Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S606
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: CÓDIGO DO TRABALHO
CONSTITUCIONALIDADE
FALTAS JUSTIFICADAS
FÉRIAS
Nº do Documento: SJ200805210006064
Data do Acordão: 05/21/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Doutrina: Anot. de João Leal Amado. - RLJ A. 137, nº 3951 (Jul./Ago. 2008)
Sumário : I - A Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, e a corte normativa que gizou (em que se inclui o Código do Trabalho) não podem ser considerados como actos normativos subsumíveis ao conceito constitucional de lei de valor reforçado.
II - De acordo com as disposições combinadas dos artigos 225º, nº 2, alíneas d), última parte, e h), e 213º, nº 3, do Código do Trabalho, não devem ser caracterizadas como faltas justificadas, para os efeitos do último citado preceito – “majoração” do período de férias -, as ausências dos trabalhadores no local de trabalho e durante os períodos em que deviam desempenhar o trabalho a que estavam adstritos, motivados pelo desenvolvimento de actividades ao abrigo dos artigos 8º e 81º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, e dos artigos 8º e 48º, nº 5, da Lei nº 14/79, de 16 de Maio, pois que só com uma interpretação daquelas disposições que conduza a essa não consideração se poderá obter, da forma mais adequada e proporcionada, o exercício de direitos e garantias em conflito e que se consubstanciam no desfrute do benefício de “majoração” das férias, no direito de acesso a cargos públicos e de carácter electivo e de participação na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país e na garantia de não prejuízo pelo exercício dos direitos políticos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I

1. Pelo Tribunal do Trabalho de Beja instaurou o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria ... contra Empresa-A, S.A., acção de processo comum solicitando a condenação da ré a reconhecer que todos os seus trabalhadores que participem como membros de mesas de voto ou como candidatos em actos eleitorais para os órgãos de poder central ou local têm direito à «majoração» de férias a que se reporta o artº 213º do Código do Trabalho, em consequência devendo a mesma ré conceder a esses trabalhadores a «majoração» referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2006 a que tenham direito.

Alegou, em síntese: –
– que a ré – que emprega ao seu serviço diversos trabalhadores associados do autor, os quais, ou foram membros das mesas de voto das assembleias eleitorais nas eleições legislativas e dos órgãos das autarquias locais realizadas em 2005, ou se candidataram a essas mesmas eleições – relativamente às ausências ao trabalho desses mesmos trabalhadores por virtude de tais actividades, considerou tratarem-se de faltas justificadas ou suspensões do contrato de trabalho por factos respeitantes aos mesmos, reduzindo ou mesmo retirando o acréscimo do período de férias constante do artº 213º do Código do Trabalho, não «majorando», assim, os três dias de gozo de férias, a acrescer aos dias de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2006, como sucedeu em relação aos associados do autor, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH;
– que as ausências ao trabalho motivadas pela participação dos trabalhadores por conta de outrem nas mesas das assembleias de voto ou como candidatos às eleições não podem ser vistas como se de faltas injustificadas ou de dias de suspensão do contrato por facto respeitante ao trabalhador se tratasse, antes devendo ser perspectivadas como dispensas, sem repercussão nos períodos anuais de férias dos anos em que tais eleições foram realizadas.

Após contestação da ré (que, essencialmente, invocou que os artigos 224º, nº 1, e 225º, ambos do Código do Trabalho, apontariam para que as ausências em causa deviam ser consideradas como faltas justificadas, e que a «majoração» constante do nº 3 do artº 213º do mesmo Código não podia deixar de ser entendida como um prémio por um elevado grau de assiduidade do trabalhador, exigente de uma elevada prestação de serviço efectivo, razão pela qual se não compadecia com ausências ao serviço), foi, em 5 de Março de 2007, proferido saneador/sentença que julgou improcedente o pedido, dele sendo absolvida a ré.

Inconformado, apelou o autor para o Tribunal da Relação de Évora, o qual, por acórdão de 16 de Outubro de 2007, julgando procedente a apelação, revogou a sentença recorrida, condenando a ré “a reconhecer que as dispensas ao serviço concedidas aos candidatos e aos membros das mesas de voto aquando das eleições para as autarquias locais e das eleições legislativas, quando usufruídas por trabalhadores ao abrigo do regime estabelecido nas Leis nº 14/1979 de 16/05 e nº 1/2001 de 14/08, não interferem com o direito desses trabalhadores à majoração do período de férias nos termos estabelecidos no nº 3 do artº 213º do CT e, relativamente aos trabalhadores que o Autor representa e na acção estão identificados, a reconhecer-lhes e conceder-lhes a referida majoração relativamente às férias vencidas em 1/01/2006”.

2. Deste aresto pede a ré revista, rematando a alegação adrede produzida com o seguinte quadro conclusivo: –

A) – As Leis nºs 14/79 e 1/2001 têm a mesma dignidade e força hierárquica do Código do Trabalho, não existindo entre elas qualquer relação do tipo lei geral/lei especial;
B) – O Código do Trabalho é posterior e equiparou, expressamente, as ausências decorrentes de acto eleitoral a faltas justificadas (vide al. e) e h) do artº 225º do Código do Trabalho);
C) – O nº 3 do artº 213º do Código do Trabalho introduziu um princípio inovador respeitante à majoração do período normal de férias, que consagra um prémio à prestação efectiva de trabalho, não admitindo a equiparação, por ficção jurídica, de outras ausências a presença efectiva, mesmo aceitando que se trata de faltas [justificadas] [crê-se que, por lapso se escreveu “injustificadas”];
D – Uma única excepção respeita às ausências resultantes do instituto da maternidade e paternidade (vide nº 1 do artº 97º da Lei nº 35/2004).

