Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2616/17.7T8PDL.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
ACÓRDÃO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RECURSO DE REVISTA
REGIME APLICÁVEL
ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 03/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - As decisões interlocutórias são aquelas que são tomadas, ao longo do processo, e que não põem termo à instância e em relação às quais constitui regra geral, em matéria de recursos, a da impugnação diferida e concentrada com o recurso interposto da decisão final.

II - Essa específica decisão (não admissão da junção de documentos), integrante do acórdão, mas autónoma em relação ao mesmo, precedendo-o, traduz uma decisão interlocutória incidente sobre a relação processual, passível de recurso apenas nos termos do disposto no art. 673.º, do CPC.

III - Não sendo admissível recurso de revista normal, não admitem recurso para o STJ os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação, como é o caso.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.



AA intentou a presente acção declarativa com processo comum contra “OITANTE, SA” e "BANIF - BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL SA", pedindo que seja reconhecido que é proprietário do imóvel identificado nos autos desde 30/12/1996, por o ter adquirido por usucapião, e que sejam as Rés condenadas a reconhecer esse seu direito de propriedade e bem assim que seja cancelado o registo desse prédio, a favor da 1ª Ré, existente na competente Conservatória do Registo Predial.

Por decisão proferida em 26/04/2018 e que tem a referência 463…457, a 2ª Ré foi absolvida da instância por ter sido julgada procedente a excepção de ilegitimidade passiva pela mesma suscitada, foi lavrada em 29/01/2019 a sentença que tem a referência 47610983 e cujo decreto judiciai tem o seguinte teor:

“Em face do exposto:

1 - julgo a presente ação improcedente por não provada e, em consequência, absolvo a Ré Oitante, S.A. do pedido deduzido nos autos pelo Autor AA;

2 - julgo inoperante o pedido deduzido pela Ré Oitante, S.A. de condenação do Autor AA como litigante de má-fé e, consequentemente, absolvo-o do mesmo; e

3 - condeno o Autor AA nas custas do processo.

Registe e notifique, (sic).

Inconformado com o decidido, interpõem o A. recurso de apelação, pedindo que seja "... revogada a sentença em crise, por erro de julgamento, assim dando integral provimento ao presente recurso, mais se determinando afinal a procedência da presente ação, com todas as legais consequências", sendo deliberado e a final proferido acórdão do seguinte teor:

“…com os fundamentos enunciados no ponto 4. do presente acórdão, julga-se totalmente improcedente a apelação apresentada pelo Autor e, consequentemente:

a) não se admite a junção aos autos dos documentos apresentados pelo Autor com as suas alegações de recurso, determinando-se que o conteúdo dos mesmos em nada relevará, sendo totalmente desconsiderado, quanto ao julgamento do objeto da apelação;

b) mantém-se inalterado o elenco de factos declarados provados e não provados na ação; e

c) confirma-se integralmente a sentença recorrida.

Custas pelo Autor”.


*


Novamente inconformado, com o decidido pela Relação, interpõe, o autor, recurso de Revista (normal) para este STJ, e formula as seguintes conclusões:

“A) Salvo o devido respeito por opinião diferente, esteve mal a Relação de Lisboa ao não admitir a junção aos autos dos documentos juntos com Apelação.

B) O Recorrente nas Alegações de Recurso da Apelação, justifica fundamenta o porquê da junção aos presentes autos, destes documentos, nessa fase.

C) Veio o Tribunal de Primeira Instância em sede de Sentença, alegar: “(…) ao contrário do que fora alegado de facto e, seguramente, da ideia que o Autor pretendeu transmitir na ação quanto aos contornos da sua «ocupação», o prédio em questão não é composto, na sua totalidade, por um terreno. Na verdade, parte é asfaltada, (….) circunstancialismo este omitido no plano de facto e desalinhado com os pretensos atos materialmente rurais na integralidade do prédio, isto é, como se de um todo se tratasse”.

