Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | PEDRO DE LIMA GONÇALVES | ||
Descritores: | AUTORIDADE DO CASO JULGADO EXCEÇÃO PERENTÓRIA PAGAMENTO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO RECONVENÇÃO ÓNUS EXTENSÃO DO CASO JULGADO COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS CAUSA DE PEDIR IGUALDADE DAS PARTES PRAZO DE PRESCRIÇÃO INÍCIO DA PRESCRIÇÃO CONHECIMENTO SENTENÇA | ||
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Data do Acordão: | 06/21/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I. Se sentença obsta a que se discuta, novamente, entre as mesmas partes, se o crédito da exequente foi pago através das transferências bancárias realizadas, já não impede que se discuta se o mesmo se extinguiu por outra via, como seja a compensação decorrente da titularidade de um crédito por parte da executada tendo por fonte a figura do enriquecimento sem causa. II. No enriquecimento sem causa, o prazo especial, breve, de 3 anos estabelecido no artigo 482.º do Código Civil conta-se a partir do momento em que o empobrecido fica ciente dos factos determinantes dum enriquecimento à sua custa e a saber também quem assim resultou beneficiado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. Colégio Penas Real, Lda. veio deduzir, por apenso aos autos de execução em que é Exequente Ezequiel Santos Silva – Construções, Lda., oposição à execução. Alega a existência de contracrédito sobre a Exequente com vista a operar compensação de créditos., referindo que, no processo declarativo ficou provado que tinha efetuado a transferência da quantia, global, de €55 844,00 para a Exequente e que essa quantias não foram para pagamento das faturas cujo pagamento a Exequente reclamava. 2. Notificada, a Embargada/Exequente veio contestar, impugnando a matéria alegada pela opoente. 3. Foi proferido saneador-sentença, tendo o Tribunal de 1.ª instância julgado improcedente a oposição. 4. Inconformada com esta decisão, a Executada/Opoente interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa. 5. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu a seguinte decisão: “revoga-se em conferência a sentença de fls.25 a 30, procedendo a apelação e ordenando-se o prosseguimento dos autos de embargos para julgamento, nos termos do art. 732.º nº 2 do CPC. 6. Inconformada com tal decisão, veio a Exequente/Embargada interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1 - A questão em apreço nos autos prende-se com a interpretação do disposto no nos artºs 619.º n.º 1, 621º e 729.º h) do CPC e arts. 13 e demais da CRP. 2 - E está em causa o direito a ser pago pelas obras realizadas. 3 - A relevância jurídica da referida questão é óbvia, por várias razões. a) Em primeiro lugar, porque se trata de uma questão que concretiza direitos, liberdades e garantias, constitucionalmente consagrados como o direito à igualdade (artº13º), e a certeza jurídica. b) Em segundo lugar, porque tais questões não são tratadas clara e inequivocamente pela lei processo civil. c) Em terceiro lugar, por se tratar de questões que, com frequência, se irão certamente colocar a milhares de cidadãos. d) Em quarto lugar, por se tratar de questões sobre as quais o Supremo foi chamado a pronunciar-se na vigência da legislação actual, mas nem fixação de jurisprudência sendo que a intervenção do Supremo se mostra claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, dado que a interpretação que este vier fazer das disposições legais em causa, será, sem dúvida, um contributo valioso para uma melhor aplicação do direito. 4 - Damos, por isso, por verificada a relevância jurídica das questões que o recorrente pretende ver reapreciadas no recurso e entendemos que a apreciação das mesmas por parte do Supremo é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 5 - E, verifica-se também a existência, in casu, de interesses de particular relevância social, como já amplamente se alegou e se dá por reproduzido. 6 – É, pois, fundamental a apreciação pelo S.T.J. das questões aqui referidas e alegadas pela recorrente junto da Relação. 7 - Estamos perante caso julgado pois as verbas em causa foram reclamadas na acção declarativa e foram objecto de decisão, não podendo ser reapreciadas na execução. 8 - Acresce ainda que tendo os factos constitutivos do eventual crédito ocorrido antes da douta sentença proferida o contracrédito pretendido consolidou-se e foi conhecido da recorrente há mais de 5 anos antes da sua invocação pelo que sempre estaria prescrito o direito a invocar o enriquecimento sem causa que nunca antes invocou (artº 473º a 482º C.C.). 9. A douta fundamentação da sentença da 1ª instância não merece qualquer censura, pelo que a damos por reproduzida. (Doc. 3). 10 - O douto acórdão tal como a douta sentença proferida violam os Princípios fundamentais da igualdade das partes, da certeza jurídica e da aquisição da verdade material, violando também os princípios Constitucionais dos Artigos 13.º, 18.