Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | CONTRATO DE DEPÓSITO TÍTULOS DE DÍVIDA PÚBLICA RESPONSABILIDADE BANCÁRIA PRESCRIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 07/04/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO BANCÁRIO - SITUAÇÃO JURÍDICA BANCÁRIA / RESPONSABILIDADE - ACTOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL. DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / COISAS. DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS COMERCIAIS. | ||
Doutrina: | - Florencio Ozcáriz Marco, El Contrato de Depósito – Estudio de la Obligación de Guarda, J.M. Bosch Editor, Barcelona, 1977, pp. 332 a 334. - Manuel Broseta Pont e Fernando Martinez Sanz, Manual de Derecho Mercantil – Contratos Mercantiles, Derecho de los Títulos Valores e Derecho Concursal, Vol. II, 18.ª edição, Edditorial Tecnos, 2011, pp. 149 a 151. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 202.º, 205.º. CÓDIGO COMERCIAL (C.COM.): - ARTIGOS 403.º, 408.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 721.º-A, N.º3. DECRETO-LEI N.º 32.769, DE 30/4/1943. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 10-11-2011, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 1182/09.1TVLSB.L1.S1. | ||
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Sumário : | I - No contrato de depósito, o depositário assume a responsabilidade de custódia e de confiança; do lado do depositante, este assume, como obrigações elementares ou típicas, em primeiro lugar, retribuir o depositário pelo serviço de custódia, salvo se tiver acordado o contrário; e em segundo, reembolsar o depositário pelos gastos e despesas que ele tenha efectuado pela conservação da coisa depositada e indemnizá-lo de todos os prejuízos que tenham derivado do depósito. II - Tal como acontece nos contratos de depósito de natureza civil, também no contrato de depósito mercantil, o depósito pode assumir a característica de regular ou de irregular: pelo primeiro, o depositário recebe uma ou várias coisas móveis (mercadorias, valores) e obriga-se a custodiá-las de forma diligente e a restituí-las com os seus aumentos, se os tiver, quando o depositante o solicite; ao contrário, o depósito irregular aparece quando o objecto do depósito são coisas fungíveis e mediante pacto expresso o depositário assume a sua propriedade, podendo usá-las e dispor delas, obrigando-se, no entanto, a restituir ao depositante, a pedido deste, não as mesmas coisas recebidas, mas sim outro tanto da mesma espécie e qualidade. III - Nos termos da relação contratual estabelecida, e como forma de desoneração da obrigação de restituição dos títulos que tinha recebido para guarda, era ao banco demandado, em face do documento em posse da filha dos depositantes, que incumbia provar que tinha procedido à restituição, qual tinha sido o momento em que essa entrega/restituição se tinha verificado e a quem essa restituição tinha sido efectuada. IV - Ao não provar que procedeu à restituição dos títulos e mantendo a demandante o documento comprovativo de que o banco era depositário dos títulos, encontra-se este constituído na posição de incumpridor, devendo ser responsabilizado pela perda ou não existência dos bens que lhe foram entregues para depósito e guarda. V - Uma coisa é a relação contratual de depósito firmada entre o depositante e o banco e outra, completamente diversa, é aquela que foi estabelecida entre o depositante/adquirente dos títulos de dívida pública e o Estado/emitente dessa dívida pública: pela relação contratual de depósito, o banco comprometia-se a guardar, custodiar e gerenciar os títulos, pela relação de compra e venda dos títulos, o adquirente/depositante comprometeu-se a pagar o valor correspondente a cada título que adquiriu ao Estado e compromete-se a entregar os documentos que comprovavam a titularidade da dívida correspondente aos títulos que entregava. VI - O banco depositário não pode invocar para a sua relação contratual a prescrição dos títulos de dívida pública. O sujeito da relação contratual que poderia invocar a excepção de prescrição, com o que se desoneraria do pagamento dos juros e do quantitativo inscrito nos títulos, era, e continua a ser, o Estado português. VII - A prescrição é um instituto jurídico que ocorre e actua sobre direitos e não sobre coisas materiais e fisicamente determinadas. O direito de propriedade que o depositante detém sobre a coisa móvel depositada só se altera ou modifica se o sujeito a quem haja dado para guarda modificar a relação possessória sobre essa concreta e especifica coisa móvel e corpórea, alterando dessa forma o direito subjectivo sedimentando sobre essa coisa. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I. – RELATÓRIO. AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário contra "BB – Banco … (Portugal), S.A.", pedindo a condenação da Ré a: “Devolver à A. o valor dos títulos que encerram em si 10.060 obrigações de valor nominal de 1.000$00, acrescidos à taxa de juros anual de 2,75% desde 1993, o que perfaz um montante total de € 70.877,94; -Apresentar à A. documentos comprovativos de que os juros foram pagos aos "de cujus" desde 1967 até 1993, e que estes procederam ao levantamento dos mesmos.” Para fundamentar tais pretensões, a A. alega, em resumo, que os seus pais depositaram, em 1967, uma carteira de títulos obrigacionais no antecessor do R., a fim de os mesmos serem guardados na casa forte dessa instituição. Os pais da A. faleceram em 1985 e 1993, tendo a A. adquirido por sucessão todos os bens na qualidade de única herdeira. Acontece que a A. só teve conhecimento da existência do documento suporte dos títulos em causa em 2006, tendo a R. informado a A. que os títulos estariam vencidos desde 1967. Entende a A. que o R. devia acautelar o interesse do cliente e, nessa medida, proceder