Respondeu o autor à alegação da ré sustentando a improcedência da revista, concluindo do seguinte jeito: –

1 – As Leis Eleitorais nºs. 14/79 de 16 de Maio e 1/2001 de 14 de Agosto são leis de valor reforçado que, como tal, têm superioridade relativamente ao Código do Trabalho cujas disposições as devem respeitar, em obediência ao artº 112º da CRP.
2 – Qualquer compensação do direito à majoração de férias previsto no artº 213º do Código do Trabalho que tenha por fundamento a ausência do trabalhador candidato a cargo público decorrente do exercício dos seus direitos de participação política é inconstitucional por consubstanciar uma restrição não permitida de direitos, liberdades e garantias fundamentais [da] Constituição da República, violando o artº 18º da CRP.
3 – As ausências ao trabalho motivadas pela participação de trabalhadores em actos eleitorais para a Assembleia da República ou para os Órgãos das Autarquias locais, quer como candidatos, quer como membros das assembleias eleitorais, pelos períodos de tempo previstos nas respectivas leis eleitorais, devem ser, nos termos dessas leis, consideradas como dispensas da obrigação de cumprimento do dever de assiduidade e não produzem qualquer efeito restritivo no direito ao acréscimo de 3 dias de férias referido no nº 3 do art. 213º do Código do Trabalho.
4 – Só as ausências ao trabalho motivadas por faltas justifica-das e por situações de suspensão do contrato por facto respeitante ao trabalhador, referidas nos nºs. 3 e 4 do artigo 213º. do Código do Trabalho, com excepção das licenças por maternidade e paternidade, produzem efeitos na «majoração» de férias concedidas a quem não tenha faltado injustificadamente, não relevando as ausências de outra natureza.

A Ex.ma Magistrada do Ministério Público neste Supremo exarou «parecer» no qual propugnou pela improcedência da revista.

Notificado esse «parecer» às partes, sobre ele não vieram as mesmas a efectuar qualquer pronúncia.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.
II
1. O acórdão impugnado deu por assente a seguinte matéria: –

– a) a ré é uma empresa que se dedica à indústria de exploração e extracção de minério no couto mineiro de Empresa-A, sito em ..., empregando, no desenvolvimento dessa actividade, ao seu serviço, em regime de contrato de trabalho, diversos trabalhadores associados ao autor, sobre os quais exerce poderes de autoridade e direcção advindos da sua posição de entidade empregadora;
– b) no exercício de tais poderes, a ré tem vindo a deduzir, na «majoração» do período anual de férias a que se reporta o nº 3 do artº 213º do Código do Trabalho, os períodos de ausência ao serviço determinados por participação de alguns trabalhadores associados do autor enquanto candidatos em eleições realizadas no ano de 2005 para os órgãos das autarquias locais e para as eleições legislativas, ou como membros de mesas de voto da assembleia eleitoral referente a estas últimas eleições;
– c) a ré tem vindo a considerar tais ausências ao serviço como se tratassem de faltas injustificadas ou suspensões de contrato de trabalho, reduzindo ou retirando o acréscimo previsto no artº 213º do Código do Trabalho;
– d) a ré não concedeu a «majoração» de três dias de gozo de férias aos trabalhadores associados do autor, AA e BB, por terem sido membros de mesas de voto nas assembleias eleitorais para as eleições legislativas e para as eleições dos órgãos das autarquias locais, realizadas em 2005;
– e) os trabalhadores da ré e associados do autor, CC, DD, EE, FF e GG viram as respectivas ausências ao serviço ocorridas durante o período da campanha eleitoral para as eleições autárquicas de 2005, em que eram candidatos, diminuir a «majoração» das férias vencidas em 1 de Janeiro de 2006;
– f) o mesmo sucedendo com as ausências ao serviço ocorridas por altura das eleições legislativas e das eleições autárquicas do trabalhador da ré e associado do autor, HH, candidato em ambos os actos eleitorais.

