 178.º. Artigo 164.º […]
1 – ………………….………………………………………………………………… 2 – Quem, por meio não compreendido no número anterior, constranger outra pessoa: a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos; é punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.
Artigo 177.º […] 1 – ……………….…………………….…………………………………………….. 2 – As agravações previstas no número anterior não são aplicáveis nos casos da alínea c) do n.º 2 do artigo 169.º e da alínea c) do n.º 2 do artigo 175.º. 3 –…………………………………..………………………………………………... 4 – …………….………….………………………………………………………….. 5 – ………………….………………………………………………………………... 6 – …………………………………………………………………………………... 7 – …………….……………………………………………………………………...
Seguiu-se nova alteração no domínio dos crimes sexuais, introduzida pela Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 164, de 24-08 – trigésima nona alteração ao Código Penal –, que, transpondo a Directiva 2011/93/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, cria o sistema de registo de identificação criminal de condenados pela prática de crimes contra a autodeterminação sexual e liberdade sexual de menor e procede à primeira alteração à Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, que estabelece medidas de protecção de menores, à primeira alteração à Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, e à segunda alteração à Lei n.º 37/2008, de 6 de Agosto, publicando em Anexo a que se refere o artigo 4.º, o Sistema de registo de identificação criminal de condenados por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menor. No que toca especificamente ao Código Penal: Pelo artigo 2.º foram alterados os artigos 53.º, 54.º e 171.º a 177.º. Pelo artigo 3.º foram aditados os artigos 69.º-B, 69.º-C e 176.ª -A. Pelo artigo 9.º foi revogado o artigo 179.º, que regia sobre inibição do poder paternal e proibição do exercício de funções.
As alterações introduzidas mantiveram inalterado o disposto no artigo 164.º.
Quanto ao artigo 177.º segue a versão actual integral, sendo em itálico as alterações ora introduzidas.
Artigo 177.º Agravação 1 – As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima: a) For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente; ou b) Se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação. 2 – As agravações previstas no número anterior não são aplicáveis nos casos da alínea c) do n.º 2 do artigo 169.º e da alínea c) do n.º 2 do artigo 175.º 3 – As penas previstas nos artigos 163.º a 167.º e 171.º a 174.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se o agente for portador de doença sexualmente transmissível. 4 – As penas previstas nos artigos 163.º a 168.º e 171.º a 175.º, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 176.º e no artigo 176.º-A são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se o crime for cometido conjuntamente por duas ou mais pessoas. 5 – (Anterior n.º 4.) As penas previstas nos artigos 163.º a 168.º e 171.º a 174.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se dos comportamentos aí descritos resultar gravidez, ofensa à integridade física grave, transmissão de agente patogénico que crie perigo para a vida, suicídio ou morte da vítima. 6 – As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 16 anos. 7 – As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos. 8 – (Anterior n.º 7.) Se no mesmo comportamento concorrerem mais do que uma das circunstâncias referidas nos números anteriores só é considerada para efeito de determinação da pena aplicável a que tiver efeito agravante mais forte, sendo a outra ou outras valoradas na medida da pena.
Analisando.
