Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
758/09.1JABRG.G1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUES GASPAR
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
TENTATIVA
ANALOGIA
MEIO INSIDIOSO
REFLEXÃO SOBRE OS MEIOS EMPREGADOS
UNIÃO DE FACTO
PREMEDITAÇÃO
ARMA DE FOGO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PENA DE PRISÃO
PRINCÍPIO DA ADESÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Data do Acordão: 07/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I - A analogia, enquanto critério de identificação de categorias ou situações, constitui um instrumento same level reasoning para apuramento de identidade substancial relevante, através da verificação e comparação de elementos que justifiquem, no efeito e no âmbito pretendido, a aplicação de um determinado regime, em princípio definido para uma das categorias Agregador e factor de recompreensão de categorias, a analogia tem como referentes critérios materiais de «proporção de relações» e «similitude de relações», mediante comparação de realidades que subsistem na diferença, num juízo que justifica a «racionalidade da associação na diferenciação».
II - Considerada na perspectiva da correspondência ou semelhança entre categorias diferentes, a relação que se estabeleceu entre o recorrente e a assistente, na duração, na coabitação durante algum tempo, na comunhão de espaço, «ora em casa do arguido, ora em casa da assistente», bem como a intenção de vida em comum, são factores e elementos que assumem consistência para integrar a proporção e similitude de relações, ou seja, analogia quanto a momentos substanciais da relação conjugal. Efectivamente, apesar de não se achar provada a existência de vínculo «patrimonial e financeiro», nem de todas as componentes dos deveres próprios da relação conjugal, tal como a define o art. 1672.º do CC, são exigidas. Há conteúdos determinantes da relação conjugal que a própria norma da al. b) do n.º 2 do art. 132.º do CP não considera essenciais para a definição do conteúdo relevante da relação de similitude que prevê.
III - Meio insidioso é o que se apresenta como enganador, dissimulado, imprevisto, traiçoeiro, desleal para com a vítima, constituindo uma surpresa para a vítima ou colocando-a numa situação de vulnerabilidade ou desprotecção em termos de a defesa se tornar difícil; é o ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada ou confiante antes de se perceber o gesto criminoso.
IV - No caso dos autos ficou demonstrado que no dia 12-11-2009, pelas 06h 45, quando a assistente saiu do prédio e se preparava para entrar no táxi, surgiu o arguido que, a poucos metros, munido de uma pistola semiautomática, de calibre 6,35 mm, e, com a intenção de a matar, efectuou seis disparos na direcção desta e do táxi, atingindo-a no ombro esquerdo, no abdómen e numa carteira que trazia ao ombro a tira colo. Nestas circunstâncias de tempo e lugar, em espera junto à residência da ofendida e àquela hora da manhã, a acção do recorrente foi inesperada, súbita e sorrateira, imprevista e de surpresa, com todas as características de traiçoeira e desleal, sem dar à vítima uma oportunidade de defesa, revelando-se, assim, insidiosa nos limites valorativos da al. i) do n.º 2 do art. 132.º do CP.
V - A al. j) do n.º 2 do art. 132.º do CP considera como circunstância susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade «agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte quatro horas». No que respeita à persistência da «intenção de matar por mais de vinte e quatro horas» a verificação e prova desta circunstância depende, exclusivamente, da caracterização e interpretação contextual da actuação e do estado espírito do agente; a prova, embora indirecta através de factores de conformação, é imediatamente factual, dispensando elaborados procedimentos de reflexão.
VI - Provou-se que o recorrente «actuou com o propósito» de «tirar a vida» à ofendida, «pela recusa [da ofendida] em reconciliar-se com ele e pelos ciúmes que sentia», «o que vinha anunciando desde Fevereiro de 2009» e também que detinha «desde data não apurada até 12 de Novembro de 2009, a [...] pistola e munições, não obstante saber que não lhe era permitida a sua obtenção, por não ser titular de qualquer documento que o habilitasse para o efeito». Estes factos, sem outros esclarecimentos complementares que possibilitem a apreensão externa do foro pessoal e íntimo e uma interpretação ou leitura isenta de dúvidas razoáveis de sentimentos e pensamentos que são inteiramente da reserva de espírito do agente, não permitem considerar que o arguido tivesse formulado definitivamente, com consistência e não apenas hipoteticamente pensada ou sentida por um impulso momentâneo, a acção que acabou por praticar.
VII - Na verdade, a persistência da intenção de matar «por mais de vinte e quatro horas» significa não apenas um qualquer pensamento de momento, logo superado, mas um propósito firmado e firme, consistente, determinado, permanente, sem solução de continuidade na vontade de execução «por mais de vinte e quatro horas». O anúncio de uma intenção pode ser simplesmente um modo de exteriorização de uma ameaça, e a circunstância de possuir uma arma, apenas por si, não permite afirmar e deduzir, segundo as regras de experiência que comandam as presunções naturais, que tenha existido formação do propósito e, mais, que o propósito se tenha mantido permanente (tenha persistido) ao longo do tempo, pelo que não se tem por verificada a circunstância referida na al. j) do n.º 2 do art. 132.º do CP.
VIII - Na realização dos fins das penas (protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – art. 40.º, n.º 1, do CP) as exigências de prevenção geral constituem, nos casos de homicídio, uma finalidade de primordial importância, constituindo factores de medida da pena a indicação feita no art. 71.º do CP. Num quadro de culpa elevada, é também intensa a ilicitude do facto, pelo valor afectado e pelo modo de execução, destacando-se, ainda, a gravidade das lesões sofridas pela vítima e das consequências efectivas (duas cicatrizes no ombro esquerdo 3 cms abaixo da clavícula e duas na região abdominal, bem como dificuldade permanente de mobilização do braço esquerdo e alterações do sono e fobias, sendo ainda causa de 30 dias de doença, com igual período de afectação da capacidade de trabalho geral e profissional) e a ausência de arrependimento. Releva, também, a circunstância de o recorrente sofrer de «perturbações afectivas», «depressão e ansiedade», e ter anterior internamento hospitalar «em consequência de um ferimento com arma de fogo», sendo posteriormente seguido na especialidade de psiquiatria. Ponderando todos estes factores, é adequada a pena de 7 anos de prisão pelo crime de homicídio tentado (em substituição da pena de 10 anos de prisão aplicada em 1.ª instância).
IX - Para formação da pena única, segundo o art. 77.º, n.º 1, do CP, «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». Nesta formulação está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexões entre os factos em concurso. Importa, deste modo, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se reconduzem a um pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.
X - No caso, os factos pelos quais o arguido foi condenado foram praticados num determinado período (entre 25-01 e 09-11), sempre na mesma contextualidade ambiental, de acentuada afectação emocional em consequência de uma ruptura na relação com a ofendida. O ilícito global e a valoração conjunta da ilicitude impõe que o resultado plural seja entendido unitariamente e no crescendo de perturbação e da desordem subjectiva do recorrente, que culminou no episódio mais grave que ditou a sua condenação por tentativa de homicídio. Do lado da personalidade do recorrente, que se revela nos factos, não se evidencia uma tendência desvaliosa, mas apenas fortemente condicionada, nas suas manifestações externas, pelas «perturbações afectivas», conjugadas com os desvios co-determinados pelas afectações de depressão e ansiedade. Todos esses elementos aconselham que sejam tomadas em devida consideração as consequências da pena única nas possibilidades e necessidades de prevenção especial, nas condições específicas que estão provadas relativas à saúde psíquica do arguido.
XI - Dentro da moldura do concurso que resulta das penas parcelares a que o arguido foi condenado (7 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado tentado, 3 anos de prisão pelo crime de violência doméstica, 2 anos de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, 1 ano e 6 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, 6 meses de prisão pelo crime de ameaça, 1 ano de prisão pelo crime de ameaça agravada e 6 meses de prisão pelo crime de dano), tendo em consideração todas as referidas circunstâncias, relativas ao conjunto dos factos e à sua personalidade, é adequada a pena púnica de 8 anos e 6 meses de prisão.
XII - O art. 496.º, n.º 1, do CC, estabelece um princípio geral em matéria de responsabilidade civil por factos ilícitos, remetendo no n.º 2, quanto aos danos não patrimoniais, para um montante fixado equitativamente segundo as circunstâncias referidas no art. 494.º (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso). A solução segundo equidade significa a intervenção do justo critério do juiz na ponderação ex aequo et bono das circunstâncias particulares do caso, partindo das conjunções referenciais da ordem jurídica, e da função do critério e das finalidades a realizar.
XIII - O art. 496.º, n.º 3, do CC, remete o juiz para uma decisão equitativa, apontando-lhe os parâmetros de circunstâncias que deve ter em conta para decidir «equitativamente» sobre a fixação da indemnização por danos não patrimoniais. Os critérios de equidade remetem, assim, para uma operação complexa, que não depende inteiramente de considerações de direito estrito, mas antes de referenciais que se acolhem a uma concreta ponderação de razoabilidade, ao prudente arbítrio, ao senso comum dos homens e à justa medida das coisas, critérios que no caso foram observados com a indemnização fixada em 1.ª instância à demandante por danos não patrimoniais (€ 25 000).



Decisão Texto Integral:

                        Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

            1. No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Colectivo que corre termos na 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães com o nº 758/09.1JABRG, submetido a julgamento, foi proferido acórdão onde se decidiu:

A) Parte Criminal.

a) absolver o arguido AA da prática de um crime de ameaça, p. e p. pelos artigos 153º/1 e 155º/1 a). do Código Penal;

b) condenar o arguido AA pela prática de crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 132º/2, alíneas b)., i). e j). do Código Penal, por referência aos artigos 22.º, 23.º e 73.º, do mesmo diploma legal, na pena de dez anos de prisão;

            c) condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º/1 b). e n.º 2 do Código Penal, na pena de três anos de prisão;

            d) condenar o arguido AA pela prática de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, por referência ao artigo 132º/2, alínea h), todos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão;

            e) condenar o arguido AA pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º/1, alínea c).  e d). da Lei 17/2009, de 6 de Maio, na pena de um ano e seis meses de prisão;

            f) condenar o arguido AA pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º/1 do Código Penal, na pena de seis meses de prisão;

            g) condenar o arguido AA pela prática de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelo artigo 153º/1 e 155º/1 b) do Código Penal, na pena de um ano de prisão;

            h) condenar o arguido AA pela prática um crime de dano, p. e p. pelo artigo artº. 212º/1 do Código Penal, na pena de seis meses de prisão;

            i) em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

B) Parte Cível

a) condenar o demandado AA a pagar à demandante BB a quantia de € 30.105,85 (trinta mil, cento e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros moratórios calculados sobre a quantia de € 29.123,31 (vinte e nove mil, cento e vinte e três euros e trinta e um cêntimos), à taxa legal de 4%, contados desde data da sentença e até integral pagamento e calculados, a igual taxa, sobre a quantia de € 982,54 (novecentos e oitenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos) desde 6 de Maio de 2010 e até integral pagamento; 

b) condenar o demandado AA a pagar ao demandante CC a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros).