à devolução dos títulos e comprovar o pagamento dos juros até 1993. Ao não proceder à restituição de tal quantia, o R. locupleta-se indevidamente. Na contestação, o demandado contramina a pretensão da demandante invocando a excepção de prescrição e, por via de impugnação, por não haver recebido do Estado qualquer montante de capital ou juros decorrente de tais títulos. Os títulos em causa foram desmaterializados no final da década de 80 e foram entregues à "CC". Acresce que, volvidos mais de quarenta anos sobre a entrega dos títulos e extinta a relação jurídica com o pai da A. em 1993, o R. não tem obrigação de conservar a documentação em causa. Na réplica que apresentou, a demandante, mantém, no essencial, o que havia sido a sua posição na petição inicial. Após realização da audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida decisão – cfr. fls. 363 a 366 - que julgou:”(…) a acção totalmente improcedente, absolvendo o Réu do pedido. Custas pela Autora.” Do recurso de apelação interposto da decisão, veio o Tribunal da Relação de Lisboa – cfr. fls. 404 a 418 -, que manteve a decisão de primeira instância, interpôs a demandante recurso de revista excepcional, que o colectivo de formação a que alude o artigo 721.º-A, n.º 3 do Código Processo Civil, estimou tratar-se de matéria de relevo jurídico susceptível integrar a alínea b) do citado preceito, justificante da sua admissão como revista excepcional. Com as alegações do recurso – cfr. fls. 524 A 554 - veio a ser junto um parecer do Ilustre Professor Almeno Sá – cfr. fls. 556 A 612. I.A. – QUADRO CONCLUSIVO. ”I. - A argumentação desenvolvida aponta claramente no sentido de considerar que o depósito efectuado pelos pais da Autora se enquadra na previsão do artigo 405.º do Código Comercial. II. - Ao entender que "o apelado não ficou incumbido de gerir uma carteira de títulos, apenas se tendo obrigado à sua custódia" o Acórdão recorrido viola frontalmente o disposto nos artigos 405.º do Código Comercial e 1185.º e 1187.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil. III. - Tal afirmação tem origem numa errada interpretação ou leitura incompleta daquelas normas jurídicas. IV. - Pelo que se impõe a alteração da decisão, no sentido de que cabia ao Réu diligenciar pelo pagamento dos juros e entrega do capital, estando ainda obrigado a restituir aquilo que lhe foi confiado em depósito. V. - Por força da carreta interpretação da lei conclui-se que o recorrido estava obrigado à cobrança de juros e às demais diligências necessárias para a conservação do valor dos títulos e dos seus efeitos legais. VI. - Tais obrigações decorrem expressamente do preceituado nos artigos 405.º do Código Comercial. VII. - O recorrido estava ainda obrigado a restituir os títulos quando tal lhe fosse solicitado ou, alternativamente, a entregar o seu valor. VIII. - Estas obrigações decorrem expressamente do preceituado nos artigos 1185.º e 1187.º n.º 1, alínea c) do Código Civil. IX. - O contrato de depósito de títulos de crédito celebrado entre as partes mantém-se em vigor, sendo certo que nenhuma das partes lhe pôs termo. X. - Quanto à eventual prescrição dos juros e dos títulos, constituía estrita obrigação do Banco réu cobrar os juros das obrigações, ao longo de toda a vida da dívida pública em causa, a qual se mantém em vigor. XI. - Sob pena de incorrer em responsabilidade, expressamente prevista no artigo 405.º do Código Comercial. XII. - As obrigações do depositário não se esgotam na custódia dos títulos e cobrança dos juros. XIII. - O que tem imediatas repercussões em matéria de prescrição. XIV. - Se os títulos e respectivos juros prescreveram, tal é inteiramente imputável à esfera da responsabilidade do Banco réu. XV. - O Acórdão recorrido parte do pressuposto errado de que os títulos se venceram em 15 de Junho de 1967. XVI. - Porém, a lei diz que aquilo que se vence aos trimestres de cada ano são os juros, não os títulos. XVII. - O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 32.769, prevê que o vencimento em 15 de Junho é o primeiro vencimento trimestral de cada ano de vida do empréstimo, seguindo-se o vencimento nos restantes trimestres: 15 de Setembro, 15 de Dezembro e 15 de Março. XVIII. - Resulta desta norma que o vencimento em 15 de Junho se refere aos juros, não aos títulos. XIX. - Bastaria atentar na data de conclusão do contrato para se poder concluir que não teria sentido celebrar em 13 de Abril de 1967 um contrato de depósito de títulos que supostamente se venceriam escassíssimos dois meses depois. XX. - O Acórdão recorrido concluiu erradamente que em 15 de Junho de 1967 se venceram os títulos, quando deveria ter concluído que nessa data apenas se venceram os primeiros juros trimestrais, como decorre do documento contratual (Doc. 1, junto com a Petição Inicial), do artigo 18.º do Decreto-Lei 43453, de 30 de Dezembro de 1960 e do artigo 14.º da Lei n.º 7/98 de 3 de Fevereiro, que regulam a prescrição da dívida pública. XXI. - É com base nesta errada premissa que o acórdão decreta a prescrição das obrigações contratuais que impendiam sobre o Réu. XXII. - O Réu limita-se a afirmar que desconhece onde se encontram os títulos. XXIII. - Tal não se coaduna com a sua posição contratual de depositário e com as obrigações decorrentes dos artigos 405.º do Código Comercial e 1185.º e 1187.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil. XXIV. - O Réu estaria sempre obrigado a restituir os títulos quando tal lhe fosse exigido pelo depositante, sob pena de responsabilidade pessoal, nos termos do artigo 405.º do Código Comercial XXV. - E, naturalmente, as obrigações decorrentes do incumprimento do contrato de depósito de títulos de crédito não tem rigorosamente nada a ver com a prescrição de títulos da dívida pública. XXVI. A prescrição das obrigações contratuais só se inicia a partir de um identificado incumprimento contratual – artigo 309.