Olhando a penalidade do crime matricial temos que desde 1995 é a mesma, de 3 a 10 anos de prisão, tendo-se mantida inalterada. No que toca a agravação é certo, como diz o acórdão recorrido, a fls. 267, em trecho transcrito supra na pág. 25, que todos os regimes prevêem a agravação de metade do limite máximo e mínimo. Assim é, mas não em termos totalmente coincidentes, pelo menos face ao regime em vigor à data da prática dos factos, pois a agravação em função da menor idade de 14 anos sofreu alteração apenas a partir de 2007. O resultado gravidez sempre foi agravado de metade – artigo 177.º, n.º 3, na versão de 1995 e na versão de 1998 – artigo 177.º n.º 4, na redacção de 2007 e na introduzida pela Lei n.º 83/2015, que a manteve intocada – e artigo 177.º, n.º 5, na redacção da Lei n.º 103/2015. Quanto a idade, a agravação era de um terço em 1995 e 1998 – artigo 177.º, n.º 4, em ambas as versões – passando a metade a partir de 2007 com o artigo 177.º, n.º 6, mantido no n.º 6 do mesmo preceito, na versão da Lei n.º 83/2015, que apenas alterou o n.º 2, e no n.º 7 na versão actual introduzida pela Lei n.º 103/2015. Assim temos que, a partir de 2007, a agravação, quer para o resultado gravidez, quer para menor de 14 anos, é de metade. À data da prática dos factos, em Outubro de 2003, quando vigorava a versão de 1998, a agravação pela gravidez era de metade e pela menor idade de 14 anos era de um terço - artigo 177.º, n.º 3 e n.º 4, do Código Penal. Assim, ter-se-á de optar pela redacção de 1998, em que a agravação para a idade – n.º 4 do artigo 177.º – é de um terço e não de metade como posteriormente passou a ser, sendo considerada a agravante da gravidez – n.º 3 do artigo 177.º – para efeitos de moldura penal, sendo a da idade valorada na medida da pena, tudo conforme o disposto no n.º 6 do artigo 177.º, que reproduziu o texto do n.º 5 da versão de 1995, ou seja: Se no mesmo comportamento concorrerem mais do que uma das circunstâncias referidas nos números anteriores só é considerada para efeito de determinação da pena aplicável a que tiver efeito agravante mais forte, sendo a outra ou outras valoradas na medida da pena. Daqui decorre que a idade inferior a 14 anos será valorada na determinação da medida concreta da pena, sem que se fira o princípio da proibição da dupla valoração.
Assim, a moldura penal abstracta cabível ao crime de violação agravado, p. e p. pelos artigos 164.º e 177.º, n.º 3 e n.º 6, do Código Penal, é a de prisão de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses a 15 (quinze) anos de prisão.
Dentro desta moldura funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente: – O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; – A intensidade do dolo ou da negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
*** No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627- 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401-3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42. Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 277, págs. 210/211. A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 2 de Maio de 1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73. Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar. Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g., os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de 17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.
Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.
Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).
A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena. A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado. Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa». Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).
Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida: 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição 1998, AAFDL, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».
Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, no Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção. Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa. Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito. Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar. O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena. Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.
Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 218 (e pág. 224 na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011), defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito. Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista. Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, a págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Ainda de acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»). As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena». Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”. Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”. E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.
Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10 de Abril de 1996, proferido no processo n.º 12/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”. Ainda do mesmo relator, e a propósito de um caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, proferido no processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».
Uma outra formulação, em síntese, na esteira da posição de Figueiredo Dias, em As consequências jurídicas do crime, 1993, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização. Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.
A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada” - cfr. neste sentido, acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1; de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1-3.ª; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALRA.E1.S1-3.ª; de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1-3.ª; de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 213; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 15-10-2014, processo n.º 353/13.0JAFAR.S1-3.ª; de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1-3.ª; de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1-3.ª; de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1-3.ª; de 15-02-2017, processo n.º 976/15.3PATM.E1.S1-3.ª.
Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido. O limite mínimo da pena a aplicar é determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e seguintes. Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou, como diz o acórdão de 22-09-2004, proferido no processo n.º 1636/04-3.ª, in SASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”. Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07, da 3.ª Secção: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento. O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição. O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente». Como salientou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Dezembro de 1998, relatado por Leonardo Dias, no processo n.º 1155/98, publicado no BMJ n.º 482, págs. 77/84, após citar o artigo 40.º do Código Penal: “Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa - nulla poena sine culpa - a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos. A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção. Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral de integração. [Poderia objectar-se que esta concepção abre, perigosamente, caminho ao terror penal. Uma tal objecção, porém, ignoraria, para além do papel decisivo reservado à culpa, que, do que se trata, é do direito penal de um estado de direito social e democrático, onde quer a limitação do jus puniendi estatal, por efeito da missão de exclusiva protecção de bens jurídicos, àquele atribuída (a determinação do conceito material de bem jurídico capaz de se opor à vocação totalitária do Estado continua sendo uma das preocupações prioritárias da doutrina; entre nós Figueiredo Dias que, como outros prestigiados autores, entende que na delimitação dos bens jurídicos carecidos de tutela penal haverá que tomar-se, como referência, apropria Lei Fundamental — propõe a seguinte definição: «unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso», cfr. «Os novos rumos da política criminal», Revista da Ordem dos Advogados, ano 43º, 1983, pág. 15) e os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade. Depois, prevenção geral, no Estado de que falamos, não é a prevenção estritamente negativa ou depura intimidação. Um direito penal democrático que, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, tem de, pela mesma razão, colocar a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Assim, subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum]. Ora, se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que - dentro, claro está, da moldura geral - a moldura penal aplicável ao caso concreto («moldura de prevenção») há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social”.
