Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12144/21.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
TAXA DE JUSTIÇA
CUSTAS CÍVEIS
RECURSO
VALOR DA CAUSA
REFORMA DE ACÓRDÃO
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO DEFERIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I. Quando se trate de tributação em primeira instância, nas providências cautelares de restituição provisória de posse a taxa de justiça devida é determinada de acordo com a tabela II, por força do art.º 7.º, n.º 4 do regulamento que a fixa em 1 Uc, independentemente do valor da causa.

II. Em sede de recurso, tido pelo regulamento como processo autónomo, cuja tributação está estabelecida na tabela I-B, já a taxa de justiça depende do valor da causa seja qual for a decisão recorrida.

Decisão Texto Integral:
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I – Relatório

Requinte Executivo – Actividades Hoteleiras, S.A. e Olhar Repousado – Actividades Hoteleiras, S.A., notificadas do acórdão proferido em 2 de Fevereiro de 2023, vieram requerer a reforma do mesmo, quanto a custas, ao abrigo do disposto nos artigos 616.º, n.º 1, 666.º, n.ºs 1 e 2, e 679.º, todos do Código de Processo Civil.

Em fundamento da sua pretensão invocaram que o regime legal de pagamento do remanescente da taxa de justiça é inaplicabilidade aos procedimentos cautelares.

Subsidiariamente formularam o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas duas instâncias de recurso, com fundamento na necessária proporcionalidade entre o custo do serviço prestado e o valor desse remanescente numa acção em que a conduta processual das partes, se pautou pelo cumprimento de todos os deveres processuais que lhes incumbiam.

Para o caso de se entender que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não é adequada, formula, com os mesmos fundamentos a sua redução a um valor que se revele adequado à tramitação processual dos presentes autos e das questões jurídicas analisadas e decididas em sede cautelar.

A recorrida entende que deve ser mantida a condenação em custas constante do acórdão por não haver fundamento legal para a sua reforma quanto a custas.


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I.2 – Tributação em sede de custas dos recursos

O art.º 1.º do Regulamento das Custas Processuais constante do Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de Fevereiro estabelece, para efeitos de tributação em sede de custas, uma primeira regra, constante do seu n.º 1 de que todos os processos estão sujeitos a custas.

No número 2 passa a adoptar a terminologia de processos autónomos para efeitos deste Regulamento, ou seja, para efeitos de tributação em sede de custas, identificando-os como cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria. Será o próprio diploma, nomeadamente com recurso às suas tabelas anexas que virá a indicar quais os processos autónomos que lograrão uma tributação própria.

Nos recursos a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, como estabelecido no art.º 6.º, n.º 2, e reafirmado no art.º 7.º, n.º 2 do Regulamento, este indicando, além disso, quem é responsável pelo pagamento da taxa de justiça – o recorrente com as alegações, o recorrido apenas se contra-alegar - e o momento em que deve este ser efectuado.

Face ao texto do regulamento e a toda a sistematização do diploma e conjunto de normas que o integram não cremos poderem suscitar-se duvidas que os recursos, cada recurso, terá uma tributação própria seja qual for a acção, execução, incidente, procedimento cautelar em que venham a ser instaurados.

A Tabela I anexa ao Regulamento das Custas Processuais (Tabela a que se referem os artigos 6.º, 7.º, 11.º, 12.º e 13.º do Regulamento das Custas Processuais) é uma matriz, constituída por 2 colunas, a 1.ª da esquerda relativa ao valor da acção e que se subdivide em duas outras uma apenas com um número de ordem e a segunda com indicação de escalões dos valores possíveis daa acções. A segunda coluna refere-se ao valor da taxa de justiça devida e subdivide-se nas colunas A, B e C.

A coluna A funciona como a regra geral de tributação aplicável segundo o art.º 6.º, n.º 1 em função do valor e complexidade da causa e na falta de disposição especial.

A coluna B fixa a tributação aplicável aos recursos - art.º 6.º, n.º 2, e art.º 7.º, n.º 2 - e às situações de litigação em massa – art.ºs 13.º - .

A coluna C fixa a tributação aplicável às acções e recursos que revelem especial complexidade - art.º 6.º, n.º5, - e às situações de litigação em massa – art.ºs 13.º -.

A taxa de justiça das colunas A, B, e C da Tabela I varia de acordo com o valor da acção, dividida por escalões que constituem as diversas linhas que se seguem nessa tabela.

A par desta tributação que poderíamos qualificar de geral, o Regulamento contempla tributações diversas, em situações especiais, algumas decalcando ou pelo menos aproximando-se do funcionamento da Tabela I, outras divergindo dela completamente.

