Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE LEAL | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO AÇÃO EXECUTIVA EMBARGOS DE EXECUTADO OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS ACÓRDÃO RECORRIDO ACORDÃO FUNDAMENTO PRESSUPOSTOS QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO IDENTIDADE DE FACTOS REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | INDEFERIDA RECLAMAÇÃO | ||
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Sumário : | I. Verificados que estejam os pressupostos gerais de recorribilidade atinentes à alçada e à sucumbência, é admissível revista excecionalíssima de acórdão da Relação que tenha revogado o despacho do juiz de execução, proferido em embargos de executado, que julgara extinta a execução por falta de título executivo e ordenado (a Relação) a prossecução dos autos, fundando-se (a revista) na existência de contradição entre o acórdão recorrido e um outro acórdão da Relação (art.º 629.º n.º 2 alínea d) do CPC). II. Porém, a revista deve ser rejeitada se entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento existem diferenças relevantes, que obstam a que entre eles se verifique a contradição necessária para o efeito do recebimento da revista excecionalíssima prevista no art.º 629.º n.º 2 alínea d) do CPC. III. Existe essa falta de contradição se: a) O acórdão recorrido foi proferido no âmbito de uma ação de execução, sendo a questão da ocorrência da exceção de uso indevido de procedimento de injunção fundamento para a resolução da questão central, que era a existência (ou não) de um verdadeiro e próprio título executivo; b) Pelo contrário, o acórdão fundamento foi proferido na sequência de decisão proferida no próprio procedimento de injunção, após ter sido deduzida oposição, a qual teve como único e exclusivo efeito a cessação do próprio procedimento, pela verificação de uso indevido de injunção; c) O acórdão recorrido incidiu sobre um contrato de empreitada celebrado entre duas empresas, o que suscitou a análise do regime específico dos procedimentos de injunção assentes em transações comerciais, previsto pelo Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10.5. - e o valor reclamado era superior a metade da alçada da relação, pelo que, nos termos do art.º 10.º n.º 2 do aludido regime, a dedução de oposição, se existisse, acarretaria a remessa da injunção para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum – aspeto relevante a considerar para ajuizar sobre a vexata quaestio sub judice; d) Pelo contrário, o acórdão fundamento recaiu sobre uma empreitada outorgada entre uma empresa e um condomínio – do que decorria a inaplicabilidade do regime previsto pelo Dec.-Lei n.º 62/2013. Assim, deduzida oposição, o processo seguiria nos termos simplificados previstos nos artigos 3.º e seguintes do anexo do Dec.-Lei n.º 269/88, de 01.9 (ex vi art.º 17.º n.º 1 do anexo) – o que também interfere com a análise da questão sub judice. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 4593/20.8.ALM-A.L1.S1 Acordam, em conferência, os juízes no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. Arestacerta – Construção, Engenharia e Serviços, Lda, instaurou execução para pagamento de quantia certa contra Caminho Boa Vista LLc – Sucursal em Portugal, Lda, dando à execução requerimento de injunção ao qual fora aposta fórmula executória, reclamando o pagamento da quantia de € 66 231,07. 2. No requerimento de injunção a requerente alegou que, no exercício da sua atividade, executou para a requerida trabalhos de construção civil numa moradia, procedendo à respetiva faturação, onde se mencionam os trabalhos realizados. A requerida, interpelada para o respetivo pagamento, nada pagou. 3. A executada apresentou oposição à execução e à penhora em que (numa peça processual que se estende por 492 artigos) arguiu a incompetência do tribunal por violação de pacto de competência quanto ao território, a invalidade do título executivo por falta de citação no âmbito do procedimento de injunção, a má-fé processual da exequente/embargada e, bem assim, negou a existência da dívida dada à execução e, também, alegou ter créditos contra a exequente, com as legais consequências. 4. Por despacho de 08.01.2021 a exequente foi convidada a pronunciar-se quanto à eventual absolvição da instância executiva “por se verificar a excepção dilatória de inadequação do procedimento de injunção”, invocando-se “o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de Maio de 2019”. 5. A exequente/embargada respondeu, pugnando pelo indeferimento liminar dos embargos e, bem assim, pela propriedade da utilização do procedimento de injunção. 6. Em 23.3.2021 foi proferida a seguinte decisão: “Compulsados os autos, verifica-se que à presente execução serve de base um requerimento de injunção, ao qual foi aposta a formula executória, no qual a requerente (aqui exequente) alega o incumprimento de um contrato de empreitada celebrado com a requerida (aqui executada). Válida e regularmente citada, a executada deduziu embargos de executado. Considerando a causa petendi formulada, em sede de requerimento executivo e de embargos de executado, o Tribunal notificou as partes para se pronunciarem acerca da (eventual) verificação da excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção. A aqui embargada, tomou a posição que consta do requerimento com a ref. ...56, no qual pugnou pelo indeferimento liminar dos presentes embargos por considerar, em súmula, que o procedimento de injunção é o meio processual adequado a fazer valer a sua pretensão, tendo a executada sido válida e regulamente citada para deduzir defesa naquele procedimento. Cumpre apreciar e decidir. A injunção traduz-se num procedimento marcado pela simplicidade e celeridade, vocacionado para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os Tribunais da massificação decorrente de um aumento exponencial das acções de pequena cobrança de dívida. Deste modo, tendo em vista proporcionar ao credor uma forma célere e simplificada de obtenção de um título executivo, o legislador instituiu a injunção, providência destinada a conferir força executiva ao requerimento de efectivação do cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato. De acordo com o artigo 7.º do Regime Anexo ao D.L. n.º 269/98 de 1 de Setembro, na sua redacção actual introduzida pelo D.L. n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, a injunção é “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o art.1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo D.L. n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro” . Por sua vez, o art. 1º do referido diploma preambular reporta-se ao “cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a €15.000,00” Acresce que, o art. 1.º do D.L. n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, estabelece como seu âmbito de aplicação “todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais”, sendo que no n.º 2 daquela disposição exclui-se do âmbito de aplicação deste processo simplificado: a). Os contratos celebrados com consumidores; b). Os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comercias; c). Os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros; O referido diploma define transacção comercial como “qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração.” No art. 7.º, n.º 1 do D.L. n.º 32/2003 estatui-se ainda que “o atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito de recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida”. Do exposto, pode conclui-se que o âmbito de aplicação do processo injuntivo é o seguinte: - O cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00 – sendo que, por obrigações pecuniárias entendem-se aquelas cuja prestação debitória consiste numa quantia em dinheiro e que visa proporcionar ao credor o valor que as respectivas espécies possuam como tais; - Os pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais, independentemente do valor da dívida; No caso concreto, seguindo o entendimento constante dos Acs. TRL, proferidos nos Proc. N.º 72782/18.6YIPRT.L1-8 e 73674/18.4YIPRT.L1-2, datados de 30/05/2019 e 24/04/2019, respectivamente, ambos consultáveis em www.dgsi.pt , há que salientar que determinar a propriedade ou impropriedade da forma de processo implica determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual adoptada pelo autor, sob pena de se defraudar os próprios objectivos do legislador. Deste modo, se a finalidade da política legislativa traduzida nos diplomas que regem o procedimento de injunção é instituir um mecanismo processual agilizado e simplificado, atender-se ao requerimento de injunção (aqui título executivo) de forma exclusiva não permitirá definir os contornos do litígio. Conforme se retira do Ac. TRL, Proc. N.