º e demais da CRP, bem como o disposto nos artºs 473º a 482º do C.C. e 619º, nº1, 621º e 729º h) do CPC. E conclui “deve decidir-se admitir o presente recurso de recurso de revista ou de revista excepcional. E deve esta ser julgado procedente decidindo-se pela anulação do douto Acórdão ora em crise; ou revogando-o no sentido propugnado pelo recorrente”. 7. A Opoente veio contra-alegar, pugnando pela inadmissibilidade do recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: A) Conforme refere o Venerando Relator na decisão singular, a revogação da sentença proferida em primeira instância baseia-se em jurisprudência pacífica sobre a matéria da compensação. B) Ambos os acórdãos são citados pelo acórdão recorrido no sentido de se seguir as orientações deles resultantes, sendo incontestável que o acórdão recorrido apela, na sua motivação, aos acórdãos do STJ de 4 de Julho de 2019 e de 2 de Dezembro de 2008. C) Resulta do acórdão recorrido que a interpretação do artigo 847º nº 1 al. a) 1ª parte do Código Civil, por um lado, e do artigo 729º al. g) e h), por outro é totalmente coincidente com tais acórdãos. D) O acórdão recorrido julgou que o contra crédito da Executada não carecia de reconhecimento judicial, seguindo assim o acórdão de 2019, e que o mesmo, enquanto facto extintivo, era posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. E) O Recorrente incorre em erro de raciocínio quanto ao alcance do caso julgado e à questão da prescrição porquanto as verbas que o Recorrido agora reclama não foram reclamadas na ação declarativa. F) Na ação declarativa, invocou o Executado (ora Recorrido) que as verbas em causa constituam pagamento das faturas reclamadas pelo Exequente, mas entenderam as instâncias que tais verbas foram pagas pelo ora Recorrido ao ora Recorrente sem que, no entanto, possam ser imputadas às faturas cuja cobrança se exigia. G) Os presentes embargos não ofendem o alcance do caso julgado, porquanto não invocam nem reclamam o pagamento de tais faturas. Os embargos reclamam a devolução dos montantes cuja entrega as instâncias consideram provada, invocando para o efeito o enriquecimento sem causa. H) Não há qualquer violação do caso julgado, nem incorre o acórdão recorrido em qualquer violação do artigo 729º al. g) CPC porquanto, embora os pagamentos sejam anteriores ao encerramento, o facto extintivo, i. e, o contra crédito, emerge apenas do trânsito em julgado da decisão declarativa. I) Por fim, e pela mesma razão, não ocorreu qualquer prescrição. E conclui pela improcedência do recurso, “mantendo-se o Acórdão recorrido nos seus precisos termos”. 8. O recurso de revista veio a ser admitido, no que concerne às questões da prescrição e à violação do caso julgado (cf. Acórdão de fls. 227/234 do processo físico). 9. Cumpre apreciar e decidir. II. Delimitação do objeto do recurso Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Embargada / ora Recorrente, bem como do Acórdão de fls. 227/234 do processo físico, decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões: - da ofensa do caso julgado; - da prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa. III. Fundamentação 1. Os factos a considerar são os seguintes: 1.1. A execução para pagamento de quantia certa corresponde a execução de decisão judicial condenatória proferida no processo nº 10219/15.4T8ALM pelo Juiz 1 do Juízo Central Cível de Almada do Tribunal da Comarca de Lisboa. 1.2. Tal decisão já transitou em julgado. 1.3. É reclamada como quantia exequenda o valor de € 58.407,95 sendo tal valor indicado como estando dependente de simples cálculo aritmético correspondendo, ainda segundo o requerimento executivo à soma de € 52.929,00 com € 5.478,95. 1.4. Na parte que importa, consta da parte decisória: I. Julgar parcialmente procedente o pedido formulado pela autora EZEQUIEL SANTOS SILVA, SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, Lda e, nessa medida, condenar a ré COLÉGIO PENAS REAL, LDA a pagar-lhe a quantia de Euros 52.929,00 (cinquenta e dois mil novecentos e vinte e nove euros) de capital, acrescida de juros de mora vencidos a esta data no valor de Euros 5.478,95 (cinco mil quatrocentos e setenta e oito euros e noventa e cinco cêntimos), bem como o montante de juros moratórios que desde a mesma data se vençam sobre aquele capital, calculados às taxas legais aplicáveis aos créditos da titularidade de empresas comerciais, até integral pagamento. 1.5. E ainda: III. Julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional formulado pela reconvinte COLÉGIO PENAS REAL, LDA e do mesmo absolver a reconvinda EZEQUIEL SANTOS SILVA, SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, Lda. IV. Julgar parcialmente procedente o pedido de condenação da autora EZEQUIEL SANTOS SILVA, SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, Lda como litigante de má-fé e, nessa medida, condená-la no pagamento de uma multa processual no valor de 4 (quatro) unidades de conta. 