º do Código Civil. XXVII. - Para fundamentar a invocada prescrição, o acórdão transcreve o artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 43453, de 30 de Dezembro de 1960. XXVIII. - Todavia, tal norma refere-se, não à obrigação contratual contemplada no citado artigo 405.º, mas a títulos e juros. XXIX. - O Acórdão declara, erradamente, é que prescreveu a obrigação contratual prevista no artigo 405.º do Código Comercial de guardar os títulos em causa e de os restituir com os respectivos juros, bem como de realizar as demais diligências necessárias para a conservação do seu valor. XXX. - Assim, toda a construção do acórdão fica sem suporte jurídico, pois é exclusivamente com base na alegada prescrição que o Tribunal confirma a sentença da Primeira Instância e nega provimento ao recurso interposto pela autora. XXXI. - In casu, estamos perante uma típica situação de incumprimento contratual, com as inerentes consequências legais que daí resultam. XXXII. - O Réu não cumpriu a obrigação de guarda e restituição dos títulos e correspondentes juros, pelo que continua em situação de incumprimento contratual. XXXIII. - A obrigação de guarda e de restituição, funcionando como dever que define o próprio contrato (artigos 1185.º e 1187.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil), constitui uma obrigação de resultado, não simplesmente de meios. Deste modo, caso o resultado não seja alcançado, presume-se a culpa (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil). XXXIV. - A presente acção não pretende o Réu tenha ficado incumbido de gerir uma carteira de títulos – a única coisa que se pretende é que a instituição bancária celebrou um contrato de depósito de títulos de crédito, cujas específicas obrigações, fixadas na lei, o Banco não cumpriu. XXXV. - Os títulos não se venceram em 15 de Junho de 1967 e, consequentemente, não houve prescrição. XXXVI. - O Acórdão recorrido violou, por errada interpretação, o disposto nos artigos 405.º do Código Comercial, 309.º, 799.º n.º 1, 1185.º e 1187.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, dos quais decorre directamente que ao Réu incumbia a obrigação de cobrar juros e adoptar todas as medidas necessárias para manter o respectivo valor e efeitos legais, bem como a obrigação de restituir os títulos depositados com os respectivos juros quando tal lhe fosse exigido. Das contra-alegações apresentadas pelo demandado, extraem-se as conclusões que a seguir quedam extractadas. “I. - O contrato em causa é um contrato de depósito regular de que decorre uma mera obrigação de custódia e não é a natureza do bem depositado que permite concluir em sentido diverso; II. - Da declaração emitida pelo Banco consta um segmento que deve ser valorizado na interpretação contratual e que aponta, de forma decisiva, para a caracterização da relação entre os pais da Autora e o Banco Réu como sendo de conteúdo mínimo: o facto de na declaração constar uma referência a guarda em "casa forte"; esse segmento do contrato é absolutamente decisivo para se concluir, como concluíram as instâncias, que a obrigação do Banco Recorrido era de mero custodiante; na realidade, a obrigação de apresentar os títulos na data de vencimento é incompatível com aquela obrigação – que consta expressamente do título contratual – de manter os títulos em casa forte; III. - Inexistindo dúvidas – Cfr. ponto 1 da matéria dada como provada - que o cupão nº 97 era "a vencer em 15.6.67", forçoso será concluir que "os créditos correspondentes ao capital mutuado ( ... ) prescrevem, considerando-se abandonados a favor do FRDP, no prazo de 10 anos contados da data do respectivo vencimento ( ... )" IV. Os créditos correspondentes ao capital mutuado prescreveram em 15.6.77, portanto; Assumindo, apenas a benefício de raciocínio, a conduta culposa do Banco Réu no facto de juros e capital terem prescrito, a eventual responsabilidade do Banco Réu por esse incumprimento contratual prescreveria, ela própria, em Junho de 1992 (quanto aos juros) e Junho de 1997 (quanto ao capital), nos termos do artigo 309.º do Código Civil; VI. A Recorrente não provou qualquer facto que permita ao Supremo Tribunal concluir que o Banco incumpriu o contrato que se encontra junto aos autos, designadamente, que o Banco tenha incumprido qualquer obrigação de restituição que perante aqueles depositantes tivesse; VII. O ónus da prova sobre o incumprimento contratual por parte do Banco Réu impendia sobre a Autora porque esse incumprimento é constitutivo do direito; a sua omissão deve ser resolvida contra si, nos termos do artigo 342.º do Código Civil; VIII. O incumprimento não se presume, nem à luz da responsabilidade contratual; improvado o incumprimento não tem lugar a inversão do ónus da prova prescrita pelo artigo 799.º do Código Civil; IX. Em face do disposto no artigo 40.º do Código Comercial, o Banco Réu já não estava obrigado a conservar o documento comprovativo da eventual entrega dos títulos aos pais da Autora, pelo que o facto de o Banco não ter juntado esse documento aos autos não pode ser contra si valorizado.” I.B. – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO. - Contrato de Depósito. Obrigação de restituição. Incumprimento. - Prescrição. II. FUNDAMENTAÇÃO. II.A. – DE FACTO. Vem adquirida das instâncias a factualidade que as seguir queda extractada: “1- Em 13/4/1967, os pais da A., DD e EE acordaram com o Banco "FF" que: "Ficam depositados neste Banco os valores abaixo descritos, para serem guardados na nossa casa forte em nome de Exmo. Snr. DD ou da Exma. Snra. D. EE a quem serão entregues contra este documento, devidamente assinado (...) 10.060 (dez mil e sessenta) obrigações do valor nominal de Esc. 1.000$00 cada uma EMPRÉSTIMO PORTUGUÊS INTERNO 2 ¾% "Consolidado" 1943 com o cupão n.