º 184887/14.1YIPRT.L1-8, datado de 21/04/2016, consultável em www.dgsi.pt “o processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade, não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade….” In casu, da análise dos articulados deduzidos pelas partes resulta claro não se tratar de um simples (in)cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente do contrato de empreitada descrito no requerimento de injunção que serve de base à acção executiva que corre termos nos autos principais. Efectivamente, o litígio reporta-se à discussão do invocado contrato de empreitada quer no se refere ao seu incumprimento (alegadamente) mútuo das partes, o que pressupõe ponderar e apreciar a complexa relação contratual estabelecida entre as partes, donde emana um complexo de direitos e deveres para ambas, divergindo estas quanto à existência e amplitude do imputado mútuo (in)cumprimento. Deste modo, a controvérsia em equação nos presentes autos está longe do processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade. O uso de forma indevida o procedimento de injunção, situação que configura uma excepção dilatória inominada, obstaria ao conhecimento do mérito da causa e daria lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. 576º, nº 2 e 577º, ambos do Código de Processo Civil. Nesta sede, importa ainda relembrar o que prescreve o art.º 10.º n.º 5 do Código de Processo Civil - “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”. Por seu turno, diz-nos o art.º 703.º n.º 1 al. d) do mesmo diploma legal que “À execução apenas podem servir de base (…) os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”, preceito no qual se enquadra as injunções à qual foi aposta a fórmula executória (cfr. art. 14.º do D.L. n.º 269/98). Contudo, conforme já exposto o requerimento de injunção à qual foi aposta a formula executória que serve de base à presente execução é manifestamente insuficiente para servir de base à presente execução, porquanto o procedimento de injunção não é o adequado a dirimir a controvérsia patente nos autos no qual se pretendem discutir questões que vão muito além de uma simples cobrança de dívida. Deste modo, de harmonia com o preceituado nos arts. 734.º e 726.º n.º 2 al. a) do Código de Processo Civil, rejeito a execução quanto às quantias reclamadas e, consequentemente, declaro-a extinta. Condeno a exequente nas custas - cfr. art.º 527.º do Código de Processo Civil – Valor: 66.231,07€ (Sessenta e Seis Mil Duzentos e Trinta e Um Euros e Sete Cêntimos) – cfr. arts. 297.º, 304.º n.º 1, 306.º n.º 2, todos do Código de Processo Civil ** Ante o supra exposto, é manifesto que não mais subsiste o interesse substancial que se pretendia fazer valer com a pendência dos presentes embargos pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 277.º al. e) do Código de Processo Civil declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Condeno a exequente nas custas – art.º 536.º n.º 3, 2.ª parte, do Código de Processo Civil – fixando-se à causa o valor da execução. Registe e notifique. Dê conhecimento ao Sr. Agente de Execução. D.n.” 7. A embargada/exequente apelou da sentença e em 13.9.2022 a Relação de Lisboa proferiu acórdão em que, julgando a apelação procedente, revogou a decisão recorrida e determinou o prosseguimento dos autos, com custas pelo vencido a final. 8. A embargante/executada interpôs revista desse acórdão, tendo formulado as seguintes conclusões: “A. O presente recurso de revista tem por objecto o acórdão proferido pelos MM.os Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em 13.09.2022, no âmbito do processo número 4593/20.8T8ALM-A, a fls. _____ (Ref.ª CITIUS ...92), que correu termos perante o Juiz... do Juízo de Execução de ..., no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, pelo qual julgou procedente o recurso de apelação apresentado pela ora Recorrida ARESTACERTA – CONSTRUÇÃO, ENGENHARIA E SERVIÇOS, LDA. B. Em 09.09.2020, a Recorrida requereu a execução do património da Recorrente com fundamento na existência de suposto crédito, titulado por requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executiva, tendo a Recorrente deduzido oposição à execução mediante embargos em 18.11.2020, com vários fundamentos. C. Em 13.03.2021, o Tribunal de 1.ª instância veio a proferir sentença mediante a qual julgou verificada uma exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, por inadequação desse procedimento à matéria em discussão, tendo consequentemente rejeitado a execução nos termos dos artigos 734.º e 726.º, n.º 2, alínea a), CPC, e, por esse motivo, declarado extinta a acção de embargos por inutilidade superveniente da lide. D. Em 04.05.2021, a ora Recorrida interpôs recurso de apelação, que veio a ser julgado procedente pelo acórdão recorrido, mediante a qual o Tribunal da Relação julgou que, uma vez verificados os pressupostos formais de aplicação do regime do procedimento injuntivo, o mesmo deve ter aplicação, independentemente da complexidade da causa. E. O acórdão recorrido é recorrível nos termos do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), CPC, na medida em que existe contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/05/2019 (Relatora: Teresa Prazeres Pais, Processo n.º 72782/18.6YIPRT.L1-8), disponível em www.dgsi.pt, doravante acórdão-fundamento, que se junta, porque que ambos visam resolver a mesma questão fundamental de direito, aplicando o mesmo conjunto de normas, sobre factualidades muitíssimo semelhantes, mas aplicam tais normas em sentidos absolutamente contraditórios. F. A matéria de direito em que a Recorrente e o acórdão recorrido divergem reconduz-se à resposta à seguinte pergunta: verificados os pressupostos formais de aplicação do procedimento de injunção, pode, sem mais, recorrer-se ao mesmo, independentemente da complexidade da causa? G. No âmbito dos embargos de executado apresentados pela ora Recorrente, esta (i) contestou fundamentadamente, juntando prova documental, 30 faturas adicionais reclamadas, (ii) alegou contra-créditos, com vista a obter a compensação, a título de multas pelo atraso na execução do contrato de empreitada e direito ao reembolso de importâncias pagas em excesso, (iii) alegou o cumprimento de obrigações exequendas, (iv) alegou a falta de autorização para as obras realizadas depois de Dezembro de 2019, (v) colocou em causa cinco faturas, e (vi) alegou a falta de conclusão dos trabalhos. H. A jurisprudência tem vindo a reconhecer um pressuposto material implícito ao procedimento de injunção, como, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/09/2021 (Relator: Arlindo Crua, Processo n.º 86941/19.0YIPRT.L1-2), o Acórdão do Tribunal da Relação de Porto de 28/10/2015 (Relator: Victor Amaral, Processo n.º 126391/14.1YIPRT.P1), ou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/05/2020 (Relator: Gabriela Marques, Processo n.º 60038/19.1YIPRT.L1). I. Mesmo tendo em conta que o Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, estendeu a aplicabilidade do procedimento de injunção, sem limite de valor, a créditos constituídos a partir de relações jurídicas comerciais, o certo é que o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, é cristalino, revelando que, na antecâmara do impulso legislativo, esteve a suposição da inexistência de complexidade fáctica num litígio, o que não sucede in casu. J. O procedimento de injunção visa garantir ao credor a célere obtenção de um título executivo quando estão em causa uma relação jurídica e um crédito, dela resultante, que não oferecem dúvidas e que, em princípio, não são alvo de oposição da parte do devedor. Quer isto dizer que o procedimento injuntivo se encontra estabelecido para casos que apresentam grande simplicidade, não sendo adequado à decisão de litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade, como obrigações decorrentes de contratos de empreitada. K. O procedimento de injunção não é, por conseguinte, adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade, como as obrigações decorrentes de contratos de empreitada (Vide os Embargos de Executado, sumarizados na Conclusão G.). L. Deve concluir-se que, para a determinação da forma do processo a aplicar, não chega atender somente ao cumprimento dos pressupostos formais do processo de injunção. Importa, pois, que se verifique se o pedido formulado pela Recorrida se coaduna com o fim para qual foi estabelecida ou criada a forma processual usada (injunção), assim como se o litígio subjacente implica o conhecimento de questões complexas e carecidas de um desenvolvimento e trato mais exigente. M. Verificando-se a falta de verificação do pressuposto material do procedimento de injunção, o requerimento injuntivo, ainda que lhe tenha sido aposta fórmula executiva, não pode servir de título executivo, tal como foi determinado no âmbito deste processo, havendo lugar a absolvição da instância. N. Tal sucede porque se verifica uma exceção dilatória inominada, que necessariamente afeta o conhecimento da causa, como a jurisprudência portuguesa tem vindo a reconhecer, como por exemplo nos seguintes arestos: Acórdão da Relação do Porto de 18/12/2013 (Relator Fernando Samões, Processo n.