Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | VASQUES OSÓRIO | ||
Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PRESSUPOSTOS RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO EXTEMPORANEIDADE INADMISSIBILIDADE REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 05/09/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | Relevante para efeitos de contagem do prazo de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência é a data do trânsito em julgado do acórdão recorrido relativamente a cada recorrente e não, a data em que o acórdão recorrido se mostra transitado relativamente a todos os recorrentes. | ||
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Decisão Texto Integral: | RECURSO Nº 3039/19.9T9LSB-A.L1-G.S1 Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência * Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO As arguidas Lusíadas, S.A. e Lusíadas SGPS, S.A. vêm nos termos e para os efeitos do art. 437º do C. Processo Penal interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Novembro de 2022, proferido no processo nº 3039/19.9T9LSB-A.L1, por entenderem que esta decisão, ao revogar o despacho recorrido do juiz de instrução criminal, por falta de competência, e consequente cometimento da nulidade insanável prevista na alínea e) do art. 119º do C. Processo Penal, se encontra em contradição com o acórdão da mesma Relação de 20 de Fevereiro de 2020, proferido no processo nº 28999/18.3T8LSB-A.L1. No termo da motivação formularam as seguintes conclusões: 1. No âmbito do processo de contraordenação n.º ......../2, no qual são Visadas as ora Recorrentes, foram realizadas pela Autoridade diligências de busca e apreensão nas respetivas sedes, tendo sido examinada e apreendida correspondência eletrónica, com base num despacho e mandado emitidos pelo MP. 2. As Recorrentes arguiram a nulidade das diligências de apreensão de correspondência eletrónica realizada pela AdC, sem despacho judicial prévio, sendo que o Tribunal de Instrução Criminal de ... proferiu Despacho declarando a referida nulidade, decisão da qual o MP e a Autoridade interpuseram recurso para o TRL. 3. O presente recurso de fixação de jurisprudência vem interposto do Acórdão do TRL proferido nesse seguimento, o qual revogou o Despacho do Tribunal de Instrução Criminal de ..., com fundamento na sua incompetência para conhecer a questão da validade da diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica realizada pela Autoridade da Concorrência em processo de contraordenação da concorrência, sem despacho judicial prévio ("Acórdão Recorrido"), por se encontrar o mesmo em contradição com o Acórdão da Relação de Lisboa de 20.02.2020, proferido no âmbito do processo n.º 28999/18.3T8LSB-A.L1 ("Acórdão Fundamento"). 4. O Acórdão Recorrido considera ser o JIC incompetente para apreciar as nulidades suscitadas pelas visadas em processo contraordenacional da concorrência, relativas a diligências de busca e apreensão de correspondência eletrónica executadas pela AdC, sob mandado do Ministério Público. 5. O Acórdão Fundamento decidiu que ao Tribunal de Instrução Criminal, independentemente de não haver previsão legal expressa, cabe decidir sobre nulidades dos atos de busca e apreensão levados a cabo pela AdC, sob mandado emitido pelo MP, no âmbito LdC, porquanto tais atos se prendem com o núcleo essencial de garantias fundamentais passíveis de invocação pelas pessoas coletivas no domínio contraordenacional, por práticas restritivas da concorrência. 6. O Acórdão Recorrido não admite recurso ordinário, por força do disposto no artigo 75.º do RGCO e, em qualquer caso, por força do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c) do CPP. 7. Quer o Acórdão Recorrido quer o Acórdão Fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação, porquanto em causa está a aplicação das normas referentes à diligência de busca e apreensão de correio eletrónico no âmbito de processo de contraordenação da AdC, com base em despacho e mandado emitidos pelo MP, as quais se mostram expendidas por vários diplomas e constituem o quadro legislativo aplicável. São essas as normas previstas na LdC (em particular os artigos 17.º a 21.º da LdC), no CPP (em particular, os artigos 174.º,179.º, 268.º e 269.º do CPP), na Lei do Cibercrime (o respetivo artigo 17.º), no RGCO (os artigos 41.º e 42.º) e na CRP (os artigos 26.º, 32.º, 34,º e 202.º), as quais são referidas, com maior ou menor, exaustividade quer no Acórdão Recorrido quer no Acórdão Fundamento. 