Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
477/07.3TCGMR.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
VERIFICAÇÃO
OMISSÃO
DEFEITOS
COMUNICAÇÃO
DENÚNCIA
ACEITAÇÃO DA OBRA
ACEITAÇÃO TÁCITA
PRESUNÇÃO JURIS ET DE JURE
NORMA DE INTERESSE E ORDEM PÚBLICA
NORMA IMPERATIVA
EMPREITEIRO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ÓNUS DA PROVA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: HELDER ROQUE
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO E MORA NÃO IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / EMPREITADA.
Doutrina:
- Antunes Varela, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda, A Excepção do Contrato não Cumprido, CJ, Ano XII, T4, p. 21 e ss.;
- Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, p. 331 e 332;
- João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2015, 6ª edição, revista e aumentada, Almedina, p. 83;
- João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2015, 6ª edição, revista e aumentada, Almedina, p. 87;
- Meneses Cordeiro, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda, A Compensação entre Direitos Líquidos e Ilíquidos, A Excepção do Contrato não Cumprido, CJ, Ano XII, Tomo IV, p. 37 e ss.;
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, p. 121;
- Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Almedina, 1995, p. 697;
- Pedro Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, Almedina, 2000, 370 e 371;
- Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em especial na Compra e Venda e na Empreitada, 1994, 324 e ss. e 346 ; Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, Almedina, 2000, p. 403, 406, 407, 436, 437, 440;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, p. 405 ; Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e actualizada, 1997, I, p. 891, 892, 895, 896, 875 e 877 ; Noções Fundamentais de Direito Civil, I, 6ª edição, revista e ampliada, 1965, p. 71 a 74;
- Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, Almedina, 2000, p. 131 e 448;
- Rui Sá Gomes, Breves Notas sobre o Comportamento Defeituoso no Contrato de Empreitada, Ab Vno ad Omnes, 75 anos da Coimbra Editora, 1998, p. 608 e 609;
- Vaz Serra, Empreitada, BMJ, 145º, p. 158 e 159.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 406.º, 792.º, N.º 2, 1207.º E 1208.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CP): - ARTIGOS 5.º, 608.º, N.º 2, 609.º, 635.º, N.ºS 4 E 5, 639.º E 679.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 11-11-1976, IN BMJ N.º 261, P. 146;
- DE 03-04-1990, IN BMJ N.º 396.º, P. 376;
- DE 02-03-1995, IN BMJ N.º 445º, P. 445.


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ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

- DE 20-01-1967, ACÓRDÃOS DOUTRINAIS, ANO VI, 66.º, P. 949.
Sumário :
I - Ocorre a situação de cumprimento defeituoso sempre que o empreiteiro entregue pronta uma obra que não tenha sido realizada, nos termos devidos, ou seja, que apresente defeitos, por não cumprir a obrigação principal de resultado a que se encontrava adstrito, sendo certo que se trata de uma situação de falta de qualidades garantidas, expressa ou tacitamente, ou necessárias à realização do fim a que a obra se destina.

II - A verificação ou vistoria constitui, simultaneamente, um direito do dono da obra, na medida em que lhe confere a possibilidade de averiguar se a mesma foi realizada, a seu contento, e um ónus do próprio, porquanto a sua falta importa a aceitação da obra, sem reserva, tratando-se de uma presunção absoluta de aceitação da obra, insuscetível de ser ilidida, verificando-se, então, uma situação de renúncia abdicativa, legalmente, presumida.

III - A falta de verificação ou de vistoria da obra pelo comitente, apesar de convidado a tal pelo empreiteiro, só resulta na sua aceitação presumida ou tácita quando essa falta é acompanhada de uma ausência de comunicação ao empreiteiro sobre a existência de defeitos na obra – como fundamento da sua rejeição ou da sua aceitação com reservas – e não, necessariamente, em consequência dessa omissão, pura e simples, a qual não impede que o mesmo conheça a existência dos defeitos, e os denuncie, recusando ou aceitando a obra com reservas.

IV - Inexistindo aceitação da obra, se houver comunicação dos defeitos ou se estes foram denunciados, atempadamente, o que equivale a recusa, a prestação do empreiteiro não se considera, plenamente, realizada, sendo certo que, nesta hipótese, o comitente só é obrigado a aceitá-la, depois de a mesma se encontrar concluída, e desde que tivesse sido executada, sem efeitos e nos termos acordados.

V - A comunicação consiste numa declaração, mediante a qual o dono da obra transmite ao empreiteiro os resultados da sua verificação, sendo certo que quando nela se indicam os defeitos concretos de que a obra padece, o comitente está a proceder a uma denúncia, devendo, então, a obra considerar-se como não aceita, salvo indicação em contrário.

VI - A aceitação não deve confundir-se com a entrega material da obra, porque importa a declaração negocial do comitente de que a obra foi efectuada, nos termos contratuais, a seu contento, correspondendo, simultaneamente, à entrega material, acrescida do reconhecimento de que a obra foi realizada, nos termos acordados.

VII - Da pura entrega material da coisa, sem ter sido, previamente, verificada ou vistoriada, não se pode concluir ter a obra sido concluída sem defeito, porquanto ela não representa uma declaração de execução tácita, conforme ao contrato, no que respeita à inexistência de vícios, podendo, quando muito, tratar-se de uma aceitação presumida.

VIII - Sendo a aceitação sempre definitiva, de acordo com o regime civilístico, não há que proceder a uma nova aceitação, no termo do prazo de garantia, só existindo a modalidade da receção provisória da obra no Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas.

IX - Decorrendo embora a natureza supletiva de uma norma do princípio básico da autonomia da vontade, o legislador consagrou, na disciplina de determinados modelos contratuais, como acontece com o contrato de empreitada, normas imperativas, de interesse e ordem pública, quer em função da tutela da parte mais fraca, quer em função da solução, eticamente, mais razoável, com vista a alcançar um maior equilíbrio dos interesses conflituantes, não deixando, v. g., que os efeitos da verificação ou da aceitação da obra fiquem apenas dependentes da vontade do comitente, porque interessam, igualmente, ao empreiteiro, não sendo, portanto, lícita a cláusula inserta em contrato de empreitada de que, em tudo o que se encontre omisso, se aplicam as disposições legais previstas no Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas.

X - A responsabilidade do empreiteiro baseia-se na culpa, que se presume, a menos que prove que o cumprimento defeituoso da obrigação, ou a sua falta de cumprimento, se for o caso, não procede de culpa sua, não cabendo, pois, ao comitente, por supérfluo, o ónus da prova da culpa do empreiteiro na ocorrência dos defeitos.

XI - Finalizadas as obras contratadas e invocadas várias deficiências, pelo comitente, não tendo sido extinta a relação contratual, por resolução, tem-se por segura a existência de um caso de cumprimento defeituoso e não de incumprimento definitivo da prestação, em virtude de a obra ter sido realizada, com deformidades e vícios, não correspondendo o cumprimento efectuado à conduta a cujo resultado o empreiteiro se achava obrigado.