1.6. De acordo com o relatório da sentença, também reproduzido no requerimento executivo, a ora Exequente Pediu que pela procedência da ação os réus sejam condenados a pagar-lhe: - a quantia de Euros 52.929,00 (cinquenta e dois mil novecentos e vinte e nove euros) de capital, a título de remuneração do contrato de empreitada que invocou. - a quantia de Euros 20.780,75 (vinte mil setecentos e oitenta euros e setenta e cinco cêntimos) de juros moratórios vencidos, acrescida de juros vincendos até integral pagamento. 1.7. A ora Executada excecionou, entre outros, o pagamento integral da dívida e a prescrição dos juros de mora. 1.8. Impugnou ainda a factualidade articulada e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora/reconvinda: a) na restituição da quantia de Euros 915,00 (novecentos e quinze euros) que alegadamente pagou em excesso pelo preço da empreitada. b) a emitir e entregar-lhe os recibos do alegado pagamento que fizeram no valor de Euros 52.929,00 (cinquenta e dois mil novecentos e vinte e nove euros). c) a pagar, a título de indemnização pelos custos com trabalhos realizados destinados a eliminar os vícios da construção, a quantia de Euros 43.000,00 (quarenta e três mil euros), acrescida de juros vincendos até integral pagamento. d) a pagar, por trabalhos realizados e a realizar, ainda não quantificados, destinados a eliminar os mesmos vícios, a quantia de Euros 29.520,00 (vinte e nove mil quinhentos e vinte euros) acrescida de juros vincendos até integral pagamento. e) A pagar, a título de indemnização, os custos suportados pela ré com trabalhos realizados e ainda por realizar, caso venham a exceder as quantias acima referidas, acrescidos de juros de mora até integral pagamento. f) A pagar uma indemnização por danos não patrimoniais causados pela deficiente execução dos trabalhos, a quantia de Euros 3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros vincendos até integral pagamento 2. Da ofensa do caso julgado A sentença condenatória que constitui o título executivo que serve de base à execução a que se encontra apensa a presente oposição foi prolatada no âmbito da ação que correu termos sob o n.º 10219/15.4T8ALM, em que a executada, aí Ré, Colégio Penas Real, Lda. invocou, em sede de defesa excetiva, o pagamento integral do crédito reclamado pela Autora, ora Exequente, correspondente ao preço relativo ao contrato de empreitada celebrado entre as partes. No âmbito de tal ação declarativa, foi considerado terem existido as transferências bancárias referidas nos pontos 8 e 9 dos factos provados, realizadas pela Ré, não tendo, todavia, resultado demonstrado que as mesmas se destinassem ao pagamento do valor aposto nas faturas elencadas no ponto 6 dos factos provados. Com tal fundamento, a exceção de pagamento invocada pela aí Ré foi julgada improcedente. Instaurada execução para cobrança coerciva da obrigação em que a Ré foi condenada, veio esta invocar, em sede de oposição à execução e com fundamento na alínea h) do artigo 729.º do Código de Processo Civil, dispor de um contracrédito sobre a Exequente, pretendendo operar a sua compensação com a quantia exequenda. Invocou a Embargante que, por força da sentença e dos efeitos do caso julgado, se extinguiu a causa para as transferências efetuadas – que resultaram demonstradas –, devendo a sua pretensão ser enquadrada no âmbito do instituto do enriquecimento sem causa. A decisão do Tribunal de 1.ª instância, julgando improcedente a oposição, sufragou o entendimento de que “a embargante vem invocar os mesmos factos já objeto de discussão no âmbito o processo declarativo agora, apenas, retirando dos mesmos uma consequência e enquadramento jurídico diversos. A discussão dos factos alegados consubstancia uma repetição da causa não constituindo os factos invocados factos novos ou posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração.” Em sentido diverso, o Tribunal da Relação de Lisboa, após empreender um enquadramento teórico do fundamento da oposição à execução constante da alínea h) do artigo 729.º do Código de Processo Civil e de acompanhar a decisão de primeiro grau na conclusão de que o crédito sob escrutínio não se mostra superveniente, assinalou que o que autoriza a Embargante a invocar a compensação é a própria sentença enquanto facto jurídico, decisão essa que, ao retirar qualquer causa justificativa para as transferências realizadas pela então Ré (ora Executada) para a Autora (ora Exequente) tornou possível a invocação da compensação assente no enriquecimento sem causa. A Recorrente retorque que se verifica ofensa de caso julgado, alegando que “as verbas em causa foram reclamadas na ação declarativa e foram objeto de decisão, não podendo ser reapreciadas.” A questão que cumpre dilucidar “in casu” – e tendo em conta o delimitado objeto cognoscível do recurso - prende-se, pois, com saber se a decisão que julgou improcedente a exceção de pagamento invocada pela ora Embargante na ação declarativa obsta a que a mesma deduza oposição à execução com fundamento na realização das transferências a favor da Exequente já invocadas, mas com a alegação inovatória de que as tais transferências determinaram o surgimento de um crédito na sua titularidade com fundamento em enriquecimento sem causa - crédito esse cuja compensação com a quantia exequenda se pretende. Vejamos. Da leitura conjugada dos artigos 580.