8. Quer o Acórdão Recorrido quer o Acórdão Fundamento conhecem da mesma questão de direito: a questão da competência do juiz de instrução criminal para apreciar a validade da diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica levada a cabo em processo de contraordenação da concorrência e autorizada por despacho e mandado do MP. 9. Os acórdãos encontram-se em manifesta oposição e contradição, quanto à referida questão, tendo sido confrontados com situações de facto similares. 10. Efetivamente; as situações de facto nos casos em apreço no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento são absolutamente coincidentes, porquanto, em ambas as situações: i. estamos no âmbito de processos de contraordenação instaurados pela AdC por suspeitas de práticas restritivas da concorrência; ii. no âmbito desses processos, foram conduzidas pela Autoridade diligências de busca e apreensão, ao abrigo de mandado emitido pelo MP; iii. num e noutro caso foi apreendida pela AdC correspondência eletrónica no âmbito dessas diligências e sem despacho judicial prévio; iv. em ambos os casos as visadas insurgiram-se contra a referida diligência de busca e apreensão, em particular contra a apreensão de correspondência eletrónica e arguiram a respetiva nulidade, com os mesmos fundamentos, perante o juiz de instrução criminal. 11. Assim, perante a mesma factualidade e perante a mesma questão de direito: i. no Acórdão Recorrido, o TRL decidiu declarar a nulidade do despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal que invalidou a diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica com base na falta de despacho judicial para o efeito, com fundamento na incompetência do juiz de instrução criminal, assente no entendimento de que a lei não prevê a competência do juiz de instrução criminal em processos de contraordenação de concorrência para apreciar a validade de diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica realizadas ao abrigo de despacho e mandado emitidos pelo MP; ii. no Acórdão Fundamento, o TRL decidiu revogar o despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal que se declarou incompetente para conhecer da validade da diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica com base na falta de despacho judicial para o efeito, com fundamento na competência do juiz de instrução criminal, assente no entendimento de que a questão da validade diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica realizada em processos de contraordenação de concorrência coloca em causa direitos fundamentais, em particular, o sigilo da correspondência eletrónica, previsto no artigo 34.º da CRP, pelo que o juiz de instrução criminal tem competência para a conhecer, verificando-se, desta forma, uma evidente oposição entre o julgado no Acórdão Recorrido e o julgado no Acórdão Fundamento, sobre a mesma questão de direito no domínio da mesma legislação. 12. As Recorrentes interpuseram já recurso para uniformização de jurisprudência do Acórdão Recorrido em 06.01.2023, mas, a entender-se que o prazo para interposição deste recurso apenas começa a contar desde o trânsito do Acórdão do TRL que decidiu o requerimento de arguição de nulidade do Acórdão Recorrido, o presente recurso está em tempo. 13. Pelo exposto, verifica-se que que estão cumpridos os requisitos impostos pelo artigo 437.º do CPP para que o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência seja admitido, devendo as Recorrentes ser notificadas para apresentarem as suas alegações, com fundamentação do sentido em que entendem que deve ser fixada jurisprudência. Termos em que deve ser admitido e dado provimento ao presente recurso extraordinário de fixação jurisprudência, por estarem verificados os pressupostos dos quais o mesmo depende, nos termos do artigo 437.2, n. 2, 3 e 4 do CPP, devendo ser fixada jurisprudência no sentido que, oportunamente, se avançará em sede de alegações. * O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa respondeu ao recurso, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: 1- De acordo com o primado do Direito europeu, há a necessidade de garantir a homogeneidade na aplicação do direito europeu, não podendo os Estados-Membros invocarem o direito nacional para fundamentarem o incumprimento das suas obrigações europeias. 2- Porque os deveres resultantes do primado do direito europeu vinculam todas as entidades públicas, aqui se incluindo toda a Administração Pública e os Tribunais nacionais. 3 - Não sendo admissível de que no espaço europeu exista uma Directiva que constitui um instrumento legal de regulação do ambiente digital que estabelece a competência de investigação às autoridades administrativas nacionais da concorrência e, em Portugal, se pretende, obstar a que tal ocorra. 