Revertendo ao caso concreto.
Como se alcança das “conclusões” apresentadas, o recorrente defende que a pena aplicada foi manifestamente excessiva, pretendendo a fixação da pena em medida que permita a suspensão da execução da pena. Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão recorrida, que recolheu, em directo, em registo de oralidade e imediação, os elementos necessários/bastantes e suficientes para o efeito, e teve em vista, de forma explanada, os parâmetros legais a observar. Sobre a questão da determinação da medida concreta da pena aplicada pelo crime em causa, após referir o artigo 71.º do Código Penal, discorreu o acórdão recorrido, como consta a fls. 262/4: “Debruçando-nos sobre o caso sujeito, importa desde logo considerar o condicionalismo que já foi apontado nos autos. Assim, no que respeita à execução do facto, e desconsiderando as circunstâncias que já fazem parte do tipo de crime em presença, dir-se-á que a violação da assistente, menor, à data, com 13 anos, revela uma intensa ilicitude. Tais actos foram suficientes para prejudicar o desenvolvimento da personalidade da vítima, e lhe causar danos irreparáveis. Por outro lado, há que considerar que o comportamento do arguido configurou um acto isolado, tendo decorrido já quase 14 anos da prática dos factos. Outrossim, à data dos factos o arguido era uma pessoa próxima da ofendida, sendo namorado da sua irmã mais velha, consolidando também uma relação de confiança entre a mãe daquelas e o arguido, confiança que este violou de um modo vil e intenso. Aproveitou-se da proximidade decorrente da relação de namoro e da amizade existentes para poder praticar os seus actos, dando satisfação à sua líbido, à custa da ofendida que, certamente, o veria uma figura protectora. Com a sua conduta, o arguido revelou um total desrespeito por valores essenciais e inerentes a qualquer pessoa em especial pelos valores morais da ofendida. Destruiu a confiança que ela nele depositava, sem se preocupar com as consequências que daí para ela pudessem surgir, designadamente no seu relacionamento futuro com os outros e no seu são desenvolvimento. No que toca à censura ético-jurídica dirigida ao arguido, esta radica na modalidade mais intensa do dolo, o directo (art.14º, nº 1 do C.P.), que presidiu a toda a sua actuação. Ou seja, o dolo assume aqui, por directo, uma manifestação muito intensa, sob o aspecto intelectual, enquanto conhecimento de tudo quanto era preciso para uma correcta orientação da consciência ética para o desvalor jurídico da acção, como volitivo, no sentido de querer realizar o facto criminoso. Ao nível da prevenção especial, a favor do arguido depõe a sua ausência de antecedentes criminais sendo certo que tal acaba por ter diminuto significado, atento o tipo de crime em presença. Na esfera da personalidade do arguido importa considerar, ainda, que AA se desenvolveu no seio de uma família aparentemente estruturada e que a sua trajectória de vida revela um percurso escolar normativo e já em idade adulta a inserção laboral e a existência de hábitos de trabalho. A nível afectivo não reuniu estabilidade. Acresce que assume problemática do foro psico-sexual, traduzida na escolha de parceiras mais novas e adolescentes, legitimando esses relacionamentos com o consentimento daquelas. AA verbaliza a necessidade de sancionar indivíduos que assumam comportamentos abusivos na esfera da sexualidade. Ainda assim, no seu discurso foi perceptível a existência de minimização de alguns comportamentos desadaptados nesta esfera, traduzida por exemplo no facto de que relações com menores poderão ocorrer num contexto de provocação por parte das mesmas. A pena a aplicar ao arguido deverá defender o ordenamento jurídico na medida em que os seus comportamentos desviantes são reveladores de uma atitude especialmente censurável, não levando em conta o desvalor de condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático. Deverá, por conseguinte, ser convenientemente sublinhada, perante a sociedade, a validade das normas que punem condutas como a que adoptou e protegem bem jurídico fundamental que violou”.