º, n.º 1, 581.º e 619.º, n.º 1 e 621.º, n.º 1 do Código de Processo Civil alcança-se que existe caso julgado quando há repetição de uma causa depois de a primeira ter sido já decidida por decisão que já não admite recurso ordinário. Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, “o caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso hierárquico.” (Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, pp. 567, 569, 570). Quanto ao âmbito da sua eficácia, o caso julgado material apresenta uma eficácia simultaneamente intra e extraprocessual, incidindo, em regra, sobre questões de mérito. Tal exceção dilatória tem associado um efeito negativo que, em homenagem aos princípios da economia processual e da segurança jurídica, obsta a que as mesmas partes proponham uma segunda ação com objeto coincidente com o de uma primeira, já transitada em julgado - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7/03/2017 (processo n.º 2772/10.5TBGMR-Q.G1.S1), de 14/03/2017 (processo n.º 3154/15.8T8PRT.S1), de 21/02/2019 (processo n.º 8009/15.3T8GMR.G1.S1), de 26/02/2019 (processo n.º 4043/10.8TBVLPG.P1.S1), de 6/06/2019 (processo n.º 276/13.3T2VGS.P1.S2). De acordo com o que tem sido a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, a exceção dilatória de caso julgado pressupõe a identidade de sujeitos, de causas de pedir e de pedidos entre uma ação a correr termos e outra já decidida por decisão transitada em julgado - cf., entre muitos outros, os Acórdãos de 22/02/2018 (processo n.º 18091/15.8T8LSB.L1.S1), de 18/02/2021 (Processo n.º 3159/18.7T8STR.E1.S1). Na situação decidenda, não está em causa o caso julgado enquanto exceção dilatória, ainda que se conceda que existe identidade entre as partes e entre o efeito prático-jurídico pretendido por parte da executada (a extinção parcial da sua obrigação pecuniária). Desde logo, porque não se prefiguram diversas causas de pedir em cotejo: sendo o conceito de “causa de pedir” reconduzível aos factos jurídicos concretos de onde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, a verdade é que a ora Embargante interveio na ação declarativa prévia como ré, invocando factos extintivos do direito da autora. No entanto, e ainda que se pudessem perspetivar causas de pedir distintas, ter-se-ia de concluir pela diversidade dos seus núcleos essenciais fácticos: (i) a realização de transferências bancárias a favor da autora a título de pagamento das quantias reclamadas, na ação declarativa e (ii) a realização de transferências bancárias a favor da Exequente que consubstancia um enriquecimento desta desprovido de causa justificativa, com o inerente empobrecimento da executada. Com efeito, o conceito de causa de pedir operativo para efeitos de caso julgado identifica-se, segundo uma aceção restrita, com os “factos principais da causa” (Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Julgar online, novembro de 2018, p. 8) ou “através do conjunto de todos os factos constitutivos de todas as normas em concurso aparente que possam ser aplicadas ao conjunto de factos reconhecidos como provados na sentença transitada” (Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Ação Declarativa, Coimbra, Almedina, 2019, p. 497). Na presente oposição, a Embargante invocou novos factos atinentes ao enriquecimento da Exequente por via das transferências realizadas e ao seu inerente empobrecimento - factos esses que, por serem individualizadores da causa de pedir sob escrutínio, revestem a natureza de factos essenciais, não tendo sido alegados no âmbito da ação declarativa prévia. Em causa estão, pois, factos constitutivos de meios diversos de extinção das obrigações (pagamento e compensação), pelo que, ainda que se pudessem identificar duas causas de pedir, nunca seria de afirmar a identidade entre as mesmas. Mas o caso julgado material, para além de uma “função negativa” que opera através da exceção dilatória que se vem analisando, apresenta uma “função positiva”, que “opera por via de “autoridade de caso julgado”, que pressupõe que a decisão de determinada questão – proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda – não possa voltar a ser discutida” (Acórdão do STJ de 5/12/2017). Com efeito, nas palavras de Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, o efeito positivo do caso julgado conferido pela figura da autoridade “assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…) ou o fundamento da primeira decisão, excecionalmente abrangido pelo caso julgado (…) é também questão prejudicial na segunda ação.” (José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, pp. 599-600). Ora, a análise que se empreende suscita a discussão sobre a existência de um efeito de autoridade do caso julgado sobre os fundamentos da decisão proferida quanto à improcedência da exceção de pagamento invocada pela ora Embargante no âmbito da ação declarativa. Explicitando. Segundo o disposto no artigo 91.