2. Não se conformando, recorreu para o tribunal da Relação, que negou provimento aos recursos interposto pelo arguido AA, mantendo integralmente o acórdão recorrido.

3. Recorre para o Supremo Tribunal com os fundamentos constantes da motivação que apresentou e que termina com uma extensa lista de conclusões (139), que repetem, quase ipsis verbis, o texto integral da motivação separado por números.

Não respeitam, assim, minimamente, as exigências do artigo 412º, nº 1 do CPP, pois não constituem um resumo das razões do pedido.

No entanto, verificando-se que, apesar da deficiência, as conclusões permitem, ainda assim, para os efeitos processuais a que se destinam, identificar o objecto do recurso que é ónus do recorrente fixar, possibilitando a delimitação das questões a decidir, não se determina a notificação para adaptação das conclusões às imposições do artigo 412º do CPP.

O magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu á motivação, pronunciando-se pela confirmação da acórdão recorrido.

Idêntica posição foi manifestada pelo assistente CC.

4. No Supremo Tribunal a Exmª Procuradora-Geral teve intervenção nos termos do artigo 416º do CPP.

Salientando que o recorrente «foi julgado e condenado na 2a Vara Mista do Tribunal de Guimarães, com intervenção do colectivo, por autoria de um crime de homicídio qualificado tentado (arts. 132° n° 2 b), i) e j), 22°, 23° e 77° do CP) na pena de 10 anos de prisão; um crime de violência doméstica (art. 152° n°s 1 b) e 2 do CP) na pena de 3 anos de prisão; um crime de ofensas à integridade física qualificada (arts. 143° n° 1, 145° n°s 1 a) e 2, 132° n° 2 h) do CP) na pena de 2 anos de prisão; um crime de detenção de arma proibida (art. 86° n° 1 c) e d), lei n° 17/09), 1 ano de prisão; um crime de ameaça (arts. 153° n° 1 do CP) em 6 meses de prisão; um crime de ameaça agravado (art. 153° n° 1 e 155° n° 1 b) do CP) na pena de 1 ano de prisão; um crime de dano (art. 212° n° 1 do CP) em 6 meses de prisão; em cúmulo, resultante do concurso foi condenado na pena única de 14 anos de prisão e na indemnização de 30.105,85 € acrescido de juros moratórios à demandante BB e 5.000 € a CC», e que «o acórdão da Relação de Guimarães, manteve não só a condenação por todos estes crimes como a medida das penas parcelares, única e as indemnizações, depois de apreciar o recurso interposto pelo arguido/recorrente», suscita como questão prévia, a irrecorribilidade parcial do acórdão recorrido.

«Tendo sido mantidas as condenações e as medidas das penas aplicadas ao arguido AA, parcelares e única, continuando o arguido a ficar condenado na pena única de 14 anos, sem que tenha sido alterada qualquer questão de facto ou de direito, há por isso uma confirmação integral do acórdão condenatório», e «tendo havido duplo grau de jurisdição ao ter sido apreciado e decidido o recurso do arguido/recorrente no tribunal da relação tal como está consagrado nos arts. 20°, n° 2, 215°, n°s 2 e 3 e 32°, n° 1 da Constituição, não haverá qualquer violação das suas garantias de defesa previstas nos arts. 32°, n° 1 da Constituição e 2o do Protocolo e 7o da Convenção para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais se for rejeitado ainda que parcialmente, o recurso interposto».

Entende, por isso, que «pelos crimes de violência doméstica, detenção de arma proibida, ofensa à integridade física qualificada, ameaças e dano sendo as respectivas penas de prisão, todas inferior a 5 anos - 3 anos, 1 ano, 2 anos, 6 meses, 1 ano e 6 meses, o arguido/recorrente não pode interpor recurso para o Supremo Tribunal, porque a decisão (acórdão) da Relação de Guimarães é irrecorrível, nos termos da alínea f) do n° 1 do art. 400° e 432° n° 1 a) do CPP».

No que respeita ao crime de homicídio, a Exmª Magistrada acompanha a decisão recorrida no que se refere à integração das circunstâncias das alíneas b) e i), mas não já quanto à circunstância da alínea j) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal.

Entende, por fim, que as penas pelo crime de homicídio e única devem ser mantidas.

Notificado, o recorrente não se pronunciou.

5. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, cumprindo decidir.

6. Há que decidir sobre a questão da prévia da inadmissibilidade parcial do recurso suscitada pelo Ministério Público.

Sobre os poderes de cognição do Supremo tribunal, dispõem os artigos 432º, nº1, alínea b) e 400º, nº 1, alínea f), do CPP, que são irrecorríveis para o Supremo Tribunal os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações e confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos de prisão.

Como salienta a Exmª Procuradora-Geral, o recorrente foi condenado na 1ª instância pelos crimes de violência doméstica (art. 152° n°s 1 b) e 2 do Código Penal); de ofensas à integridade física qualificada (arts. 143° n° 1, 145° n°s 1 a) e 2, 132° n° 2 h) do CP); de detenção de arma proibida (art. 86° n° 1 c) e d), lei n° 17/09); de ameaça (arts. 153° n° 1 do CP); de ameaça agravado (art. 153° n° 1 e 155° n° 1 b) do CP); e de dano (art. 212° n° 1 do CP), em penas de prisão não superiores a oito anos de prisão, e a decisão da 1ª instância foi inteiramente confirmada, em recurso, pela relação.

Não é, assim, admissível recurso quanto a todas as questões relativas aos referidos crimes.

Nesta parte, o recurso é, consequentemente, rejeitado (artigo 420º, nº 1, alínea b) do CPP).

7. Resta como objecto do recurso a apreciação do crime de homicídio tentado, a determinação da pena única e questões relativas à indemnização civil.

Na motivação, o recorrente apresentou relativamente a estas matérias as seguintes conclusões:

(i) homicídio qualificado (conclusões 1ª a 46ª):

1- O Recorrente foi condenado pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. p. pelo artigo 132°, n° 2, al. b), i) e j) do CPenal, por referência aos artigos 22°, 23° e 73°, do mesmo diploma legal, na pena de dez anos de prisão.

2   - É imperioso submeter a ponderada e mais justa aplicação, respeitante à qualificação jurídica do tipo de crime em causa, uma vez que não se verificam no caso em apreço a especial censurabilidade ou perversidade da conduta da agente, nomeadamente, as agravantes plasmadas nas alíneas b), i) e j) do n° 2 do artigo 132° do Código Penal.

3 - Sem prescindir, o Acórdão recorrido merece reparo no que tange à errada subsunção dos factos ao direito

4 - Não se encontra preenchida a qualificativa prevista na alínea b) do n° 2 do artigo 132° do CPenal.

5- É inconcebível que o relacionamento entre o Recorrente e a Assistente seja considerado análogo à dos cônjuges, tendo em vista os factos assentes referidos em II.A.3, II.A.90, II.A.91 e II.A.92 da matéria de facto provada e o II.B.1 da matéria de facto não provada no Acórdão proferido em 1a instância.

6- Não havia uma plena comunhão afectiva entre o Recorrente e a Assistente, nem tão-pouco chegou haver comunhão de mesa e leito relevante, ao que acresce a total ausência de vínculo patrimonial e financeira entre eles.

7- Sendo assim, o Recorrente e a Assistente não agiam como se fossem casados, pelo que, é forçoso concluir que o relacionamento entre eles não passava de um mero namoro.

8- O prolongamento no tempo desta relação é, por si só, manifestamente insuficiente para caracterizar este relacionamento como sendo análogo à dos cônjuges.

9 - Se não existiam laços familiares entre o Recorrente e a Assistente, não se verifica a especial censurabilidade para qualificação do crime de homicídio.

10 - Pelo que, não se verifica o preenchimento da qualificativa prevista na alínea b) do nº 2 do artigo 132° do Código Penal.

11- Assim como, não se verifica o preenchimento da qualificativa prevista na alínea i) do n° 2 do artigo 132° do Código Penal.

12- As circunstâncias expressas na decisão recorrida não caracterizam a utilização de meio insidioso.

13- A Assistente não foi apanhada desprevenida e, inclusive, tomava diversas providências para acautelar-se, pois já configurava a eventualidade de acontecer algum atentado contra a sua vida, como refere a fundamentação de direito do Acórdão proferido em 1a instância.

14- Nos factos assentes descritos em II.A.53 a II.A.56 deste Acórdão, não é feita qualquer referência de que o autor dos disparos tenha visado atingir a Assistente quando ela estava de costas.

15- A fundamentação de facto não faz qualquer alusão sobre o posicionamento do autor dos disparos, logo, não se pode concluir que o Arguido actuou dissimuladamente, por estar escondido ou disfarçado, tendo em vista a certeza e segurança exigidas em processo penal.

16- Além disso, conforme referido em II.A.53 e II.A.54 do Acórdão proferido em 1a instância, a Assistente foi atingida numa via pública, quando já estava a entrar no táxi que a levaria para o trabalho, depois de ter saído do prédio onde reside e de dia, o que não representa uma emboscada.

17- Sem olvidar que, o local e momento em que a Assistente foi atingida não a impediram de se defender, como fez, nem de ser defendida por terceiros, como foi, de acordo com o relatado em II.A.58 do Acórdão proferido em 1a instância.

18- Ademais, as circunstâncias descritas no douto Acórdão recorrido são próprias do ilícito em causa, nomeadamente tentativa de homicídio,  não  se   vislumbrando   qualquer condicionalismo capaz de revelar um comportamento, no cometimento do crime, especialmente censurável ou perverso.

19- Pelo exposto, os factos supra analisados não revelam a especial censurabilidade ou perversidade em virtude dos meios utilizados, susceptíveis de preencher a alínea i) do n° 2 do artigo 132° do CPenal.