Após indagar do regime penal concretamente mais favorável ao recorrente, de fls. 264 a 267 e de afirmar a eleição do regime penal vigente à data da prática dos factos, rematou o acórdão recorrido, a fls. 267: “EM SUMA: Feita a devida ponderação, entende-se ser de aplicar ao arguido a pena de 6 (seis) anos de prisão, pela prática do crime de violação que, estamos em crer, não excedendo a sua culpa, se mostra[m] ajustada[s] e adequada[s] às necessidades de prevenção geral e especial que aqui se colocam”. Vejamos se no caso em reapreciação é de reduzir a pena aplicada pelo crime de violação agravada cometido pelo arguido. Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal – definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal em causa.
À data da prática dos factos, em Outubro de 2003, estava em vigor a versão dada pela Lei n.º 65/1998, de 2 de Setembro, a qual manteve a sistematização introduzida pela versão de 1995. Como vimos, o crime de violação, p. e p. pelo artigo 164.º, enquadra-se na categoria “Dos crimes contra as pessoas” - Título I, do Livro II – (Parte especial), e mais especificamente, no Capítulo V, “Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual” – artigos 163.º a 179.º – mais concretamente ainda na Secção I (Crimes contra a liberdade sexual) – artigos 163.º a 171.º – e com a agravação constante da disposição comum do artigo 177.º (Secção III), para além das igualmente comuns normas dos artigos 178.º (queixa) e 179.º (inibição do poder paternal), este actualmente revogado. Os referidos artigos 163.º a 179.º, introduzidos na reforma de 1995, “substituiram” os artigos 201.º a 218.º da versão originária do Código Penal de 1982, que tratavam “Dos crimes sexuais” - Secção II -, então inserta no Capítulo I, com a epígrafe “Dos crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida social”, por novos artigos, que passaram a integrar o Capítulo V, «Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual» com os n.ºs 163.º a 179.º, repartidos por três secções, respectivamente, dos crimes contra a liberdade sexual (artigos 163.º a 170.º), dos crimes contra a autodeterminação sexual (artigos 171.º a 176.º) e das disposições comuns (artigos 177.º a 179.º), conferindo-lhes nova redacção (cfr. solução n.º 115, constante do artigo 3.º- A - Relativamente à parte geral - da Lei de autorização legislativa n.º 35/94, de 15-09, rectificada no Diário da República, I Série-A, de 13-12-1994, donde emergiu o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, que procedeu à terceira alteração do Código Penal, entrado em vigor em 1-10-1995).
Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 12.ª edição, 1998, Almedina Coimbra, em comentário ao artigo 164.º, pág. 540, refere que o crime de violação é o mais grave dos crimes contra a liberdade sexual por ser o que mais intensamente lesa a liberdade e a autenticidade da vida sexual das pessoas.
O bem jurídico protegido pela incriminação do artigo 164.º do Código Penal é a liberdade de determinação sexual - Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 466. Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Dezembro 2008, pág. 449, na 2.ª edição actualizada, de Outubro de 2010, pág. 511, e na 3.ª edição actualizada, de Novembro de 2015, pág. 654: “O bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade sexual de outra pessoa. Quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido, a violação é um crime de dano. Quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção, é um crime de mera actividade”.