2. O acórdão ora em crise, para a decisão que tomou, carreou a seguinte fundamentação: –
“(…)

A questão que vem colocada cinge-se a saber se os trabalhadores que tenham sido candidatos às eleições autárquicas e legislativas, bem como aqueles que fizeram parte das mesas de voto nesses actos eleitorais, podem ser afectados na majoração do período de férias a que alude o nº 3 do artº 213° do CT pelo facto de terem ‘faltado’ ao serviço nos dias em que a lei os dispensa da obrigação de comparência.
Vejamos.
O problema só se coloca a partir da entrada em vigor do CT que naquele nº 3 do respectivo artº 213º veio consagrar o direito dos trabalhadores a um aumento no período de férias no caso de não terem faltado no ano a que as férias se reportam ou, tratando-se de faltas justificadas, est[as] não ultrapass[em] um determinado número.
Efectivamente, no que respeita às eleições legislativas (Lei nº 14/79 de 16/05) está estabelecido que nos 30 dias anteriores à data das eleições, os candidatos têm direito à dispensa do exercício das respectivas funções, sejam públicas sejam privadas, contando esse tempo para todos os efeitos, incluindo o direito à retribuição, como tempo de serviço efectivo (artº 8º); no que respeita aos membros das mesas das assembleias de voto, está também estabelecido que gozam do direito de dispensa da actividade profissional no dia da realização das eleições e no seguinte (artº 48º, nº 5).
Também quanto às eleições autárquicas (Lei nº 1/2001 de 14/08) encontramos disposições idênticas. Os candidatos têm o direito à dispensa do exercício das respectivas funções durante o período da campanha eleitoral, contando esse tempo para todos os efeitos, incluindo o direito à retribuição, como tempo de serviço efectivo (artº 8º); os membros das mesas de voto estão também dispensados do exercício da actividade profissional no dia da eleição e no dia subsequente (artº 81º).
Os trabalhadores que o Autor representa e estão identificados na factualidade provada estão numa dessas situações relativamente às eleições legislativas e autárquicas que se realizaram em 2005, mas a Ré considerou que por terem faltado nos dias em que estavam dispensados de o fazer perderam o direito à majoração, total o[u] parcial, do período de férias que se venceram em 1/1/2006. Não se questiona que esses trabalhadores se encontravam em situação de beneficiar dessa dispensa ou sequer que tenham procedido por forma a que as respectivas ausências tenham de considerar-se justificadas ao abrigo do que os referidos diplomas estabelecem.
Sem entrar em especiais considerações acerca da razão de ser das dispensas ao serviço nas situações em causa, há que reconhecer que os referidos diplomas referem sempre ‘dispensa’ de serviço, o que, em nosso ver, é intencional e caracteriza um situação diferente do que as leis laborais consideram de ‘falta’.
No próprio conceito da lei (artº 224º, nº 1 no do CT) ‘falta é a ausência do trabalhador no local de trabalho e durante o período em que devia desempenhar a actividade a que está adstrito’. Ora, nas aludidas situações de dispensa, o trabalhador está desobrigado de comparecer no local de trabalho e de desempenhar funções, pelo que se não comparecer não está a incorrer numa falta propriamente dita ou, como diz Monteiro Fernandes, ‘ ... a ausência do trabalhador não chega a ser qualificável como falta, visto haver prévia exoneração do dever de prestar trabalho’ (veja-se, a propósito, o Ac. da Relação de Coimbra de 11/05/1995, in BMJ 447/584 e Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 13[ª] Edição, pág. 387). Precisamente porque não se trata de faltas propriamente ditas, essas ausências do trabalhador fogem ao regime estabelecido no artº 224º e ss. do CT, mesmo no que respeita à respectiva justificação, embora se compreenda que o trabalhador tenha de comprovar perante a entidade patronal que se encontra perante a situação justificativa da dispensa.
É certo que o artº 225º, nº 2 do CT integra no elenco das faltas justificadas as motivadas por cumprimento de obrigações legais (al. d)) e as dadas por candidatos a eleições para cargos públicos, durante o período da campanha eleitoral (al. h)). Porém, as situações a que aludem as já citadas leis eleitorais, fogem ao contemplado nos referidos preceitos – embora lá pudessem caber se não existisse expressa previsão legal para elas – e temos de admitir que existem, como efectivamente existem, outras situações de cumprimento de obrigações legais ou outras situações eleitorais para cargos públicos que não só as atinentes aos órgãos das autarquias locais ou para a Assembleia da República, subsumíveis à previsão da lei geral do trabalho. Estes dois actos eleitorais, dada a dignidade que assumem no nosso sistema político, seja no que respeita aos respectivos candidatos seja no que respeita aos elementos que integram as mesas de voto da respectiva assembleia eleitoral, têm um regime próprio quanto à ausência ao serviço de uns e de outros, pelos períodos que a lei fixa para cada um deles, que não passa pelo regime de faltas que a lei geral laboral estabelece mas pelo regime de dispensa ao serviço fixado em diploma próprio. E, como é dos princípios, a lei geral não afasta a lei especial, excepto se for outra a intenção inequívoca do legislador (artº 7º, nº 3 do CC), intenção essa que não podemos considerar minimamente manifestada.
E compreende-se o regime especial fixado para as dispensas ao serviço nessas situações, dado o carácter obrigatório do desempenho das funções de membro da mesa de voto (artº 80º da Lei nº 1/2001 e artº 47º da Lei nº 14/79) e as garantias de participação política e de acesso a cargos públicos que a constituição estabelece (artºs 48º e 50º da CRP).
Posto isto concluímos que a dispensa de serviço que a lei confere aos candidatos a eleições quer para órgãos autárquicos quer para a Assembleia da República, bem como aos membros da mesa de voto das respectivas assembleias de voto, nos termos estabelecidos na Lei nº 14/79 de 16/05 e na Lei nº 1/2001 de 14/08, quando efectivamente utilizadas, não podem ser tratadas como ‘faltas’ propriamente ditas, mormente para os efeitos do disposto no nº 3 do artº 213º do CT, tanto mais que, como a lei determina, a utilização de tais dispensas pelos trabalhadores que se encontrem nas referidas situações não afectam os respectivos direitos e regalias, mormente quanto à retribuição, e o tempo respectivo é contado para todos os efeitos como tempo de serviço efectivo. Por isso tais dispensas, quando usufruídas por trabalhadores que se encontrem nas referidas situações, não podem contender com o direito à majoração do período de férias a que alude o nº 3 do artº 213º do CT.
Nunca se questionou na acção que os trabalhadores que o Autor representa e na petição estão identificados usufruíram das dispensas estabelecidas nos referidos diplomas eleitorais aquando das eleições autárquicas e/ou legislativas que se realizaram no ano de 2005 e que esses trabalhadores se encontravam em situação de usufruir de tais dispensas. Resultou provado que a Ré não concedeu a esses trabalhadores a majoração de férias nos termos estabelecidos no nº 3 do artº 213º do CT precisamente devido às ausências ao serviço propiciadas por aquelas dispensas, no que respeita às férias vencidas em 1/01/2006. Face à conclusão a que chegamos de que tais ausências não podem contender com o direito à majoração a que alude o nº 3 do artº 213º do CT, temos de reconhecer razão ao Autor-recorrente e revogar a sentença recorrida que, em nosso ver, não fez correcta aplicação da lei.
(…)”.