20- Acresce, ainda, que não está preenchida a qualificativa prevista na alínea j) do n° 2 do artigo 132° do CPenal

21- Primeiramente, por dedução lógica, se o agente realmente tivesse formado intenção de matar desde Fevereiro, não teria esperado até Novembro para consumar esta resolução criminosa.

22- Sem prescindir, quanto ao facto ocorrido no dia 9 de Novembro de 2009, não foi dado como provado que "o arguido trazia consigo, dentro do casaco que trajava, uma pistola", conforme descrição feita em II.A.50 a ll.A.52 dos factos assentes no Acórdão proferido em 1a instância.

23- No entanto, tal facto foi invocado como sendo um indício de uma resolução homicida, posto que persistente por bem mais de vinte e quatro horas, na fundamentação de direito acerca do preenchimento da qualificativa aqui em causa.

24- Pelo que, é manifesta a contradição insanável entre a fundamentação de facto e de direito do Acórdão do Tribunal Colectivo, sendo que tal vício resulta do texto da referida decisão, nos termos do artigo 410°, n° 2, alínea b), do CPPenal.

25- Mesmo assim, este facto não prova que o Recorrente tenha formado a intenção de matar a Assistente neste dia 9 de Novembro de 2009.

26- Relativamente às facas de cozinha e o bastão que o Recorrente tinha no carro, não foi provado que era para utilizar como arma de agressão e ameaça contra a Assistente - Cfr. referido em II.B.14 do Acórdão.

27 - Logo, este facto não poderia fundamentar a convicção do tribunal "a quo" quanto à existência de uma resolução criminosa do arguido, para qualificar o crime de homicídio.

28- Assim, mais uma vez, verifica-se a contradição insanável entre a fundamentação de facto e de direito do Acórdão do tribunal em 1a instância, nos termos do artigo 410°, n°2, alínea b), do CPPenal

29- Além disso, tais objectos encontrados no veículo do Recorrente não têm qualquer relação com o crime aqui em causa, que foi cometido com arma de fogo, sendo assim não podem ser susceptíveis de revelar uma premeditação.

30- Por fim, a persistência e tenacidade das tentativas de contactar a Assistente por si só não podem indicar uma resolução homicida.

31- Isto posto, os referidos factos não revelam a especial censurabilidade ou perversidade em virtude da circunstância qualificativa da premeditação, prevista na alínea j) do n° 2 do artigo 132° do CPenal.

32- Por todo o exposto, deve o Acórdão recorrido ser alterado nesta parte e substituído por outra decisão que, fazendo bom uso e correcta aplicação da prova obtida, considere não verificadas as aludidas circunstâncias qualificativas do crime de homicídio.

33- A procedência do expendido implicará uma situação de homicídio simples, com arma, na forma tentada, por aplicação do disposto nos artigos 131° e 22°, ambos do CPenal.

34- Pelo que, deverá a pena parcelar aplicada ao Recorrente ser substancialmente reduzida, não devendo ser superior a 4 (quatro) anos de prisão, por aplicação do artigo 40°, 71° e 73°, n° 1, ai. a) e b), todos do CPenal e artigo 86°, n° 3, da Lei 5/2006 de 23/2.

35- Mesmo que assim não se entenda, impõe-se a revisão da determinação da medida concreta desta pena parcelar, balizada pelos fins legalmente estatuídos, visando a aplicação de pena concreta mais adequada, justa e equitativa do que aquela que foi aplicada e se reputa de desproporcionada.

36 - Na determinação da pena aplicada ao Recorrente, não foi analisada correctamente a sua concreta culpa e as exigências de prevenção sentidas.

37 - Nem foi devidamente tido em conta a personalidade do Arguido e a sua conduta anterior e posterior ao crime, bem como não foram atendidas todas as condições que depunham a favor do Recorrente.

38 - Não obstante a caracterização do acto ofensivo, a gravidade das consequências saldou-se por um resultado relativamente modesto, que não se distinguem daquelas que, na maioria dos casos, são provocadas no âmbito da simples ofensa à integridade física.

39 - Em matéria de prevenção especial, deve ser dado o devido relevo ao facto do Recorrente não ter antecedentes criminais e ser considerado uma pessoa séria, responsável e íntegra, conforme factos assentes em II.A.75 e II.A.88 do Acórdão proferido em 1a instância

40 - É importante ressaltar que o Arguido não é um indivíduo perigoso, demonstrou sempre um comportamento pacato e sereno, sendo que exercer o seu direito ao silêncio não poderia prejudicá-lo e que não confessar o crime, num legítimo direito de defesa de que não abdica, não poderia ser um facto agravante para efeito de determinação da medida de pena.

41 - Ademais, no cumprimento da medida coactiva que lhe foi aplicada, em contexto prisional o seu comportamento denota na generalidade, respeito pelas normas e regras institucionais, de acordo com o referido em II.A.83 do Acórdão proferido em 1a instância.

42 - Não é despiciendo, como atenuantes, que o Recorrente é um indivíduo que só tem o 6o ano de escolaridade e que revela hábitos de trabalho, cfr. referido em II.A.77 e II.A.82 do Acórdão proferido em 1a instância.

43- Importa ponderar que o Recorrente sofre de perturbações afectivas, nas quais se englobam a depressão e ansiedade.

44- E, ainda, que não beneficia de qualquer retaguarda familiar, nem possui qualquer tipo de apoio por parte dos vários elementos da sua família natural, mas sim um claro e assumido afastamento relacional e afectivo, de acordo com o referido em II.A.84 do Acórdão proferido em 1a instância.

45 - Assim, a medida concreta da pena aplicada ao Recorrente pelo crime de homicídio qualificado, com arma, na forma tentada, é manifestamente excessiva, tendo o Acórdão recorrido violado o disposto no artigo 40° e 71°, ambos do CPenal.

46- Pelo exposto, deve ser alterado nesta parte e substituído por outra decisão que fixe uma pena parcelar não superior a 5 (cinco) anos de prisão.

            (ii) medida da pena única – conclusões 124ª a 132ª:

124- Em cúmulo jurídico, o Recorrente foi condenado na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

125- Na procedência da revisão das qualificações jurídicas ou das penas parcelares, impõe-se a revisão da pena única aplicada, que deverá ser substancialmente reduzida.

126- Todavia, independentemente da procedência do expedido, a pena única aplicada ao Recorrente é manifestamente excessiva.

127- Como bem elucida Figueiredo Dias, considerando o disposto no artigo 77°, n° 1, do CPenal, se deve ter em conta, "a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão, e o tipo de conexão, que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos se reconduz a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira") criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)."

128- A escolha da pena única é também norteada pela orientação base ditada pelo artigo 40° do CPenal, que estabelece como fins da pena só propósitos de prevenção (geral e especial), e que atribui à culpa, uma função apenas garantística, de medida inultrapassável pela pena, essa orientação continuará a ser pano de fundo da escolha da pena conjunta.

129- Sendo certo, que para o propósito geral-preventivo interessará antes do mais a imagem do ilícito global praticado, e para a prevenção especial contará decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou, pelo contrário, perante a expressão de um modo de vida.

130- Interessará à prossecução do primeiro propósito a gravidade dos crimes, a frequência com que ocorrem na comunidade e o impacto que têm na sociedade, e à segunda finalidade a idade, o percurso de vida, o núcleo familiar envolvente, as condicionantes económicas e sociais que rodeiam o agente, tudo numa preocupação prospectiva, da reinserção social que se mostre possível.

131- Em face de tais critérios, o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 40° e 77°, n° 1, ambos do CPenal.

132- Pelo que, deve o douto Acórdão recorrido ser alterado e substituído por outra decisão que aplique ao Recorrente uma pena única mais adequada, justa e equitativa.

        (iii) indemnização cível – conclusões 133ª a 139ª:

133- O Recorrente foi condenado, ainda, a pagar uma indemnização cível à Demandante/Assistente no montante global de 30.105,85 Euros, sendo 28.500,00 Euros a título de indemnização por danos não patrimoniais e 1.605,85 Euros a título de indemnização por danos patrimoniais

134     - Contudo, o quantum indemnizatório à título de danos não patrimoniais é manifestamente excessivo e acabam por se transformar num enriquecimento injustificado da Demandante.

135- Na determinação da indemnização não se pode olvidar que a equidade deve também materializar a justiça do caso concreto, pelo que o julgador deverá ter presente as regras de boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.

136- Sendo assim, ressalta-se que na data dos factos a Demandante já tinha 50 anos de idade, não ficou com défices de mobilidade do ombro atingido (Cfr. parecer de Ortopedia junto às fls. 326 dos autos), as lesões físicas que resultaram do evento danoso foram leves, pouco visíveis e não incapacitantes para a actividade profissional da Demandante e, ainda, o reduzido período de tempo de internamento hospitalar.

137- É importante salientar, ainda, que a Demandante já tinha sofrido de depressão após a morte do primeiro marido (vide pág. 41 do Acórdão proferido em 1a instância) e antes mesmo de se relacionar com o Recorrente, o que revela uma propensão a perturbações psicológicas por parte daquela, as quais poderiam se manifestar, afectando a sua auto-estima e o seu bem-estar psicossomático, independentemente do alegado comportamento do Recorrente.

138- Pelo exposto, o montante da indemnização não é equitativo, devendo o douto Acordar recorrido ser revogado e substituído por outra decisão que fixe um quantum indemnizatório mais justo e adequado.

139- Com efeito, o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 496°, n° 3, 494° e 563°, todos do CCivil.

8. O acórdão proferido na primeira instância considerou provados os seguintes factos, inalterados na Relação.

1. A assistente BB é mãe da DD, nascida em 21 de Fevereiro de 1994, e do CC, nascido a 21 de Novembro de 1990, tendo o marido da assistente e pai dos seus filhos falecido em 17 de Agosto de 1997.

2. Há cerca de 9 anos, o arguido e a BB iniciaram uma relação amorosa que durou até ao dia 25 de Janeiro de 2009, data em que a assistente terminou tal relacionamento com ele.

3. Durante este período de 9 anos consecutivos, o arguido e a BB chegaram a viver juntos durante, pelo menos, um mês, e posteriormente sempre residiram em casas diferentes, apesar da convivência estreita e do relacionamento íntimo que mantinham, pois que, com frequência, pernoitavam juntos, ora em casa do arguido, ora em casa da assistente, tomavam refeições juntos e passeavam juntos.

4. O arguido sempre manifestou vontade em ir viver com a BB e os filhos desta.

5. Para além disso e durante este período de tempo, o arguido era ciumento mantendo um comportamento possessivo no sentido de controlar todos os actos da vida da BB, pressionando constantemente aquela para o deixar ir viver na sua casa.