º 32895/12.0YIPRT.P1), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/11/2021 (Relator Edgar Taborda Lopes, Processo: 88236/19.0YIPRT.L1-7). O. Tal excepção pode ser invocada em sede de oposição à execução, nos termos do disposto nos artigos 857.º, n.º 3, alínea b), CPC, ou nos artigos 857.º, n.º 1, CPC, e 14.º, n.º 2, alínea a), do Regime anexo ao e Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro. P. Mais ainda: pode a exceção ser conhecida oficiosamente, nos termos do disposto nos artigos 734.º e 726.º, n.º 2, alínea a), CPC, como o fez o Tribunal de 1.ª instância. Q. Ao decidir o Tribunal de 1.ª instância pela procedência da exceção dilatória inominada de uso inadequado do procedimento de injunção e consequente absolvição da instância, actuou em respeito e nos termos dos artigos 592.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.os 1 e 2, 577.º, 278.º, n.º 1, al. e), 734.º, 726.º, n.º 2, alínea a), 857.º, n.º 3, alínea b), 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e 14.º, n.º 2, alínea a), do Regime anexo ao e Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro. R. Atuando de outra forma, o Venerando Tribunal recorrido optou pela não ponderação da elevada complexidade dos aspetos da relação contratual com interesse para a causa – e da qual depende a sua boa decisão –, violando assim as disposições normativas referidas na Conclusão anterior. Nestes termos e nos demais de Direito que V/Exas doutamente suprirão, deve o acórdão recorrido ser revogado e, em consequência, determinar-se a rejeição da execução e a extinção da ação de embargos por inutilidade superveniente da lide”. 9. A embargante/executada contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões: “I. O presente recurso de revista foi interposto pela Recorrente, por não se conformar com a decisão proferida no Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em 13 de setembro de 2022, no âmbito do processo em epígrafe, que corre termos no Juiz ..., do Juízo de Execução de ..., no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o qual julgou procedente, e bem (salvo melhor opinião) o recurso de apelação apresentado pela Recorrida ARESTACERTA – Construção, Engenharia e Serviços, Lda., ordenando o prosseguimento dos autos de execução. II. Assim, após adjudicação de empreitada pelo dono de Obra à Recorrida, esta entrou em obra no mês de junho de 2019 executando os trabalhos que lhe foram adjudicados. III. No decorrer dos trabalhos outros lhe foram adjudicados, como adicionais aos inicialmente contratualizados. IV. A relação comercial sempre decorreu com normalidade, executando a Recorrida os trabalhos devidos, que após aprovação foram faturados e recebidos (por vezes com algum atraso). V. Em 18 de dezembro de 2019 a Recorrida recebeu instruções para a partir desta data enviar toda a documentação, no futuro, para os Senhores Advogados, Dr. AA e Dr. BB, instruções que a Recorrida respeitou, sem falhas. VI. A Recorrida continuou a executar os trabalhos que lhe haviam sido adjudicados e que não se mostravam concluídos à data referida na conclusão anterior. VII. Enviando atempadamente os autos de medição e as faturas correspondentes, a Recorrida não voltou a receber qualquer importância. VIII. Nunca foi comunicado à Recorrida qualquer defeito, ou dúvida sobre qualquer documentação apresentada, nem qualquer instrução para que parasse os trabalhos que haviam sido adjudicados. IX. Sem recebimentos, durante 2 (dois) meses a Recorrida suspendeu os trabalhos em 14 de fevereiro de 2020, por falta de pagamentos, pois que não obteve resposta às interpelações efetuadas. X. Em 6 de março de 2020 e em 29 de abril de 2020 a Recorrida interpelou a Recorrente para pagar até ao dia 8 de maio de 2020, sob pena de recorrer à Justiça. XI. A Recorrida não obteve qualquer resposta, da Recorrida, razão por não lhe restou outra alternativa senão recorrer à justiça, para assegurar o seu crédito. XII. Destarte, a Recorrida apresentou requerimento de injunção em 26 de maio de 2020, para reclamar o seu crédito perante a Recorrente. XIII. A Recorrente não se opôs, pelo que em 03 de setembro de 2020 foi aposta fórmula executória ao requerimento de injunção. XIV. Em 09/09/2020 a Recorrida intentou a competente ação executiva, que deu origem ao presente processo. XV. A Recorrente estriba a sua tese na resposta à questão: “verificados os pressupostos formais de aplicação do procedimento de injunção, pode, sem mais, recorrer-se ao mesmo, independentemente da complexidade da causa?” XVI. Socorreu-se do douto acórdão fundamento, que decidiu a demanda de um procedimento de injunção em que foi apresentada oposição. XVII. Como sabemos, no caso sub judice, a Recorrente ignorou, porque assim quis, o referido procedimento injuntivo. XVIII. Como bem decidiu o Acórdão recorrido, a verificação formal dos pressupostos legalmente expressos dita a aplicabilidade do procedimento de injunção, não sendo lícito aos tribunais restringirem a sua aplicabilidade. XIX. Caso contrário, salvo melhor opinião, a segurança jurídica ficaria prejudicada, passando o procedimento de injunção a ser praticamente inútil, uma vez que em função dos argumentos utilizados nas oposições os Julgadores poderiam, sempre, determinar a existência de uma exceção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção. XX. Não olvidando o que estabelece a alínea a) do n.º2, do artigo 14-A, do Decreto Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual, admite-se, por mero dever de patrocínio, que apresentado requerimento de injunção, em abstrato, possam existir casos em que a complexidade seja real e apresentada na respetiva oposição. XXI. Porém, no caso sub judice a Recorrida: a. NUNCA foi questionada para o que quer que fosse! b. NUNCA recebeu qualquer reclamação dos trabalhos efetuados. c. NUNCA foi invocado qualquer atraso na execução dos trabalhos. d. APENAS sabe que deixaram de lhe pagar, trabalhos que lhe foram adjudicados, que executou e que após aprovação faturou. XXII. Logo, como pode ser alegado o uso indevido do procedimento de injunção, no caso sub judice? XXIII. A Recorrida não sabe o que alegou a Recorrente, em sede de embargos, que não lhe foram notificados, sendo que até à data, esta NUNCA a questionou do que quer que fosse! XXIV. Se a Recorrente “contestou” 30(!) adicionais apresentados pela Recorrida, dúvidas terão surgido! Porque razão demorou 10 meses para reagir? Porque razão não se opôs ao procedimento de injunção? XXV. A resposta à conclusão anterior é fácil: A Recorrente surpreendida com uma penhora que não esperava! XXVI. A Recorrente invocou o douto Ac. TRL 09/09/2021, Relator Arlindo Crua, Processo n.