A agravação do artigo 177.º encontra justificação numa perspectiva de reforço da tutela dos bens jurídicos pessoais e de uma lógica de maior protecção ao menor, introduzido em 1995 com a 3.ª alteração do Código Penal atenta a sua especial vulnerabilidade. Assim, de acordo com o n.º 8 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que introduziu a Reforma de 1995: “Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual foram objecto de particular atenção, especialmente quando praticados contra menor. Nessa conformidade, o crime sexual praticado contra menor é objecto de uma dupla agravação. Por um lado a que resulta de elevação geral das molduras penais dos crimes de violação e coacção sexual, quer no limite mínimo, quer no máximo; e por outro, a agravação estabelecida para os casos em que tais crimes sejam praticados contra menor de 14 anos. Donde resulta que o crime praticado contra menor de 14 anos é sempre punido mais severamente que o crime praticado contra um adulto, atenta a especial vulnerabilidade da vítima”. Nessa lógica dispunha então o n.º 4 do artigo 177.º que “As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º e 168.º, são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos”. A agravação em função da idade da vítima não estava prevista no substituído artigo 208.º da versão inicial de 1982, que previa os casos de agravação; a cópula ou acto análogo com menor de 12 anos estava prevista no n.º 2 do artigo 201.º (violação), cabendo a pena de 2 a 8 anos de prisão.
Em função da agravação de 1995, a penalidade para o caso de a vítima ser menor de 14 anos passou a ser de 4 anos a 13 anos e 4 meses de prisão.
Dizia então Maria João Antunes no Comentário Conimbricense do Código Penal (em 1999, face, pois, à redacção de 1995, pág. 591, e a págs. 892 da edição de 2012) que a agravação encontrava justificação na especial vulnerabilidade do menor, e consequentemente, no maior desvalor do tipo de ilícito.
A norma (n.º 4 do artigo 177.º do Código Penal) ficou intocada na revisão da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro e até à Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro. Em 2007 há inovação, passando a estar prevista a circunstância agravante da idade da vítima menor, entre os 14 e os 16 anos, no n.º 5, que estabelece que “As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 16 anos”. [Actualmente n.º 6]. Em 2007 para os menores de 14 anos, passou a estabelecer o n.º 6 do artigo 177.º “As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º, 168.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos”. [Actualmente n.º 7].
As crianças, a par dos idosos, deficientes ou grávidas, em virtude do especial desamparo e da vulnerabilidade em que pela sua própria natureza se encontram, quer pela sua idade, quer pela sua constituição, quer pelo seu estado, são ou estão por natureza ingénuas, no sentido de desprevenidas: umas porque o são de forma inerente (as crianças e os deficientes mentais), (…) - neste sentido, Teresa Serra, em Homicídios em Série (Jornadas de Direito Criminal, 1995/6, editado em 1998, II Volume), a fls. 154/5.
Em 25 anos, de 1982 a 2007, para o caso em causa, sucedeu-se maior punição em crescendo (2 a 8 anos de prisão, em 1982; 4 anos a 13 anos e 4 meses, em 1995 e 4 anos e 6 meses a 15 anos, em 2007), o que significa que o limite mínimo desde então mais do que duplicou e o máximo aproximou-se da duplicação. O crime de violação passou a ser punido mais severamente desde 1995 e é-o em registo sucessivo desde então, com a maior protecção das pessoas “indefesas”, adjectivação substituída em 2009 por “vulneráveis”.
Nesta perspectiva, pode ver-se o enquadramento que é dado pelas Leis de Política Criminal.