6. O arguido tinha ciúmes dos filhos da BB.

7. Por tais razões, tal relacionamento foi marcado por desentendimentos entre a BB e o arguido e entre este e os filhos da assistente e, com frequência e sem qualquer motivo, injuriava a assistente e os seus filhos chamando-lhes “bestas” e “estúpidos” por regra, no interior da residência da assistente, sita na Rua ..., nesta comarca.

8. Além disso, o arguido agrediu a assistente, por uma vez, em data não concretamente apurada, mas anterior a 2006, com um murro no olho esquerdo; o arguido deu uma chapada à filha da assistente, em data não concretamente apurada, quando aquela tinha cerca de quatro anos de idade, num café no Gerês; o arguido, em data e local não concretamente apurados, mas quando o assistente tinha cerca de sete anos, e no decurso de uma peregrinação, deu um murro no nariz do CC.

9. Neste contexto, no dia 25 de Janeiro de 2009, pelas 04.15 horas, o arguido AA deslocou-se à residência da BB para ir buscar coisas que lhe pertenciam e começou a discutir com a assistente quando esta recusou o seu pedido de ali pernoitar.

10. Perante a recusa peremptória da assistente que ele lá ficasse, desferiu-lhe uma forte bofetada na face, rebentando-lhe o lábio.

11. De imediato, a BB pegou no telefone para chamar a polícia, tendo então o arguido, ao aperceber-se da intenção da assistente, a agarrado pelos braços e desferiu-lhe outra bofetada na face.

12. Assustada com tal atitude do arguido e receando que este a continuasse a agredir, a BB começou a gritar, pedindo socorro, tendo os seus filhos, CC e a DD, que se encontravam na altura a dormir, aparecido em seu auxílio, afastando o arguido da sua mãe.

13. Contudo, como o arguido se recusava a sair da residência e exigia pernoitar ali, um dos assistentes chamou a polícia.

14. Em consequência da conduta do arguido, a BB ficou com uma lesão cicatricial com 1cm de comprimento, hipercrómica, sem alterações distróficas, localizada na região inferior do lábio, à direita, bem como dores nos locais atingidos, para além de nervosimo, ansiedade, medo e insónias, de consequências não apuradas (cfr. relatório médico de fls. 7 a 9 do NUIPC 351/09.9PBGMR).

15. Neste mesmo dia 25 de Janeiro, a BB decidiu terminar a relação que mantinha com o arguido, facto que ele não aceitou, nem admitiu, pelo que, a partir desta data, no propósito de continuar a controlar a vida da BB, obrigando-a a reconciliar-se com ele, e de agredir verbal e fisicamente e de intimidar, o arguido tornou-se ainda mais persistente.

16. Desde então, o arguido passou a perseguir a BB para todos os locais onde ela se deslocasse, designadamente, para o seu local de trabalho, situado na Pousada de Santa Marinha, nesta cidade, esperando-a na paragem do autocarro que esta até aí utilizava habitualmente, controlando as pessoas com quem ela saía e falava, vigiando a residência desta, quando ela se encontrava no seu interior, permanecendo durante horas à porta do seu prédio, telefonando incessantemente para o telemóvel da BB e para o telefone fixo da sua casa, abordando-a em qualquer local, designadamente para os fins infra melhor descritos.

17. Do mesmo modo, o arguido passou também a perseguir o CC e a DD, filhos da BB, para todos os locais onde eles se deslocassem, observando e inteirando-se dos percursos e rotinas que eles tinham, designadamente, para a escola e outros locais que frequentavam, esperando-os na paragem do autocarro que estes utilizavam habitualmente, telefonando constantemente para os seus telemóveis, para lhes dirigir palavras e expressões injuriosas e ameaças nos termos infra descritos, por estes apoiarem a decisão da mãe em terminar o relacionamento com ele.

18. No dia 13 de Fevereiro de 2009, o arguido telefonou para a residência da BB, dizendo-lhe “eu mato-te”

19. Naquele momento, o CC, que estava ao lado da mãe, ao ver o seu estado de pavor e ao ouvir as ameaças proferidas pelo arguido, pegou no telefone para falar com ele e, nessa altura à pergunta “matas quem?”, o arguido respondeu, em tom irado e intimidatório, dirigindo-se ao CC “mato os três”.

20. No dia 18 de Fevereiro de 2009, pelas 20.57 horas, o arguido enviou uma mensagem para o telemóvel da BB, dizendo-lhe “eu não te quero nunca mais na minha vida, mas fica sabendo que também não és para muito tempo, eu outros ade-te limpar o saramplo e bom fim”.

21. No dia 16 de Março de 2009, pelas 19 horas, o arguido telefonou para o telemóvel da filha da assistente, DD, que se encontrava em casa, e exigiu-lhe que chamasse a mãe.

22. Todavia, como a DD não acedeu, o arguido dirigindo-se à menor disse-lhe, em tom sério e intimidatório: “quando te apanhar na escola dou-te uma facada”.

23. Tal atitude do arguido provocou receio na DD, fazendo-a temer que aquele viesse a concretizar a ameaça, de tal modo que, a partir dessa data, a menor recusou-se a ir para a escola, por ter medo de o encontrar, só tendo retomado as aulas, a partir do dia 20 de Março de 2009, altura em que passou a ser transportada, diariamente, para a escola e para casa, no carro patrulha da PSP de Guimarães.

24. No dia 18 de Março de 2009, 19.30 horas, quando o CC seguia a pé na companhia da sua mãe, na Rua ..., nesta comarca, de repente e sem que nada o fizesse esperar, surgiu o arguido pelas costas daqueles, que de imediato agarrou o CC e empunhando um instrumento corto-perfurante, de características concretamente não apuradas, espetou-o no abdómen, do lado esquerdo e, após o assistente ter reagido dando um murro no arguido, espetou-o, ainda, na mão esquerda do CC, causando-lhe ferimentos dos quais necessitou de internamento hospitalar desde essa data até ao dia 23 de Março de 2009.

25. Como consequência daquela agressão o ofendido CC ficou, na região do abdómen, com uma pequena cicatriz espessa, verticalizada, na parte mais alta do hipocôndrio direito, com 1cm de comprimento, sem hapatomegalia e sem dor à palpação profunda do fígado, e na região do membro superior esquerdo, com uma pequena cicatriz palmar sobre a cabeça do 4.º metacarpo, com cerca de 1,5cm de comprimento, sem aderência aos planos profundos, boa função da mão, mesmo a própria garra de preensão, tendo ainda sido causa de 91 dias de doença, com 12 dias de afectação da capacidade de trabalho geral e 91 dias de afectação da capacidade de trabalho profissional (cfr. relatório médico de fls. 307 a 310).

26. No mesmo dia 18 de Março de 2009, pelas 22.14 horas, o arguido enviou uma mensagem para o telemóvel da BB, dizendo-lhe “sua puta vaca vai pagar tudo se outros te limpo o sebo espera pelo dia certo depois ades dizer-me”.

27. No dia 03 de Abril de 2009, pelas 13.26 horas, o arguido enviou uma mensagem para o telemóvel da BB, dizendo-lhe “tu já há muito tempo dizias que eu queria ser preso para que andasses mais a vontade com os amantes que tens. Pois se eu for preso tenho muitas pessoas cá fora que não te devem largar em qualquer parte do mundo, hades ser rasgada da cona até a garganta e que hades sentir o que tens feito na hora e mento e vais ver quem será a tua vida já super boa mas a partir de hoje já não será como dantes. AA”.

28. Entre o dia 18 de Março e o dia 16 de Abril de 2009, a distintas horas do dia e da noite, o arguido telefonou várias vezes para o telefone fixo da residência da assistente e para os telemóveis da BB, do CC e da DD, dizendo-lhes repetidamente, em tom sério e intimidatório que os matava.

29. Este comportamento do arguido e as expressões por ele proferidas incessantemente, sobretudo depois de ter agredido o CC, provocaram pavor e receio na BB, no CC e na DD, fazendo-os temer que o arguido continuasse a persegui-los para atentar contra as suas vidas, de tal modo que, a partir dessa data - 18/03/2009 -, a assistente e os seus filhos raramente saíam de casa, ou só o faziam quando acompanhados por agentes da PSP, ou por amigos, determinando, além do mais, a BB a transportar-se de táxi, todos os dias, para o seu local de trabalho, já com receio de caminharem sozinhos na via pública ou de utilizarem transportes públicos, por terem medo que o arguido aparecesse subitamente e atentasse contra a integridade física ou as suas vidas, como lhes anunciava.

30. Tanto assim que, em data e hora não concretamente apuradas, o arguido dirigiu-se à residência da BB, onde permaneceu, durante várias horas, escondido atrás de um muro situado em frente à porta da residência daquela, tendo a BB sido alertada por uma vizinha da presença do arguido no exterior do prédio e avisou a assistente para ela e os seus filhos não saírem de casa.

31. No dia 17 de Abril de 2009, a hora concretamente não apurada, o arguido telefonou para a residência da assistente, para falar com o CC, tendo a BB, suspeitando tratar-se novamente do arguido, atendido o telefone, mas não falou.

32. O arguido, pensando que estava a falar com o CC, disse que ia ter com ele.

33. Deste telefonema, a BB deu logo conhecimento ao seu filho CC que ficou com medo, temendo ainda mais que o arguido o perseguisse e atentasse novamente contra a sua vida, de tal modo que, a partir dessa data, deixou de ir para a escola.

34. No dia 27 de Abril de 2009, pelas 14.30 horas, no cruzamento entre a Rua ... e a Rua ..., quando a BB seguia no veículo do companheiro da sua irmã, ainda perto da sua residência, surgiu o arguido que, de repente e sem que nada o fizesse esperar, se colocou no meio da estrada à frente do veículo, impedindo-o de prosseguir a marcha e desferiu dois murros no capôt do automóvel, ao mesmo tempo que dirigindo-se à BB lhe dizia que andava metida com ele (referindo-se ao companheiro da irmã).

35. No dia 01 de Outubro de 2009, pelas 06.30 horas, junto à casa da assistente, o arguido, conduzindo o veículo de matrícula ...-LP, decidiu perseguir a BB que já se encontrava no interior de um táxi, conduzido por EE, para a transportar de casa para o seu local de trabalho, como diariamente acontecia.