º 86941/19.0YIPRT.L1—2, mas truncou algumas conclusões (que não interessavam à sua tese), mas que no entender da Recorrida, podem ajudar a dirimir o conflito existente. Assim conclui-se naquele aresto: a. VI- efectivamente, transmutando-se o procedimento injuntivo em acção declarativa sob a forma de processo comum, ou seja, ultrapassada a fase em que se pretendia a declaração de injunção, decorrente da oposição/contestação deduzida por parte da Requerida, mostram-se precludidas, atento o valor da causa superior à alçada da Relação, as questões que poderiam levar ao indeferimento da injunção; b. VIII- ou seja, a forma processual em que se converteu, por imposição legal, o procedimento injuntivo, torna irrelevante a complexidade contratual reconhecida; c. IX- pelo que, ainda que tal complexidade devesse, ab initio, ter obstado à utilização do procedimento de injunção, transmutando-se o procedimento injuntivo em processo comum, aquela circunstância, inicialmente obstativa, torna-se irrelevante; d. X- tal solução é igualmente justificada pelo princípio de aproveitamento dos actos processuais, pois, adoptada aquela forma processual, garantística dos direitos das partes, a decisão de absolvição da instância sempre se revelaria como a prática de um acto inútil e, como tal, proibido – cf., o artº. 130º, do Cód. de Processo Civil -, obrigando á propositura de uma nova acção, em clara contravenção com o dever de gestão processual legalmente inscrito no nº. 1, do artº. 6º do Cód. de Processo Civil; e. XI- por outro lado, tal solução não é susceptível de condicionar ou diminuir de forma grave as garantias de defesa da Requerida/Ré, nomeadamente as decorrentes da adopção de diferenciados prazos processuais; f. XII- efectivamente, estatui-a o artº. 10º, nº. 3, do DL nº. 62/2013, ao prever a faculdade de convite às partes para aperfeiçoamento das peças processuais, de forma a atingir, por um lado, uma melhor adequação formal ao processo comum e, por outro, a assegurar um processo equitativo entre aquelas; XXVII. Por conseguinte, se a Recorrente vem embargar a execução - porque o procedimento injuntivo prosseguiu, por aposição da fórmula executória - sendo que tal lhe é permitido pela recente alteração ao Decreto Lei n.º 268/98, de 1 de setembro, na redação atual dada pela Lei 117/2019, de 13/09 – com o devido respeito não pode vir arguir a nulidade do procedimento de injunção, quando nem sequer se quis opor. XXVIII. Antes de optar pelo procedimento injuntivo, a Recorrente (assessorada pelo novo/atual Representante do Dono de Obra) teve 5 (cinco) meses para questionar a Recorrida e nunca o fez! XXIX. A Recorrida não tem receio de se opor aos embargos apresentados, porque os seus gerentes estão de consciência tranquila. XXX. A Recorrida, não pode concordar, obviamente, é que se extinga uma ação que legitimamente apresentou, com título executivo adequado, em que se mostra penhorado um bem que a Recorrente não esperava (e que porventura lhe está a causar dificuldades) e se pretenda de forma simples extinguir, após a emissão de título executivo, por pura inércia da interessada, arguindo uma exceção inominada que de todo não deve ser decretada, tal como reconheceu o douto Acórdão recorrido. XXXI. É que o douto Acórdão recorrido não está isolado na posição defendida, como poderemos inferir do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/04/2021, Relator Diogo Ravara, no processo n.º 95316/19.0YIPRT, em que por unanimidade, foi decidido do seguinte modo: I. A determinação do âmbito de aplicação do procedimento de injunção e da conexa ação declarativa previstos e regulados no regime aprovado pelo DL nº 269/98 e na Lei nº 62/2013 faz-se em função da aferição de pressupostos objetivos e subjetivos definidos nos mencionados diplomas. II. A maior ou menor complexidade das questões controvertidas não configura um pressuposto autónomo da aplicabilidade das referidas formas processuais. III. Uma sociedade comercial que pretende demandar outra sociedade comercial, pedindo uma quantia em dinheiro que segundo alega corresponde a parte do preço ajustado pela execução de uma empreitada que ambas ajustaram pode lançar mão do procedimento de injunção. IV. Nas circunstâncias referidas em III- não ocorre erro na forma de processo. XXXII. É consabido que deve ser pelo pedido e pela causa de pedir da Injunção que se deve julgar da sua admissibilidade. XXXIII. É entendimento pacífico na jurisprudência que o procedimento de injunção apenas exige uma exposição sumária de factos (vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10-05-2012, Proc. 184229/11.8YIPRT). XXXIV. O escasso grau de fundamentação do requerimento inicial de injunção tem motivado a prolação de despachos de aperfeiçoamento permitindo às partes a sanação de eventuais insuficiências (e não a extinção), ao abrigo do disposto no artº. 590º, n.º 2, alínea b) e n.º 4 do Código de Processo Civil. XXXV. Mas nem aqui, assiste qualquer razão à Recorrente, porque a Recorrida explanou, claramente, o que reclamou, no requerimento inicial de injunção, indicando as faturas em dívida, remetendo para os respetivos adicionais, onde discriminou, em pormenor, os trabalhos adjudicados e realizados. XXXVI. E se a Recorrente invoca a possibilidade do Tribunal de Primeira Instância poder decidir pela exceção dilatória inominada de uso inadequado do procedimento de injunção, com todo o respeito que é devido por opinião diversa, julgamos que não deve ser respeitada, porque embora na primeira instância, in casu, já foi emitido um título executivo, por manifesta falta de atuação da Recorrente, em tempo e porque assim quis! TERMOS EM QUE, e nos melhores de direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, não deve ser concedido provimento ao presente recurso, mantendo-se o acórdão recorrido, com todas as consequências legais, como, aliás, é de Lei e de inteira JUSTIÇA.” 10. O relator neste Supremo Tribunal de Justiça, após ter dado cumprimento ao disposto no art.º 655.º do CPC, rejeitou o recurso, por despacho de que se transcreve os trechos mais relevantes: “Apesar do referido pela Recorrente, continuamos a entender que a solução que resulta da interpretação do disposto na alínea c) do n.º2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil é a que consta do despacho anterior, e pelas razões aí apontadas, despacho que se reproduz, pelo que o recurso de revista não é admissível: “- o artigo 854º do Código de Processo Civil apenas nos diz, no caso presente porquanto estamos em presença de uma oposição deduzida contra a execução, que cabe revista nos termos gerais (sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça). - nos termos do disposto no n.º1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos. Ora, nos casos dos autos não estamos em presença de qualquer uma dessas situações. – contudo, a Recorrente fundamenta, ainda, a sua pretensão de recurso, numa situação em que, na sua opinião, o recurso é sempre admissível, isto é a contradição de acórdãos (alíneas a) do n.º2 do artigo 671.º e alínea d) do n.º2 do artigo 629.º, ambos do Código de Processo Civil, considerando que estamos em presença de decisão interlocutória); sendo que no caso presente a contradição do Acórdão proferido nos presentes autos seria com o Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa, de 29/11/2018 (Processo n.º24270/16.3T8SNT-A.L1). Porém, na interpretação do disposto na alínea d) do n.º2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que a previsão se circunscreve aos casos em que se pretenda recorrer de acórdão proferido em ação com valor superior à alçada da Relação mas relativamente à qual esteja legalmente prevista a exclusão do recurso de revista por outro motivo (v.g. procedimentos cautelares – cf. artigo 370º do Código de Processo Civil; expropriações, cf. artigo 66.º, n.º5, do Código das Expropriações). - cf., neste sentido, Acórdãos do STJ, de 27/04/2022 (processo n.º735/14.0TBPDL Q.L1.S1) e de 11/10/2022 (processo n.º3450/20.2T8STS-A.P1.S1 –“ Quanto à questão da inconstitucionalidade: Não se vislumbra qualquer violação dos princípios constitucionais, nem a Recorrente refere em concreto qualquer violação, referindo-se de forma geral a artigos da Constituição; mas, sempre se dirá, que se pretende referir à não admissibilidade a um terceiro grau de jurisdição, o Tribunal Constitucional tem entendido, uniformemente, que a CRP não impõe, no âmbito do processo de civil, um segundo grau de jurisdição (que estará reservado para o processo penal). Assim, o recurso não é admissível. Pelo exposto, não se admite o recurso de revista. Custas pela Recorrente. Notifique.” 11. A recorrente reclamou para a conferência, pugnando pela admissão do recurso. 12. Não houve resposta à reclamação. 13. Por despacho proferido em 06.6.2023 o relator, dando nota de que pendiam dois recursos para uniformização de jurisprudência (processos n.ºs 735/14.0TBPDL-Q.L1.S1 e 575/05.8TBCSC-W.L1-A.S1) que tinham por objeto a mesma questão atinente à admissibilidade da revista, suspendeu a instância até que fosse proferida decisão em qualquer dos identificados processos, com reflexo na decisão a proferir nestes autos. 14. Procedeu-se à substituição do relator (por jubilação do anterior). 15. Por despacho de 14.11.2024 determinou-se a prossecução dos autos, uma vez que, por acórdãos transitados em julgado, os RUJ acima referidos haviam sido rejeitados. 16. A tal convidada, a recorrente juntou aos autos certidão do acórdão fundamento, com nota de trânsito em julgado. 