D) Neste sentido, o Apelante veio em sede das suas conclusões de K a Q, justificar a necessidade de junção dos documentos, em fase de recurso, por só aqui, nesta fase, fazerem sentido, após ter sido proferida a decisão da Primeira Instância.

E) Só após a decisão da Primeira Instância, é que o Recorrente teve a noção que o Tribunal de Ponta Delgada, não deu como provado a posse do imóvel pelo Autor, entre outros com o fundamento que o Recorrente não poderia ter cuidado e tratado do imóvel como tratou, ou dele se ocupou como proprietário, face a ser um terreno de asfalto.

F) Face a esta conclusão da Primeira Instância, tornou-se necessário provar factos, cujo a relevância o recorrente não podia razoavelmente contar antes da decisão proferida. Neste sentido: Ac. STJ de 20/06/2000: Sumários 42º-18, in NCPC Anotado de Abílio Neto 2ª Edição Revista e ampliada de Janeiro/2014. “II - A hipótese prevista no art. 524º do CPC, limita-se às situações em que, pela fundamentação da Sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância à parte não podia razoavelmente contar antes da decisão proferida e, então, a junção de documentos às Alegações da Apelação apenas e só poderá ocorrer se a decisão da 1ª Instância criar pela primeira vez a necessidade junção de determinado documento.”

G) A posse do imóvel, é um dos principais requisitos necessários para a verificação do instituto da usucapião, pelo que cabia ao Venerando Tribunal ora recorrido, admitir a junção desses documentos, e analisados os mesmos para o julgamento do pleito em sede de Apelação, o que não o fez!

H) Tendo o douto Acórdão violado as normas do artigo 651º n.º e 425º ambos do CPC, violação da Lei adjectiva – a parte não tinha como “adivinhar” a interpretação criativa, inovadora e própria do Tribunal, mas totalmente avessa á realidade quanto á parte asfasltada do imóvel.

I) No que a esta esta questão diz respeito, o Tribunal da Relação de Lisboa, apreciou pela primeira vez, e em “primeira instância” a questão da admissão da junção dos documentos, em sede de alegações de Apelação.

J) Sendo espúria qualquer argumentação no sentido de eventual existência de dupla conforme, ela mesmo impeditiva da cognição pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

K) Pelo que, salvo melhor e douta opinião, nada obsta ao presente fundamento de recurso de Revista eregir e sustentar o Recurso, ora interposto.

L) Ao decidir como decidiu o Venerando Tribunal recorrido, pôs em causa os artigos 651º n.º 1 e 425º do CPC, devendo os presentes autos baixar ao Tribunal de Relação de Lisboa (primeira instância quanto a esta matéria), e em consequência serem admitidos e apreciados os documentos juntos na Apelação e sendo proferido aí novo Acórdão.

Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, deve ser concedido provimento ao presente recurso de Revista, e nessa conformidade, revogar-se o Acórdão recorrido, e em consequência os presentes autos baixarem à Primeira Instância (Tribunal da Relação de Lisboa), para admissão a apreciação dos documentos aludidos, e sendo em conformidade proferido Novo Acórdão, com todas as consequências legais”.

Contra-alegou a ré Oitante, concluindo: “(…) deve o recurso de revista ser liminarmente rejeitado por legalmente inadmissível ou, quando assim se não entenda, ser julgado improvido, em qualquer caso devendo manter-se o douto Acórdão recorrido”.


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São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608, 635, nº 3 a 5 e 639, nº 1, do C.P.C. No caso em análise questiona-se:

- Admissibilidade, ou não, da junção de documentos com a alegação do recurso de apelação.


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Foi proferido despacho pelo relator no qual decidiu: “Não se admite o recurso de revista interposto pelo autor, da decisão do Tribunal da Relação que não admitiu a junção de documentos, requerida com a apresentação do recurso de apelação.”.