4 - Com efeito, tal correspondência não está tutelada pelo art° 34°, n° 4 da Constituição da República Portuguesa, não podendo ser considerada mensagem de teor privado, ou conservada em contexto de domicílio ou em escritório de advogado ou consultório médico. 5 - Assim, afigura-se-nos que deverá ser negado provimento aos recursos e, assim, confirmar-se o Acórdão recorrido. Vossas Excelências, porém, apreciarão e decidirão como for de justiça. * * Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Ajunto, porque na motivação do recurso foi dito pelas recorrentes de terem interposto um recurso idêntico em 6 de Janeiro de 2023, promoveu se solicitasse informação ao Tribunal da Relação de Lisboa sobre o estado de tal recurso, a fim de prevenir eventual situação de litispendência. Por despacho de 2 de Maio de 2023 foi determinada a solicitação da pretendida informação. Por ofício de 4 de Maio de 2023, completado por ofício de 10 de Maio de 2023, o Tribunal da Relação de Lisboa informou que o recurso interposto em 6 de Janeiro de 2023, não foi admitido por despacho de 12 de Abril de 2023, por ter sido considerado intempestivo, despacho este que foi objecto de reclamação apresentada em 3 de Maio de 2023. * O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na vista a que alude o nº 1 do art. 440º do C. Processo Penal, emitiu parecer no sentido de terem as recorrentes legitimidade, de ter o recurso sido intentado nos trinta dias seguintes ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, ocorrido a 23 de Fevereiro de 2023, de ter o acórdão fundamento, cuja certidão foi junta, transitado a 5 de Março de 2020, de ter sido alegada e estar verificada a oposição de julgados pois, no âmbito da mesma legislação, enquanto o acórdão recorrido entendeu que no âmbito de processo de contra-ordenação por práticas restritivas da concorrência intentado pela autoridade da concorrência, o juiz de instrução criminal não é competente para conhecer da validade da busca e apreensão de ficheiros electrónicos, realizada sob mandado emitido pelo Ministério Público, o acórdão fundamento entendeu que o juiz de instrução detém tal competência, e concluiu pelo prosseguimento do recurso extraordinário. * Foi realizado o exame preliminar referido no nº 1 do art. 440º do C. Processo Penal. Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência, nos termos do nº 4 do mesmo artigo. * Cumpre decidir. * * * * II. FUNDAMENTAÇÃO Âmbito do recurso A questão objecto do recurso, tal como é configurada pelas arguidas/recorrentes nas conclusões formuladas, consiste em saber se existe oposição de julgados entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido relativamente à [in]competência do juiz de instrução criminal para, em processo de contra-ordenação por práticas restritivas da concorrência intentado pela Autoridade da Concorrência, conhecer da validade da busca e apreensão de correspondência electrónica, realizada sob mandado emitido pelo Ministério Público e não, sob mandado judicial. * Da verificação dos requisitos do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência 1. O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência encontra-se regulado nos arts. 437º a 448º do C. Processo Penal, aí podendo distinguir-se três distintas espécies, o recurso de fixação de jurisprudência em sentido próprio, o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada e o recurso no interesse da unidade do direito. O caso dos autos integra a primeira espécie. O recurso de fixação de jurisprudência em sentido próprio radica na necessidade de compatibilizar a independência e liberdade do juiz na interpretação da norma, por definição, geral e abstracta, ao caso concreto, e a diversidade de interpretações, dando origem a que situações iguais obtenham diferentes soluções de direito. Visa, em suma, alcançar uma interpretação uniforme da lei. 2. O recurso de fixação de jurisprudência em sentido próprio está regulado nos arts. 437º e 438º do C. Processo Penal. Sob a epígrafe «Fundamento do recurso» dispõe o primeiro destes artigos: 1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar. 2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida. 4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado. 5 – O recurso previsto nos nºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público. Por sua vez, dispõe o referido art. 438º, com a epígrafe «Interposição e efeito»: 1 – O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. 2 – No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência. 