17. Foram colhidos os vistos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. O presente acórdão tem por objeto as seguintes questões: a admissibilidade da revista; em caso de admissão da revista, a falta de título executivo, por ocorrência da exceção inominada de uso indevido da injunção que deu origem à presente execução. 2. Primeira questão (admissibilidade da revista) 2.1. O factualismo a levar em consideração é o que consta no Relatório supra (I). 2.2. O Direito A presente revista incide sobre acórdão proferido no âmbito de oposição à execução. Assim, esta revista não é atingida pelo regime restritivo previsto no art.º 854.º do CPC, o qual, ressalvados os casos em que é sempre admissível recurso, apenas admite revista, nos termos gerais, além dos outros casos indicados na norma, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de oposição deduzida contra a execução. Com efeito, tendo o acórdão recorrido sido proferido no âmbito de oposição à execução, serão aplicáveis as regras gerais atinentes à admissibilidade do recurso. Dúvidas não se verificam quanto à admissibilidade do recurso à luz das regras gerais da alçada e da sucumbência previstas no art.º 629.º n.º 1 do CPC. Contudo, o recurso não é admissível à luz do disposto no art.º 671.º n.º 1 do CPC. Com efeito, nos termos deste preceito, “[c]abe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”. O acórdão da Relação ora recorrido não conheceu do mérito da causa nem pôs termo, total ou parcialmente, ao processo. Pelo contrário, o acórdão da Relação determinou a prossecução do processo. Por sua vez, o n.º 2 do art.º 671.º do CPC tem a seguinte redação: “Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de recurso: “a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível; b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”. O acórdão recorrido não incidiu sobre uma decisão interlocutória: pelo contrário, recaiu sobre a decisão supratranscrita em I.6., a qual constituiu uma decisão final, decisão que pôs termo ao processo, por ter julgado verificada uma exceção dilatória inominada. Assim, ao caso também não cabe a previsão do art.º 671.º n.º 2 do CPC. Nem, de resto, no seu requerimento de interposição da revista, ou na respetiva alegação, a recorrente invocou o preceituado no art.º 671.º do CPC. A recorrente invocou, apenas e tão-só, a previsão da alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC. Só aquando da sua auscultação nos termos do art.º 655.º do CPC (quiçá influenciada pelos termos do despacho do Exm.º relator) a recorrente aventou a admissibilidade do recurso ao abrigo do art.º 671.º n.º 2 do CPC, para tal invocando a controvérsia que tem existido na jurisprudência a esse respeito. Nos termos do n.º 2 do art.º 671.º do CPC, os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista: “a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível; b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”. A alínea a) do n.º 2 do art.º 671.º remete para o disposto no n.º 2 do art.º 629.º do CPC, que tem a seguinte redação: “2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado; b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre; c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça; d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”. Na alínea d), única que releva para o efeito que ora nos ocupa, admite-se excecionalmente recurso de acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal. É sabido que com esta norma se pretende permitir que o STJ possa dirimir controvérsias jurisprudenciais que, de outra forma, não sairiam do âmbito das Relações por força de impedimentos estruturais de acesso ao STJ decorrentes de limitações legais à revista que se encontram disseminadas no nosso ordenamento jurídico. Tradicionalmente, invoca-se o que se passa com os procedimentos cautelares (art.º 370.º n.º 2), os processos de expropriação por utilidade pública (art.º 66.º n.º 5 do CE), os processos de insolvência (art.º 14.º n.º 1 do CPEREF). Se, no passado, esses seriam exemplos, quiçá escassos, de obstáculos processuais à revista que não emergiam da regra da alçada e/ou da sucumbência, atualmente outros deverão ser levados em consideração, à medida que, no nosso sistema processual cível, se erguem novas barreiras ao acesso ao mais Alto Tribunal. Uma dessas barreiras é a erigida pelo já transcrito n.º 2 do art.º 671.º do CPC. A respeito da aplicação desta alínea d) à limitação ao recurso prevista no n.º 2 do art.º 671.º do CPC, a doutrina e a jurisprudência estão divididas: a) Para uns (tese restritiva), a alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC não abarca a revista de acórdãos da Relação que recaiam sobre decisões que incidam exclusivamente sobre matéria adjetiva, na medida em que o respetivo regime não proclama uma geral irrecorribilidade para o STJ. Pelo contrário, segundo os defensores desta interpretação da lei, a alínea b) do n.º 2 do art.º 671.º indica as situações em que, além das já decorrentes das alíneas a) a c) do n.º 2 do art.º 629.º, será admitido o acesso ao STJ: precisamente nos casos de contraditoriedade do acórdão da Relação com acórdão proferido pelo STJ. Para os defensores desta tese, a alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º apenas tem em vista os acórdãos da Relação previstos no n.º 1 do art.º 671.º, isto é, acórdãos que conheçam do mérito da causa ou que ponham termo ao processo, “absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”. Por outro lado, a tese restritiva harmonizar-se-ia com o intuito legislativo de racionalização do acesso ao STJ. Assim, na doutrina, Miguel Teixeira de Sousa, post no Blog do IPPC, 02/10/2019, Jurisprudência 2019 (88), em anotação ao acórdão do STJ, de 12.9.2019, processo n.º 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1, e também José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª edição, Almedina, 2022, pp. 34 a 36. Na jurisprudência, cfr., v.g., acórdão do STJ de 10.12.2019 (processo 704/18.1T8AGH-A.L1.S2); acórdão do STJ de 12.11.2020 (processo 6333/15.4T8OER-A.L1.S1); acórdão do STJ de 07.7.2021 (processo 3448/10.9TBVCD-E.P1.S1); acórdão do STJ de 11.10.2022 (processo 3450/20.2T8STS-A.P1.S1); acórdão do STJ de 17.01.2023 (processo 8988/19.1T8VNG-D.P1.S1) – todos consultáveis, assim como os infra citados, em www.dgsi.pt. b) Para outros (tese ampla), tanto a letra da lei como a teleologia da norma determinam a aplicabilidade da alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC aos acórdãos da Relação referidos no n.º 2 do art.º 671.º: este último preceito impede o acesso ao STJ de uma categoria de decisões da Relação, independentemente da alçada, inserindo-se, pois, na letra da referida alínea d); a inaplicabilidade da recorribilidade excecionalíssima prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º impediria que o STJ exercesse a sua função uniformizadora numa vasta área de litígios cuja relevância não pode ser menorizada, nomeadamente tendo em consideração que se manifestam numa via essencial da litigância cível, a do processo comum. Neste sentido, na doutrina, cfr. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, 2022, Almedina, páginas 62 a 70, e Carlos Lopes do Rego, no artigo “Problemas suscitados pelo modelo de revista acolhido no CPC: o regime de acesso ao STJ quanto à impugnação de decisões interlocutórias”, in Estudos em homenagem à Professora Doutora Maria Helena Brito, Gestlegal, dezembro 2022, páginas 494 a 496. Alinhando pela tese ampla, na jurisprudência, cfr., v.g., o acórdão do STJ de 23.01.2020, processo 1303/17.0T8AGD.B.P1.S1, o acórdão do STJ de 01.3.2018, processo n.º 3580/14.0T8VIS-A.C1.S1.; acórdão do STJ de 12.9.2019, processo n.º 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1; acórdão do STJ de 08.9.2021, processo n.º 122900/17.2YIPRT-C.E1.S1; acórdão do STJ de 18.01.2022, processo n.º 9317/18.7T8PRT.P1.S1. Expostas as linhas de argumentação das teses em presença, haverá que tomar posição. Crê-se que é de sufragar a designada tese ampla. A tese ampla está conforme com a letra da lei (art.º 9.º n.º 2 do Código Civil): - a alínea a) do n.º 2 do art.º 671.º do CPC, ao remeter para os casos em que o recurso é sempre admissível, não determina (na sua letra) a exclusão da situação prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º; - a alínea b) do n.º 2 do art.º 671.º, na sua literalidade, complementa a alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º; - A alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º não restringe a espécie dos acórdãos a que é aplicável. Isto é, na sua letra, comporta decisões finais e decisões interlocutórias, decisões sobre matéria de direito adjetivo e decisões sobre questões de direito substantivo. A tese ampla é a única que se coaduna com a teleologia dos preceitos (art.