Em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Diário da República, I Série, n.º 99, de 23-05-2006), que aprovou a Lei - Quadro da Política Criminal, a Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 168, de 31-08-2007) (entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007 – artigo 22.º -, definiu os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009. Estabelecia o artigo 1.º: «São objectivos gerais da política criminal prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade, promovendo a defesa de bens jurídicos, a protecção das vítimas e a reintegração dos agentes do crime na sociedade». No artigo 2.º afirmava-se constituírem objectivos específicos da política criminal, para além do mais: a) Prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta, grave ou organizada, incluindo (…) os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual (…) b) Promover a protecção de vítimas especialmente indefesas, incluindo crianças e adolescentes, mulheres grávidas e pessoas idosas, doentes e deficientes (Sublinhámos). Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores integravam o lote dos crimes que tendo em conta a dignidade dos bens jurídicos tutelados e a necessidade de proteger as potenciais vítimas eram considerados crime de prevenção prioritária - artigo 3.º, n.º 1, alínea a). E tendo em conta a sua gravidade e a necessidade de evitar a sua prática futura eram considerados crimes de investigação prioritária - artigo 4.º, n.º 1, alínea a). No artigo 5.º, na prevenção e investigação dos crimes lesivos da componente pessoal, promovia-se, em particular, a protecção de vítimas especialmente indefesas, incluindo crianças, mulheres grávidas, pessoas idosas, doentes, deficientes e imigrantes. (Voltámos a sublinhar). No Anexo, onde se enunciava a fundamentação das prioridades e orientações da política criminal, podia ler-se o seguinte: “Os crimes violentos contra as pessoas e contra o património merecem tratamento prioritário. As pessoas especialmente indefesas - crianças, mulheres grávidas, pessoas idosas, doentes, deficientes e imigrantes - são os alvos mais fáceis desta criminalidade e justificam o desenvolvimento de programas de prevenção específicos. (Tornámos a sublinhar).
Seguiu-se a Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho (publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 138, entrada em vigor em 1 de Setembro de 2009), a qual definiu os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011 (abarcando o período temporal compreendido entre 1 de Setembro de 2009 e 31 de Agosto de 2011), “sucedendo” ao registo similar da antecedente, com pequenas diferenças. Assim: 1 – A expressão “vítimas especialmente indefesas” presente no artigo 2.º, alínea b), no artigo 5.º e no Anexo foi substituída por “vítimas especialmente vulneráveis”; 2 – Nos dois artigos e no Anexo a designação “deficientes” foi substituída por (pessoas) “portadoras de deficiência”; 3 – Na alínea b) do artigo 2.º, foi aditada a designação “imigrantes”.
Seguiu-se a Lei n.º 72/2015, de 20 de Julho, entrada em vigor em 1 de Setembro de 2015 (artigo 15.º), a qual definia os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2015-2017, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio, considerando como fenómenos criminais de prevenção tributária, entre outros, os crimes praticados contra crianças e jovens e outras pessoas vulneráveis – artigo 2.º, alínea d) – bem como os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual – alínea e) do mesmo artigo, sendo estes considerados crimes de investigação prioritária – artigo 3.º, alínea b).
Actualmente está em vigor, desde 24 de Agosto de 2017, a Lei n.º 96/2017, de 23 de Agosto de 2017 (Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23 de Agosto), a qual define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019, considerando como fenómenos criminais de prevenção prioritária, entre outros, os crimes praticados contra crianças e jovens, idosos e outras pessoas vulneráveis – artigo 2.º, alínea e) – bem como os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual – alínea d) do mesmo artigo, sendo estes considerados crimes de investigação prioritária – artigo 3.º, alínea c), anotando-se a inclusão de idosos na alínea e) do artigo 2.º.
Na sequência desta Lei foi publicada a Diretiva n.º 1/2017 da Procuradoria-Geral da República – Directivas e Instruções Genéricas para Execução da Lei de Política Criminal para o Biénio 2017/2019 – publicada no Diário da República, 2.ª Série, n.º 51, de 13 de Março de 2018, referindo-se na alínea i) aos crimes em que as vítimas sejam menores ou jovens especialmente vulneráveis.
Ainda quanto à tutela da criança, podemos convocar a Lei n.º 60/2013, de 23 de Agosto, rectificada pela Declaração de rectificação n.º 39/2013, de 4 de Outubro de 2013, in Diário da República, 1.ª série, n.º 192.º, de 4-10, que procedeu à 30.ª alteração ao Código Penal, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2011/36/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à protecção de vítimas, alterando os artigos 11.º e 160.º.
Artigo 11.º Responsabilidade das pessoas singulares e colectivas 1 – …......…………………………………………………………………………….. 2 – As pessoas colectivas e entidades equiparadas, com excepção do Estado, de outras pessoas colectivas públicas e de organizações internacionais de direito público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º-A e 152.º-B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º, sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 176.º, 217.º a 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285.º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 374.º, quando cometidos: a)…….……………………………………………………………………………..… b) ….…………………………………………………………………………………. (…) (Realce nosso).