3. A questão impostada na vertente revista em nada se afasta daqueloutra que foi objecto de veredicto pelo acórdão cuja fundamentação acima se encontra extractada.

A ora impugnante, em súmula, brande com os seguintes argumentos:
– têm igual dignidade constitucional a Lei nº 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da República), a Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto (lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais), e a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto (que aprovou o Código do Trabalho), já que esta, para além de reger a nível ordinário todos os direitos individuais e colectivos dos trabalhadores, é pressuposto normativo de outras leis regulamentares, consequentemente devendo ser perspectivada como uma lei com valor reforçado, o que implica a impossibilidade de estabelecimento de qualquer relação de especialidade entre as primeiras e a segunda;
– o Código do Trabalho, aprovado pela dita Lei, porque posterior às leis eleitorais referidas, ao qualificar, na alínea h) do nº 2 do seu artº 225º, como falta justificada a não comparência ao serviço dos trabalhadores derivada, quer dos cumprimentos das obrigações legais, quer da candidatura aos cargos electivos regidos pelos diplomas eleitorais durante o período de campanha eleitoral, veio a dispor de diferente modo relativamente ao que se consagrava em tais diplomas, os quais qualificavam essa não comparência como dispensa de serviço;
– não podendo o legislador ignorar o que se prescrevia nas leis eleitorais, deve-se ser levado a considerar que, propositadamente, intentou alterar a qualificação das não comparências ao serviço dadas em razão dos actos eleitorais;
– o Código do Trabalho, ao inovar no tocante à «majoração» das férias, desejou dar ao trabalhador uma recompensa pela sua assiduidade efectiva em elevado grau, não podendo, para esse efeito, ser equiparadas as situações em que a ausência ao serviço não tem repercussão no gozo normal de férias, dado que, juridicamente, tal ausência é ficcionada como prestação efectiva de serviço.

Vejamos, então.

3.1. Deverá, logo num primeiro passo, salientar-se que, naquilo que concerne ao primeiro segmento argumentativo acima condensado, há um manifesto equívoco por banda da impugnante.

Efectivamente, não é pela simples razão de uma lei vir a prescrever, a nível de legislação ordinária, toda uma corte de direitos, ainda que no desenvolvimento dos densificados na Lei Fundamental, que aquela deverá ser visualizada como uma lei com valor reforçado para os efeitos do artigo 112º, nº 3, do Diploma Básico.

E, identicamente, não será pela razão de uma lei, no desenvolvimento das suas prescrições, necessitar de regulamentação, de esta ser aconselhável com vista a uma maior clarificação em aspectos de especificação ou pormenorização dos respectivos comandos, ou de a própria lei prever explicitamente que será objecto de regulamentação, que a ela, sem mais, deve ser conferido o qualificativo de lei com valor reforçado.

Por outro lado, a Lei nº 99/2003, não foi, pelo legislador parlamentar, epitetada como lei orgânica, não tendo, nos procedimentos legislativos que a ela conduziram, sido seguidos aqueles que, constitucionalmente, são exigidos para uma tal forma de acto normativo.

Por esta última razão, ficará, desde logo, afastada a relação de supra-ordenação ou, se se quiser, de supremacia normativa (o que, de todo o modo, se não deve confundir com uma qualificação, qua tale, referente a um posicionamento específico constitucional superior que, aliás, a Constituição não consagra no domínio das leis ordinárias, afora, como é claro, os casos das leis constitucionais) relativamente a outros actos legislativos ordinários que é característica das leis orgânicas rationae materiae.

Mas será que, para além disso, a Lei nº 99/2003, em face do conteúdo normativo que porta é de considerar como detendo primazia com os «normais» actos legislativos ordinários?

Adianta-se, desde já, que não.

Na verdade, para além de, como já se anotou, não ter aquele diploma sido objecto do peculiar procedimento legislativo de aprovação exigido pelo Diploma Básico (o que até poderia, desde logo, inquinar, para os efeitos agora em causa, um eventual desiderato – anterior à fase constitutiva da sua produção – do órgão parlamentar no sentido de editar um acto normativo que, mercê das suas prescrições, estivesse dotado de características tais que apontariam para que ele pudesse ser tido como uma lei de valor reforçado), não se lobriga que a Lei nº 99/2003 possa ser, em face das suas disposições e perante a polissemia conceptual decorrente da Constituição, visualizada como pretendendo estabelecer um quadro de bases, de directivas gerais, de enquadramento de outras leis ou de princípios que devam, sob pena de ilegalidade, ser respeitados por outros actos legislativos, os quais, por isso, não poderiam, dispor em contrário.

É que, em primeiro lugar, quer a indicada Lei, quer o Código que, por seu intermédio, foi aprovado, não regem sobre matérias conexas com aquilo que, doutrinalmente, é entendido como direitos fundamentais com objecto político (e não nos reportamos agora à questão de saber se essa matéria teria, constitucionalmente, de revestir a forma de lei orgânica rationae materiae).

Depois, não se encontra nela o tratamento de matérias que, por si, quer teleologicamente, quer por conexão, e para se usarem as palavras de Carlos Blanco de Morais, in As Leis Reforçadas, As Leis Reforçadas pelo Procedimento: Natureza Jurídica e Operatividade Normativa, 1998, 859), tenham de ser consideradas como devendo apresentar uma «rigidez», no sentido de “resistência à abrogação a actos de natureza distinta (como dimensão consequencial de feição formalística)”.