3 – O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo. Embora estejamos no âmbito de processo por contra-ordenação em matéria de concorrência, nada obsta a que deva considerar-se admissível o recurso de revisão para este Supremo Tribunal, para resolução de oposição entre acórdãos do tribunal de relação, quer porque o disposto no art. 75º, nº 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas deve ser interpretado restritivamente, no sentido de a irrecorribilidade aí referida respeitar apenas aos recursos ordinários, quer porque o art. 41º, nº 1 do mesmo regime geral fixa como direito subsidiário, o direito processual penal (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2023, processo nº 29000/18.2T8LSB.L1-A.S1, de 8 de Novembro de 2023, processo nº 204/22.5YUSTR.L1-A.S1 e de 8 de Março de 2018, processo nº 102/15.9YUSTR.L1-A.S1, todos in www.dgsi.pt, e António Leones Dantas, Direito Processual das Contra-Ordenações, Reimpressão, 2023, Almedina, págs. 282-283). Dito isto. Das normas supra transcritas podemos retirar, como é entendimento unânime, os requisitos formais e materiais deste recurso. Assim: São requisitos formais de admissibilidade: i) A legitimidade do recorrente – pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente, pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público; ii) A tempestividade – deve ser interposto no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar; iii) A identificação no recurso do acórdão fundamento, com junção de cópia do mesmo ou a indicação do lugar da sua publicação; iv) O trânsito em julgado do acórdão recorrido e do acórdão fundamento; v) A justificação da oposição que origina o conflito de jurisprudência. E são requisitos materiais de admissibilidade i) A existência de julgamentos da mesma questão de direito por dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, por dois acórdãos de tribunal de relação ou por um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e por um acórdão de tribunal de relação; ii) Assentarem os acórdãos em confronto, de modo expresso, e não meramente tácito, em opostas soluções de direito, partindo de idênticas situações de facto; iii) Terem sido os acórdãos em confronto proferidos no domínio da mesma legislação, isto é, quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida. Tendo o recurso de fixação de jurisprudência natureza excepcional, a interpretação das normas que o regulam deve ser feita de acordo com esta sua natureza, de forma a não se transformar num recurso ordinário (Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª Edição, 2020, Rei dos Livros, pág. 201 e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2017, processo nº 175/14.1GTBRG.G1-A.S1, in www.dgsi.pt). 3. Revertendo para o caso concreto, vejamos se estão ou não verificados os enunciados requisitos. Relativamente aos requisitos formais de admissibilidade: a. Legitimidade As recorrentes têm legitimidade, uma vez que são sujeitos processuais no acórdão recorrido, com a qualidade de arguidas (art. 437º, nº 5 do C. Processo Penal). E têm, igualmente, interesse em agir, visto que a sua defesa foi afectada pelo acórdão recorrido. b. Tempestividade No que à tempestividade do recurso respeita, temos que o acórdão recorrido foi proferido em 9 de Novembro de 2022 e o presente recurso extraordinário foi interposto em 15 de Março de 2023. Relativamente à data do trânsito do acórdão recorrido, é certo que a Exma. Juíza Desembargadora relatora do acórdão, em despacho de 12 de Abril de 2023, decidiu como segue, na parte em que interessa: Notificada do acórdão proferido em 9.11.2022, a Recorrente Hospital ... veio arguir a sua nulidade por excesso de pronúncia quanto à “questão processual”, relativamente ao HPA, e por omissão de pronúncia quanto à “questão de mérito”, pedindo a final que o acórdão fosse declarado nulo ou, subsidiariamente, reformado. A procedência desta arguição conduzindo à nulidade do próprio acórdão, seria susceptível de afectar também as posições dos restantes Recorrentes impedindo, por isso, o seu trânsito em julgado mesmo em relação a estes. Pelo que, e em conformidade com o já certificado nos autos, o acórdão proferido em 9.11.2022 só transitou em julgado em 23.02.2023. Tendo o recurso de fixação de jurisprudência interposto pela Recorrente sido apresentado em 9.01.2023, foi-o manifestamente fora do prazo previsto no art. 438.º, n.