O crime de violação é considerado à face da Lei de política criminal como “criminalidade violenta” e na definição legal constante da alínea l) do artigo 1.º do Código de Processo Penal, como “criminalidade especialmente violenta”, por ser tipo de conduta prevista na alínea anterior com pena de prisão de máximo superior a 8 anos.
Como refere Denis Sala, Le délinquant sexuel, in “La Justice e le mal”, ed. Odile Jacob, 1997, pág. 53 e segs., referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2005: «Nos tempos actuais de fragmentação de valores e de referências, os crimes sexuais emergem como verdadeiro mal democrático numa sociedade onde a igualdade de condições conduz à redução da alteridade. A proximidade emocional própria do universo comunicacional das efervescentes democracias contemporâneas anula a distanciação, transportando fenómenos sociais de exigência intensa na resposta a crimes sexuais; o legislador, interpretando os sinais de sociedade, teve de sublimar e reordenar as imposições sociais na grelha de intervenção do direito e das reacções do sistema penal que tutela os valores mais essenciais da comunidade. Os crimes sexuais contêm, na imagem das democracias de comunicação, uma dimensão de negação alucinatória da ordem natural das coisas, uma desordem da natureza, um desequilíbrio cósmico que a cidade quer eliminar sem o referir».
Podemos convocar o que foi considerado no acórdão do STJ de 01-04-1998, proferido no recurso n.º 1436/97, da 3.ª Secção, abordando o crime de abuso sexual de crianças, então previsto no artigo 172.º do Código Penal, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 175, a propósito da criança, que refere que “relativamente às crianças, isto é, a pessoas singulares com idade inferior a 14 anos – a lei considera a idade cronológica e não a idade óssea – toda e qualquer actividade sexual á absolutamente proibida”. Considera que apesar das diferenças somáticas e psicológicas entre a criança da primeira infância, a criança da grande infância e a do período pubertário, “o regime penal é idêntico para todas as crianças. Porquê? Porque o bem jurídico protegido é a criança como criança (parafraseando Figueiredo Dias, em Actas da Comissão de Revisão do Código Penal, pág. 247). A criança não é só destinatário mas também sujeito de direitos, e direitos próprios. A nossa Constituição (n.º 1 do art. 69.º) estabelece que “as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral”. Não existe, no nosso sistema jurídico uma lei semelhante ao estatuto da criança brasileiro (Lei 8069, de 13/7/90). Todavia, por Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de Setembro, foi aprovada para ratificação, depois de aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 8 de Junho, a Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26-01-1990, a qual, nos termos do art. 8.º da nossa Constituição faz parte integrante do direito português. Segundo a Convenção, os direitos da criança abrangem todos os domínios, visando o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade. O art. 19.º expressamente se refere à protecção da criança contra todas as formas de violência sexual. No nosso direito interno, o desenvolvimento da criança sob o aspecto sexual é protegido no art. 172.º CP.
Presume a lei - presunção jure et iure - que a prática de actos sexuais com menor de 14 anos prejudica o seu desenvolvimento e autodeterminação”.
Como se referiu no acórdão de 23 de Junho de 2016, processo n.º 181/15.9JAFAR.S1, em caso de violação agravada de menor com 14 anos (actual n.º 6 do artigo 177.º): Sendo a liberdade sexual uma das valiosas manifestações da liberdade individual, na sua dimensão multifacetada, a conduta integrante de acto sexual de relevo contra criança, atentatório como é da sua liberdade individual, enquadra-se no conceito de «Criminalidade violenta» previsto no artigo 1.º, alínea j), do Código de Processo Penal, que na redacção originária considerava criminalidade violenta “as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos”, sendo que com a redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, entrada em vigor em 29-10-2010, a par da já contemplada liberdade pessoal, foi aditada a referência a “liberdade e autodeterminação sexual” (para além de englobar referência a autoridade pública).