Inconformada com o teor do despacho, requereu o recorrente que sobre o despacho recaia um acórdão.

Fundamenta o requerimento, alegando:

- Não se está perante uma decisão interlocutória porquanto, em termos do objeto da ação, pois a identificação do imóvel é essencial á boa decisão da causa quanto à verificação do instituto da usucapião, e sua rejeição pelo Tribunal da Relação de Lisboa, puseram termo a esta fase declarativa específica;

- Que a decisão singular não teve em conta os verdadeiros pressupostos processuais do recurso de revista e muito particularmente a verificação do instituto da usucapião, pondo em causa a necessidade de ser apreciada uma questão com relevância jurídica, para uma melhor aplicação do Direito, e ser apreciada consequentemente a posse do imóvel.

- A única maneira de reagir do recorrente desta decisão (em primeira instância da Relação), é arguir junto do Supremo um não adequado exercício pelo tribunal da Relação dos seus poderes ou, doutra sorte, invocando nulidades que inquinem o mesmo acórdão.


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É do seguinte teor a fundamentação do despacho reclamado:

“O autor recorre do acórdão da Relação, na parte em que não admitiu a junção de documentos apresentados com o requerimento de interposição do recurso de apelação e respetivas alegações.

Embora decidida na mesma peça processual que decidiu de mérito, são decisões distintas.

A decisão da não admissibilidade da junção de documentos com a interposição do recurso de apelação é uma decisão introdutória que antecedeu a decisão de mérito.

As decisões interlocutórias são aquelas que são tomadas, ao longo do processo, e que não põem termo à instância, em relação às quais constitui regra geral, em matéria de recursos, a da impugnação diferida e concentrada com o recurso interposto da decisão final.

Essa específica decisão, integrante do Acórdão, mas autónoma em relação ao mesmo, precedendo-o, traduz uma decisão interlocutória incidente sobre a relação processual, passível de recurso apenas nos termos do disposto no artigo 673, do CPC, insuscetível, deste modo, de ser objeto de Revista excecional, porquanto se tratou de uma decisão ex novo, produzida pelo segundo grau, afastada do disposto no artigo 671, nº 3 e 672, nº1, alíneas a), b) e/ou c), do mesmo diploma.

Neste sentido o Ac. do STJ de 17-12-2019, no Proc. nº 1237/14.0TBSXL-B.L1.S2, onde se decidiu que, “II Ao recurso de um despacho proferido sobre uma questão formal suscitada no segundo grau – o requerimento para junção de documentos - aí decidida interlocutoriamente, pela primeira vez, aplica-se o preceituado no artigo 673, proémio, do CPCivil, onde se predispõe que «Os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação apenas podem ser impugnados no recurso de Revista que venha a ser interposto nos termos do artigo 671º,(…)».

III Tais decisões não são, assim, passíveis de impugnações recursórias autónomas”.

Nos termos do art. 673 do CPC, “os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação apenas podem ser impugnados no recurso de revista que venha a ser interposto nos termos do nº 1 do art. 671, com exceção:

a) - dos acórdãos cuja impugnação com o recurso de revista seria absolutamente inútil;

b) - dos demais casos expressamente previstos na lei”.

No caso presente, é inadmissível recurso de revista nos termos do art. 671, nº 1 do CPC, porque a tal se opõe o disposto no art. 671, nº 3 do mesmo diploma, “… não é admitida revista do acórdão da relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão na 1ª Instância, salvo os casos previstos no art. seguinte”.

Não sendo admissível recurso de revista normal, não admitem recurso para o STJ os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação, como é o caso.

Como refere Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 394, “assim, a regra aplicável aos acórdãos proferidos na pendência do recurso na Relação é a da sua irrecorribilidade autónoma (sendo que, relativamente aos acórdãos cujo objeto sejam decisões interlocutórias da 1ª instância, a regra, constante do nº 2 do art. 671 é a da irrecorribilidade). … Não havendo ou não sendo admissível recurso do acórdão da relação a que possa acoplar-se a impugnação dos acórdãos intercalares, a parte interessada pode interpor recurso autónomo, no prazo de 15 dias, depois daquele transitar em julgado (nº 4 do art. 671)”.