36. Quando chegaram à Pousada de Santa Marinha e a BB abriu a porta para sair do táxi, de repente e sem que nada o fizesse prever, surgiu o arguido que, de imediato, a agarrou pelo braço esquerdo e puxou-a, obrigando-a a sair para fora, ao mesmo tempo que lhe dizia “sua puta, vaca, vou-te apanhar”.

37. O V...M..., colega de trabalho da BB, que já avisado dos problemas entre a assistente e o arguido, foi em seu auxílio, ajudando-a a libertar-se das mãos do arguido e a entrar na Pousada, após o que o arguido se colocou em fuga, abandonando o local.

38. De seguida, a BB foi transportada para o hospital para receber tratamento médico, devido aos ferimentos e ao estado de choque em que se encontrava.

39. Como consequência da conduta do arguido, a BB ficou com duas equimoses, em fase de cicatrização, com uma cor azulada, com um diâmetro de 3cm, situadas na face externa e terço médio do braço esquerdo, bem como dores nos locais atingidos, para além de nervosismo e ansiedade, o que lhe provocou um período de 7 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional (cfr. relatório médico de fls. 5 a 7 do NUIPC 1762/09.5PBGMR).

40. No dia 02 de Outubro de 2009, pelas 17.00 horas, o arguido, conduzindo aquele veículo, deslocou-se de novo à Pousada de Santa Marinha, onde interpelou um funcionário exigindo que chamasse ao que aquele lhe espondeu que a assistente já tinha saído.

41. Contudo, o arguido, convencido que lhe estavam a mentir, exaltou-se, e começou a gritar, exigindo que chamassem a BB, dizendo que esta andava metida com os colegas de trabalho e “era comida por todos”.

42. Perante o estado de descontrolo do arguido, foi solicitada a presença dos agentes da PSP no local, que ali chegados, acabaram por convencê-lo a abandonar o local voluntariamente.

43. No dia 07 de Outubro de 2009, pelas 11.00 horas, o arguido voltou a perseguir a BB no momento em que ela se deslocava, a pé, na companhia de uma amiga, na Rua ..., nesta cidade.

44. Chegadas à Estação dos C.T.T. ali existente, quando se encontravam na fila para serem atendidas, a BB apercebeu-se da presença do arguido, à porta de entrada, a olhar para si.

45. De imediato, a BB, temendo que o arguido se aproximasse dela e atentasse contra a sua integridade física, escreveu num papel que trazia na carteira: “por favor chame a polícia que eu tenho aqui um agressor”, papel esse que entregou ao funcionário que a atendeu, o qual telefonou, de imediato, para a PSP, que se deslocou à Estação de Correios.

46. Ali chegados, os agentes da PSP dirigiram-se ao arguido para conversarem com ele, tendo a BB conseguido sair do edifício em segurança, acompanhada por colegas de trabalho, a quem entretanto telefonou.

47. No dia 31 de Outubro de 2009, pelas 07.00 horas, junto à residência da assistente, o arguido, conduzindo o seu veículo, decidiu mais uma vez perseguir a BB que já se encontrava no interior do táxi, conduzido por EE, que a tinha ido buscar a casa para a transportar para o seu local de trabalho.

48. Quando seguiam na Rua ..., de repente e sem que nada o fizesse prever, surgiu o arguido que, de imediato, atravessou o veículo com a matrícula ...-LP no meio da estrada à frente do táxi, impedindo-o de prosseguir a marcha e obrigando o taxista a imobilizar o veículo.

49. Perante tal manobra e temendo o comportamento agressivo do arguido, o EE accionou a mudança da marcha-atrás, inverteu o sentido de marcha e seguiu na direcção da Esquadra da PSP de Guimarães, tendo o arguido reiniciado então a marcha do veículo que conduzia e seguido no seu encalço até perto do Palácio de Justiça desta cidade, altura em que, apercebendo-se que o táxi se dirigia para a esquadra da polícia, seguiu noutra direcção.

50. No dia 09 de Novembro de 2009, pelas 06.45 horas, junto à casa da assistente, quando a BB já se encontrava no interior do táxi, conduzido por J...M..., para ir para o trabalho, surgiu inesperadamente o arguido que se colocou em frente ao táxi, impedindo-o de prosseguir a viagem e obrigando o taxista a parar o veículo.

51. O J...M... saiu do veículo e, depois de questionar o arguido sobre o que se passava, este ignorou-o e, de imediato, dirigiu-se à porta traseira do táxi, local onde se encontrava a BB, tendo então sido impedido de abrir a porta pelo J...A...F..., vizinho da BB, que entretanto surgiu no local.

52. De imediato, o arguido contornou o táxi, abriu a porta da frente, do lado direito e entrou no mesmo, sentando-se no banco do passageiro, ao mesmo tempo que dizia que queria falar com a BB, tendo depois abandonado o local.

52.A. No dia 11 de Novembro de 2009, o J...da C... M..., vizinho da assistente apercebeu-se da presença do arguido no exterior do prédio, onde permaneceu algum tempo a observar a entrada no prédio da residência da assistente.

53. No dia 12 de Novembro de 2009, pelas 06.45 horas, o CC encontrava-se à janela da sua residência, como fazia diariamente, a fim de confirmar se a mãe entrava no táxi em segurança, já com receio que o arguido surgisse e atentasse contra a sua vida.

54. Quando a BB saiu do prédio e se preparava para entrar pela porta traseira, do lado esquerdo, no táxi, da marca Mercedes, com a matrícula ...-XV, conduzido e propriedade de J...P..., surgiu o arguido, a poucos metros da ofendida, munido com uma pistola, semiautomática, da marca Unique, modelo K-Mikros, com o n.º 655422, de calibre 6,35mm.

55. De seguida, com o intuito de a matar, apontou-a com o braço esticado à BB e efectuou seis disparos na sua direcção e do apontado táxi.

56. Desses disparos, dois dos projécteis atingiram a BB, um no ombro esquerdo e um no abdómen, outro veio a atingir a carteira desta, que trazia ao ombro a tira colo, ficando depositado no seu interior, e um outro atingiu a porta traseira, do lado esquerdo, do táxi, local por onde a assistente se preparava para entrar, danificando a borracha da porta e amolgando o metal à volta da mesma, provocando danos no valor de 150,00€.

57. No local onde o arguido efectuou os disparos, foram encontrados seis invólucros de munição de calibre 6,35mm deflagradas.

58. Com receio que a atingisse com mais disparos, a BB entrou e fechou a porta do táxi, refugiando-se no seu interior, tendo o taxista arrancado logo com o veículo na direcção do Centro Hospitalar do Alto Ave, por se aperceber que a assistente tinha sido alvejada pelo arguido.

59. Seguidamente, o arguido abandonou o local e dirigiu-se para a Travessa C, sita no cruzamento entre a Rua ... e a Rua ..., situado a cerca de 100 metros do local dos disparos, onde escondeu a arma de fogo em causa, dentro de um coldre, numa reentrância existente entre um poste de telecomunicações e uma parede, a qual foi ali encontrada, por mero acaso, no dia 02 de Janeiro de 2010, por I...M... e J...A....

60. A pistola que o arguido detinha não se encontra registada, nem o arguido é titular de licença de uso e porte de arma.

61. Em consequência da conduta perpetrada pelo arguido, a BB foi internada no Hospital desta cidade e comarca, onde foi sujeita a intervenção cirúrgica, na qual lhe foram retirados os aludidos dois projécteis, do ombro esquerdo e do abdómen.

62. Como consequência de tais disparos, a assistente BB ficou com duas cicatrizes no ombro esquerdo – uma na região posterior e outra na região anterior – 3cm abaixo da clavícula e com duas cicatrizes na região abdominal – uma na fossa ilíaca esquerda e outra na região supra-umbilical, bem como dificuldade permanente de mobilização do braço esquerdo e alterações no sono e fobias, tendo ainda sido causa de 30 dias de doença, com 30 dias de afectação da capacidade de trabalho geral e 30 dias de afectação da capacidade de trabalho profissional (cfr. relatório médico de fls.500 a 504).

63. Ainda no referido dia 12 de Novembro de 2009, na sequência de uma busca realizada pela Polícia Judiciária ao automóvel utilizado pelo do arguido, de matrícula ...-LP, foram encontradas e apreendidas duas facas de cozinha, uma com 10,5 cm de lâmina e a outra com 13 cm de lâmina, colocada uma no porta luvas e outra debaixo do banco do condutor.

64. Foi ainda encontrado no mesmo veículo, na consola do banco do condutor, um bastão em madeira, com 30 cm de comprimento, bastão esse construído exclusivamente com o fim de ser utilizado como arma de agressão, e uns binóculos.

65. No dia 14 de Novembro de 2009, no decurso de uma busca realizada pela Polícia Judiciária à residência do arguido AA, sita na Rua ..., Guimarães, foi encontrada uma cápsula de calibre 6,35mm.

66. O arguido ao efectuar aqueles disparos na direcção da BB actuou com o propósito de atingir o corpo da assistente e de lhe tirar a vida, o que apenas não veio a ocorrer por circunstâncias alheias à sua vontade, apesar dos seis disparos que efectuou.

67. Fê-lo pela recusa da assistente em reconciliar-se com ele e pelos ciúmes que sentia, decidindo pôr termo à vida de BB, o que vinha anunciando desde Fevereiro de 2009, revelando um manifesto desprezo pela vida desta, decisão que previu e executou com total indiferença e insensibilidade, utilizando para o efeito os meios adequados à satisfação do seu desiderato.

68. O arguido actuou com o propósito conseguido de naquele período, molestar a integridade física da assistente BB, pessoa com quem manteve durante nove anos uma relação análoga à dos cônjuges (nos termos supra referidos), produzindo-lhe os ferimentos e dores do tipo dos verificados, e bem assim, quando a ameaçava e insultava, que afectava a assistente no seu bem-estar psíquico, designadamente, quando lhe dirigiu as expressões acima referidas, sabendo que o seu comportamento desencadeava medo na assistente, limitava a sua auto-determinação pessoal e afectava a sua dignidade pessoal.

69. Ao atingir o CC o arguido tinha perfeito conhecimento da perigosidade do instrumento utilizado quando usado para a agressão de pessoas, passível de provocar ferimentos graves, e fê-lo com o propósito conseguido de causar aqueles ferimentos, lesões e dores corporais no CC.

70. O arguido deteve, desde data não apurada até 12 de Novembro de 2009, a mencionada pistola e munições, não obstante saber que não lhe era permitida a sua detenção, por não ser titular de qualquer documento que o habilitasse para o efeito, querendo, mesmo assim, detê-las consigo.