XII - Nos contratos de prestações recíprocas, a exceção do não cumprimento do contrato é um instituto que pode ser adotado, para além da situação do não cumprimento definitivo da prestação, igualmente, nas hipóteses de cumprimento defeituoso ou do não cumprimento parcial, onde goza a designação da «exceptio non rite adimpleti contratus», de modo a conferir ao comitente o direito de recusar o pagamento que lhe é exigido pelo empreiteiro, excecionando o pagamento do preço, em virtude do não cumprimento, por este último, da prestação de conclusão da obra, deformidades ou vícios, mostrando-se, consequentemente, paralisado o direito do empreiteiro, enquanto este não corrigir as deformidades e vícios que a obra ainda regista.

XII - Independentemente da existência de prazos diferentes para o cumprimento das prestações, ainda assim, o comitente goza da faculdade de invocar a «exceptio», enquanto o empreiteiro não cumprir, corretamente, por, então, dever efetuar a prestação depois desta, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que deva cumprir primeiro.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

“AA, SA”, instaurou, na comarca de Guimarães[2], a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra “BB, SA”, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar à autora a quantia de €163 274,44, acrescida de €2790,86, a título de juros de mora vencidos, bem como dos vincendos, alegando, para tanto, e, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de empreitada, pelo qual se obrigou a construir-lhe um edifício industrial, em ..., Guimarães, pelo preço de €800 000,00, acrescido de IVA, que deveria ser pago, no dia 30 de cada mês, de acordo com a evolução dos trabalhos, após emissão da respetiva factura, tendo a obra sido concluída e entregue à ré, que a aceitou, sem reservas, no dia 3 de Maio de 2007, encontrando-se em dívida o quantitativo de €163 274,44.

Na contestação, a ré alega, essencialmente, que a autora não acabou a obra, no prazo estipulado, existindo defeitos e falta de conclusão de vários trabalhos, sendo certo que, por diversas vezes, reclamou, junto daquela, quer quanto à não ultimação da empreitada, quer quanto aos defeitos que foi descobrindo e cuja correcção lhe exigiu.

Em sede de reconvenção, a ré pede a condenação da autora a "a) concluir a obra empreitada conforme o estipulado no contrato, fornecendo os materiais em falta e executando os trabalhos em falta, enumerados e descritos nos arts. 28.º, 29.º, 30.º e 31.º deste articulado”, a b) eliminar os defeitos, descritos e enumerados nos arts. 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 70.º, 72.º e 73.º deste articulado”, a “c) praticar todos os actos necessários ao total e definitivo licenciamento camarário da obra empreitada”, a d) entregar na Câmara Municipal de Guimarães os documentos identificados nos arts. 246.º e 248.º deste articulado”, a e) pagar à Ré/Reconvinte e ao Estado, em partes iguais, a sanção pecuniária compulsória diária de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), por cada dia de atraso no cumprimento da prática de qualquer um dos actos, referidos nas antecedentes alíneas c) e d), desde o dia em que possa ser dada à execução a respectiva sentença proferida nesta acção.".

Na réplica, a autora mantém, no fundamental, a posição já assumida, afirmando que a ré só apresentou reclamações, após lhe ter sido pedido o pagamento do preço e já depois de ter ocupado o pavilhão e aceite a obra.

Foi admitido o articulado superveniente apresentado pela ré, com a ampliação do pedido reconvencional, em que requer, também, a condenação da autora a "f) eliminar a entrada da água da chuva no armazém de expedição (seu lado poente), junto a um dos tubos de queda”, a “g) eliminar as várias rachadelas na parede da entrada, na recepção”, a “h) corrigir a intercepção dos saneamentos da tecelagem com os dos escritórios e a respectiva ligação ao saneamento público, por forma a que permitam eficaz limpeza e intervenção”, a “i) eliminar o empeno das janelas e das portas, por forma a repor os seus regulares funcionamentos”, a “j) eliminar as deficiências nos saneamentos dos WCs. da tecelagem e da confecção, por forma a que deixem de ficar obstruídos”, a “l) eliminar nas paredes e nos tectos dos serviços administrativos, escritórios e nas paredes da confecção e da tecelagem, a infiltração de água da chuva e a humidade e a eliminar, nessas paredes e tectos, as respectivas manchas”, a “m) eliminar o surgimento de água sobre o piso do soalho do show-room”, a “n) eliminar no pavimento da sala das amostras e na placa do tecto, respectivamente, a rachadela e a fissura”, a “m)[3] pintar os portões, incluindo o da entrada”, a “n) eliminar, nas paredes do escritório e armazém, as fissuras e rachadelas e a pintar essas paredes”, a “o) desenferrujar e a pintar a estrutura dos cais de cobertura”, a “p) eliminar as fissuras e rachadelas no piso da sala de amostras”, a “q) reparar a placa de tecto na sala de amostras”, a “r) reparar os tectos dos serviços administrativos”, a “s) eliminar a humidade na sala de Design/Amostras".

A sentença "…, julgo[u] a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência, decid[iu]: 1º. - condenar a Ré BB, S.A.: a) a pagar à Autora a quantia de €109.300,00 (cento e nove mil e trezentos euros), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559.º do C. Civil, desde 16 de Junho de 2007 e até integral pagamento; b) a pagar à Autora a quantia de €33.243,74 (trinta e três mil, duzentos e quarenta e três euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559.º do C. Civil, desde 21 de Fevereiro de 2008 e até integral pagamento; c) a pagar à Autora a quantia de €14.520,00 (catorze mil, quinhentos e vinte euros) quando e logo que a Autora cumpra o infra constante em 2.º b). e c).; 2º. – condenar a Autora AA, S.A.: a). a concluir a obra, fornecendo os materiais em falta e executando os trabalhos em falta referidos e melhor descritos em I.75, I.76, I.77 e I.78 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) e eliminando os defeitos expostos em I.79, I.80, I.81, I.82 e I.83 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); b) a praticar todos os actos necessários ao total e definitivo licenciamento camarário da obra; c) a entregar na Câmara Municipal de Guimarães os documentos identificados em I.43 e que são os melhor descritos no artigo 246.º da douta contestação (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); d) a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de €125,00 (cento e vinte e cinco euros) por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega dos documentos referida em c). 3º. – absolver as partes do mais que vinha peticionado.".

Desta sentença, a ré interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação, parcialmente, procedente, e, em consequência, “a) revog[ou] a condenação da ré a pagar à autora as quantias de €109.300,00, €33.243,74 e €14.520,00, bem como dos respectivos juros; b) julg[ou] procedente a excepção de não cumprimento deduzida pela ré, pelo que se absolve esta do pedido contra si deduzido pela autora; c) julg[ou] procedentes os pedidos reconvencionais que se encontram nas folhas 778 e 779 sob f), g) e i) a s), com excepção do que se refere às "humidades do piso superior e da recepção" decorrentes do "mau estado das telas já previamente existentes"; d) julg[ou] improcedentes os pedidos reconvencionais que se encontram nas folhas 778 e 779 sob h) e o que se reporta às "humidades do piso superior e da recepção" decorrentes do "mau estado das telas já previamente existentes", dos quais se absolve a autora; e) julg[ou] improcedente na restante parte o recurso, mantendo-se no mais a decisão recorrida”.