º do Código de Processo Civil, “1 - O tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa. 2 - A decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respetivo, exceto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia.” Como dão conta Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/ Luís Filipe Sousa, a norma em causa não resolve todas as dificuldades suscitadas pela questão do alcance do caso julgado (cf. artigo 620.º do Código de Processo Civil) ou pela figura da autoridade do caso julgado, “aqui se centrando uma polémica quanto a saber se os fundamentos que constituíram condição necessária e/ou suficiente da decisão estão ou não abarcados pelo caso julgado, ou, com semelhante resultado, em que termos pode ser invocada a autoridade de caso julgado a partir de uma decisão proferida noutro processo entre as mesmas partes.” (in Código Processo Civil Anotado, vol. I, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2021, p. 122). A este respeito, é possível divisar uma conceção restritiva, de acordo com a qual a decisão transitada em julgado não produziria efeitos externos no segmento relativo à apreciação de questões incidentais resolvidas com o único escopo de apreciar o pedido deduzido pelo autor, exceto se, nos termos do estatuído no artigo 91.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, tivesse sido peticionado um julgamento com efeitos mais amplos. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/ Luís Filipe Sousa realçam que, de acordo com esta posição, “assistiria, por exemplo, ao réu a faculdade de fazer valer pedidos fundados em exceções anteriormente julgadas improcedentes, com o limite da impossibilidade da afetação do caso julgado favorável ao autor.” (ob. cit., p. 122). Nesta linha, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre qualificam como errada a orientação jurisprudencial que persiste em reconhecer força de caso julgado material à decisão de questão que seja mero antecedente lógico da parte dispositiva da sentença (Código Processo Civil anotado, volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 182). Acabam os autores por admitir que a regra da não extensão do caso julgado aos fundamentos da decisão sofra desvios “quando a contradição entre os fundamentos (da primeira e da segunda decisões) possa levar à inutilização prática de um direito que a primeira decisão haja salvaguardado, à imposição prática dum duplo dever onde apenas um existe ou à rotura da reciprocidade entre o direito e o dever abrangidos pelo sinalagma.” (Código Processo Civil anotado, volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 182). Teixeira e Sousa admite a autoridade de caso julgado sobre os fundamentos da decisão nos casos em que exista uma relação de prejudicialidade ou quando ocorram relações sinalagmáticas, precisando que, nestes casos, não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão (Estudos sobre o novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pp. 578 e 580). No mesmo sentido, Remédio Marques, admite que os fundamentos de facto ínsitos na sentença adquiram valor de caso julgado no âmbito de relações de prejudicialidade (ou seja, quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objeto de uma ação posterior, por ser tida como situação localizada dentro do objeto da primeira ação, sendo seu pressuposto lógico), bem como no âmbito de relações sinalagmáticas (Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª ed., pp. 663-664). Esconjurando a adoção de um critério rígido a este respeito, Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/ Luís Filipe Sousa elegem como idónea “a posição segundo a qual o caso julgado não deve abranger o pronunciamento sobre toda e qualquer questão debatida no percurso lógico que conduziu à decisão da ação. Todavia, parece justificar-se que uma decisão transitada em julgado confira, na esfera jurídica dos sujeitos intervenientes, definitividade ao julgamento das questões prejudiciais – por via da autoridade do caso julgado – quando estas se encontrem numa estreita interdependência com a decisão, de tal modo que, mesmo quando as partes não hajam formulado os correspondentes pedidos, provocando pronúncias formais em termos decisórios do tribunal, seja impedida nova apreciação da mesma questão, com os riscos da incompatibilidade prática das duas decisões.” Ainda que seja de afirmar que a decisão proferida na ação declarativa a respeito da improcedência da exceção de pagamento – por constituir um pressuposto necessário da decisão de mérito a ser proferida nesta oposição, tendo em conta o carácter subsidiário do enriquecimento sem causa que aqui é alegado (artigo 474.