º1 do CPP, pelo que não se admite. (…). Como se deixou já referido no Relatório, este despacho foi objecto de reclamação apresentada em 3 de Maio de 2023, reclamação que se encontra pendente neste Supremo Tribunal, nos termos do despacho do Exmo. Juiz Conselheiro Vice-Presidente, de 18 de Maio de 2023, com o seguinte teor: É do meu conhecimento funcional que foi admitido no Tribunal da Relação de Lisboa e está pendente neste Supremo Tribunal um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelas recorrentes e LUSÍADAS, do acórdão da Relação proferido em 9 de novembro de 2022 e que aí indicam como fundamento o acórdão de 20/02/2020 do Tribunal da Relação de Lisboa. Esta reclamação visa despacho da Senhora Desembargadora Relatora que não admitiu o recurso interposto pelas recorrentes em 6 de janeiro de 2203 por considerar que à data da interposição ainda se não verificava o requisito de o acórdão recorrido haver transitado em julgado. Todavia, os dois recursos são exatamente o mesmo, apenas apresentados em datas diferentes. Ora, a admitir-se imediatamente o recurso existiria uma situação de duplicidade do mesmo recurso extraordinário para fixação de jurisprudência. A indeferir-se a reclamação as recorrentes poderiam ver prejudicado o direito de recorrer. Assim, para evitar que qualquer dessas situações ocorra, determina-se que a decisão da presente reclamação fique a aguardar o que venha a ser decidido no recurso que foi admitido e está pendente, neste Supremo Tribunal. Caso, aquele seja rejeitado por intempestivo, decidir-se-á então a presente reclamação. Se não for rejeitado por intempestividade então a presente reclamação mostra-se inútil. Notifique-se. (…). Não sendo unívoco o entendimento expresso pela Exma. Juíza Desembargadora relatora, no despacho supra transcrito, quanto à data do trânsito em julgado do acórdão recorrido [23.02.2023], como desde logo resulta do teor do despacho do Exmo. Juiz Conselheiro Vice-Presidente, proferido nos autos da reclamação, passamos a expor a nossa posição, daquele entendimento discordante, deixando desde já nota de que nela seguiremos de perto, a argumentação constante dos acórdãos deste Supremo Tribunal de 21 de Março de 2024, processo nº n.º 3039/19.9T9LSB-A.L1-H.S1, de 21 de Março de 2024, processo nº 3039/19.9T9LSB-A.L1-I.S1, ambos ainda inéditos, e de 31 de maio de 2023, processo nº 3039/19.9T9LSB-A.L1-F.S1, in www.dgsi.pt (versando todos, como o número de identificação indicia, a mesma situação). Os factos relevantes a considerar são os seguintes: - O acórdão recorrido, proferido em 9 de Novembro de 2022 foi electronicamente notificado aos intervenientes processuais nesse mesmo dia, efectivando-se a notificação das recorrentes Lusíadas, S.A. e Lusíadas SGPS, S.A. no dia 14 de Novembro de 2022; - As recorrentes Lusíadas, S.A. e Lusíadas SGPS, S.A. não arguiram nulidades do acórdão recorrido, nem pediram a sua reforma ou aclaração; - Em 25 de Novembro de 2022 o Hospital ... arguiu nulidades do acórdão recorrido; - Em 6 de Janeiro de 2023 as recorrentes Lusíadas, S.A. e Lusíadas SGPS, S.A. interpuseram recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, do acórdão (recorrido) de 9 de Novembro de 2022; - Por acórdão de 8 de Fevereiro de 2023, o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu a arguição de nulidades do Hospital ..., relativamente ao acórdão (recorrido) de 9 de Novembro de 2022; - O acórdão da Relação de Lisboa de 8 de Fevereiro de 2023 foi electronicamente notificado aos intervenientes processuais em 9 de Fevereiro de 2023; - As recorrentes Lusíadas, S.A. e Lusíadas SGPS, S.A. interpuseram o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência em 15 de Março de 2023; - Por despacho de 11 de Abril de 2023, a Exma. Juíza Desembargadora relatora ordenou a remessa do presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência ao Supremo Tribunal de Justiça; - Por despacho de 12 de Abril de 2023, a Exma. Juíza Desembargadora relatora não admitiu o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência interposto pelas recorrentes Lusíadas, S.A. e Lusíadas SGPS, S.A., em 6 de Janeiro de 2023; - As recorrentes Lusíadas, S.A. e Lusíadas SGPS, S.A. reclamaram do despacho de indeferimento do recurso extraordinário, de 12 de Abril de 2023, reclamação que se encontra pendente no Supremo Tribunal de Justiça. Vejamos então. i) O acórdão recorrido foi proferido em 9 de Novembro de 2022 e, de acordo com o que consta da certidão que integra os autos, foi notificado, electronicamente, ao que supomos, às recorrentes, em 9 de Novembro de 2022, o que significa, de acordo com o disposto no nº 12 do art. 113º do C. Processo Penal, que a notificação se tornou efectiva no dia 14 de Novembro de 2022. Porque dele não era admissível recurso ordinário (arts. 75º, nº 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas e 400º, nº 1, c) do C. Processo Penal), e porque, quanto a ele, as recorrentes Lusíadas, S.A. e Lusíadas SGPS, S.A. não arguiram nulidades, nem pediram a sua reforma ou aclaração, relativamente a ambas, o acórdão da Relação de 9 de Novembro de 2022 transitou em julgado em 24 de Novembro de 2022 (arts. 628º do C. Processo Civil, ex vi, art. 4º do C. Processo Penal). Com efeito, a circunstância de outro interveniente