Do acórdão da Relação de Guimarães, a autora interpôs agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, mantendo-se a decisão do Tribunal de 1ª instância, deduzindo as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:

1ª - Foi dado como provado pelo Tribunal de 1ª instância e mantido pelo Acórdão recorrido que a Autora, ora Recorrente, na sequência das reclamações feitas pela ré, agendou várias vistorias à obra e às quais a ré nunca compareceu, que a autora só não realizou a obra no prazo de 4 meses porque a Ré se atrasou a remover os materiais existentes no exterior.

2ª - A autora deu por concluída a obra e, por esse facto agendou e requereu realização de uma vistoria à mesma, realização essa lícita e legítima.

3ª – Para o art.° 1207.° do Código Civil o contrato de empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço. Ou seja, é um contrato bilateral, oneroso e sinalagmático.

4ª - O dono da obra deve verificar se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios, antes de a aceitar.

5ª - A Autora, ora recorrente, em meados de Janeiro de 2007 deu por concluída o pavilhão tendo a Ré ocupado o mesmo em dia não concretamente apurado de Abril de 2007 e, desde essa data, até hoje o ocupa.

6ª - Nos termos do disposto no art.° 217.° do RHOP se o dono da obra não proceder à vistoria nos termos do n.° 2 desse artigo, a obra considera-se, para todos os efeitos, aceite nos 22 dias seguintes ao pedido da vistoria (art.° 217, n.° 5 do mesmo diploma).

7ª - Conforme matéria de facto provada, a Autora agendou vistoria à obra e a ré nunca compareceu às mesmas, pelo que a obra considerou-se aceite naquele prazo, pelo que a garantia de boa execução estava vencida e era exigível em face do expendido.

8ª - O objetivo do normativo do art.° 217.° do REOP é que haja colaboração das partes - em cumprimento de um dever geral de correção e boa fé - no sentido de analisar a obra e registar as eventuais falhas da mesma agindo os contraentes honestamente e de boa-fé nas suas relações recíprocas. - art.° 762.°, n.° 2.

9ª - Os deveres acessórios de conduta são indissociáveis da regra geral que impõe aos contraentes uma atuação de boa fé - art.° 762.°, n.° 2 do Código Civil - entendido o conceito no sentido de que os sujeitos contratuais, no cumprimento da obrigação, assim, como no exercício dos deveres correspondentes, devem agir com honestidade, e consideração pelos interesses da outra parte pelo que competia à Ré cumprir esse dever acessório de conduta.

10ª - A Ré nunca compareceu nas vistorias agendadas pela Autora, ora recorrente, mas esta pretensão da autora foi legítima e conforme às regras da boa fé exigíveis na execução do contrato, pois que, sendo responsável pela eliminação dos defeitos, poderia solicitar à Ré para que esta comparecesse a fim da verificação dos mesmos para a eventual reparação.

11ª - Competia à dona da obra, ora Ré, cooperar com a empreiteira, ora recorrente, proporcionando-lhe a realização dessa vistoria, pois era necessária até pela extensão de defeitos que a Ré reclamava e que estranhamente a Ré nunca compareceu.

12ª - A Ré, ora Recorrida, ao não comparecer nas vistorias solicitadas e agendadas pela empreiteira, ora Recorrente, constituiu-se em mora - mora creditoris - nos termos do art.° 813.° do Código Civil, já que sem motivo, não cooperou com a empreiteira - cooperação imprescindível - para que esta pudesse realizar a sua prestação.

13ª - Dispõe o art.° 813.° do Código Civil "O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os atos necessários ao cumprimento da obrigação", pois esta omissão de cooperação - o dono da obra, ora Ré e Recorrida, é essencial, pois sem tal cooperação o empreiteiro, Autora e ora Recorrente, não pode avaliar se as reclamações são fundamentadas e se os defeitos denunciados existem efetivamente.

14ª - Estando a Ré, ora Recorrida, em mora, não pode invocar a exceção do não cumprimento, recusando o pagamento do preço ainda em falta, pois dessa forma não está a agir de boa fé.

15ª - Dispõe o art.° 428.° do Código Civil que "1- Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. 2- A exceção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias".

16ª - A exceção do não cumprimento do contrato não é senão a recusa temporária do devedor - credor de uma prestação não cumprida no âmbito de uma contrato sinalagmático - que assim retarda - legitimamente, o cumprimento da sua prestação enquanto o credor não cumprir a prestação que lhe incumbe.

Todavia, se aquele que invoca a excetio se encontra em mora, tal invocação é improcedente, porque violadora do princípio da boa fé.

17ª - A Ré, ora Recorrida, ao não cooperar com a empreiteira, ora Recorrente, ao não comparecer nas vistorias agendadas, incorreu em mora, não podendo opor-lhe a excepção de não cumprimento, carecendo assim de fundamento legal para recusar o pagamento do remanescente do preço da empreitada.

18ª - Para que a exceção de não cumprimento do contrato de empreitada possa ser invocada, necessário é que a parte do preço cujo pagamento se recusa seja proporcional à desvalorização provocada pela existência de defeito, conforme o exigem os ditames da boa fé no cumprimento das obrigações; Se o dono retirar proveito da obra defeituosa, se for razoável perspetivar que o valor que falta pagar ao empreiteiro é muito superior ao custo das reparações tendo em conta as anomalias em causa, não existe fundamento para a recusa do cumprimento. O ónus da prova do atraso na execução da empreitada recai sobre o dono da obra mas já compete ao empreiteiro que o atraso não se deveu a culpa sua".

19ª - A culpa do empreiteiro presume-se nos termos do disposto no art.° 799, n.° 1 do Código Civil mas no entanto, trata-se de uma presunção de muito difícil ilisão, porquanto, a responsabilidade do empreiteiro só é afastada nos casos previstos no art.° 1219.°, n.° 1 do Código Civil ou por recurso a normas de aplicação geral, como é o caso de impossibilidade do cumprimento e mora não imputáveis ao devedor (cfr. art.° 790.° do Código Civil);

20ª - Aquela presunção apresenta-se como uma presunção júris et de iure. Não obstante tal presunção de culpa e de acordo com as regras do ónus da prova, ao dono da obra cabe provar a existência de defeitos, a sua gravidade (pois apenas relevam aqueles de feitos que afetam o uso ou acarretam a desvalorização da denúncia - cfr. art.° 1208.° do Código Civil, o nexo causal com a obra e a realização da denúncia - cfr. art.° 1220.° e 1225.° do Código Civil.