º do Código Civil) – assume definitividade por via da figura da autoridade do caso julgado, tal circunstância não implica o surgimento de um efeito preclusivo obstativo da alegação pela ora Embargante de um contracrédito sobre a exequente com fundamento em locupletamento ilegítimo. Densifiquemos esta conclusão intermédia. No conspecto doutrinal não tem obtido resposta unânime a questão de saber se o efeito preclusivo deverá ser integrado no caso julgado ou, por outro lado, tratado com autonomia (neste sentido, cf. Acórdão do STJ de 17-01-2017, processo n.º3844/15.5T8PRT.S1). Teixeira de Sousa escreve, a este respeito: “quando referida a factos, a preclusão é correlativa não só de um ónus de alegação, mas também de um ónus de concentração: de molde a evitar a preclusão da alegação do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado. Por exemplo: no processo civil português, o réu tem o ónus de alegar na contestação toda a defesa que queira deduzir contra o pedido formulado pelo autor (cf. art. 573.º, n.º 1); logo, o réu tem o ónus de concentração da sua defesa na contestação, pelo que não pode alegar posteriormente nenhum meio de defesa que já pudesse ter alegado nesse articulado. A correlatividade entre o ónus de concentração e a preclusão significa que, sempre que seja imposto um ónus de concentração, se verifica a preclusão de um facto não alegado, mas também exprime que a preclusão só pode ocorrer se e quando houver um ónus de concentração. Apenas a alegação do facto que a parte tem o ónus de cumular com outras alegações pode ficar precludida. Se não for imposto à parte nenhum ónus de concentração, então a parte pode escolher o facto que pretende alegar para obter um determinado efeito e, caso não o consiga obter, pode alegar posteriormente um facto distinto para procurar conseguir com base nele aquele efeito.” (Preclusão e caso julgado, p. 3, disponível em ... ) Na ajuizada situação, a ré na ação declarativa não tinha o ónus de, ainda que a título subsidiário, invocar o enriquecimento sem causa com vista a obter a compensação do crédito reclamado no âmbito da reconvenção deduzida (artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil). Na mesma linha, considerou-se no Acórdão do STJ de 2/06/2020 (processo n.º 2774/17.0T8STR.E1.S1) que “enquanto réus/reconvintes (na primeira acção) não lhes cumpria qualquer ónus de concentração relativamente à alegação de factos integradores de enriquecimento sem causa e, nessa medida, não se verifica a preclusão dessa factualidade não alegada para efeitos de acolhimento da excepção de caso julgado.” Com efeito, a Embargante estruturou a sua defesa na ação declarativa tendo por base a existência de causa para a deslocação patrimonial a favor da ora Exequente (o pagamento), não se encontrando impedida - ante o insucesso da primitiva pretensão – de alegar novos factos (plasmados nos artigos 35.º e 36.º do requerimento inicial de oposição, atinentes ao empobrecimento da Executada e ao enriquecimento da Exequente sem que exista causa para a deslocação patrimonial) para, com base nestes, lograr o efeito que foi primordialmente gorado (a extinção parcial da sua obrigação). Não recaía, assim, sobre a Embargante, um ónus de reconvir no âmbito da ação declarativa para afastar o risco de preclusão do direito à restituição com fundamento em enriquecimento sem causa, não estando nós no domínio da chamada reconvenção necessária ou compulsiva. Explicitando. De acordo com a pertinente lição de Miguel Mesquita, “o caso julgado traduz-se numa forte restrição à tese da reconvenção facultativa. Se é certo que o poder de reconvir espelha, em princípio, uma mera faculdade, significando isto que ao réu assiste a liberdade de optar entre a dedução da reconvenção e a proposição de uma acção autónoma, também não deixa de ser verdade que, por vezes, após o trânsito em julgado da sentença, o réu fica impedido de exercer, através de acção separada e distinta, o seu direito. Portanto, não se tenha por absolutamente exacto que ao réu não reconvinte assiste sempre liberdade para propor uma acção independente. O réu que se considere titular de qualquer pretensão contra o autor não deverá deixar de formular, para si mesmo, a seguinte pergunta: o caso julgado que eventualmente venha a incidir sobre uma decisão favorável ao demandante será susceptível de se transformar num obstáculo ao futuro exercício do meu direito através de uma acção independente? Sendo a resposta afirmativa, necessita de reconvir para afastar o risco da futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor.” (Reconvenção e Excepção no Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 439-440) Considerou o acórdão do STJ de 20/01/2022, processo n.º 604/18.5T8LSB-A.L1.S1, na parte que releva para a discussão vertente, que “I - Prevendo o art. 720.º, al. h), do CPC, como fundamento de oposição à execução baseada em sentença, a invocação de contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos, há que harmonizar esse preceito com a regra, extraível do art. 