Identicamente se não divisa que tais matérias, quer por um critério meramente lógico, quer por um critério teleológico, ancorado no ordenamento constitucional, sejam de tal sorte que não possam ser revogadas, condicionadas, abrogadas ou alteradas por outros actos legislativos que, no respectivo procedimento de edição, revestiram forma idêntica àquela que revestiu a Lei nº 99/2003.

Ainda por outro lado, e mesmo apelando a um critério residual de força normativa ou de parametricidade, não se vê que a Lei nº 99/2003 ou o Código por ela aprovado constituam corpos normativos para cuja edição se haveria, necessariamente, de apelar a uma co-decisão política alargada (quanto mais não seja pelo procedimento produtivo que, como vimos, não existiu) que fundasse, do ponto de vista do «dever ser», uma co-responsabilização legislativa que, no fundo, apontava para a já aludida rigidez e ao valor supra-normativo característico de uma lei de valor reforçado (ainda que naqueles corpos normativos nem todas as prescrições assim o exigissem, exigindo-o tão só algumas delas – porventura as mais marcantes – as mencionadas co-decisão e co-responsabilização, o que levaria, por conexão, a um juízo de não «excesso de forma» relativamente a todos esses corpos, e sem aqui se entrar na dilucidação da questão de saber se um juízo dessa natureza seria, ou não, adequado).

Somos, assim, levados a concluir que, contrariamente ao defendido pela recorrente, a Lei nº 99/2003 e a corte normativa que gizou (o que incluirá, naturalmente, o Código do Trabalho) não podem ser considerados como actos normativos subsumíveis ao conceito constitucional de lei de valor reforçado.

3.3. Depara-se límpido que, alcançada essa conclusão, não será só por aí que o problema ficará solucionado.

É certo, e a impugnante nem sequer isso questiona, que a Lei Orgânica nº 1/2001, surgida a lume após a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, se trata de uma lei orgânica e, como tal, possuindo a força advinda do (actual) nº 3 do artº 112º da Constituição [cfr., ainda, o nº 3 do artigo 115º, a alínea a) do nº 1 do artigo 167º e nº 1 do artigo 169º da versão da Lei Fundamental decorrente daquela Revisão].

Já no tocante à Lei nº 14/79, de 16 de Maio, é evidente que, ao tempo da respectiva edição, não poderia ela revestir a forma de lei orgânica, até porque uma tal configuração legislativa não se encontrava expressa na versão originária da Constituição (note-se que, a introdução, no texto constitucional, da supremacia valorativa das leis orgânicas só ocorreu com a Revisão Constitucional advinda da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, ao ser conferida nova redacção ao nº 2 do artigo 115º). Todavia, em nada repugna considerar que, com a consagração constitucional posterior dessa categoria de actos legislativos, a matéria atinente a «direitos fundamentais de índole política» regida por tal diploma, deva ser considerada, após aquela Revisão Constitucional, como detendo o valor supra-legislativo que veio a ser dado a tais actos relativamente à demais legislação ordinária (e sem com isto se querer, necessariamente e sem mais, significar um «automatismo» valorativo derivado de uma «constitucionalização» posterior da figura das leis orgânicas e do valor supra-legal que a elas foi conferido, com consequente reflexo nos anteriores diplomas que, se editados posteriormente, careceriam de ser editados como tais formas de lei – questão que, reconhece-se, não é de fácil tratamento).

Aliás, posteriores alterações introduzidas à Lei nº 14/79 até vieram a revestir a forma de lei orgânica.

Seja como seja, volvendo especificamente à Lei Orgânica nº 1/2001, comanda-se: –
– no seu artº 8º, que nos 30 dias anteriores à data das eleições, os candidatos têm direito à dispensa do exercício das respectivas funções, sejam públicas ou privadas, contando esse tempo para todos os efeitos, incluindo o direito à retribuição, como tempo de serviço efectivo;
– no artº 81º, que os membros das mesas das assembleias de voto gozam do direito a dispensa de actividade profissional ou lectiva no dia da realização das eleições e no dia seguinte, devendo, para o efeito, comprovar o exercício das respectivas funções;
– no artº 75º, nº 1, que os membros de cada mesa são designados de entre eleitores pertencentes à respectiva assembleia de voto;
– no artº 80º, nº 1, que, salvo motivo de força maior ou justa causa, e sem prejuízo do disposto no artigo 76.º, é obrigatório o desempenho das funções de membro da mesa de assembleia ou secção de voto.

De molde em tudo idêntico, conquanto com redacção diversa, se dispõe nos artigos 8º, 48º, nº 5, e 44º, números 3 e 4, da Lei nº 14/79.

Poder-se-ia, em face do teor literal dos assinalados preceitos, sustentar que, quando – e no que agora interessa – o legislador parlamentar das leis eleitorais se reportou a «dispensa do exercício das suas funções» ou a «dispensa de actividade profissional», o fez de caso pensado, não podendo ignorar que, no ordenamento jurídico então vigente, se não utilizavam tais asserções para caracterizar a não comparência ao serviço, mas sim a expressão «faltas» (cfr. Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro, maxime seus artigos 1º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º e 28º). E, na sequência dessa sustentação, concluir que foi desejo do mesmo legislador estabelecer, quanto às não comparências motivadas pelos eventos eleitorais ou em função deles, um regime diverso do qual redundasse que em ponto algum poderia haver prejuízo para o trabalhador.