º 97 a vencer em 15 de Junho de 1967 e seguintes e representadas pelos seguintes títulos: - 10 títulos de 1 obrigação cada título nos. 15917/8,23702/8 e 1062134 ; - 1.005 títulos de 10 obrigações cada titulo nos. (...)", tudo conforme documento de fls. 12, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 2 - O Banco "FF" foi, entretanto, adquirido pelo "GG Bank" que, por sua vez, foi anexado ao R.. 3 - A mãe da A. faleceu em 21/10/1985 e o pai da A. faleceu em 2/12/1993. 4 - Em Setembro de 2006, a A. contactou a Agência da ... do R. com o intuito de proceder ao levantamento das obrigações constantes do título referido em 1.. 5 - Foi referido pelos funcionários daquela agência do R. que os títulos em causa estariam vencidos desde 1967. 6 - Em 7/9/2007, o R. remeteu à A. a carta de fls. 30, cujo teor se dá aqui por reproduzido, nos termos da qual declara: "Os títulos em causa e mediante o estipulado no n.º 2 do art. 13.º da Lei n.º 7/98, de 3 de Fevereiro, os créditos correspondentes ao capital mutuado e as rendas vitalícias prescrevem, considerando-se abandonados a favor do Fundo de Regularização da Divida Pública, no prazo de dez anos contados da data do respectivo vencimento ou do primeiro vencimento de juros ou rendas posterior ao dos últimos juros cobrados ou rendas recebidas, consoante a data que primeiro ocorrer". 7 - A A. era filha única. 8 - Em 1988 ou 1989, o documento de suporte referido em 1. foi encerrado num cofre. 9 - Só no verão de 2006 é que foi dada a conhecer à A. a existência do documento referido em 1.. 10 - Desconhecendo-o anteriormente. 11- Os títulos de dívida pública do tipo dos referidos no documento identificado em 1. foram desmaterializados em 8/1/2001. 12 - Os títulos referidos em 1. não foram entregues à "CC, S .A.", para efeitos da desmaterialização referida em 11.. 13 - DD e EE não apresentaram os títulos em causa, juntamente com o respectivo talão de renovação, para troca dos mesmos e cobrança de juros.” II.B. – DE DIREITO. II.B.1. – CONTRATO DE DEPÓSITO. OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO. INCUMPRIMENTO. O âmbito ou thema decidendum imposto pela decisão da comissão preliminar de análise para admissibilidade do recurso de revista excepcional, estatuída no n.º 3 do artigo 7 21.º-A do Código Processo Civil, atina com duas questões axiais: 1) - caracterização ou desenho conceptual do tipo de contrato celebrado entre os pais da demandante e o “FF”; e 2) – se os títulos entregues ao custodiante/depositário se encontram prescritos. As instâncias qualificaram o contrato celebrado entre os pais da demandante e o primevo depositário, “FF”, como um contrato de depósito de natureza mercantil regulado e recortado legalmente nos artigos 403.º a 408.º do Código Comercial. Recortando os elementos ou circunstâncias definitórios que devem estar presentes para que um contrato possa ser qualificado como de depósito mercantil – cfr. artigo 303.º do Código de Comércio espanhol -, escrevem Manuel Broseta Pont e Fernando Martinez Sanz que, em primeiro lugar é necessário que o depositário, pelo menos, seja comerciante; em segundo que as coisas depositadas sejam objecto de comércio (mercadorias, títulos ou dinheiro); e terceiro que o depósito se faça como causa ou consequência de operações mercantis. [[1]] Internando-se na conceptualização e conteúdo deste tipo de contrato, referem estes autores que se trata de um contrato e natureza real, dado que se perfecciona mediante a entrega do seu objecto ao depositário, sendo que, no aviso destes autores nada impede que p contrato se perfeccione por mero consentimento “de modo a que a entrega da coisa seja simplesmente o momento a partir do qual se inicia a exigibilidade das obrigações do depositário”, [[2]] até porque não é condição do contrato que o depositante seja o proprietário da coisa (caso, indicado pelos autores o depósito efectuado por um transportador à espera que as mercadorias sejam recolhidas pelo destinatário ou por outro transportador). Conferindo as obrigações do depositário, referem como axial a de custodiar e restituir, sendo que na obrigação de custódia se inere e está comportada a responsabilização pela prestação de serviços e demais diligências tendentes a evitar “menoscabos, danos ou prejuízos das coisas depositadas”. A custódia, segundo os citados autores, constitui uma obrigação duradoura, “cuja exigibilidade abarca toda a vigência do depósito”. Na obrigação de restituir está inerida a injunção ou o imperativo legal de devolver e entregar a coisa ao depositante “com sus aumentos, se los tuviera, quando el depositante se los pida”, no termo do prazo pactuado ou não havendo prazo fixado, sempre e quando a coisa lhe seja exigida pelo depositante. [[3]] Pela obrigação que contrai ao firmar um contrato de depósito, o depositário assume a responsabilidade de custódia e de confiança, ou seja “responde pelos danos que sofram as coisas pela sua malicia (dolo), pela sua negligência e inclusivamente nos casos em que, causado o dano pela natureza ou vício próprio da coisa, não tenha feito o necessário para o evitar. De tudo isto se desprende que o depositário não cumpre a obrigação de custódia adoptando uma mera e simples conduta passiva, mas sim que deve prestar uma activa diligência nos serviços de custódia.” [[4]] Do lado do depositante, este assume como obrigações elementares ou típicas do contrato de depósito mercantil, em primeiro lugar retribuir ao depositário pelo serviço de custódia, salvo se tiver sido acordado o contrário; e em segundo, reembolsar o depositário pelos gastos e despesas que tenha efectuado pela conservação da coisa depositada e indemniza-lo de todos os prejuízos que tenham derivado do depósito, apesar de os autores que vimos seguindo, concluírem