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, de que a compensação deve ser deduzida em reconvenção. II - Assim, se, no momento em que apresentar a defesa na acção declarativa, o réu estiver em condições de invocar o contracrédito de que se considere titular, deverá realizá-lo através da reconvenção, para que a situação seja apreciada e decidida nessa acção. Não o fazendo, verá impedida a realização da compensação nos embargos de executado (…)”. No mesmo sentido, escreve Lebre de Freitas a respeito da interpretação da alínea h) do artigo 729.º do Código de Processo Civil: “uma vez entendido que o titular do contracrédito tem hoje o ónus de reconvir, o momento preclusivo recua à data da contestação (a reconvenção não pode ser deduzida em articulado superveniente); a invocação da compensação só não será pois, admissível quando ela já era possível à data da contestação da ação declarativa, só assim se harmonizando o regime da alínea h) com o da alínea g) do art. 729.” - A ação executiva à luz do CPC de 2013, 6.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 203 - Ora, no caso em análise, no momento em que a ora Embargante apresentou a sua contestação na ação declarativa não se encontravam reunidos os pressupostos para invocação do enriquecimento sem causa (desde logo, a falta de causa jurídica para o enriquecimento) que constitui a fonte do crédito que se pretende compensar nesta sede, tendo a causa da deslocação patrimonial invocada sido identificada com o pagamento das quantias reclamadas pela autora. A Recorrida não tinha, neste conspecto, um ónus de reconvir quanto à compensação agora invocada. Daí que o afastamento de um efeito preclusivo a este respeito não contrarie as razões de segurança e certeza jurídicas que fundamentam a figura do caso julgado – sendo, ao invés do que faz supor a Recorrente, o que mais se coaduna com a ideia reitora de primado da verdade material que enforma o modelo processual civil hodierno, marcado pela prevalência do fundo sobre a forma. Rui Pinto, ao perspetivar o efeito positivo do caso julgado como “efeito positivo interno” nos casos em que a vinculação a uma decisão anterior se refere ao objeto processual e aos sujeitos da própria decisão, podendo ser feito valer por meio de execução da sentença, refere-se à duração temporal dos efeitos de uma decisão nos termos que se passam a transcrever: “importa notar que qualquer decisão transitada em julgado – de mérito ou de forma – durará rebus sic stantibus: enquanto não sobrevierem alterações subjetivas ou objetivas aos direitos declarados na sentença ou na situação processual que foi objeto de despacho. Em termos simples: uma decisão produz efeitos enquanto não se modificarem as circunstâncias que foram determinantes para o seu teor e sentido. Que modificações são relevantes? Aquelas que sejam jurídica ou fisicamente incompatíveis tanto com a parte dispositiva, como com os fundamentos da decisão.” (Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar online, novembro de 2018, pp. 17 e 18) In casu, foi a própria sentença condenatória prolatada que abriu a porta à invocação do instituto, de cariz subsidiário, do enriquecimento sem causa, ao considerar que as transferências foram realizadas a favor da autora, mas não para pagamento das quantias por si reclamadas. Em síntese: se sentença obsta a que se discuta, novamente, entre as mesmas partes, se o crédito da exequente foi pago através das transferências bancárias realizadas, já não impede que se discuta se o mesmo se extinguiu por outra via, como seja a compensação decorrente da titularidade de um crédito por parte da executada tendo por fonte a figura do enriquecimento sem causa. Daí que se acompanhe o tribunal “a quo” na afirmação de que “a presente invocação da compensação assente no enriquecimento sem causa só se tronou possível com a sentença proferida no processo 10219/15.” Realce-se que o entendimento expendido não viola o princípio da igualdade das partes. O princípio em causa encontra-se consagrado, com caráter geral, no artigo 13.º da CRP, apresentando guarida na lei infraconstitucional processual civil no artigo 4.º do Código de Processo Civil, segundo o qual “o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.” Como observa Francisco Ferreira de Almeida, “exuberante manifestação do princípio é o «princípio da igualdade de armas”, que se traduz na garantia do equilíbrio das posições dos sujeitos processuais perante o tribunal da causa, isto é, no respeito, em todas as situações, pela igualdade formal, quer quanto à identidade de faculdades e meios de defesa, quer quanto à sujeição a ónus e cominações.” - Direito Processual Civil, volume I, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 254-255 - Acrescenta Lebre de Freitas que o princípio da igualdade de armas “impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspetiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respetivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações, gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade objetiva intrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à outra.” -Introdução ao Processo Civil, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, pp. 136-137 - Na situação em análise, a invocação pela Executada de um novo fundamento para lograr a extinção da sua obrigação perante a exequente não afeta o equilíbrio global do processo, tendo a segunda – que no âmbito da execução já dispõe de uma “natural posição de prevalência” (Introdução… cit., p. 137, nota 29) sobre a devedora, considerando que está em causa “a atuação da garantia de um direito subjetivo predefinido” (Introdução… cit., p. 137, nota 29) - a possibilidade de exercer amplamente o seu direito de defesa no âmbito de uma ação que, após a apresentação de contestação, segue os termos do processo comum declarativo (artigo 732.º, n.º 2 do Código de Processo Civil)
3. Da prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa A Recorrente refere que “tendo os factos constitutivos do eventual crédito ocorrido antes da douta sentença proferida o contracrédito pretendido consolidou-se e foi conhecido da recorrente há mais de 5 anos antes da sua invocação pelo que sempre estaria prescrito o direito a invocar o enriquecimento sem causa que nunca antes invocou (artº 473º a 482º C.C.).” O Tribunal da Relação considerou que, resultando do disposto do artigo 482.º do Código Civil que o prazo de prescrição se conta desde a data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete, a Embargante só adquiriu conhecimento de tal direito com a sentença proferida no processo n.º 10219/15, já que foi esta decisão que, tendo considerado provado que a então ré transferiu para a aí autora as quantias alegadas, eliminou a única causa justificativa da deslocação patrimonial operada ao considerar que tais montantes não tiveram como destino o pagamento das quantias reclamadas. Vejamos. Segundo o que preceitua o artigo 482.º do Código Civil, “o direito à restituição por enriquecimento prescreve nos três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo contar do enriquecimento.” O STJ tem tido oportunidade de se pronunciar acerca da contagem do prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa na sequência da improcedência de uma ação prévia em que o autor, visando o mesmo efeito, invocou diferente fundamento para esteirar o seu pedido. A este propósito, considerou o Acórdão de 23/11/2011, processo n.º 754/10.6TBMTA.L1.S1, que “I - O prazo de três anos previsto no art. 482.º do CC conta-se a partir do momento em que o empobrecido teve conhecimento do direito à restituição por enriquecimento sem causa e da pessoa do responsável. II - Não decorreu o prazo de prescrição previsto no art. 482.º do CC quando a acção, onde é invocado o direito à restituição por enriquecimento sem causa, é intentada antes de ter decorrido o prazo de três anos sobre o trânsito em julgado da acção que julgou improcedente o pedido de restituição com base em contrato de mútuo”, tendo o Acórdão de 2/12/2004, processo n.º 04B3828, observado que “I - O prazo especial, breve, de 3 anos estabelecido no art.482º C.Civ. conta-se a partir do momento em que o empobrecido fica ciente dos factos determinantes dum enriquecimento à sua custa e a saber também quem assim resultou beneficiado.II - Esse prazo não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifique a restituição. III - Uma vez que só se conta a partir da data em que o empobrecido tomou conhecimento do direito que lhe assiste por este fundamento, não abarca o período em que, com boa fé, tiver utilizado sem êxito outro meio de ser indemnizado ou restituído.” Transpondo a linha de raciocínio expendida para o caso sob escrutínio, parece-nos nítido que a Embargante, ora Recorrida, adquiriu conhecimento do direito à restituição de um crédito nascido sem causa justificativa no momento da notificação da decisão que julgou improcedente a exceção de pagamento invocada. Com efeito, não se poderá englobar na contagem do prazo prescricional em crise o período em que a ora Embargante invocou o pagamento das faturas, tendo sido apenas com a notificação da decisão condenatória que esta adquiriu conhecimento da insubsistência deste facto extintivo do direito invocado pela autora. Daí que só a partir deste momento lhe seja exigível recorrer ao instituto de natureza subsidiária do enriquecimento sem causa. Tendo a oposição sido apresentada a 20/09/2018, antes de esgotado o prazo de três anos contado desde o conhecimento do direito a que se reporta o artigo 482.º do Código Civil, mais não resta do que considerar que o direito à restituição por enriquecimento sem causa pretendido fazer valer nos presentes embargos pela Recorrida se não encontra prescrito, havendo que julgar improcedente o recurso interposto igualmente neste segmento. Deste modo, o recurso tem de improceder
IV. Decisão Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente. Lisboa, 21 de junho de 2022 Pedro de Lima Gonçalves (relator) Maria João Vaz Tomé António Magalhães |