71. Para além disso, o arguido detinha aquelas facas e aquele bastão, bem sabendo que a sua detenção era proibida e punida por lei.

72. O arguido quando dirigiu aquelas expressões ao CC e à menor DD, fê-lo com o propósito concretizado, de lhes provocar medo e inquietação, fazendo-os temer pela sua integridade física e pela sua vida, bem sabendo que os perturbava e prejudicava na sua liberdade de determinação.

73. O arguido ao efectuar aqueles disparos previu a possibilidade de atingir também o táxi e, mesmo assim, não se coibiu de o fazer, conformando-se com tal resultado e danificando a borracha da porta e amolgando o metal à volta da mesma.

74. O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

75. O arguido não tem antecedentes criminais.

76. AA teve um processo de desenvolvimento infanto-juvenil integrado num agregado monoparental, devido ao precoce falecimento da progenitora, de quem não tem lembranças, não beneficiando deste modo, de um modelo de identificação com a representação do casal parental.

77. A trajectória escolar do arguido foi regular até à conclusão do 6º ano e frequência na Escola Industrial e Comercial Francisco da Holanda.

78. Em meados de 1982 contraiu matrimónio com M...da C... e teve cinco filhos, tendo um deles falecido à nascença e um outro aos dezoito meses de idade, vítima de acidente.

79. Decorridos 15 anos de vida conjunta, a cônjuge abandonou, pela segunda vez e de forma definitiva o lar, fazendo-se acompanhar pelos filhos.

80. A CPCJ já conhecia AA de queixas ocorridas no passado, sobre a conduta deste para com os filhos e para com a cônjuge.

81. O relacionamento do arguido com a família de origem é igualmente de desentendimento e conflito.

82. Da exploração do seu minimercado, em Urgeses, o arguido conseguiu uma verba não concretamente apurada.

83. Em contexto prisional o seu comportamento denota na generalidade, respeito pelas normas e regras institucionais, apesar de ter sido alvo de três registos disciplinares, mas demonstra, no seu quotidiano, tendência para o isolamento e dificuldades em estabelecer e manter relacionamento interpessoal com os outros reclusos e funcionários.

84. O arguido não beneficia de qualquer apoio familiar e vivencia um total alheamento e intolerância dos seus familiares para consigo, tendo sido visitado apenas por uma vez por um dos irmãos.

85. O arguido encontra-se a ser acompanhado pelos serviços clínicos onde lhe são prescritos fármacos para dormir.

86. O arguido sofre de perturbações afectivas, nas quais se englobam a depressão e ansiedade, as quais não afectam, nem alteram o estado de consciência e a identidade do eu do arguido, mantendo-se este lúcido, vigil e capaz de tomar decisões.

87. Desde 27 de Março até 5 de Abril de 2008, o arguido esteve internado no Hospital de S. Marcos, em Braga, em consequência de um ferimento por arma de fogo, com entrada frontal direita e saída frontal esquerda (cfr. fls.958), após o que passou a ser seguido na psiquiatria do Hospital de Guimarães, sendo acompanhado pelo Prof. Dr. M...L..., o qual lhe receitou calmantes e anti-depressivos.

88. O arguido é considerado pessoa séria, responsável e íntegra.

89. O arguido não mostrou arrependimento pelos factos cometidos.

90. O arguido tinha casa própria e era lá que, depois de ter deixado de viver com a assistente, também fazia as suas refeições e também dormia.

91. Depois de terem deixado de viver juntos, o arguido e a assistente arcavam, cada um, com as suas próprias despesas, tratando cada um de se vestir, alimentar, bem como, cada um pagava as contas da luz, água, gás e telefone das suas casas.

92. O arguido e a assistente não tinham conta bancária juntos, nunca compraram nenhum bem em conjunto, nem declaravam IRS em conjunto.

Mais se provou, com interesse para a decisão da causa:
93. Em consequência da agressão do dia 25 de Janeiro de 2009, a assistente sangrou do lábio e também sentiu medo e dores.
94. A assistente sentiu vergonha pelo facto de os filhos a verem ferida, motivo pelo qual nem recorreu à assistência médica, procurando de imediato o isolamento uma vez que sentiu profunda tristeza e perda da auto-estima.
95. Ao telefonar incessantemente para a assistente, quer para o seu telemóvel, quer para o telefone fixo, imputando-lhe relacionamentos amorosos e infidelidades por si inventados, o arguido provocava na assistente um estado de temor tal que lhe provocava frequentes crises nervosas.
96. Aquando do referido em II.A.18 e II.A.19, o arguido provocou na assistente pavor, ficando prestes a ter um colapso nervoso, pois que, apesar de ser uma pessoa calma, sensível e pacífica a assistente estava convencida que o arguido podia concretizar os propósitos de matar o seu filho e a si própria.
97. A assistente vivia em constante sofrimento, deixando de se alimentar, tendo dificuldades em dormir e vivendo sempre receosa que o arguido aparecesse e concretizasse as ameaças.
98. Após o referido em II.A.20, o estado de ansiedade da assistente agravou-se, pelo que a assistente, subjugada a uma vida de medo e de humilhação, sentiu que precisava de ajuda, uma vez que sozinha não ia conseguir suportar tanto sofrimento, tendo para o efeito consultado, em 2 de Março de 2009, o Sr. Dr. N...D...M..., psiquiatra, onde foi acompanhada.
99. Nessa consulta, a assistente gastou a quantia de € 19,88 – cfr. comprovativo da consulta emitido pela Casa de Saúde de Guimarães a fls.686 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
100. A assistente teve conhecimento do referido em II.A.21 e II.A.22 e ficou aterrorizada e agora convencida que o arguido podia concretizar os propósitos de a matar, de matar o seu filho e de matar a sua filha.
101. A assistente assistiu ao referido em II.A.24 e ficou convencida que ia perder o filho, dado o seu sofrimento e a abundante perda de sangue.
102. A assistente conseguiu transportar o filho numa carrinha de caixa aberta até ao Hospital de Guimarães, graças à caridade de dois senhores que até hoje os responsabiliza pela salvação atempada do filho.
103. A assistente estava devastada e, temendo pela vida do seu filho, pediu ao segurança do Hospital de Guimarães para não deixar que nenhum estranho entrasse no quarto onde o filho estava internado.
104. A partir do dia 18 de Março de 2009, a assistente e os seus filhos permaneceram fechados na habitação, chegando mesmo os filhos a faltarem às aulas.
105. A assistente passou a transportar-se de táxi, todos os dias, para o seu local de trabalho, em virtude do receio de caminhar sozinha na via pública ou de utilizar transportes públicos, por ter medo que o arguido aparecesse subitamente e atentasse contra a integridade física ou a sua vida, como lhe anunciava.
106. Nessas deslocações de táxi, a assistente despendeu a quantia de € 553,85 (quinhentos e cinquenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) – cfr. documentos de fls. 687 a 811.
107. Aquando do referido em II.A31 e II.A.32 a assistente ficou com medo, temendo que o arguido perseguisse o filho CC e atentasse novamente contra a vida deste.
108. A assistente formalizou junto da PT, o pedido de alteração de número da linha telefónica, tendo o novo número de telefone sido integrado em regime de confidencialidade.
109. Aquando do referido em II.A.36 e II.A.37, a assistente sentia-se a esmorecer, ficou muito nervosa e com muito medo do arguido.
110. Nessa ocasião, a arguida encontrava-se em pânico, não estando em condições de trabalhar, tendo sido de imediato transportada ao hospital para receber tratamento médico, devido aos ferimentos e ao estado de choque em que se encontrava, tendo sido apresentado pelo Hospital de Guimarães a nota de débito (cfr. fls.713, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) no valor de € 8,40 (oito euros e quarenta cêntimos).
111. A assistente teve conhecimento do referido em II.A.40 a II.A.42, tendo ficado nervosa, desolada e revoltada, na medida em que os factos aconteceram no seu local de trabalho, provocando-lhe um sentimento de vergonha e de receio pela perda do emprego, para mais atendendo ao facto de a Pousada de Santa Marinha estar integrada num grupo económico conhecido por padrões de excelência, os quais não são compatíveis com os acontecimentos descritos supra.
112. Aquando do referido em II.A.43 a II.A.46 a assistente temeu que o arguido se aproximasse dela e atentasse contra a sua integridade física e ficou ainda mais debilitada, quer física, quer emocionalmente.
113. Aquando do referido em II.A.47, a assistente sentiu muito medo e o taxista EE comunicou-lhe que não voltava a transportá-la, levando a assistente a sentir-se cada vez mais desolada e isolada.
114. Aquando do referido em II.A.50 a II.A.52, a assistente estava assustada e com muito medo, tendo ficado aterrorizada.
115. Face ao circunstancialismo o referido de II.A.54 a II.A.56, o taxista J...P... incrédulo e assustado, arrancou com o veículo na direcção do Centro Hospitalar do Alto Ave, ao mesmo tempo que observava o arguido a abandonar o local.
116. Logo após o momento em que foi atingida, a assistente sofreu fortes e intensas dores físicas e morais, aflições, angústia e inquietações, tendo a assistente feito a antevisão de todo o processo da morte.
117. A assistente sofreu angústia causada pela consciência do risco da lesão eminente e dos funestos resultados, manteve-se sempre consciente e teve medo da morte, julgando mesmo que ia morrer.
118. A assistente sofreu desnorteio com a ideia de deixar dois filhos órfãos, um deles ainda menor, privados da insubstituível mãe, uma vez que estes já tinham sofrido a perda do pai, temendo ainda que o arguido atentasse contra a vida dos seus filhos, conforme vinha ameaçando.
119. Durante o tempo que mediou entre a hora em que foi atingida e o momento em que foi socorrida pelo serviço de urgência do Hospital de Guimarães, a assistente, apesar da perturbação verificada no seu sistema nervoso, da gravidade das lesões verificadas no seu corpo e das dores muito intensas que ia sentindo, ainda conseguiu telefonar ao filho.
120. No hospital de Guimarães, a assistente foi imediatamente assistida e internada, tendo-lhe sido realizados exames e prestados cuidados hospitalares e onde foi submetida a três tomografias computorizadas (TC), um Tac Abdomen Superior, um Tac Pélvico e um Tac Torax (cfr. nota de débito de 12 de Novembro de 2009, emitida pelo Centro Hospitalar do Alto Ave, E. P. E., a fls.714, e episódio de urgência de fls.715, cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).
121. A assistente foi também submetida a uma intervenção cirúrgica com vista a extracção dos projécteis, do ombro esquerdo e do abdómen, tendo pago ao Centro Hospitalar do Alto Ave, E. P. E a quantia de € 70,30 (setenta euros e trinta cêntimos).
122. Em consequência dos disparos e para além do referido em I.A.62, a assistente ficou a padecer de stress pós-traumático, com grave repercussão na autonomia pessoal, social e profissional, o que lhe determina uma incapacidade geral permanente de 25% - cfr. relatório pericial complementar a fls.1007 a 1009 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
123. Nos dias seguintes e até este momento, a assistente continuou e continua a sofrer fortes dores em todo o corpo, principalmente na zona no ombro esquerdo e na região abdominal atingidas pelos tiros.
124. Em consequência do tiro que atingiu ombro esquerdo, a assistente sofreu ainda lesões que fizeram com que tenha ficado com dificuldade permanente de mobilização do braço esquerdo (cfr. relatório de avaliação do dano corporal de fls. 500 a 504, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
125. A assistente viu-se forçada a fazer tratamentos de fisioterapia em clínica de especialidade (vinte sessões), tendentes à respectiva reabilitação, que ainda hoje mantém, no que despendeu € 138,60 (cento e trinta e oito euros e sessenta cêntimos).
126. Em transportes públicos utilizados nas deslocações à clínica fisiátrica, a assistente despendeu a quantia de € 61,60 (sessenta e um euros e sessenta cêntimos) - cf. documento de fls.723 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
127. As lesões sofridas motivam que a assistente tenha de desenvolver esforços suplementares com o braço direito para que os trabalhos pesados e, bem assim, os trabalhos domésticos e na sua vida diária e profissional que exijam a mobilização do ombro esquerdo, sejam efectuados com dificuldades e com acréscimo de tempo para atingir os mesmos resultados.
128. À data dos factos, a assistente era uma pessoa física e psicologicamente saudável e não apresentava qualquer incapacidade ou limitação.