Importa para a presente decisão a análise da Tabela II cuja matriz contém três colunas em que a da esquerda identifica o Incidente/providência, do meio – A- indica a taxa de justiça normal, indicando a da direita – B -  a taxa de justiça agravada. A coluna que identifica o Incidente/providência dá um tratamento ora mais próximo da tabela I quando num tipo de processo faz variar a taxa de justiça com o valor da acção ou incidente, dela divergindo quando a um tipo de acção ou incidente corresponde apenas uma taxa de justiça, não variável com o valor da acção/incidente denominado valor de referência.

Assim, contrariamente às providências cautelares em geral cuja taxa de justiça varia de acordo com o valor da acção, as providências cautelares de:

 Restituição provisória de posse

Alimentos provisórios

Arbitramento de reparação provisória

Regulação provisória do pagamento de quantias, bem como:

Processos administrativos urgentes (artigos 97.º e 100.º do CPTA)

Incidentes / Procedimentos Anómalos

Incidente de verificação do valor da causa e de produção antecipada de prova têm uma taxa de justiça fixa.

O presente processo é uma providência cautelar de restituição provisória de posse cuja taxa de justiça é determinada de acordo com a tabela II, por força do art.º 7.º, n.º 4 do regulamento que a fixa em 1 Uc, independentemente do valor da causa, quando se trate de tributação em primeira instância.

Todavia, em sede de recurso cuja tributação está estabelecida na tabela I-B já a taxa de justiça depende sempre do valor da causa, comportando, por isso, no caso presente o pagamento do remanescente da taxa de justiça que não foi paga com a apresentação das alegações e contra-alegações de recurso. Na verdade quando se considera como processo autónomo um recurso, que não pode existir sem que antes tenha havido uma acção, execução ou procedimento cautelar pois apenas pode ter como objecto confirmar, alterar, anular ou revogar uma decisão anterior proferida por um diverso tribunal e não se estende à tributação do recurso as normas especiais criadas para tributar os processos/incidentes referidos na  tabela II, só pode concluir-se que, seja  qual for a acção ou incidente que esteja em causa no recurso, a tributação deste será a da tabela I-B.

Nos processos cuja taxa de justiça seja aplicada seguindo a tabela I – A, de facto a tributação em sede de recurso corresponde sensivelmente a metade da devida em 1.ª instância.

O mesmo não ocorre, com frequência, quando estejam em causa os processos cuja taxa de justiça é determinada seguindo a tabela II, em que a taxa de justiça em 1.ª instância é muito baixa. Relativamente a tais processos também as condições de admissibilidade de recurso são mais estritas pelo que terá o legislador pretendido reforçar, pela via da taxa de justiça, a especial excepcionalidade dos recursos nesse âmbito.

Em todo o caso, sempre nos deparamos com uma opção legislativa que não compete ao tribunal corrigir por recurso à interpretação da norma que se afigura clara e exequível sem que da sua aplicação decorra qualquer violação de direito ou interesse legalmente protegido.

Tendo em conta a actividade processual desenvolvida neste processo nas duas instâncias de recurso, a extensão e complexidade dos articulados apresentados, a utilização de todos os meios processuais disponíveis para reverter as decisões que foram sendo proferidas não se mostram reunidos os pressupostos legais – art.º 6.º, n.º 7 do Regulamento das custas processuais - para a dispensa total do remanescente da taxa de justiça, pois a taxa de justiça que nesse caso seria paga não cobre os custos do sistema de justiça com este processo nas duas instâncias. Porém, considerando o valor concreto que o pagamento total do remanescente atingiria, a circunstância de estarmos perante um procedimento cautelar que oferece apenas uma solução provisória do litígio assente na probabilidade séria de existência/inexistência do direito ameaçado e a frágil tutela que concede, a par da conduta processual das partes que defendendo afincadamente os seus pontos de vista não apresentaram conduta desleal ou dilatória, tentando estabelecer a proporcionalidade entre o custo do serviço de justiça prestado neste processo e o valor total das custas devidas, reduz-se o remanescente para 1/5 do que seria devido em cada uma das instâncias de recurso por aplicação da tabela I-B.

Procede, pois, parcialmente o pedido de reforma do acórdão que antecede quanto a custas, nos termos supra-referidos.


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III – Deliberação


Procede, pois, parcialmente o pedido de reforma do acórdão e, em consequência, reduz-se o remanescente da taxa de justiça para 1/5 do que seria devido em cada uma das instâncias de recurso.


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Lisboa, 27 de Abril de 2023

Ana Paula Lobo (Relatora)

Afonso Henrique Cabral Ferreira

Maria da Graça Trigo