º 9.º n.º 1 do Código Civil): - a admissibilidade excecional de acesso ao STJ prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC visa permitir que o STJ possa dirimir controvérsias jurisprudenciais que, de outra forma, face às limitações estruturais à revista disseminadas no nosso ordenamento jurídico, permaneceriam vivas na comunidade jurídica, gerando desigualdade e insegurança, incompatíveis com a finalidade última da intervenção dos tribunais; - a relevância de tais controvérsias manifesta-se, também, em matérias de natureza adjetiva, ainda que suscitadas em momentos intercalares do processo. O processo, instrumento da realização do direito, a este não deve erigir-se como obstáculo. E na garantia de que assim será, avulta o Supremo Tribunal de Justiça, que não deve ser arredado da tarefa cimeira de uniformizar, nos tribunais judiciais, a interpretação da lei, substantiva ou adjetiva. A tese ampla está, também, em conformidade com o elemento sistemático na interpretação das leis (art.º 9.º n.º 1 do Código Civil): A alínea b) do n.º 2 do art.º 671.º, longe de se erigir em obstáculo à tese ampla, por supostamente ter por efeito afastar a aplicabilidade da alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º, antes confirma a aplicabilidade desta. É que, face ao arredamento, previsto no proémio do n.º 2 do art.º 671.º, da subida ao STJ das controvérsias respeitantes a decisões de natureza adjetiva e interlocutória proferidas em processo comum, não haveria lugar à prolação de acórdão do STJ sobre essas matérias, não fora a via que para tal é aberta pela alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º. Note-se que esse afastamento da atuação uniformizadora do STJ, decorrente da tese restritiva, teria que ser estendido também às decisões adjetivas intercalares proferidas em procedimentos especiais como processos de insolvência, procedimentos cautelares, processos de expropriação litigiosa, processos de jurisdição voluntária, sob pena de inexplicável instalação de duplicidade de regimes, face ao processo comum. A tese ampla coaduna-se com o elemento histórico da interpretação das leis (art.º 9.º n.º 1 do Código Civil). Em parte alguma, na evolução do regime legislativo e, nomeadamente, nos textos preambulares dos diplomas legislativos, se encontra menção do intuito, por parte do legislador do atual Código de Processo Civil, de vedar a intervenção do STJ na resolução de contradições entre tribunais superiores manifestadas em processos que, por razões alheias à alçada, não sejam suscetíveis de revista, e que se verifiquem em decisões intercalares incidentes sobre questões de natureza adjetiva. Pelo contrário, a função uniformizadora do STJ, enquanto órgão cimeiro da jurisdição judicial, é sempre salientada nesses textos. A tese ampla é também aquela que melhor se coaduna com a presunção contida na parte final do n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil (“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”: - o legislador, ao remeter, na alínea a) do n.º 2 do art.º 671.º do CPC, para o regime geral da admissibilidade excecional de revista, sem explicitar a exclusão da situação prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º, exprimiu o seu pensamento em termos adequados; - é que, efetivamente, o legislador não pretendia excluir a referida alínea d) do âmbito de aplicação da remissão contida na alínea a) do n.º 2 do art.º 671.º. De todo o modo, como se disse, à presente revista não se aplica o disposto no art.º 671.º n.º 2 do CPC, pois este recurso não tem por objeto um acórdão da Relação que incida sobre uma decisão interlocutória. A Relação revogou uma sentença que pusera fim à execução com base na falta de título executivo decorrente de uma alegada exceção dilatória inominada, e determinou (a Relação) que o processo prosseguisse. Com efeito, a Relação discordou da 1.ª instância quanto à alegada inadequação do procedimento de injunção para dirimir litígios complexos, ainda que emergentes de transações comerciais e tendo por objeto obrigações pecuniárias. A 1.ª instância entendeu que tal inadequação comportava uma exceção dilatória inominada, por uso indevido de procedimento de injunção, o qual, na fase declarativa do processo, obstaria ao conhecimento do mérito da causa e daria lugar à absolvição da instância – pelo que a execução não assentava em título válido. No acórdão recorrido, a Relação entendeu que o regime jurídico da injunção não comportava tal interpretação restritiva do âmbito admissível deste procedimento. Para a Relação, o legislador foi “muito assertivo, ao afirmar que as medidas se aplicam a todas as transações comerciais” não expressamente excluídas. Assim, não seria legítimo “ponderar aqui a questão da complexidade da matéria para basear o entendimento de que teria havido um indemonstrado, a nosso ver, uso indevido do processo de injunção.” Ora, a irrecorribilidade deste acórdão emerge de razões que não têm a ver com o valor da causa ou da sucumbência. Assim, se o acórdão recorrido contrariar frontalmente jurisprudência, emitida sobre caso idêntico, pela mesma ou por outra Relação (ou, por maioria de razão, pelo Supremo Tribunal de Justiça), verificada está a previsão da revista excecionalíssima vertida na alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC. Assim se abrindo a via para que a executada/embargante obtenha, do Supremo Tribunal de Justiça, pronúncia sobre matéria que, como decorre do exposto, tem para as partes significativa relevância: deve, ou não, extinguir-se a execução por inexistência de título executivo, decorrente de uma exceção dilatória inominada, traduzida no uso indevido de injunção? Nesta parte, pois, a reclamação é procedente, não ocorrendo o mencionado obstáculo à admissibilidade do recurso. Haverá, então, que verificar se ocorre o outro pressuposto da revista excecionalíssima prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC: que o acórdão alvo da revista “esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”. O apuramento da contradição jurisprudencial relevante obedecerá a critérios semelhantes aos que se verificam quanto à admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência (cfr., v.g., Abrantes Geraldes, Recursos…, obra citada, páginas 75 e 76; acórdão do STJ, de 29.10.2020, processo n.º 13585/19.9T8SNT-A.L1.S1). Isto é: - Deverá ocorrer uma verdadeira contradição entre os acórdãos. Tal significa que a questão essencial, que constituiu a razão de ser e objeto da decisão, foi resolvida de forma frontalmente oposta nas decisões em confronto. Não basta oposição respeitante a questões laterais ou a fundamentos de ordem secundária, nem oposição meramente implícita; – Deve verificar-se uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão que é objeto de recurso e a apreciada no acórdão fundamento, não bastando que nos dois acórdãos se tenha abordado o mesmo instituto jurídico. Tal pressupõe que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes, isto é, que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre núcleo factual essencialmente idêntico, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória. Tal requisito visa evitar que o STJ seja chamado a pronunciar-se acerca de divergências jurisprudenciais meramente aparentes, por as particularidades dos casos justificarem, ou poderem explicar, a divergência das conclusões a que se chegou em cada um dos acórdãos. Conforme se afirma no acórdão do STJ de 02.02.2017, processo n.º 393/15.5YRLSB.S1, “[d]ivergindo as decisões, nomeadamente por efeito de diferente materialidade, as decisões podem ser diversas, mas não são contraditórias”. Ou, como se aduz no acórdão do STJ de 16.11.2021, processo n.º 558/20.8T8GMR.G1.S1-A, só em caso de identidade das situações de facto subjacentes “é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas”; - Por último, a divergência deve verificar-se num quadro normativo substancialmente idêntico. Vejamos, então, se entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento existe contradição relevante. O presente recurso insere-se em embargos de executado deduzidos contra uma execução que tem, como título executivo, um requerimento de injunção, referente a transações comerciais, a que foi aposta fórmula executória. Como emerge do Relatório supra, a 1.