129. Desde a data em que foi atingida pelos projécteis, a assistente é uma pessoa ainda mais depressiva, angustiada, melancólica, com reflexos na sua saúde provocando-lhe um agravamento do estado de ansiedade, tristeza, vontade de isolamento, dificuldades em dormir e fobias (cfr. relatório de avaliação do dano corporal de fls.500 a 504 dos presentes autos).
130. A assistente é ainda uma pessoa complexada, em virtude da vergonha que sente com as cicatrizes do seu corpo, teve e ainda tem, em consequência dos actos de que foi vítima, de se submeter a tratamento médico, do foro psiquiátrico, tendo para o efeito consultado novamente, em 3 de Dezembro de 2009, o Sr. Dr. N...D...M..., psiquiatra, que diagnosticou à assistente uma “perturbação de estresse pós-traumático (tentativa de homicídio)”, no que a assistente gastou a quantia de € 19,88 - cfr. venda a dinheiro n.º 447624, a fls.725 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

131. Actualmente, a assistente, uma vez que não tem possibilidades económicas para continuar a consultar o Sr. Dr. Nivaldo, com consultório na Casa de Saúde de Guimarães, é apenas acompanhada pela Senhora Doutora E...L... da Extensão de Saúde USF Afonso Henriques e pela Senhora Doutora M...F...A... do Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (cfr. comprovativos de consultas emitidos pelo centro de saúde de Guimarães a fls.726 a 731 que se dão por integralmente reproduzidas), em cujas consultas a assistente já gastou a quantia de € 35,05 (trinta e cinco euros e cinco cêntimos). 
132. O referido agravamento das alterações emocionais interferiu na vida sócio - familiar da assistente, impedindo o exercício da sua actividade profissional.
133. Em consequência directa e necessária dos projécteis que atingiram, das lesões e sequelas daí emergentes, a assistente está impedida de trabalhar desde o dia 12 de Novembro de 2009, encontrando-se actualmente ainda incapacitada para a sua actividade profissional (cfr. documentos de fls.732 a 738, cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos).
134. Durante este período em que está de baixa médica, a Segurança Social tem pago à assistente a quantia diária de € 14,07 (catorze euros e sete cêntimos) - cfr. documento junto a fls.822 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e efeitos legais).
135. À data de 12 de Novembro de 2009 a assistente exercia as funções de “cafeteiro” na Pousada de Santa Marinha da Costa, em Guimarães, onde auferia o salário mensal líquido de € 493,22 (quatrocentos e noventa e três euros e vinte e dois cêntimos) - cfr. fls.754 e 997.
136. A remuneração que a assistente aufere é o único sustento do agregado familiar, composto pela assistente, pelo filho CC e pela menor DD.

137. A roupa e a carteira, no valor global de € 75,00 (setenta e cinco euros) que a assistente trajava no dia 12 de Novembro ficaram totalmente inutilizadas em virtude dos disparos dos três projécteis.

138. Toda a situação descrita causa à assistente sofrimento, stress, desassossego, nervosismo, ansiedade, tristeza permanente e angústia.

139. A assistente sofre com as consequências devastadoras que os actos do arguido provocaram no equilíbrio da família e no harmonioso desenvolvimento dos filhos.

140. A assistente teme que algo semelhante possa repetir-se se e quando o arguido for libertado, questionando-se permanentemente sobre o seu futuro, sobre o futuro dos seus filhos e se estão todos condenados à morte, vivendo assim sem alegria, apática, sempre acompanhada com um forte sentimento de desespero e mágoa, sem saúde física, psíquica e mental.
141. A assistente nasceu no dia 20 de Setembro de 1960 - cfr. certidão do assento de nascimento a fls.967 e 969.

142. O assistente assistiu aos factos descritos em II.A.53 a II.A.56 e viu a sua mãe ser baleada e temeu que estivesse morta, sem contudo poder prestar o seu auxílio.          

143. Durante todo o tempo em que o arguido perseguiu a sua mãe, a si e a sua irmã, o ofendido, viveu numa angústia constante. Era incapaz de andar sozinho na rua, fosse para onde fosse, pedindo a companhia de amigos.

144. Ainda hoje, o assistente vive em sobressalto, tem medo de sair à noite sozinho, tendo inclusive deixado de frequentar as aulas na escola de condução, por as mesmas serem durante a noite e ele não ter ninguém que o possa acompanhar.

145. A factualidade descrita tornou a vida do jovem ofendido num autêntico inferno.

146. O assistente sofre de ansiedade, tem fobia a estar sozinho onde quer que seja e o seu sono é intranquilo, tem muitos pesadelos.

147. Todos os dias, o assistente levantava-se pelas 06.45 da manhã para confirmar se a sua mãe entrava em segurança no táxi para o trabalho, causando-lhe perturbação no sono e inquietação, em prejuízo do seu rendimento escolar.

148. O assistente tornou-se numa pessoa triste, deprimida, sem alegria de viver; não sai com os amigos, pois teme a sua própria segurança e, ainda hoje, sempre que vai a andar na rua e sente uma presença atrás de si, fica com medo que seja o arguido.

149. O assistente foi encaminhado para ser observado pela psiquiatria do hospital de Guimarães, andou em consultas, mas por falta de comparência na consulta que lhe foi agendada para o dia 17 de Maio de 2009, veio a ter alta definitiva em 17 de Junho de 2009 (cfr. ponto A. do relatório da perícia médico legal a fls.308)

B. Matéria de facto não provada:

Nenhum dos restantes factos alegados resultou provado, designadamente:

1. O arguido exigia à BB que esta lhe fizesse diariamente todas as refeições e que o deixasse ali pernoitar, lhe entregasse o seu salário e economias para ele resolver os seus problemas financeiros e que desprezasse e ignorasse os próprios filhos da assistente.

2. Antes de 25 de Janeiro de 2009, eram frequentes as cenas de violência perpetradas pelo arguido, que sem qualquer motivo agredia e ameaçava a BB e os seus filhos, CC e DD, fazendo com que a BB, o CC e a DD vivessem em permanente angústia e receio do comportamento cada vez mais possessivo e violento do arguido.

3. No dia 25 de Janeiro de 2009, a deslocação do arguido à residência da BB visou a entregar umas compras que esta tinha feito naquele dia no minimercado dele e o primeiro disse-lhe “hoje vou ficar aqui, a casa é tanto minha como tua”, ao que a BB negou; nesse mesmo dia a polícia apareceu no local, acabando aquele por aceder a ir-se embora.

4. Desde o dia 25 de Janeiro de 2009, o arguido deixou de trabalhar e de abrir o seu minimercado.

5. No dia 13 de Fevereiro de 2009, pelas 11.30 horas, o arguido dirigiu-se à residência da BB, onde permaneceu à porta da mesma, dizendo-lhe repetidamente, aos berros e em tom sério e intimidatório: “se não ficas comigo, vou-te matar”.

6. Apavorada com a presença do arguido no exterior da sua casa e com as expressões por ele proferidas, que provocaram receio na assistente, fazendo-a temer pela sua vida, a BB telefonou à polícia, solicitando a sua presença no local.

7. Entretanto, ao aperceber-se da chegada do veículo da PSP, o arguido foi-se embora.

8. O referido em II.A.30 ocorreu no dia 14 de Abril de 2009 e o arguido estava com um gorro preto na cabeça, para não ser reconhecido.

9. Aquando do referido em II.A.30, a vizinha chamou a polícia e o arguido, ao aperceber-se da chegada do veículo da polícia ao local, colocou-se em fuga.

10. Aquando do referido em II.A.36 o arguido disse à assistente “andas metida com gajos, a tua vida está por um fio, é por pouco tempo, vou-te matar”

11. Aquando do referido em II.A.52, o arguido, dirigindo-se à BB, disse-lhe “os teus dias estão contados, eu hei-de matar-te”.

12. Aquando do referido em II.A.52, a assistente pediu ao J...A...F... que chamasse a polícia, altura em que o arguido se colocou em fuga.

13. O arguido utilizava os binóculos para vigiar a assistente e os seus filhos.

14. O arguido detinha as facas e o bastão referidos em II.A.71 para os utilizar como arma de agressão e ameaça relativamente à BB e aos seus filhos.

15. O arguido sofre de graves problemas do foro psiquiátrico e, em Março de 2008, efectuou uma tentativa de suicídio.

16. O arguido não chegou a fazer uso do anti-depressivo por acreditar estar bem só com o uso do calmante, o que lhe agravou os seus transtornos psiquiátricos, os quais ficaram sem controlo e se agravaram, apesar de não ter disso consciência.