que esta obrigação não é aplicável ao depósito mercantil “por ser normalmente retribuído e estarem incluídos os gastos de custódia e conservação na retribuição, a menos que se tratem de gastos e prejuízos extraordinários não compensados pela retribuição.” Tal como acontece nos contratos de depósito de natureza civil, também no contrato de depósito mercantil o depósito pode assumir a característica de regular ou de irregular. Pelo primeiro o depositário recebe uma ou várias coisas móveis (mercadorias, valores) e obriga-se a custodiá-las de forma diligente e a restitui-las com os seus aumentos, se os tiver, quando o depositante o solicite. “é a figura normal do depósito, cujo traço essencial radica no facto de que o depositante em momento algum perde a titularidade das coisas depositadas, nem o depositário adquire a sua propriedade.” [[5]] Ao contrário, o depósito irregular aparece quando o objecto do depósito são coisas fingíveis e mediante pacto expresso o depositário adquire a sua propriedade, podendo usá-las e dispor delas, obrigando-se, no entanto a restituir ao depositante a pedido deste, não as mesmas coisas recebidas, mas sim outro tanto da mesma espécie e qualidade (tantundem eiusdem generis). [[6]] Para Florencio Ozcárisz Marco, pelo contrato de depósito “[o] Direito oferece ao possuidor de coisa móvel que, sem renúncia alguma aos direitos que sobre a mesma lhe correspondam, e mais concretamente sem renunciar ao seu direito a continuar a possuir no futuro, se vê no caso de lhe convir ou necessitar cessar temporariamente na posse de um bem de modo a que outro o possua para ele, cuidando do mesmo para que continue no seu ser conforme à sua natureza (obrigação de guarda como cuidado da coisa) e não cedendo na sua posse (obrigação de guarda como custódia perante a agentes exteriores) para assim consumar o contrato ao cessar a sua posse(obrigação de restituição).” [[7]] “El estudio del comportamiento del depositário en la prestación de su obligación principal de guarda es el estudio de la manera en que este contratante esté obligado a poseer una cosa, pues una situación de deposito no va a ser otra cosa que una singular situación posesoria. O seja, que no se trata de un hacer algo en posesión de una cosa, sino la mera psessión de algo que beneficia a otro que temporalmente no debe correr con las cargas y riesgos ineherentes al hecho posesorio. No hay un plus obligacional añadido al hecho posesorio; éste constituye en sí mismo la prestación debida, con la que el depositante se satiface.La posesión de la cosa dada en deposito, com los perfiles que acabamos de hacer referencia, constituye en sí misma la prestación debida por el depositario en la obligación de guarda. La guarda en el deposito es la misma posesión. Ella sola satisface el interés del depositante.” [[8]] A obrigação de possuir, enquanto conteúdo da obrigação de guarda, tem como objecto um determinado comportamento possessório. “O depositário como possuidor da coisa depositada, encontra-se a par do titular do ius possidendi, na obrigação de possuir de maneira determinada, formando parte dessa maneira de possuir a obrigação de não se desprender da coisa depositada se não a favor de pessoas determinadas e no momento oportuno.” [[9]] A matéria de facto adquirida para a decisão de direito permite descortinar a existência de uma relação contratual de depósito que ficou estabelecida entre os pais da demandante/recorrente e o banco demandado. De um lado, os pais da demandante, proprietários dos títulos identificados no item primeiro da decisão de facto, procederam à entrega de dez mil e sessenta (10.060) títulos que haviam subscrito no âmbito de uma operação de empréstimo do Estado português; do outro lado, o banco demandado, enquanto depositário, comprometeu-se a guardar os referidos títulos e fazer a sua restituição aos depositantes no momento e quando estes apresentassem o documento que comprovava e consignava a entrega dos mencionados títulos. Estamos perante um contrato de depósito mercantil – pelo menos o depositário realiza actos de comércio – sem prazo certo, ou seja sem indicação do momento certo e estipulado em que a entrega devia ser restituída. O depositário, pelo contrato ajuizado, comprometeu-se a ficar com a guarda dos títulos e só os restituir a quem exibisse/apresentasse o documento comprovativo da entrega. Tratava-se de um vínculo permanente e isento de prazo que podia ser exigido pelo depositante a qualquer altura, não podendo o banco demandante alienar-se da guarda e da custódia dos bens dados em depósito sob pena de incumprimento do contrato. O contrato mantinha a respectiva vigência enquanto o depositante não exigisse a entrega dos títulos e o depositário estava obrigado, pela relação contratual a que se vinculara, a envidar todos os esforços para que os títulos se mantivessem disponíveis para a respectiva entrega quando e no momento em que alguém com o documento comprovativo da entrega exigisse a sua restituição. O que se desprende dos articulados – embora não tenha sido transportado para a decisão de facto – é que o banco demandado não sabe onde os títulos se encontram – cfr. artigo 5.º da petição inicial “desconhecendo a Ré onde os títulos se encontram (…) – e se terá alienado da sorte dos títulos – “conservando os títulos em depósito até à sua devolução, que ocorreu, seguramente, antes de 1993” (artigo 3.