No caso em apreciação, há que atender ao elevado grau de ilicitude dos factos e também ao intenso dolo, na modalidade de directo. A resposta a uma maior carga de ilicitude já encontra eco na correspectiva dimensão de definição da moldura abstracta aplicável. As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir no tipo de crime de violação, gerador de grande e forte sentimento de repúdio pela comunidade, justificando resposta punitiva firme, impondo-se assegurar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas. Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime. Como expende Figueiredo Dias, em O sistema sancionatório do Direito Penal Português, inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”. Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir. E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.
Consta dos autos e dos factos provados a referência à existência de um outro processo pendente contra o recorrente, do qual foi extraída a certidão de que emergiu o presente processo, tratando-se do processo n.º 96/15.0JAFUN, no âmbito do qual o recorrente teria sido punido pela prática de crime de abuso sexual de criança com pena de 9 anos de prisão, o qual estaria em recurso e pendente neste Supremo Tribunal. Consultado o Citius, verifica-se que no citado processo por acórdão de 16-11-2017 da 5.ª Secção, transitado em julgado em 4-12-2017, foi negado provimento ao recurso e confirmada a pena de 9 anos de prisão (a benefício do princípio da proibição da reformatio in pejus, já em função de alteração de qualificação jurídica operada oficiosamente, afastando a figura do crime de trato sucessivo, haveria que ser condenado por um crime de abuso sexual de criança e 145 crimes de violação). Daqui decorre que o crime apreciado neste processo estará em concurso real com os crimes apreciados naquele processo.
Ponderando todos os elementos disponíveis e concluindo. É ponto assente que, observados os critérios legais, não se estando perante uma desproporção da quantificação efectuada, nem face a violação das regras de experiência comum, é de manter a pena aplicada, não havendo lugar a intervenção correctiva deste Supremo Tribunal. Na verdade, ponderando o modo de execução, a intensidade do dolo, directo, a finalidade gizada (satisfação libidinosa com a violação da menor de 14 anos de idade), a desconsideração pela integridade da vítima e pelo contexto relacional, que demandaria um clima de respeito e confiança, não tendo o arguido admitido a sua culpa, mas procurando desculpabilizar-se com a “provocação” da menor e atendendo às suas condições pessoais, e às necessidades de prevenção geral e especial, afigura-se-nos não se justificar intervenção correctiva, mantendo a pena aplicada, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa –, nem as regras da experiência comum, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassa a medida da culpa do arguido. Improcede, pois, a pretensão de redução da pena.
Questão II – Suspensão da execução da pena
Atenta a medida da pena ora fixada, fica prejudicada a apreciação da pretensão da suspensão da execução da pena, por ultrapassado o limiar previsto no artigo 50.º do Código Penal, mostrando-se impertinentes as conclusões VIII, XV, XVI e XIX;
Questão III – Omissão de pronúncia
Na conclusão XVIII o recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia. Relembrando o respectivo teor: XVIII - A douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, pois não ponderou todas as possibilidades de substituição da pena de prisão efectiva aplicada pelas penas não detentivas previstas no C.P. Tendo sido determinada, numa moldura de 4 anos e 6 meses a 15 anos de prisão, a pena de 6 anos de prisão, não havia naturalmente necessidade de qualquer emissão de pronúncia sobre pena de substituição, hipótese apenas cabível em caso de aplicação de pena de prisão até 5 anos. Improcede a arguição de nulidade, por omissão de pronúncia.
Decisão
Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se integralmente o decidido na primeira instância. Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, in Diário da República, 1.ª série, n.º 81 e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 165, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado 2009 (Diário da República, 1.ª série, n.º 252, Suplemento), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril – Orçamento do Estado para 2010, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, Diário da República, 1.ª série, n.º 73, de 13-04-2011, pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 31, de 13 de Fevereiro, que procedeu à sexta alteração e republicação do RCP, rectificada com a Declaração de Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 61, de 26-03-2012, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 167, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal). Mantém-se em vigor o valor da UC (Unidade de conta) vigente em 2017, conforme estabelece o artigo 178.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2018). Tal valor é de 102,00 €, que se tem mantido inalterado desde 2009. Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Lisboa, 21 de Março de 2018 |