ª instância considerou que “a finalidade da política legislativa traduzida nos diplomas que regem o procedimento de injunção é instituir um mecanismo processual agilizado e simplificado”, de molde que esse procedimento apenas se adequa a ações que revistam grande simplicidade. E, passando a analisar o caso levado à execução, a 1.ª instância concluiu que “da análise dos articulados deduzidos pelas partes resulta claro não se tratar de um simples (in)cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente do contrato de empreitada descrito no requerimento de injunção que serve de base à acção executiva que corre termos nos autos principais. Efectivamente, o litígio reporta-se à discussão do invocado contrato de empreitada quer no se refere ao seu incumprimento (alegadamente) mútuo das partes, o que pressupõe ponderar e apreciar a complexa relação contratual estabelecida entre as partes, donde emana um complexo de direitos e deveres para ambas, divergindo estas quanto à existência e amplitude do imputado mútuo (in)cumprimento”. Assim, acrescentou a 1.ª instância, “a controvérsia em equação nos presentes autos está longe do processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade”. Ora, afirmou a 1.ª instância, o “uso de forma indevida o procedimento de injunção, situação que configura uma excepção dilatória inominada, obstaria ao conhecimento do mérito da causa e daria lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. 576º, nº 2 e 577º, ambos do Código de Processo Civil.” Por outro lado, disse ainda a 1.ª instância, “importa ainda relembrar o que prescreve o art.º 10.º n.º 5 do Código de Processo Civil - “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”. Por seu turno, continuou a 1.ª instância, “diz-nos o art.º 703.º n.º 1 al. d) do mesmo diploma legal que “À execução apenas podem servir de base (…) os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”, preceito no qual se enquadra as injunções à qual foi aposta a fórmula executória (cfr. art. 14.º do D.L. n.º 269/98). Ora, acrescentou a 1.ª instância, “o requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória que serve de base à presente execução é manifestamente insuficiente para servir de base à presente execução, porquanto o procedimento de injunção não é o adequado a dirimir a controvérsia patente nos autos no qual se pretendem discutir questões que vão muito além de uma simples cobrança de dívida.” Pelo que a 1.ª instância rematou rejeitando a execução e declarando-a extinta, “de harmonia com o preceituado nos arts. 734.º e 726.º n.º 2 al. a) do Código de Processo Civil.” Interposta apelação pela exequente, a Relação de Lisboa discordou da 1.ª instância. A Relação, procedendo à análise do caso, exarou o seguinte: “Importa, como se viu, resolver a questão de saber se estamos perante um uso indevido do processo de injunção. Adianta-se que não nos revemos na perspetiva afirmativa da decisão recorrida. Com efeito, importa ter presente que o Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular (DL 269/98, de 01.09), tem evoluído no sentido da maior eficácia e celeridade de cobrança das dívidas pecuniárias, sendo ao caso aplicável a versão que resulta do DL n.º 226/2008, de 20/11. Em 2013, o DL n.º 62/2013, de 10 de Maio, veio instituir Medidas contra os Atrasos no Pagamento de Transações Comerciais. Este diploma veio revogar, parcialmente, o anteriormente aplicável aos casos congéneres (DL 32/2003, de 17.03), mantendo transitoriamente em vigor os artigos 6º e 8º, para os contratos celebrados antes da entrada em vigor – o que não é o caso), transpondo a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011 que, por sua vez, revogou a Diretiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de julho de 2000, e introduziu medidas adicionais para dissuadir os atrasos de pagamentos nas transações comerciais. Um dos traços caraterísticos desta imposição europeia é que veio estabelecer que “esta diretiva regula todas as transações comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre empresas (a estas se equiparando os profissionais liberais) ou entre empresas e entidades públicas [artigo 3º/b)], tendo em conta que estas são responsáveis por um considerável volume de pagamentos às empresas. Em suma: regula todas as transações comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes”. Do seu âmbito de aplicação (a todos os casos de pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais [independentemente do valor da dívida], estatuído no n.º 1 artigo 2º do diploma, veio excluir a) os contratos celebrados com consumidores; b) os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros. E o artigo 10º n.º 1 do mesmo diploma dispõe que “O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida”. Há ainda que ter em conta que no artigo 7.º do DL 269/98, consagra-se a noção de injunção como sendo “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro” (que, com exceção dos artigos 6º e 8º foi revogado pelo DL 62/2013 e aqui aplicável). Ora, o caso dos autos integra precisamente um caso de transação comercial, não excecionada pelo nº 2 do preceito transcrito e, como tal, não nos parece dever ser feita ponderação judicial que extravase o alcance das exclusões expressamente previstas por aquele dispositivo legal. O legislador foi neste caso muito assertivo, ao afirmar que as medidas se aplicam a todas as transações comerciais (leia-se não expressamente excluídas, como acima dito). Assim sendo, não nos parece ser legítimo ponderar aqui a questão da complexidade da matéria para basear o entendimento de que teria havido um indemonstrado, a nosso ver, uso indevido do processo de injunção. De resto, nem todos os arestos em que a apelante estriba a sua perspetiva, retratam o particularismo desta situação, a qual se prende (na aparência, diga-se, e é esse aspeto que está em causa nesta fase) com uma transação comercial. Neste caso, o Ac. TRL de 23.11.2021 (Proc. 88236/2019.0YIPRT.L1., relatado pelo Exmº Des.: Edgar Taborda Lopes, Ac. TRP de 18.12.2013 Proc nº 32895/12.0YIPRT,L1 relatado pelo Exmº Des. Fernando Samões). Nesta conformidade não resta senão julgar procedente a apelação” (os sublinhados constam no original). Conclui-se, assim, que a Relação considerou que o procedimento de injunção é aplicável a todas as reclamações de pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais, independentemente da complexidade da matéria em causa, questão essa que não é legítimo ponderar para basear um indemonstrado “uso indevido do processo de injunção”. As únicas situações de exclusão a levar em consideração são as previstas no n.º 1 do art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10.5 (contratos celebrados com consumidores; reclamação de juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; reclamação do pagamento de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros), sendo certo que nenhuma delas se verifica no caso concreto. Vejamos, agora, o acórdão fundamento. Trata-se de um acórdão proferido pela Relação de Lisboa em 30.5.2019, no processo n.º 72782/18.6YIPRT.L1-8. O acórdão foi proferido no âmbito de um procedimento de injunção, cujo requerente, uma sociedade comercial, requereu, contra um condomínio, o pagamento da quantia de € 5 155,04, correspondente à realização de betumagem e hidrofugação de seis escadas de acesso aos prédios do edifício, de que a requerente emitiu fatura, que o requerido não pagou. O requerido apresentou oposição alegando que os trabalhos alegados nunca foram aceites, pois não correspondiam ao exigido, existindo anomalias suscetíveis de se classificadas como defeitos, tendo sido surpreendido com a fatura apresentada. Mais alegou que solicitou a correção dos defeitos da obra, mas a requerente não procedeu à resolução dos mesmos, motivo pelo qual não se considerava devedor da fatura apresentada. A requerente respondeu à exceção de não cumprimento suscitada, alegando que o trabalho constante da fatura em causa era distinto do anterior contrato de empreitada celebrado entre as partes, e que se a obra tivesse defeitos, o requerido não teria mandado emitir a fatura para pagamento. Cumprido o contraditório, a 1.ª instância julgou verificado o erro na forma do processo e, em consequência, anulou todo o processo e determinou a absolvição do requerido da instância. Interposta apelação para a Relação, esta, no acórdão que é o ora acórdão fundamento, exarou o seguinte: “A injunção traduz-se num mecanismo marcado pela simplicidade e celeridade, vocacionado para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os Tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas. Foi confrontado com a necessidade de melhorar um sistema que estava a permitir uma instrumentalização do poder soberano dos tribunais, transformando-os em agências de cobranças de dívidas, que o legislador criou o procedimento da injunção. Na verdade, tendo em vista proporcionar ao credor uma forma célere e simplificada de obtenção de um título executivo, o Dec.