º da petição inicial)”. O réu não procedeu com a diligência e zelo que o vínculo contratual que estabeleceu com os pais da demandante reclamava e exigia a relação contratual consolidada. O banco não pode, á luz das exigências concomitantes com uma guarda efectiva e actuante, dizer, como refere na petição inicial, que terá, eventualmente, procedido à entrega dos títulos antes de 1993. Ao fazer esta afirmação o banco devia comprovar a quem os entregou, em que circunstâncias o fez e estar da posse do comprovativo (assinado) de a quem fez a entrega dos títulos. A displicência com que pretende alijar as responsabilidades e a ligeireza com que se desprende da obrigação que assumiu patenteia uma negligência ostensiva pela posição de custodiante em que estava investido. Nos termos da relação contratual estabelecida, e como forma de desoneração da obrigação de restituição dos títulos que tinha recebido para guarda era ao banco demandado, em face do documento em posse da filha dos depositantes, era ao banco demandado que incumbia provar que tinha procedido à restituição, qual tinha sido o momento em que essa entrega/restituição se tinha verificado e a quem essa restituição tinha sido efectivada. Ao não provar que procedeu à restituição dos títulos e mantendo a demandante o documento comprovativo que o banco era depositário dos títulos, encontra-se o banco constituído na posição de incumpridor, devendo ser responsabilizado pela perda ou não existência dos bens que lhe foram entregues para depósito e guarda. Ao não possuir os títulos para os restituir a quem possui o documento comprovativo da entrega, o banco incumpre, de forma culposa, na modalidade de negligência grosseira, o dever/obrigação de restituição a que se tinha pelo vínculo contratual que celebrara com os depositantes. A situação de incumprimento induz a condenação do banco/demandado na condenação de restituição dos títulos ou não sendo possível a sua restituição, como confessa não ser, no equivalente ao valor que eles titulavam, acrescidos dos juros que teriam vencido desde a data em que o depósito foi efectivado. Neste sentido deve ser entendido o pedido da demandante. Na verdade, a petição inicial, ainda que mal alinhavada, por enviesada e distorcida caracterização das questões jurídicas que estavam em tela de juízo, funda-se numa relação negocial adveniente de um contrato de depósito mercantil, derivando daí o pedido. O pedido formulado, em que se pede a condenação nas quantias correspondentes ao valor dos títulos, decorre do facto de o banco não ter restituído os títulos – bens corpóreos e materiais que lhe forma entregues para guarda – que os pais da demandante lhe tinham entregue em para guarda. A não restituição dos títulos, enquanto objecto materialmente identificável do contrato de depósito, induz a que a actual proprietária peça, em sua substituição, o valor que correspondia ao quantitativo monetário que estava inscrito em cada um. Esta causa de pedir e pedido, não podem confundir-se com uma outra que seria possível para a demandante, se o banco depositário lhe devolvesse ou restituísse os títulos que se tinha, contratualmente a guardar e a conservar até lhe serem solicitados pelo depositante, que poderia consistir em pedir ao obrigado ao pagamento das quantias vencidas ao devedor Estado português. Causa de pedir e pedido que a demandante não poderia formular contra o Estado português, dado que não possui os títulos que teria que apresentar e exibir para que os montantes vencidos pudessem ser solvidos. A não restituição dos títulos, por parte do depositário – por haverem desaparecido ou se terem extraviado, ou por qualquer outra razão – ilaqueiam a possibilidade de pedir ao devedor, Estado português, o respectivo pagamento. A obrigação de restituição, como se demonstrou, mantém-se, por o banco demandado não ter provado que procedeu à restituição dos títulos a quem estivesse na posse do documento comprovativo da entrega e mantém-se actualmente, pois ao contrário do que foi a decisão das instâncias a obrigação de guarda e restituição, que se estabelece pelo vinculo e pela relação contratual entre depositante e depositário, não se confunde com a relação estabelecida entre os adquirentes dos títulos do empréstimo público e o emitente dessa divida pública, o Estado português. Uma coisa é a relação contratual de depósito firmada entre o depositantes e o banco e outra completamente diversa, distinta e distante, é aquela que foi estabelecida entre o depositante/adquirente dos títulos da divida pública ou do empréstimo publico interno e o Estado/emitente dessa divida pública. Pela relação contratual de depósito o banco comprometia-se a guardar, custodiar e gerenciar os títulos, pela relação de compra e venda dos títulos o adquirente/depositante comprometeu-se a pagar o valor correspondente a cada título que adquiria e o Estado comprometeu-se a entregar os documentos que comprovavam a titularidade da divida correspondente aos títulos que entregava. A relação de depósito estabelecida entre demandado e depositante é, pois, totalmente alheia e distinta, da relação de compra e venda que o depositante estabeleceu com o Estado português. Esta distinção das relações contratuais que se planteiam e configuram no litigio conduz-nos à questão da prescrição dos títulos. II.B.2. – PRESCRIÇÃO. A questão da invocação, pelo banco depositário, da prescrição dos títulos, é, em nosso aviso, totalmente despropositada. Como se procurou antecipar supra, o banco depositário não pode invocar para a sua relação contratual – relembra-se, se necessário fosse, de simples custodiante e guarda dos títulos – a prescrição do títulos da divida pública. E não pode fazer pela singela e lhana razão de que não é sujeito da relação contratual onde a excepção poderia ser invocada para que o outro sujeito da relação jurídica se desonerasse do cumprimento de pagamento dos juros e/ou dos títulos de crédito objecto do depósito. O sujeito da relação contratual que poderia invocar a excepção de prescrição, com o que se desoneraria do pagamento dos juros e do quantitativo inscrito nos títulos, era, e continua a ser, o Estado português. O banco, como depositário é sujeito alheio a esta relação contratual, e sendo-lhe a relação