Este raciocínio, convém-se, até não se posta como incurial se se atentar na circunstância de nas leis eleitorais se fazer reporte a que o tempo da imposta «dispensa de serviço» conta para todos os efeitos, incluindo o direito à retribuição, como tempo de serviço efectivo; assim, ao se mencionar a expressão para todos os efeitos, teria querido o legislador abarcar a totalidade dos direitos e benefícios que resultem de uma prestação efectiva de serviço, o que seria vincado pela explicitação incluindo o direito à retribuição.

Ao navegar-se nessa senda interpretativa, e conferindo valor supra-ordenativo às leis eleitorais, poder-se-ia concluir, desde logo, pela inadmissibilidade de um acto legislativo não dotado do mesmo valor vir, ainda que sobre uma outra «capa», a alterar a conferência do direito que foi desenhada pelos preceitos eleitorais em causa. E, a ser assim, desenhar-se-ia uma questão de ilegalidade respeitante a uma dimensão normativa das disposições conjugadas dos artigos 225º, nº 2, alíneas d), última parte, e h), e 213º, nº 3, ambos do Código do Trabalho, dimensão essa segundo a qual a não comparência ao serviço motivada pelas circunstâncias referidas nos artigos 8º e 81º da Lei Orgânica nº 1/2001, e 8º e 48º, nº 5, da Lei nº 14/79, era considerada como falta justificada para os efeitos daquele nº 3 do artº 213º.

Para tanto, deveria o operador jurídico: – ou não conferir aos mencionados artigos 225º, nº 2, alíneas d) e e), e 213º, nº 3, do Código do Trabalho a interpretação a que acima se aludiu; ou, então, se lhe não fosse possível, perante o teor dos preceitos e atentos os cânones que devem reger a interpretação e aplicação das normas jurídicas, arredar essa interpretação, recusar a aplicação dos ditos artigos, com esteio no vício de ilegalidade normativa.

3.4. Numa primeira aparência, poderia sustentar-se não ser incurial enveredar-se pela primeira daquelas vias.

Na realidade, os hipotéticos argumentos acima avançados para suportar a consideração de que o órgão parlamentar, ao editar os artigos 8º e 81º da Lei Orgânica nº 1/2001, e 8º e 48º, nº 5, da Lei nº 14/79, quis desenhar, quanto à não comparência ao serviço naquelas circunstâncias, um regime diverso daqueloutro, vigente no ordenamento jurídico tocante às faltas justificadas, pareceriam apresentar-se com acentuada suficiência para se concluir que essa não comparência não poderia sofrer idêntico tratamento ao dado às faltas por motivo não imputável ao trabalhador e que, no regime até então em vigor, era regulado pelas disposições insertas no Decreto-Lei nº 874/76.

Todavia, há que convir, com isto, não fica suficientemente esclarecida a questão.

E não fica, porquanto, de um lado, não obstante o emprego da expressão «faltas» no artº 225º do Código do Trabalho, a alínea h) do seu nº 2 vem prever expressamente que é considerada falta justificada a ausência nos locais de trabalho e durante o período em que deviam desempenhar a actividade a que estão adstritos (cfr. noção dada pelo nº 1 do artº 224º), dos trabalhadores candidatos para cargos públicos durante o período legal da respectiva campanha eleitoral, vindo a parte final da alínea d), também daquele nº 2, outrossim expressamente a considerar como faltas justificadas as ausências motivadas pelo cumprimento de obrigações legais.

Sendo assim, não se torna minimamente líquido que aqueles normativos não desejaram comportar um campo aplicativo a situações como a em presença.

E daí, fundadamente, a possibilidade de formulação de um juízo de acordo com o qual o legislador do Código do Trabalho quis, no respeitante a essas situações, dar o tratamento de «faltas justificadas», qua tale, às ausências suportadas por aqueles motivos, não sendo legítimo inferir que as mesmas situações, contempladas nas leis eleitorais, se situariam fora do âmbito das indicadas alíneas d) e h) do nº 2 do artº 225º, configurando uma figura diversa de dispensa de serviço não subsumível ao conceito de falta justificada.

3.4.1. De outro lado, como se deu notícia, a recorrente aduz uma outra forma de raciocínio.

De acordo com ela, e se bem entendemos, o aumento da duração do período de férias não está, em si, conexionado com o direito [até constitucionalmente consagrado no artigo 59º nº 1, alínea d) do Diploma Básico] a férias que deve ser reconhecido ao trabalhador, antes representando uma forma de premiar ou recompensar o trabalhador que foi mais assíduo. Nesta postura, o direito inalienável a férias (cfr. nº 3 do artº 211º, embora renunciável parcialmente – cfr. nº 5 do artº 213º) manter-se-ia relativamente a todos os trabalhadores, pois que não estava condicionado à assiduidade ou efectividade do serviço (cfr. nº 3 do artº 211º); mas já o «prémio» ou «recompensa» advindo da inovação introduzida pelo nº 3 do artº 213º, porque implica uma efectiva assiduidade (assim configurando como que uma «contrapartida benéfica» dela decorrente), não se compadeceria, justamente por essa característica, com faltas justificadas que, nolens volens, não poderiam ser consideradas como prestação de serviço assíduo.