21ª - Ou seja, é ao dono da obra que cabe provar a existência e gravidade do defeito. O dono da obra tem o ónus de alegação e prova dos factos que suprimem a dúvida objetiva sobre se os defeitos resultaram de técnicas de construção da parte do prédio edificada imputável ao empreiteiro...Não provando o dono da obra que os defeitos são imputáveis em edificação operada pelo empreiteiro não pode concluir-se no sentido de incumprimento".

22ª - Assim, cabe ao dono da obra o ónus da prova dos defeitos, pelo que competia à Ré, reconvinte o ónus de provar a efetivação da denúncia do vício ou falta de qualidade da obra. (art.° 342.°, n.° 1, 1220° e 1225.° do código Civil).

23ª - O Douto Acórdão recorrido violou ou não fez a melhor interpretação do disposto nos arts. 217 ° do REOP, 342.° n.° 1, 428.°, 762.°, n.° 2, 799.°, 813.°, 1208.° e 1218.°, 1220.° e 1225.° todos do Código Civil.

Nas suas contra-alegações, a ré conclui no sentido de que deve ser julgado, totalmente, improcedente o recurso, mantendo-se as decisões do acórdão recorrido, por não ter violado, nem realizado errada interpretação do disposto nos artigos citados nas alegações da revista.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão do ónus da prova da culpa pela verificação dos defeitos e do ónus da prova da efectivação da denúncia do vício ou falta de qualidade da obra.

II – A questão do exercício da «exceptio non rite adimpleti contratus», pelo dono da obra, que não compareceu à verificação ou vistoria promovida pelo empreiteiro.

   I. DO ÓNUS DA PROVA DA CULPA PELOS DEFEITOS E DO ÓNUS DA PROVA DA DENÚNCIA

I. 1. Alega a autora, comissária da obra, que, não obstante a presunção «juris et de iure» que sobre si recai, é ao dono da obra, de acordo com as regras do ónus da prova, que cabe demonstrar a existência e a gravidade dos defeitos, o respetivo nexo causal com a obra e a realização da denúncia do vício ou falta de qualidade da obra, sob pena de não poder concluir-se no sentido do incumprimento.

Efetivamente, ocorre a situação de cumprimento defeituoso sempre que o empreiteiro entregue pronta uma obra que não tenha sido realizada, nos termos devidos, ou seja, que apresente defeitos, tal como o artigo 1208º, do Código Civil (CC), designa, genericamente, o conjunto das deformidades e dos vícios de que padece a obra executada pelo empreiteiro, sendo as deformidades as discordâncias relativamente ao plano convencionado e os vícios as imperfeições que excluam ou reduzam o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário a que se destina ou aquele que se encontra previsto no contrato.

           Deste modo, só quando o empreiteiro deixa de efetuar a prestação a que se vinculou, em termos adequados, se verifica o inadimplemento da obrigação, com a consequente responsabilidade contratual assumida perante o dono da obra.

A obrigação principal do empreiteiro consiste em realizar uma obra, em obter um certo resultado, em conformidade com o convencionado e sem vícios, cumprindo, pontualmente, a prestação a seu cargo, e de boa fé, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1207º, 1208º, 406º e 792º, nº 2, todos do CC.

E, por coisa defeituosa, entende-se, nos termos do estipulado pelo artigo 913º, nº 1, do CC, aplicável, aquela que sofra de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada ou que não tenha as qualidades necessárias para a realização desse fim, subentendendo-se que este deve corresponder à função das coisas da mesma categoria, constante do contrato, por defeitos de construção, ou de carência das qualidades necessárias para a realização do seu fim e que a desvalorizam.

Na definição de coisa defeituosa, importa destacar, por um lado, a sujeição do vício e da falta de qualidades ao mesmo regime e, por outro lado, o carácter funcional do vício, isto é, da deficiência que desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim a que a mesma se destina, sendo certo que se trata de uma situação de falta de qualidades garantidas, expressa ou tacitamente, ou necessárias à realização daquele fim[4].

I. 2. Uma vez concluída a obra, o empreiteiro tem o dever acessório de avisar o comitente de que a mesma se encontra, em condições de ser verificada, altura em que este último deve examinar se a obra foi realizada “nas condições convencionadas e sem vícios”, nos termos do estipulado pelo artigo 1218º, nº 1, do CC.

A verificação ou vistoria constitui, simultaneamente, um direito do dono da obra, na medida em que lhe confere a possibilidade de averiguar se a mesma foi realizada a seu contento, e um ónus para o mesmo, porquanto a sua falta importa a aceitação da obra sem reserva[5], tratando-se de uma presunção absoluta de aceitação da obra, insusceptível de ser ilidida, que tem subjacente não a presunção da vontade do dono da obra de a receber, mas a imposição de uma sanção por, podendo declarar a sua vontade, o não ter feito, sem motivo justificado, e sem a qual o empreiteiro poderia sofrer sérios prejuízos[6], em conformidade com o disciplinado pelo artigo 1218º, nº 5, do CC, ocorrendo, então, uma situação de renúncia abdicativa, legalmente, presumida[7].

Quando o empreiteiro convida o dono da obra para efetuar a verificação ou vistoria, se este não a realiza, sem justo motivo, dentro do prazo legal, usual ou razoável, a obra considera-se como aceita, atento o disposto pelo artigo 1218º, nºs 2 e 5, do CC, ficando o comitente sujeito à aplicação das correspondentes sanções, desde que não tenha demonstrado, por outra via, a sua vontade de a rejeitar.

Na verdade, quando o comitente não faz a verificação ou vistoria da obra, sem justos motivos, apesar de convidado a tal pelo empreiteiro, só será razoável considerar a aceitação tácita da mesma, em função das circunstâncias do caso concreto, e não, automaticamente, apenas, em consequência dessa omissão, pura e simples.

Ora, o facto de o comitente, por razões que lhe são imputáveis, não ter efectuado a verificação ou vistoria proposta pelo empreiteiro, não impede que aquele conheça da existência dos defeitos, no exercício dos seus poderes de fiscalização, a que alude o artigo 1209º, do CC, e os denuncie, recusando ou aceitando a obra com reservas, sendo, por isso, absurdo que a denúncia de defeitos que não fosse antecedida de exame da obra, não tivesse qualquer validade, considerando-se a obra aceite sem reservas[8].

O único silêncio do dono da obra a que a lei atribui um significado, legalmente, ficcionado[9], reporta-se aqueles casos em que aquele não efectuou qualquer comunicação sobre a sua aceitação, independentemente de ter sido realizado ou não um prévio exame da mesma, associando a lei este silêncio a uma intenção de aceitar a obra[10].

Assim sendo, a falta de verificação ou de vistoria da obra só resulta na sua aceitação presumida quando essa falta é acompanhada de uma ausência de comunicação ao empreiteiro sobre a existência de defeitos na obra, como fundamento da sua rejeição ou da sua aceitação com reservas.

I.3. A autora alega a aplicação subsidiária do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP), aprovado pelo DL nº 59/99, de 2 de Março[11], com a consequente afirmação de que a obra se deve considerar como recebida, nos termos do respectivo artigo 217º, nº 5.