contratual alheia não pode invocar a seu favor uma excepção que desoneraria do pagamento dos juros e do quantitativo titulado nos títulos que aceitou em depósito, por não estar contida na sua relação contratual o direito subjectivo de crédito que foi incorporado nos títulos que lhe forma entregues em depósito. O banco depositário é totalmente alheio à obrigação creditícia que advém para o devedor – o Estado português - de pagamento dos juros e do quantitativo titulado pelos títulos que se obrigou e comprometeu a guardar, a favor e no interesse do depositante/adquirente. O que se passa entre o adquirente titular dos títulos de crédito de divida pública, ou do empréstimo público, e o Estado português, emitente e obrigado ao pagamento dos juros e das quantias inscritas nos títulos, quando se vencessem, não pode ser invocado para a relação contratual de depósito que aquele celebrou com o banco. Nem prefigurando a hipótese de o depositário, enquanto possuidor em nome alheio, invertesse o título de posse, passando da mencionada qualidade – possuidor em nome alheio, para possuidor em nome próprio -, adquiriria a possibilidade de invocar a prescrição. Neste caso, e a verificar-se a hipótese prefigurada, sempre seria o Estado português a ter a faculdade legal de opor a excepção de prescrição, que o desonerasse do pagamento a que estava obrigado perante o possuidor dos títulos, desta sorte não ao primitivo adquirente, mas ao inversor do título possessório, isto é, ao depositário que pela reversão negativa do título possessório se tivesse transmutado de possuidor em nome próprio para legitimo portador dos títulos, isto é, possuidor legitimo dos mencionados títulos. Como se alcança das decisões proferidas, e não é colocado em crise por qualquer dos contendores da acção, os depositantes adquiriram os títulos de créditos decorrente da operação de empréstimo ao amparo de normação que regulou essa emissão de empréstimo e que regulava os termos em que o obrigado/mutuário – o Estado português - se comprometia a efectuar o pagamento dos juros e das quantias inscritas nos títulos que incorporavam o montante ou quantitativo do crédito que se obriga a reembolsar ou a prestar, no prazo estipulado ou quando lhe fosse exigido. Pela aquisição dos títulos de divida, titulando uma quantia que o Estado português se comprometia a pagar, e que o obrigado/mutuário entregou aos adquirentes, como conferência da qualidade de mutuante e de credor do Estado português, os adquirentes tornaram-se sujeitos de uma relação creditícia configurada e consolidada pelos termos definidos no adrede diploma legal - Decreto-Lei n.º 32.769, de 30/4/1943. A relação contratual estabelecida e firmada entre os adquirentes dos títulos de crédito, enquanto credores, e o emitente da divida, enquanto devedor, é uma relação creditícia que vigora e se consolida entre os sujeitos dessa relação contratual, dispensando quaisquer outros sujeitos, que por lhe serem alheios lhes fica vedado interferir no seu desenvolvimento e vigência. A relação que ficou estabelecida entre os adquirentes/possuidores dos títulos de crédito que titulam o empréstimo e o devedor só pode ser interrompida, modificada ou afectada pelos impulsos ou reacções que os sujeitos dessa relação lhe quiserem imprimir e não por quaisquer outras pessoas que estão colocadas à margem do vínculo firmado. A invocação da prescrição pelo depositário constitui-se, nesta abordagem, abusiva e desprovida de legitimidade. Usando aqui, e com liberdade literária, para que se pede autorização, um apotegma muito utilizado pelo escritor espanhol Arturo Perez Reverte, ao banco depositário “ninguém lhe deu vela neste funeral”. O banco depositário apenas tinha e tem que responder pela obrigação que firmou e constituiu com o depositante, a saber empenhar-se para que os bens corpóreos, materiais e fisicamente identificáveis que lhe foram entregues para guarda estivessem disponíveis quando fossem reclamados para restituição. E no âmbito desta relação, e correlativa obrigação/dever contratual, não está incluída a faculdade/poder de fazer cessar uma relação creditícia que foi estabelecida entre sujeitos completamente distintos e com obrigações de natureza e perfil absolutamente dissociados e díspares daqueles que são os seus. Não se trata, ao invés do que se refere no douto parecer, de uma questão de sequenciação dos juros ou de qualquer outra estipulação a defluir do diploma que regulou as relações entre o Estado devedor e os titulares da divida, enquanto credores, mas tão só que o banco depositário não tem legitimidade substantiva para invocar uma excepção que só o Estado devedor, enquanto titular e sujeito da relação creditícia, poderia invocar. O depositário tem de cingir a sua defesa ao âmbito da relação contratual que consolidou com o depositante, e nesta configuração legítima e arrimada com o dever/obrigação que contraiu perante este, só poderia excepcionar o cumprimento se tivesse alegado que já tinha feito a restituição dos títulos aos depositantes ou a quem se tivesse apresentado a reclamá-los. Este é o âmbito e o raio de acção e reacção em que o depositário tem legitimidade (substantiva) para desenvolver a sua defesa processual e não na invocação de meios de defesa que não cabem de forma alguma no conteúdo e no feixe de obrigações e deveres que estão contidos no contrato celebrado entre si e o depositante. Prova de que os títulos, enquanto coisas corpóreas, moveis e infungíveis – e foram coisas com esta natureza e constituição material que foram entregues pelo depositante ao banco depositário para guarda e custódia - não prescrevem, é que as coisas com estas características de materialidade e composição física só são susceptíveis de desaparecer, ser destruídas, estropiadas, consumidas ou objecto de subtracção . Dir-se-á, com