Não se desconhece a anotação que Luís Miguel Monteiro faz ao citado artº 213º na 5ª edição ao Código do Trabalho Anotado (de que também são autores Pedro Romano Martinez, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva) e na qual, a dado passo, se escreve: –
“(…)

Mais duvidosas se apresentam, a este propósito, as situações de licenças, dispensas e ausências (v.g. artigos 35.º, 36.º, 38.º, 40.º, 42.º, 80.º), bem como as de gozo de crédito de horas (artigo 454.º). É certo que, em regra, as situações são havidas como ‘prestação efectiva de serviço’ (cfr., por exemplo, o n.º 1 do artigo 50.º e o n.º 2 do artigo 454.º). Porém a norma em anotação trata de não prejudicar a duração das férias por causa da falta de assiduidade, mas de premiar em dias de férias elevado grau de assiduidade. Esta consubstancia-se na comparência do trabalhador ao serviço, exigindo dele, por isso, uma prestação de facto, uma realização, para a qual não basta a equiparação jurídica da ausência à não ausência, como acontece com as dispensas que contam como se de tempo de serviço efectivo se tratasse.
Em conclusão, entende-se que as licenças, dispensas ou ausências ao serviço, ainda que consideradas como prestação efectiva de serviço, devem ser tratadas como faltas justificadas para efeitos de aplicação do n.º 3.
(…)”

É bem certo que aquele autor não apontou especificamente para os casos de «dispensa do exercício de funções» ou «dispensa de actividade profissional» a que se reportam os cabidos normativos das leis eleitorais em causa ou, até, aos casos de não comparência ao serviço motivados pelo exercício de um dever legal, razão pela qual se lhe não pode imputar, linearmente, que a anotação que efectuou também abarcava essas situações.

Porém, verdadeiramente, o que se coloca em questão é, não tanto o nº 3 do artº 213º, mas sim o que se consagra na última parte da alínea d) e na alínea h) do nº 2 do artº 225º, em termos de saber se essas situações, que são consideradas como faltas justificadas, devem ser integradas nas expressões «faltas justificadas» e «faltas» utilizadas naquele nº 3.

No domínio da argumentação da recorrente que agora afloramos, a «majoração» das férias não contende com o direito a férias e o direito ao período anual de férias «normalmente» considerado e que tem a sua consagração no nº 1 do artº 213º (isto para o que agora interessa, já que não se enfrentam, na situação sub specie, os casos a que alude o artº 214º).

Não se dissentindo, na generalidade, de uma tal afirmação, o que é certo é que a «majoração» em apreço não deixa, também ela, de vir a constituir um direito do trabalhador.

Ora, é precisamente aqui que mais deve incidir a análise com vista à solução a conferir à questão a respeito da qual se roga o veredicto deste Supremo.

Efectivamente, há que sopesar devidamente o conflito de direitos e deveres que o sistema jurídico, na sua unidade, vai repercutir no trabalhador, quer enquanto tal, quer enquanto cidadão. Por um lado, o direito que lhe assiste em ser candidato às eleições e o dever legal de se não «furtar» ao desempenho de membro da mesa da assembleia eleitoral; por outro, o direito a desempenhar, com a máxima assiduidade, as suas funções laborais, sabendo que, com isso, poderá beneficiar de um acrescido período de férias que lhe permitirá um mais alargado lazer, repouso físico e psicológico imprescindível a um dignificante desempenho da sua força de trabalho.

É, pois, neste contexto conflitual que deve ser analisado o impostado argumento.

De harmonia com os artigos 48º, nº 1, e 50º, números 1 e 2, ambos da Constituição, inseridos no Capítulo II (Direitos, liberdades e garantias de participação político) do seu Título II (Direitos, liberdades e garantias), todo o cidadão tem o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos, e o de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos, não podendo ser prejudicado na sua colocação, no seu emprego, na sua carreira profissional ou nos benefícios sociais a que tenha direito, em virtude do exercício dos direitos políticos ou do desempenho de cargos públicos.

O primeiro daqueles direitos, como se torna evidente, mais não é que uma precipitação, em sede de direitos, liberdades e garantias individuais, no campo da participação política, dos princípios fundantes do Estado de direito democrático (artigo 2º), da soberania residente no povo (artigo 3º, nº 1) e no exercício do poder político por parte deste (artigo 10º, nº 1), bem como da imposição da tarefa fundamental do Estado condensada na alínea c) do artigo 9º, este como aqueles do Diploma Básico.

Quanto ao segundo direito [que, na visão de Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 271, comportará, “não apenas um mas sim dois direitos, que, embora conexos, possuem conteúdo e âmbito distintos: por um lado, o direito de acesso a cargos públicos, de carácter electivo ou não (nº 1); por outro lado, a garantia de não ser prejudicado pelo facto de se desempenhar um cargo público ou exercer qualquer outro direito político (nº 2)”], é manifesto que ele, como afirmam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 486), “é o contraponto, na perspectiva da capacidade eleitoral passiva, do artigo 49.º”, embora nele se não esgotando, “visto que nem todos os cargos públicos são electivos”.

Esses direito (de acesso a cargos públicos, e agora na incidência de cargos públicos electivos) e garantia (de se não ser prejudicado pelo desempenho de tais cargos), incluídos, como se viu, no Título II da Constituição, vinculam, quer as entidades públicas, quer as privadas (nº 1 do artigo 18º), só podendo ser restringidos ou comprimidos nos casos expressamente nela previstos, devendo as restrições limitar-se ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (nº 2 do mesmo artigo 18º).

Não se pondo agora em causa o direito de acesso a cargos públicos electivos, pois que os normativos do Código do Trabalho que analisamos com isso não contendem, mister é que se saiba se a garantia de não prejuízo pelo exercício de tal direito é compatível com a retirada de possíveis benefícios que, não fora aquele exercício, podiam ser desfrutados pelo trabalhador.