-Lei nº 404/93, de 10.12, instituiu a injunção, providência destinada a conferir força executiva ao requerimento de efectivação do cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato cujo valor não excedesse metade do valor da alçada do tribunal da 1ª instância. A forma do requerimento e a subsequente tramitação, no caso de oposição, eram decalcadas do regime do processo sumaríssimo. O Dec.-Lei nº 269/98, de 01.9, revogou o Dec.-Lei nº 404/93 e alargou o regime da injunção às obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal da 1ª instância. No âmbito da luta contra os atrasos de pagamento em transações comerciais, e transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29.6, o Dec.-Lei nº 32/2003, de 17.02, alargou a aplicação do regime da injunção às situações de atraso de pagamento em transações comerciais, para o efeito definidas como transacões entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, que deem origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração. Tal faculdade é admitida independentemente do valor da dívida. O Dec.-Lei n.º 107/2005, de 01.7, alargou a aplicabilidade do regime da injunção às obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação. O Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24.8, reduziu para € 15 000,00 o valor até ao qual é admissível a aplicabilidade do regime de injunção às obrigações pecuniárias emergentes de contratos. O Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10.5, que revogou o Dec.-Lei n.º 32/2003, reduziu para metade do valor da alçada da Relação o valor acima do qual a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção tendo em vista o pagamento em transações comerciais determinam a posterior aplicação do processo comum, sendo também aquele o valor até ao qual serão aplicáveis, nas ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (cfr. art.º 10.º, n.ºs 2 e 4 do Dec.-Lei n.º 62/2013). Voltando à factualidade…. Porém, como questão prévia há que salientar o seguinte: ..não seguimos”….o critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor. Nesta perspetiva, a determinação sobre se a forma de processo adequada à obrigação pecuniária escolhida pelo autor ou requerente se adequa, ou não, à sua pretensão diz respeito apenas com a análise da petição inicial no seu todo, e já não com a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo por força da atividade das partes” (Paulo Duarte Teixeira in “Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção, Revista Themis, VII, n.º 13, páginas 169-212). No nosso entendimento tal perspectiva é redutora, porquanto não se pode olvidar que determinar a propriedade ou impropriedade da forma de processo implica determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual adoptada pelo autor, sob pena de se defraudar os próprios objectivos do legislador. Com efeito, se a finalidade da política legislativa traduzida nos diversos diplomas, acima referidos, é instituir um mecanismo processual agilizado, simplificado, atender-se ao requerimento inicial, de forma exclusiva, apenas permitirá “sabotar” aquela; lembre-se que a oposição tem um papel crucial para se perceber os contornos do litígio. Nas palavras do douto Acórdão desta Relação de 21/04/2016, “o processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade, não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade….” Da análise da concreta questão controvertida em equação, resulta claro não estarmos, sem mais, perante o mero ou simples (in)cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente do contrato de empreitada descrito. Efectivamente, o litígio reporta-se à discussão do invocado contrato de empreitada quer no se refere ao seu não cumprimento ou conclusão por parte da empreiteira, não eliminação de desconformidades; urge ponderar e apreciar acerca da relação contratual existente, donde emana um complexo de direitos e deveres para ambas as partes, divergindo estas quanto à existência e amplitude do imputado mútuo (in)cumprimento. Pelo que, a controvérsia em equação nos presentes autos está longe do processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade. Contudo, seguindo ainda o acórdão de que fomos relatora, entendemos o uso de forma indevida o procedimento de injunção, situação que configura uma exceção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. 576º, nº 2 e 577º do Cód. do Proc. Civil e não de erro na forma de processo, ainda que, nesta segunda perspetiva, possa conduzir a idêntico resultado processual. Termos em que improcedem as conclusões” (os sublinhados constam no texto original). Cremos que, entre os casos em presença, existem diferenças que não podem ser escamoteadas. Por um lado, o acórdão recorrido foi proferido no âmbito de uma ação de execução, discutindo-se se a execução tem título executivo. É certo que, subjacente à apreciação da existência de título executivo está a análise da ocorrência da exceção de uso indevido de procedimento de injunção. Mas, de todo o modo, a questão essencial, objeto da decisão da 1.ª instância e, depois, do acórdão recorrido, é se a execução se fundamenta num verdadeiro e próprio título executivo. Já o acórdão fundamento foi proferido na sequência de decisão proferida no próprio procedimento de injunção, após ter sido deduzida oposição, a qual teve como único e exclusivo efeito a cessação do próprio procedimento, pela verificação de uso indevido de injunção. Por outro lado, o acórdão recorrido incidiu sobre um contrato de empreitada celebrado entre duas empresas, o que suscitou, como decorre da transcrição supra, a análise do regime específico dos procedimentos de injunção assentes em transações comerciais, previsto pelo Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10.5. Acresce que o valor reclamado era superior a metade da alçada da relação, pelo que, nos termos do art.º 10.º n.º 2, do aludido regime, a dedução de oposição, se existisse, acarretaria a remessa da injunção para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum – aspeto relevante a considerar para ajuizar sobre a vexata quaestio sub judice. Pelo contrário, o acórdão fundamento recaiu sobre uma empreitada outorgada entre uma empresa e um condomínio – do que decorre a inaplicabilidade do regime previsto pelo Dec.-Lei n.º 62/2013. É certo que no acórdão fundamento se menciona esse regime, mas não se descortina que as respetivas normas tenham sido efetivamente aplicadas. Assim, deduzida oposição, o processo seguiria nos termos simplificados previstos nos artigos 3.º e seguintes do anexo do Dec.-Lei n.º 269/88, de 01.9 (ex vi art.º 17.º n.º 1 do anexo) – o que também interfere com a análise da questão sub judice. Em suma, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento existem diferenças relevantes, que obstam a que entre eles se verifique a contraditoriedade necessária para o efeito do recebimento da revista excecionalíssima prevista no art.º 629.º n.º 2 alínea d) do CPC. Nestes termos, pois, embora com alterações na fundamentação, a reclamação é improcedente, devendo ser rejeitada a revista. III. DECISÃO Pelo exposto, não se admite a revista, confirmando-se o despacho do relator. As custas da revista, na vertente de custas de parte, são a cargo da recorrente (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC). Também são a cargo da recorrente as custas da reclamação, fixando-se em 1 UC a taxa de justiça (tabela II do RCP). Lx, 25.3.2025 Jorge Leal (Relator) António Magalhães Maria João Vaz Tomé (com declaração de voto) Com todo o respeito, diferentemente do acórdão, acolho a denominada tese restritiva, segundo a qual o art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, não abrange o recurso de revista de acórdãos interlocutórios do Tribunal da Relação que incidam exclusivamente sobre matéria adjetiva. A al. b) do n.º 2 do art.º 671.º do CPC indica as situações em que, para além daquelas estabelecidas no art. 629.º, m.º 2, als. a) a c), é admitido o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Trata-se, justamente, dos casos de contradição entre o acórdão do Tribunal da Relação e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. O disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, não se afigura, pois, cumulável com o regime consagrado no art. 671.º, n.º 2, al. b). |