Efetivamente, dispõe o artigo 217º, nº 1, do RJEOP, que “logo que a obra esteja concluída, proceder-se-á, a pedido do empreiteiro ou por iniciativa do dono da obra, à sua vistoria para o efeito de recepção provisória”.

Ora, ficou provado que a autora não concluiu a obra, no dia 4 de Janeiro de 2007, mas que, em meados de Janeiro de 2007, considerou estar terminado o pavilhão, e, no final de Abril de 2007, considerou que os escritórios estavam concluídos, muito embora, após estas duas últimas datas, tenha continuado a efetuar trabalhos, sem até hoje os haver ultimado.

Assim sendo, esse pretenso efeito da receção automática da obra dependeria, desde logo, da conclusão de todos os trabalhos da empreitada, sob pena de se não poder proceder à receção provisória da mesma[12].

Deste modo, inexistia fundamento legal bastante para promover a vistoria com vista à recepção provisória da obra.

Nas empreitadas de obras públicas, a “verificação” da obra designa-se por “vistoria”, pois que, de acordo com o estipulado pelo artigo 217º, nº 1, do RJEOP, aplicável, em tudo o que estiver omisso no contrato, conforme a respetiva cláusula 6.ª, “logo que a obra esteja concluída, proceder-se-á, a pedido do empreiteiro ou por iniciativa do dono da obra, à sua vistoria para o efeito de recepção provisória”, acrescentando o respetivo nº 5, que “se o dono da obra não proceder à vistoria nos 22 dias subsequentes ao pedido do empreiteiro e não for impedido de a fazer por causa de força maior ou em virtude da própria natureza e extensão da obra, considerar-se-á esta, para todos os efeitos, recebida no termo desse prazo".

Por seu turno, o artigo 219º, nº 1, deste último diploma legal, preceitua que “verificando-se, pela vistoria realizada, que a obra está, no seu todo ou em parte, em condições de ser recebida, isso mesmo será declarado no auto, considerando-se efectuada a recepção provisória em toda a extensão da obra que não seja objecto de deficiência apontada nos termos do artigo anterior e contando-se desde então, para os trabalhos recebidos, o prazo de garantia fixado no contrato”, dispondo o artigo 227º, nº 1, do mesmo, que “findo o prazo de garantia e por iniciativa do dono da obra ou a pedido do empreiteiro, proceder-se-á a nova vistoria de todos os trabalhos da empreitada”, continuando o seu nº 2, ao estatuir que “se pela vistoria se verificar que as obras não apresentam deficiências, deteriorações, indícios de ruína ou de falta de solidez pelos quais deva responsabilizar-se o empreiteiro, proceder-se-á à recepção definitiva”.

Assim sendo, o RJEOP, aprovado pelo DL nº 59/99, de 2 de Março[13], distinguia, nas empreitadas de obras públicas, a receção provisória da receção definitiva, tendo aquela lugar, após a primeira vistoria, e esta última, depois da segunda vistoria, realizada findo o prazo de garantia.

Porém, na ótica do regime civilístico, no termo do prazo de garantia, já não há que proceder a uma nova aceitação, porquanto esta é sempre definitiva, como resulta do preceituado pelo artigo 1212º, nº 1, que diz que “a aceitação da coisa importa a transferência da propriedade para o dono da obra”, e do artigo 1218º, nº 5, ambos do CC, que prescreve que “a falta da verificação ou da comunicação importa aceitação da obra”, só existindo a modalidade da receção provisória da obra no RJEOP.

 I.4. Por outro lado, a natureza supletiva que assume a generalidade das normas reguladoras das questões básicas relativas ao modo, tempo e lugar do cumprimento da obrigação, decorre do princípio da autonomia da vontade, cujo principal corolário se traduz na liberdade contratual, consagrada pelo artigo 405º, nº 1, do CC.

Porém, o legislador, sem prejuízo da importância que reconhece à autonomia privada, consagrou a disciplina de determinados modelos contratuais, em que se traduzem os contratos típicos, no âmbito dos contratos em especial, onde instituiu “as soluções que lhe pareceram mais razoáveis, embora não tenha ido ao ponto de estabelecer na disciplina dos contratos típicos apenas normas imperativas”[14].

Com efeito, sendo o contrato de empreitada um contrato típico, regulado pelo artigo 1207º e seguintes, do CC, importa responder à questão de saber se aquelas normas contêm um regime supletivo, destinado apenas a suprir a falta de manifestação da vontade das partes, podendo ser substituídas por outras que estas estabeleçam por acordo, ou antes se traduzem em normas cogentes, de interesse e ordem pública, formuladas com carácter imperativo[15].

A «ratio» da existência de normas imperativas, em direito privado, reside na defesa de interesses de ordem pública, quer em função da tutela da parte mais fraca, como acontece no contrato de arrendamento, em relação ao locatário, ou no contrato de trabalho, quanto ao trabalhador, quer em função da solução, eticamente, mais razoável, com vista a alcançar um maior equilíbrio dos interesses conflituantes.

Interessa, a este respeito, analisar o teor do artigo 1218º, do CC, que, no seu nº 1, dispõe que “o dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios”, “…depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer”, acrescenta o nº 2, sendo que “a falta da verificação ou da comunicação importa aceitação da obra”, consoante conclui o seu nº 5.

Os efeitos da verificação ou da aceitação da obra são, demasiadamente, graves para que fiquem dependentes da vontade do comitente[16].

A verificação interessa, igualmente, ao empreiteiro, porquanto da mesma e da aceitação depende o vencimento do preço, nos termos do disposto pelo artigo 1211º, nº 2, razão pela qual a lei a considerou obrigatória para o dono da obra [nº 1, do artigo 1218º] e estabeleceu a sanção da sua aceitação, para o caso de não ser efectuada [nº 5, do artigo 1218º], ambos do CC.

A isto acresce que da aceitação pode resultar, igualmente, a transferência da propriedade da coisa para o dono da obra, atento o disposto pelo artigo 1212º, nº 1, do CC, com as suas consequências legais, em especial, quanto ao risco, e ainda o nascimento de direitos para o empreiteiro, em virtude do retardamento na receção da mesma.

Por outro lado, o carácter supletivo de uma norma revela-se, por via de regra, através da ressalva expressa do que tiver sido convencionado pelas partes, nomeadamente, “salvo convenção ou uso em contrário” [artigo 1210º, nº 1], “no silêncio do contrato” [artigo 1210º, nº 2] ou “não havendo cláusula ou uso em contrário” [artigo 1211º, nº 2, todos do CC].

Deste modo, contemplando o artigo 2007 e seguintes, do CC, que tratam do contrato de empreitada, algumas normas de interesse e ordem pública, designadamente, como já se referiu, as que contendem com a verificação da obra, não é lícita, quanto às mesmas, a cláusula inserta em contrato de que, em tudo o que se encontre omisso, se aplicam as disposições legais previstas no DL nº 235/86, de 18 de Agosto, antecedente legal do DL nº 59/99, de 2 de Março, aplicável, não podendo, assim, as partes afastar o regime imperativo, consagrado pelo artigo 1218º, do CC, optando pelo regime constante do artigo 217º, do RJEOP.  