processual – no caso, a arguida Hospital ... – ter arguido nulidades relativamente ao acórdão recorrido [determinante da prolação de um outro acórdão, indeferindo-as], não afecta o trânsito em julgado do mesmo relativamente às recorrentes, na data indicada, como é entendimento pacífico deste Supremo Tribunal, pois o que releva para a contagem do prazo de interposição do recurso extraordinário de fixação jurisprudência é a data do trânsito em julgado do acórdão recorrido, relativamente ao interveniente processual que recorre, trânsito que pode não ocorrer, e assim sucede frequentemente, na mesma data, relativamente a todos os intervenientes afectados pela decisão (acórdãos de 31 de Maio de 2023, processo nº 3039/19.9T9LSB-A.L1-F.S1, de 12 de Maio de 2021, processo nº 4/16.1ZCLSB.L1-A.S1, de 8 de Março de 2018, processo nº 41/12.5YUSTR.L1-D.S1 e de 13 de Outubro de 2016, processo nº 1728/12.8JAPRT.P2.S1, todos in www.dgsi.pt). Dispõe o nº 1 do art. 438º do C. Processo Penal que o recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, portanto, do acórdão recorrido. Tendo o acórdão recorrido, relativamente às recorrentes, transitado em julgado em 24 de Novembro de 2022, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência deveria ser interposto até ao dia 6 de Janeiro de 2023 [ou até ao dia 11 de Janeiro de 2023, com pagamento de multa, nos termos do disposto no art. 107º-A do C. Processo Penal]. Acontece que o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência foi interposto [ainda que por mera cautela, como parece ter sido o caso], conforme certidão junta aos autos, em 15 de Março de 2023 portanto, muito depois de esgotado o prazo previsto no art. 438º, nº 1 do C. Processo Penal, sendo, pois, extemporâneo. ii) É certo que as recorrentes intentaram em 6 de Janeiro de 2023 um outro recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, referente ao mesmo acórdão recorrido e ao mesmo acórdão fundamento, que a Exma. Juíza Desembargadora relatora, pelas razões que constam do despacho acima transcrito, não admitiu por intempestividade. Em nosso entender, pelas razões expostas em i) que antecede, o recurso extraordinário interposto pelas recorrentes em 6 de Janeiro de 2023 é tempestivo. Assim não tendo sido entendido pela Exma. Juíza Desembargadora relatora, às recorrentes cabia, como fizeram, reclamar do despacho de não admissão do recurso, restando-lhes aguardar a decisão da reclamação. Mas o que não é seguramente possível, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Março de 2024 (proferido no processo nº 3039/19.9T9LSB-A.L1-H.S1, precisamente na mesma situação), é corrigir um erro com outro erro, considerando tempestivo um recurso que o não é, apenas porque o interposto em devido tempo não foi admitido, devendo tê-lo sido. iii) Em suma, tendo o acórdão recorrido – acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Novembro de 2022 – sido notificado às recorrentes Lusíadas, S.A. e Lusíadas SGPS, S.A., de forma efectiva, em 14 de Novembro de 2022, e não tendo as mesmas arguido nulidades nem pedido a sua reforma ou aclaração, a decisão transitou em julgado, quanto a elas, em 24 de Novembro de 2022. Assim, atento o prazo de 30 dias fixado no art. 438º, nº 1 do C. Processo Penal, o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência deveria ser interposto até ao dia 6 de Janeiro de 2023 [ou até ao dia 11 de Janeiro de 2023, com pagamento de multa]. Tendo sido interposto em 15 de Março de 2023, é o mesmo extemporâneo. A circunstância de ter o presente recurso extraordinário sido admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não vincula este Supremo Tribunal (art. 414º, nº 3 do C. Processo Penal). Deste modo, por ser extemporâneo, impõe-se, nos termos do disposto no art. 441º, nº 1 do C. Processo Penal, a sua rejeição, por inadmissibilidade legal. * * * * III. DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em: A) Rejeitar o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência interposto pelas recorrentes Lusíadas, S.A. e Lusíadas SGPS, S.A., por inadmissibilidade legal, dada a sua extemporaneidade. B) Condenar as recorrentes nas custas do recurso, fixando, individualmente, a taxa de justiça, em 3 UCS (arts. 420º, nº 3, 513º, nºs 1 e 3 e 514º do C. Processo Penal), acrescida da importância de 3 UCS (arts. 420º, nº 3 e 448º do C. Processo Penal). * Após trânsito, remeta cópia certificada à reclamação que se encontra pendente, em que são reclamantes as recorrentes Lusíadas, S.A. e Lusíadas SGPS, S.A. * * (O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal). * * Lisboa, 9 de Maio de 2024 Vasques Osório (Relator) Agostinho Torres (1º Adjunto) António Latas (2º Adjunto) |