razão, que os títulos entregues, tal como acontece com uma letra ou um cheque, são coisas corpóreas e móveis que incorporam um direito de crédito e como tal, nessa acepção são prescritíveis. Deverá, assim, ser com este sentido, compreensão e alcance jurídico-terminológico que deve ser entendida a invocação da prescrição e a alusão aos títulos enquanto representações jurídicas ou entidades susceptíveis de prescrição. Adrega que, no caso, não se pode entender a relação de depósito como uma relação cambiária, com é o caso das letras ou cheques em que o direito subjectivo (à prestação) do crédito se incorpora no próprio titulo, para efeitos da imediata exigibilidade e exequibilidade, mas sim como uma acção (material e palpável) de entrega de uma coisa corpórea, materialmente reconhecível e apreensível e infungível que o proprietário dessa coisa ou bem material faz ao depositário. Como acertadamente se refere, no entanto, no douto parecer, e concomitantemente, o Estado devedor não reagiu contra os titulares/possuidores dos mencionados titulares da dívida pública. É que os títulos correspondentes a essa emissão se encontram desmaterializados na CC, o que inculca a ideia de que estão activos e o Estado português se reconhece devedor das quantias que neles se encontram tituladas. Não tendo o Estado português, enquanto sujeito da relação de crédito e na posição de devedor, invocado a prescrição, a sua invocação pelo depositário constitui-se uma intromissão despropositada na relação da entidade devedora. Pelas expostas razões, não tem, o depositário, legitimidade, substantiva e essencial, por estar colocado numa posição de exterioridade relativamente à relação típica e essencial do contrato de mútuo e, assim, ser alheio à relação creditícia estabelecida entre o depositante/credor e o Estado/devedor, para se desonerar da sua obrigação de restituição que constitui e firmou entre si e o depositante, pela invocação da excepção de prescrição do pagamento de juros ou dos títulos. A restituição dos títulos, enquanto bens materiais e fisicamente reconhecíveis – pelo menos até à desmaterialização efectuada na CC, em 1994 – e colocados à guarda a cargo do depositário, não prescreve – como resulta de manifesta e axiomática evidência - podendo quando muito, se houver inversão do titulo possessório, deixarem de ser possuídos em nome alheio para passarem a ser possuídos em nome próprio, ocorrendo, por acção desta atitude e comportamento positivo do depositário, uma substituição da qualidade do proprietário, que deixa de ser o depositante passando a ser o depositário e, neste caso sim, uma prescrição aquisitiva, nos termos definidos pela anterior fenomenologia institucional jurídica, ou usucapião, nos termos da terminologia actualista. Será ocioso adir que os títulos, enquanto bens físicos, infungíveis e passiveis de se objecto de posse – cfr. artigos 202.º e 205.º do Código Civil -, não prescrevem precisamente por serem coisas materiais, antes podendo ocorrer uma alteração ou modificação dos sujeitos possuidores e suceder que os actos materiais de posse que sobre eles são exercitados e praticados serem exercidos, ou deixarem de o ser, por um ou outro sujeito. A prescrição é um instituto jurídico que ocorre e actua sobre direitos e não sobre as coisas materiais e fisicamente determinadas. O direito de propriedade que o depositante detém sobre a coisa móvel depositada só se altera ou modifica se o sujeito a quem o haja dado para guarda – para nos confinarmos ao caso presente – modificar a relação possessória sobre essa concreta e especifica coisa móvel e corpórea, alterando dessa forma o direito subjectivo sedimentado sobre essa coisa. O depositário não alega a existência de uma modificação do estatuto possessório sobre a coisa móvel e infungível que lhe foi entregue para guarda e que, por contrato, se obrigou a conservar, preservar e manter no interesse de outrem, perante quem se obrigou a restituir essa(s) concreta(s) e especifica(s) coisa(s) (móvel(eis) e infungível(eis)) em estado idêntico ao que lhe havia sido entregue no momento da guarda. Como se disse supra, se alegasse a inversão do título possessório, poderia invocar a prescrição aquisitiva do direito de propriedade sobre as coisas móveis que lhe haviam sido entregues para guarda e, a final do contrato, se tivesse sido estabelecido prazo, restituição, não o tendo feito não ode invocar a prescrição de um direito de crédito que exorbita e exaspera a relação contratual a que se vinculou e obrigou pela relação contratual de depósito. A prescrição do direito de crédito titulado e incorporado nos títulos de créditos pertencentes ao depositante, que se traduziria, no caso, na desoneração do pagamento de juros e das quantias tituladas nos títulos – e não dos próprios títulos, como coisas físicas e materiais, que foram objecto de depósito a cargo do depositário – só poderia ser invocada pelo devedor/Estado, por ser ele o titular da relação creditícia e, no caso, da correlativa obrigação de prestar ao credor o quantitativo correspondente ao valor inscrito nos títulos. Como se disse, e itera-se, nunca essa invocação da prescrição do direito à prestação da quantia devida poderia ser impulsada pelo encarregado de cuidar, zelar, guardar as coisas materiais e físicas de que fez incumbente e obrigado a guardar e restituir. Não colhe, pois a argumentação jurídica, desenvolvida pelas instâncias.
III. – DECISÃO. Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em: - Conceder a revista e, em consequência, revogando a decisão impugnada, condena-se o banco/depositário a pagar à demandante o valor correspondente aos títulos entregues em depósito; - Custas pelo recorrido.
Lisboa, 4 de Julho de 2013
Gabriel Catarino – (Relator) Maria Clara Sottomayor Sebastião Póvoas ______________________ |