I. 5. A denúncia é um ónus que impende sobre o comitente e que consiste numa comunicação ao empreiteiro a dar conta do facto de a coisa entregue padecer de um determinado defeito concreto, declaração esta que é válida, independentemente da forma que revestir, bastando, para ser eficaz, que chegue ao poder do empreiteiro ou que seja dele conhecida, nos termos das disposições combinadas dos artigos 219º e 224º, nº 1, ambos do CC[17].

Por outro lado, o comitente que tenha conhecimento de que a obra apresenta defeitos, pode aceitá-la com reserva, denunciando, validamente, em seguida, os seus defeitos, em consequência, por exemplo, de ter realizado regulares fiscalizações, no decurso da sua execução, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1209º, nº 2, e 1220º, nº 1 e seguintes, do CC.

Inexistindo aceitação da obra, se houver comunicação dos defeitos ou se estes foram denunciados, atempadamente, o que equivale a recusa, a prestação do empreiteiro não se considera, plenamente, realizada, sendo certo que, nesta hipótese, o comitente só é obrigado a aceitá-la, depois de a mesma se encontrar concluída e sem defeitos.

Porém, tendo-se provado que a autora executou, com defeitos, a obra acordada, a ré, enquanto comitente, só estava obrigada a aceitá-la, depois de a mesma se encontrar concluída, e, desde que tivesse sido realizada, sem defeitos e nos termos acordados[18], mas já não se encontrava vinculada a aceitá-la, por partes, a menos que tal tivesse sido acordado, com base no estipulado pelo artigo 763º, nº 1, do CC, o que poderia ter acontecido, na hipótese, por exemplo, de tardar a realização de parte da obra ou de se detetarem defeitos, num segmento da mesma, que não afetavam a sua totalidade[19].

E a comunicação consiste numa declaração, mediante a qual o dono da obra transmite ao empreiteiro os resultados da sua verificação, em conformidade com o disposto pelo artigo 1218º, nº 4, do CC, sendo certo que quando nela se indicam os defeitos concretos de que a obra padece, o comitente está a proceder a uma denúncia, devendo, então, a obra considerar-se como não aceita, salvo indicação em contrário.

I. 6. Retornando à matéria de facto que ficou consagrada, há que registar que a ré enviou à autora, em 23 de Fevereiro, 15 de Março, 3 de Abril, 12 de Abril, 23 de Abril, 4 de Maio, 29 de Maio, 31 de Maio, 20 de Junho, 22 de Junho, 25 de Junho, 26 de Junho, 28 de Junho, 29 de Junho, 11 de Julho e 24 de Julho de 2007, 23 de Janeiro, 25 de Janeiro, 28 de Janeiro, 19 de Fevereiro, 30 de Maio, 2 de Julho e 31 de Julho de 2008, 7 de Junho e 13 de Outubro de 2010, 16 de Junho de 2011 e 20 de Fevereiro de 2012, participações relativas a deformidades e vícios múltiplos que identificou na obra, com extensão muito assinalável.

Deste modo, é inequívoco que a ré efectuou, perante a autora, a denúncia dos vícios e a falta de qualidade da obra, e a sua gravidade, sem embargo de não ter comparecido às vistorias agendadas por aquela, o que não constitui comportamento concludente da aceitação tácita da obra, porquanto a ré comunicou à autora os resultados da verificação ou vistoria que, por sua iniciativa, realizou, com o que satisfez a intenção do legislador com o propósito visado pela verificação dos defeitos da obra.

Por outro lado, tendo a ré ocupado o pavilhão, desde Abril de 2007 até hoje, e bem assim como os escritórios, desde Maio de 2007, tal não significa aceitação da obra.

Com efeito, a aceitação corresponde a um acto de vontade, pelo qual o comitente declara que a obra foi realizada, a seu contento, ao mesmo tempo que reconhece a obrigação de a receber e de pagar o preço[20], e que libera o empreiteiro de responsabilidade pelos vícios aparentes, salvo se os ocultou de má-fé[21].

A aceitação não goza de autonomia conceitual, sendo certo que não deve confundir-se com a entrega material da obra, porque importa a declaração negocial do comitente de que a obra foi efectuada, nos termos contratuais, a contento do mesmo, “correspondendo, simultaneamente, à entrega material acrescida do reconhecimento de que a obra foi realizada nos termos acordados”[22], razão pela qual da pura entrega material da coisa se não pode concluir ter a obra sido concluída sem defeito, porquanto ela não representa uma declaração de execução, conforme ao contrato, no que respeita à inexistência de vícios.

Na verdade, o próprio pagamento do preço, salvo disposição legal ou contratual em contrário, não corresponde a uma aceitação tácita da obra[23], o que acontece, igualmente, quando o comitente toma posse da mesma, por o empreiteiro a ter abandonado incompleta[24].

Ora, na hipótese em apreço, a ré acionou a autora, por cerca de vinte e sete ocasiões, sempre, por escrito, através do mecanismo de reclamação contra a existência de deformidades e vícios na obra, o que é incompatível com a modalidade da aceitação tácita, ainda que se possa falar, uma vez que a obra foi recebida, sem ter sido, previamente, verificada ou vistoriada, de uma aceitação presumida.

I. 7. O contrato de empreitada funda-se na ideia de que o empreiteiro está adstrito a uma obrigação de resultado, que se encontra vinculado a realizar a obra, conforme o acordado, isto é, sem deformidades, nem imperfeições que excluam ou reduzam o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, segundo os usos e regras da arte, ou seja, sem vícios, atento o preceituado pelo artigo 1208º, do CC, sendo certo que, quando a obra apresenta defeitos, é porque não foi alcançado o resultado prometido[25].

A responsabilidade do empreiteiro baseia-se, pois, na culpa, que se presume, nos termos do disposto pelo artigo 799º, do CC, a menos que aquele prove que o cumprimento defeituoso da obrigação, ou a sua falta de cumprimento, se fosse o caso, não procede de culpa sua, o que, manifestamente, não aconteceu, não cabendo, pois, ao comitente, no caso em análise, por supérfluo, o ónus da prova da culpa do empreiteiro na ocorrência dos defeitos.

Face ao exposto, ficou demonstrada a existência e a gravidade dos defeitos, o respetivo nexo causal com a obra e a realização da denúncia do vício ou falta de qualidade da obra.

II. DO EXERCÍCIO DA «EXCEPTIO NON RITE ADIMPLETI CONTRATUS», PELO DONO DA OBRA, QUE NÃO COMPARECEU À VERIFICAÇÃO OU VISTORIA PROMOVIDA PELO EMPREITEIRO

Defende, igualmente, a autora que existe obstáculo legal ao funcionamento da excepção de não cumprimento do contrato, porquanto a ré se encontra em mora, ao não ter comparecido às vistorias agendadas, pelo que não tem fundamento legal para recusar o pagamento do remanescente do preço da empreitada.