No caso acresce que o recorrente interpõe o recurso de revista, nesta questão concreta, de forma autónoma e não inserido em recurso de revista interposto nos termos do nº 1 do art. 671 do CPC, o que torna o recurso de revista inadmissível, conforme art. 673, do mesmo diploma.

Assim, não é admissível o recurso de revista da decisão do Tribunal da Relação de não admitir a junção de documentos, requerida com a apresentação do recurso de apelação”.

E o reclamante nada de novo acrescenta que seja suscetível de inverter o entendimento manifestado no despacho reclamado.

Em causa está a não admissibilidade, pelo Tribunal da Relação, da junção de documentos com a alegação do recurso de apelação.

- A decisão do Tribunal da Relação é uma decisão interlocutória e está em causa, apenas, a não admissão da junção de documentos naquela fase processual e não a apreciação do valor de prova e a relevância que, eventualmente, tais documentos possam ter no desfecho da ação.

- A decisão reclamada teve em conta os pressupostos processuais do recurso de revista e, aplicando-os, se pronunciou pela não admissão do recurso de revista autónomo.

- É certo que a decisão reclamada não apreciou a relevância  que tais documentos poderiam ter para a “verificação do instituto da usucapião, pondo em causa a necessidade de ser apreciada uma questão com relevância jurídica, para uma melhor aplicação do Direito, e ser apreciada consequentemente a posse do imóvel”, nem tinha que o fazer, pois que, para apreciação de mérito teria de previamente ser admissível o recurso de revista.

- Os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação contêm decisão proferida pela primeira vez e, interposto recurso é-o de decisão interlocutória, a tramitar nos termos do art. 673 do CPC.

Lê-se no Ac. do STJ de 17-12-2019, no Proc. nº 1237/14.0TBSXL-B.L1.S2, já referido, e sobre questão idêntica à ora em análise: “… o que está efetivamente em causa no recurso e que deu origem à impugnação encetada não foi a decisão final do Acórdão, a única que em tese, poderia sustentar a Revista excecional, pois confirmou a decisão de primeiro grau, mas antes a decisão introdutória que antecedeu aqueloutra, que ordenou o desentranhamento dos documentos juntos com as alegações de recurso de Apelação”.

Entende-se, pois, ser de manter a decisão reclamada.


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Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC:

I - As decisões interlocutórias são aquelas que são tomadas, ao longo do processo, e que não põem termo à instância e em relação às quais constitui regra geral, em matéria de recursos, a da impugnação diferida e concentrada com o recurso interposto da decisão final.

II - Essa específica decisão (não admissão da junção de documentos), integrante do Acórdão, mas autónoma em relação ao mesmo, precedendo-o, traduz uma decisão interlocutória incidente sobre a relação processual, passível de recurso apenas nos termos do disposto no artigo 673, do CPC.

III - Não sendo admissível recurso de revista normal, não admitem recurso para o STJ os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação, como é o caso.


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Decisão:

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a reclamação e, confirma-se o despacho reclamado.

Custas pelo reclamante, com duas Ucs de taxa de justiça.


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Oportunamente remetam-se os autos à Formação a que alude o art. 672, nº 3 do, do CPC, para verificação dos invocados pressupostos da revista excecional.


Lisboa, 09-03-2021


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Nos termos do art. 15-A, do Dl. nº 10-A/2020 de 13-03, aditado pelo art. 3 do Dl. nº 20/2020 atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros adjuntos.

Maria Clara Sottomayor – Juíza Conselheira 1ª adjunta

António Alexandre Reis – Juiz Conselheiro 2º adjunto