E isto, sublinha-se uma vez mais, porquanto, muito embora se não questione que a «majoração» de férias represente um «prémio» ou uma «recompensa» por uma mais acentuada e efectiva assiduidade, não deixa ela de figurar, do mesmo passo, como um «direito» conferido legalmente ao trabalhador.

Ora, torna-se evidente que, perante a interpretação normativa defendida pela recorrente, mercê do exercício dos direitos de participação na vida pública (sublinhando-se, aliás, que, no que toca à participação como membro de mesa de uma assembleia de voto, para além de não deixar de se incluir nesse direito, até tem uma faceta de dever legal irrecusável) e de acesso a cargos electivos, o benefício advindo da «majoração» não poderá ser alcançado pelos trabalhadores que se candidatem a cargos electivos ou tenham de participar nas mesas, caso, no desenvolvimento dessas actividades, não possam comparecer ao serviço.

Precisamente por isso se afirmou acima a existência de uma tensão entre os direitos e garantias postulados pelos artigos 48º, nº 1, e 50º, números 1 e 2, da Constituição e aqueloutro, a que o trabalhador aspiraria, e que seria o desfrute de um acrescido período de férias se se mantivesse, durante o tempo que as ditas actividades consumiram, no seu local de trabalho durante o período correspondente.

É sabido que um dos objectivos do artigo 18º da Constituição, como uma das expressões mais exigentes do Estado de direito democrático, não deixa de residir no desiderato de obtenção de um equilíbrio ou, se se quiser, numa concordância prática, tendente ao desenvolvimento, em máxima amplitude dos direitos, liberdades e garantias individuais (o que tem sido designado como um princípio da «vocação expansiva» desses direitos), quando, no devir situacional, se coloquem situações de potencialidade de conflito.

Porque a obediência do legislador ordinário à Lei Fundamental, neste domínio, tem de ser total, haverá ele que gizar, nas soluções normativas que vier a consagrar – maxime nos casos em que a exequibilidade daqueles direitos e garantias não decorre directamente da Constituição, necessitando de uma concretização legal ao jeito de «regulamentação» –, uma forma da qual resulte a menor compressão possível dos direitos aparente ou efectivamente em conflito, de sorte a obter, quer a realização deles, quer a sua mínima compressão.

E se isto é assim num campo em que só se postem direitos, liberdades e garantias que expressamente se consagram no Diploma Básico, então a exigência imposta ao legislador quando trata de direitos que porventura não têm directo assento constitucional haverá, indubitavelmente, de apontar no sentido da prevalência dos primeiros, o que vale por dizer que, na edição normativa, não poderá o legislador, ao consagrar um direito não fundamental que possa entrar em conflito ou rota de colisão com direitos, liberdades e garantias fundamentais, adoptar uma solução da qual decorra a postergação destes ou uma sua menor expansibilidade.

Obtemperar-se-á que, muitas vezes, a ocorrência de uma situação conflitual desse jaez só surgirá porque o sujeito activo do direito opta pelo exercício do direito cujo gozo é conflituante com o desfrute de outros.

Esse obtemperar, que poderia ter algum peso nas situações de conflitualidade entre direitos, liberdades e garantias fundamentais, já não poderá, porém, servir como fundamento quando haja uma dicotomia tensional entre um direito «meramente legal» e um direito, liberdade ou garantia fundamental.

A solução imposta pelo artigo 18º da Constituição há-de passar, então, na impossibilidade de obtenção da máxima concordância prática na realização desses direitos, pela consagração de soluções de que resulte a menor restrição ou compressão dos direitos fundamentais.

Cremos que é isso que se passa no caso sub iudicio.

Na realidade, o sentido interpretativo defendido pela recorrente relativamente ao «direito» a gozar um acrescido período de férias («direito» esse que cremos inquestionavelmente dever ser caracterizável como um direito «meramente legal»), o qual é, como se disse já, a «contrapartida» de um prémio pela assiduidade, aponta para que o desfrute desse «direito» implique que o trabalhador opte pela não ausência do local de trabalho e desempenho da sua actividade, com a correspectiva limitação de um livre exercício dos seus direitos fundamentais de participação na vida pública e política e de acesso a cargos públicos electivos.

Uma tal solução normativa, decorrente da assinalada interpretação, não pode ser sufragada por este Supremo, pois que redundaria numa inexigível compressão daqueles direitos ou uma prática de condicionamento, sem que se vislumbre na Lei Fundamental a existência de interesses ou interesses constitucionalmente protegidos que devessem ser salvaguardados de forma a impor essa solução.

Isto não conduz, porém, a que se deva enveredar por um caminho de harmonia com o qual, então, haveria de ser sacrificado o «direito legal». Esse simplista posicionamento olvidaria, como é límpido, o objectivo de equilíbrio de forma a ser alcançado, da forma mais adequada e proporcionada possível, o exercício dos direitos em conflito.

Como assim, haverá que adoptar uma interpretação das disposições combinadas dos artigos 225º, nº 2, alíneas d), última parte, e h), e 213º, nº 3, do Código de Trabalho, de sorte a que não devam ser caracterizadas como faltas justificadas, para os efeitos do último citado preceito, as ausências dos trabalhadores no local de trabalho e durante os períodos em que deviam desempenhar a actividade a que estavam adstritos, motivados pelo desenvolvimento de actividades ao abrigo dos artigos 8º e 81º da Lei Orgânica nº 1/2001 e dos artigos 8º e 48º, nº 5, da Lei nº 14/79.
III
Termos em que, pelos motivos que se deixam consignados, se nega provimento ao recurso.

Custas pela impugnante.

Lisboa, 21 de Maio de 2008
Bravo Serra (Relator)
Mário Pereira
Sousa Peixoto