Está em discussão nos autos o cumprimento de um contrato de empreitada, que a lei qualifica como aquele pelo qual uma das partes se obriga, em relação à outra, a realizar certa obra, mediante um preço, de acordo com o preceituado pelo artigo 1207º, e que regula, nos artigos 1208º e seguintes, todos do CC.

Com efeito, desde logo, o artigo 1208º, do CC, preceitua que o empreiteiro deve executar a obra, em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

A isto acresce, como ficou demonstrado, que a ré-comitente denunciou à autora as deformidades e os vícios encontrados na obra.

De todo o modo, finalizadas as obras contratadas e invocadas várias deficiências, pela ré-comitente, não tendo sido extinta a relação contratual, por resolução, tem-se por seguro a existência de um caso de cumprimento defeituoso e não de uma situação de incumprimento definitivo da prestação, em virtude de a obra ter sido realizada, com deformidades e vícios, não correspondendo o cumprimento efectuado à conduta a cujo resultado o empreiteiro se achava obrigado.

A responsabilidade do empreiteiro baseia-se, pois, na culpa, que se presume, como já se disse, nos termos do disposto pelo artigo 799º, do CC, a menos que prove que o cumprimento defeituoso da obrigação, ou a falta de cumprimento, se fosse o caso, não procede de culpa sua.

Ora, aplicando-se ao cumprimento defeituoso da obrigação, por constituir uma espécie de não cumprimento, o regime geral deste último, não é de afastar, para além da presunção de culpa, acabada de referir, também, o princípio da excepção do não cumprimento do contrato, consagrado pelo artigo 428º, nº 1, do CC, que, no âmbito do cumprimento defeituoso, se assume como «exceptio non rite adimpleti contratus»[26], de modo a conferir à ré o direito de recusar o pagamento que lhe é exigido pela autora, excepcionando o pagamento do preço, em virtude do não cumprimento pelo empreiteiro da prestação de conclusão da obra, sem deformidades ou vícios[27].

Efetivamente, nos contratos de prestações recíprocas, o incumprimento de uma delas concede ao contraente fiel, independentemente do direito à indemnização, a faculdade de resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a sua restituição por inteiro, e ainda a faculdade de opor a excepção do contrato não cumprido, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 801º, nº 2 e 428º, nº 1, ambos do CC.

Não tendo a ré-reconvinte recorrido à via da resolução contratual, deduziu a exceção do contrato não cumprido, que depende da existência de prazos idênticos para o cumprimento das prestações e do não cumprimento de uma delas ou da não oferta do seu cumprimento simultâneo, de acordo com o disposto pelo artigo 428º, nº 1, do CC.

Assim sendo, considerando que, no presente contrato de empreitada, de natureza bilateral, inexistiam prazos diferentes para o cumprimento das respetivas prestações, uma vez que à realização da obra pelo empreiteiro corresponde o pagamento do preço pelo comitente, a efectuar, na falta de cláusula ou de uso em contrário, no acto da sua aceitação, este gozava da faculdade de recusar a sua prestação, enquanto aquele não efectuasse a que lhe cabe ou não oferecesse o seu cumprimento simultâneo, atento o estipulado pelos artigos 428º, nº 1, 1207º e 1211º, nº 2, todos do CC.

Com efeito, devendo o preço ser pago, no ato da aceitação da obra, como regra de aplicação supletiva, por força do disposto no artigo 1211º, nº 2, do CC, este normativo permite, porém, a existência de convenção de «cláusula em contrário», como aconteceu, tendo as partes escalonado o pagamento do preço, em prestações diversas, à medida que a execução da obra fosse progredindo, hipótese em que o comitente se pode recusar a pagar a prestação devida, se o empreiteiro a tiver interrompido, sem causa justificativa, ou se ela se não processar, segundo o ritmo estipulado[28].

Porém, independentemente da existência de prazos diferentes para o cumprimento das prestações, ainda assim a ré gozava da faculdade de invocar a «exceptio», enquanto a autora não cumprisse, corretamente, por, então, dever efectuar a prestação, depois desta, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro[29].

Por isso, não se mostrando a obra executada, em conformidade com o devido, perante o cumprimento defeituoso da autora e enquanto as respetivas deformidades e vícios não fossem eliminados, a ré podia recusar-se a pagar parte ou até a totalidade do preço ainda não satisfeito, deduzindo a exceção do não cumprimento do contrato.

Por seu turno, como já se disse, a ré, enquanto comitente, só estava obrigada a aceitar a obra, depois de a mesma se encontrar concluída, e desde que tivesse sido executada, sem defeitos, e, nos termos acordados, não se achando vinculada a aceitá-la, por partes, a menos que tal tivesse sido acordado, com base no estipulado pelo artigo 763º, nº 1, do CC.

Com efeito, a aceitação corresponde a um acto de vontade pelo qual o comitente declara que a obra foi realizada, a seu contento, ao mesmo tempo que reconhece a obrigação de a receber e de pagar o preço[30].

Como assim, a excepção do não cumprimento do contrato é um instituto que pode ser adoptado, para além da situação do não cumprimento definitivo da prestação, igualmente, nas hipóteses de cumprimento defeituoso ou do não cumprimento parcial, onde goza a designação da «exceptio non rite adimpleti contratus», mostrando-se, consequentemente, paralisado o direito da autora, enquanto esta não corrigir as várias deformidades e vícios que a obra ainda regista.
Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da revista da autora.
CONCLUSÕES:

I - Ocorre a situação de cumprimento defeituoso sempre que o empreiteiro entregue pronta uma obra que não tenha sido realizada, nos termos devidos, ou seja, que apresente defeitos, por não cumprir a obrigação principal de resultado a que se encontrava adstrito, sendo certo que se trata de uma situação de falta de qualidades garantidas, expressa ou tacitamente, ou necessárias à realização do fim a que a obra se destina.

II - A verificação ou vistoria constitui, simultaneamente, um direito do dono da obra, na medida em que lhe confere a possibilidade de averiguar se a mesma foi realizada, a seu contento, e um ónus do próprio, porquanto a sua falta importa a aceitação da obra, sem reserva, tratando-se de uma presunção absoluta de aceitação da obra, insusceptível de ser ilidida, verificando-se, então, uma situação de renúncia abdicativa, legalmente, presumida.

III - A falta de verificação ou de vistoria da obra pelo comitente, apesar de convidado a tal pelo empreiteiro, só resulta na sua aceitação presumida ou tácita quando essa falta é acompanhada de uma ausência de comunicação ao empreiteiro sobre a existência de defeitos na obra, como fundamento da sua rejeição ou da sua aceitação com reservas, e não, necessariamente, em consequência dessa omissão, pura e simples, a qual não impede que o mesmo conheça a existência dos defeitos, e os denuncie, recusando ou aceitando a obra com reservas.

IV - Inexistindo aceitação da obra, se houver comunicação dos defeitos ou se estes foram denunciados, atempadamente, o que equivale a recusa, a prestação do empreiteiro não se considera, plenamente, realizada, sendo certo que, nesta hipótese, o comitente só é obrigado a aceitá-la, depois de a mesma se encontrar concluída, e desde que tivesse sido executada, sem defeitos e nos termos acordados.

V - A comunicação consiste numa declaração, mediante a qual o dono da obra transmite ao empreiteiro os resultados da sua verificação, sendo certo que quando nela se indicam os defeitos concretos de que a obra padece, o comitente está a proceder a uma denúncia, devendo, então, a obra considerar-se como não aceita, salvo indicação em contrário.

VI - A aceitação não deve confundir-se com a entrega material da obra, porque importa a declaração negocial do comitente de que a obra foi efectuada, nos termos contratuais, a seu contento, correspondendo, simultaneamente, à entrega material, acrescida do reconhecimento de que a obra foi realizada, nos termos acordados.

VII - Da pura entrega material da coisa, sem ter sido, previamente, verificada ou vistoriada, não se pode concluir ter a obra sido concluída sem defeito, porquanto ela não representa uma declaração de execução tácita, conforme ao contrato, no que respeita à inexistência de vícios, podendo, quando muito, tratar-se de uma aceitação presumida.

VIII - Sendo a aceitação sempre definitiva, de acordo com o regime civilístico, não há que proceder a uma nova aceitação, no termo do prazo de garantia, só existindo a modalidade da receção provisória da obra no RJEOP.

IX – Decorrendo embora a natureza supletiva de uma norma do princípio básico da autonomia da vontade, o legislador consagrou, na disciplina de determinados modelos contratuais, como acontece com o contrato de empreitada, normas imperativas, de interesse e ordem pública, quer em função da tutela da parte mais fraca, quer em função da solução, eticamente, mais razoável, com vista a alcançar um maior equilíbrio dos interesses conflituantes, não deixando, v. g., que os efeitos da verificação ou da aceitação da obra fiquem apenas dependentes da vontade do comitente, porque interessam, igualmente, ao empreiteiro, não sendo, portanto, lícita a cláusula inserta em contrato de empreitada de que, em tudo o que se encontre omisso, se aplicam as disposições legais previstas no RJEOP.

X - A responsabilidade do empreiteiro baseia-se na culpa, que se presume, a menos que prove que o cumprimento defeituoso da obrigação, ou a sua falta de cumprimento, se for o caso, não procede de culpa sua, não cabendo, pois, ao comitente, por supérfluo, o ónus da prova da culpa do empreiteiro na ocorrência dos defeitos.

XI - Finalizadas as obras contratadas e invocadas várias deficiências, pelo comitente, não tendo sido extinta a relação contratual, por resolução, tem-se por segura a existência de um caso de cumprimento defeituoso e não de incumprimento definitivo da prestação, em virtude de a obra ter sido realizada, com deformidades e vícios, não correspondendo o cumprimento efectuado à conduta a cujo resultado o empreiteiro se achava obrigado.

XII - Nos contratos de prestações recíprocas, a excepção do não cumprimento do contrato é um instituto que pode ser adoptado, para além da situação do não cumprimento definitivo da prestação, igualmente, nas hipóteses de cumprimento defeituoso ou do não cumprimento parcial, onde goza a designação da «exceptio non rite adimpleti contratus», de modo a conferir ao comitente o direito de recusar o pagamento que lhe é exigido pelo empreiteiro, excepcionando o pagamento do preço, em virtude do não cumprimento, por este último, da prestação de conclusão da obra, sem deformidades ou vícios, mostrando-se, consequentemente, paralisado o direito do empreiteiro, enquanto este não corrigir as deformidades e vícios que a obra ainda regista.

XIII - Independentemente da existência de prazos diferentes para o cumprimento das prestações, ainda assim, o comitente goza da faculdade de invocar a «exceptio», enquanto o empreiteiro não cumprir, corretamente, por, então, dever efectuar a prestação depois desta, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que deva cumprir primeiro.

DECISÃO[31]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista da autora, confirmando o douto acórdão recorrido.

                                                         *

Custas da revista, a cargo da autora.

                                               *

Notifique.

Lisboa, 8 de Setembro de 2015

Helder Roque (Relator)

Gregório Silva Jesus

Martins de Sousa

_________________
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] Encontra-se, presentemente, na Secção Cível da Instância Central de Guimarães, da Comarca de Braga.
[3] Por manifesto lapso, repetiram-se as letras "m" e "n".
[4] STJ, de 2-3-95, BMJ nº 445º, 445; STJ, de 3-4-90, BMJ nº 396º, 376.
[5] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, Almedina, 2000, 403.
[6] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e actualizada, 1997, I, 891 e 892.
[7] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2015, 6ª edição, revista e aumentada, Almedina, 83.
[8] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2015, 6ª edição, revista e aumentada, Almedina, 87.
[9] Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Almedina, 1995, 697.
[10] Rui Sá Gomes, Breves Notas sobre o Comportamento Defeituoso no Contrato de Empreitada, Ab Vno ad Omnes – 75 anos da Coimbra Editora, 1998, 608 e 609.
[11] Entretanto, revogado, pelo DL nº18/2008, de 29 de Janeiro, mas referindo-se a autora ao DL nº 235/86, de 18 de Agosto, seu antecedente legal.
[12] Acórdão do STA, de 20-1-1967, Acórdãos Doutrinais, Ano VI, 66º, 949.  
[13] Entretanto, revogado, pelo DL nº18/2008, de 29 de Janeiro.
[14] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 121.
[15] Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, I, 6ª edição, revista e ampliada, 1965, 71 a 74.
[16] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e actualizada, 1997, I, 892.
[17] Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, Almedina, 2000, 131 e 448; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e actualizada, 1997, 895.
[18] RC, de 14-11-2006, CJ, Ano XXXI, T5, 21.
[19] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, Almedina, 2000, 346.
[20] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, Almedina, 2000, 406.
[21] Vaz Serra, Empreitada, BMJ, 145º, 158 e 159.
[22] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, Almedina, 2000, 406 e nota (1).
[23] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, Almedina, 2000, 407 e nota (3).
[24] STJ, de 11-11-1976, BMJ nº 261, 146.
[25] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, Almedina, 2000, 436 e 437.
[26] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e actualizada, 1997, 896; Antunes Varela, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda, A Excepção do Contrato não Cumprido, CJ, Ano XII, T4, 21 e ss.; Meneses Cordeiro, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda, A Compensação entre Direitos Líquidos e Ilíquidos, A Excepção do Contrato não Cumprido, CJ, Ano XII, T4, 37 e ss.; Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em especial na Compra e Venda e na Empreitada, 1994, 324 e ss.
[27] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, Almedina, 2000, 440.
[28] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e actualizada, 1997, 875 a 877; Pedro Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, Almedina, 2000, 370 e 371.
[29] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 405; Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 331 e 332.
[30] Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, Almedina, 2000, 406.
[31] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.