17. Em virtude da grave depressão, para o arguido a interpretação da realidade assumiu um carácter alterado, apresentando delírio franco.

18. A intensidade da depressão, provocou-lhe alterações psíquicas e, consequentemente, gerou efeitos comportamentais que não dominava.

19. Ao quadro descrito, acresce que o arguido revela uma fragilidade ao nível afectivo e emocional, fazendo uso regular de calmantes desde os vinte anos de idade, os quais eram receitados pelo seu médico de família.

20. A depressão, somada a esta fragilidade emocional, fez com que o arguido deixasse de conseguir controlar os seus sentimentos, o seu querer e a sua capacidade de avaliar.

21. O arguido é portador de anomalia psíquica que afecta a sua capacidade de entender e de se determinar, sendo portador de uma imputabilidade diminuída.

22. O arguido não compreendia a razão pela qual a assistente se recusava a ter qualquer tipo de diálogo com ele e estranhava o facto de ela passar a repudiá-lo de uma hora para a outra, sendo certo que a depressão provocava delírios no arguido, o qual se mostrava incapaz de fazer uma justa interpretação da realidade.

23. O arguido não atentou contra a vida da assistente e nunca teve intenção de matá-la.

24. O arguido e a assistente nunca viveram como se fossem casados, pois jamais houve comunhão de cama, mesa, e habitação, nem tão pouco uma relação de mútua dependência. 

25. O arguido e a assistente faziam vidas totalmente separadas e cada um adquiria e ministrava os seus próprios medicamentos.

26. Os sentimentos de inconformismo com o rompimento do namoro e ciúmes do arguido foram agravados pela depressão, que é uma doença que causa transtornos emocionais e psíquicos.

27. O arguido não detinha uma pistola e munições.

28. As duas facas de cozinha que o arguido tinha no carro eram frequentemente necessárias no exercício do seu comércio, seja para abrir sacos com produtos que adquiria para vender no seu estabelecimento comercial, seja para manipular as frutas e verduras que comprava para depois vender neste seu estabelecimento que comercializava géneros alimentícios.

29. O arguido detinha o bastão de madeira também para o auxiliar quando ia buscar mercadorias para comercializar e nas tarefas desempenhadas no seu estabelecimento comercial.

30. O arguido não sabia que a detenção daquelas facas e do bastão eram proibidas por lei.

31. O arguido, após o rompimento da relação, não ameaçava os ofendidos com a prática e de crime contra a vida ou integridade física.

32. O arguido jamais proferiu qualquer expressão em tom de ameaça aos mesmos, razão pela qual sequer poderia imaginar que eles tinham medo dele.

33. O arguido não efectuou os disparos contra a assistente, logo não produziu qualquer dano ao táxi do ofendido J...P....

34. O arguido tem bom comportamento anterior aos factos e é tido como pessoa de boa índole.

35. O arguido jamais injuriou ou maltratou fisicamente o ofendido.

36. A assistente, desde 25 de Janeiro de 2009, esteve de baixa médica durante um período de 6 meses, em consequência das condutas do arguido, não podendo exercer a sua actividade profissional..do de 6 meses a contar do dia 25 de Janeiro, por medo do arguido e por ter muita vergonhaquem a assistente saia e com quem com
37. Aquando do referido em II.A.24 a assistente pediu socorro, mas sem sucesso, chegando a ir para o meio da estrada na tentativa de fazer parar os carros para que estes a socorressem, mas sempre sem sucesso.
38. Com a mudança do número de telefone, a assistente despendeu a quantia de € 13,47 (treze euros e quarenta e sete cêntimos) acrescido de IVA.

39. Depois de ter sido atingida por um dos projécteis, o braço esquerdo atingido ficou paralisado de imediato.

40. No telefonema feito pela assistente para o filho e referido em II.A.119, aquela suplicou-lhe para que ele e a irmã não saíssem de casa.
41. A assistente fez um segundo telefonema para uma vizinha, para que esta socorresse os filhos e cuidasse deles.
42. Depois de ter tido alta, a assistente regressou a casa, medicada com o antibiótico “Augmentin Duo”, que tomava de 12 em 12 horas, destinado a tratar infecções, e com o anti-inflamatório “Brufen 400”, que tomava de 8 em 8 horas após as refeições, para tratamento das dores no braço atingido, no que gastou a quantia nunca inferior a € 25,00.

43. O Dr. N...D...M... receitou medicação e a Senhora Doutora E...L... receitou à assistente o anti-depressivo “Sertralina Generis”, medicamento que continua a tomar, um de manhã e outro à noite, e o medicamento “Pacinone”, que a assistente toma todos os dias, para a compra dos quais a assistente já gastou uma quantia nunca inferior a € 50 (cinquenta euros), sendo que antes do sucedido a assistente não recorria a tal medicamento.

44. A assistente ficou prostrada no chão após ser baleada.

45. Antes de o arguido ser detido preventivamente, o assistente passava a vida a ligar à sua mãe para ver se estava bem, para confirmar se o arguido ainda não tinha conseguido atentar a pessoa de sua mãe.

46. Em despesas hospitalares derivadas da agressão, o assistente teve de pagar € 133,95.

9. O recorrente foi condenado pelo crime de homicídio tentado qualificado, na pena de dez anos de prisão.

            Suscita como objecto do recurso questões relativas à qualificação do crime de homicídio, entendendo que não existe especial censurabilidade ou perversidade na conduta, não estando verificas as circunstâncias referidas nas alíneas b), i) e j) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal.

            (i) O recorrente considera «inconcebível» que o seu relacionamento com a assistente, «tendo em vista os factos assentes», seja considerado «análogo aos dos cônjuges» - conclusões 4ª a 10ª.

            A alínea b) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, na redacção após a Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, enuncia como uma das circunstâncias «susceptível de revelar» especial censurabilidade ou perversidade do agente, qualificando o crime de homicídio, a prática do facto «contra cônjuge, ex-cônjuge ou pessoa «com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação».

A este respeito, a matéria de facto provada estabelece que «há cerca de 9 anos [contados na data da decisão em 1ª instância], o arguido e a BB [ofendida e assistente] iniciaram uma relação amorosa que durou até ao dia 25 de Janeiro de 2009, data em que a assistente terminou tal relacionamento» e que «durante este período de 9 anos consecutivos, o arguido e a BB chegaram a viver juntos durante, pelo menos, um mês, e posteriormente sempre residiram em casas diferentes, apesar da convivência estreita e do relacionamento íntimo que mantinham, pois que, com frequência, pernoitavam juntos, ora em casa do arguido, ora em casa da assistente, tomavam refeições juntos e passeavam juntos»; «o arguido sempre manifestou vontade em ir viver com a BB e os filhos desta» - pontos 2, 3 e 4 da matéria de facto.

Está também provado, com interesse para a decisão sobre esta questão, que «o arguido tinha casa própria e era lá que, depois de ter deixado de viver com a assistente, também fazia as suas refeições e também dormia»; e que «depois de terem deixado de viver juntos, o arguido e a assistente arcavam, cada um, com as suas próprias despesas, tratando cada um de se vestir, alimentar, bem como, cada um pagava as contas da luz, água, gás e telefone das suas casas». «O arguido e a assistente não tinham conta bancária juntos, nunca compraram nenhum bem em conjunto, nem declaravam IRS em conjunto» - pontos 90 a 92 da matéria de facto.

O tribunal deu ainda como assente que o recorrente manteve «durante nove anos» com a assistente «uma relação análoga à dos cônjuges» - ponto 68 da matéria de facto.

Esta conclusão que o tribunal colectivo formulou, deduzida dos factos provados, apresenta coerência, tanto no conteúdo relacional de analogia com a situação conjugal, como na perspectiva dos valores e dos motivos de política criminal que determinaram a especificação das circunstâncias que são susceptíveis de revelar especial censurabilidade.

A analogia, enquanto critério de identificação de categorias ou situações, constitui um instrumento metodológico same level reasoning para apuramento de identidade substancial relevante, através da verificação e comparação de elementos que justifiquem, no efeito e no âmbito pretendido, a aplicação de um determinado regime, em princípio definido para uma das categorias.

Agregador e factor de recompreensão de categorias, a analogia tem como referentes critérios materiais de «proporção de relações» e «similitude de relações», mediante comparação de realidades que subsistem na diferença, num juízo que justifica a «racionalidade da associação na diferenciação». A analogia é, neste sentido, um pensamento e um método agregador e de correspondência ou semelhança entre categorias, permitindo encontrar uma razão instrumental da assimilação de categorias diferentes a uma mesma realidade.

Considerada na perspectiva da correspondência ou semelhança entre categorias diferentes, a relação que se estabeleceu entre o recorrente e a assistente, na duração, na coabitação durante algum tempo, na comunhão de espaço «ora em casa do arguido, ora em casa da assistente» e de momentos relevantes de vida, bem como a intenção de vida em comum, são factores e elementos que assumem consistência para integrar a proporção e similitude de relações, ou seja, analogia (não a identidade, pois a relação análoga não é igual ou sequer inteiramente coincidente) quanto a momentos substanciais da relação conjugal.

Não está provada, é certo, a existência de vínculo «patrimonial e financeiro», nem todas as componentes dos deveres próprios da relação conjugal, tal como a define o artigo 1672º do Código Civil. No entanto, há conteúdos determinantes da relação conjugal (o dever de coabitação) que a própria norma da alínea b) do nº 2 do artigo 132º não considera essenciais para a definição do conteúdo relevante da relação de similitude que prevê. E, apesar disso, mesmo não tendo havido coabitação, a situação não deixa de ser análoga, o que indicia que o método agregador da similitude comporta ainda diferenciações de conteúdo.

No plano da razão instrumental, as valorações que estão presentes numa e noutra situação (relações subsistentes ou passadas, como refere a lei) são substancialmente semelhantes para justificar a qualificação, uma vez que em tais circunstâncias e condições relacionais é muito mais intensa a especial exigência ou o contra motivo – factores que deveriam ter levado a agente a abster-se de actuar, traduzindo um profundo desrespeito por padrões axiológicos estruturantes -que recai sobre o agente para o inibir da prática de actos de violência contra pessoas a quem o ligam ou ligaram especiais laços de afecto e de comunhão de vida.

Verifica-se, pois, no caso a circunstância prevista no artigo 132º, nº 2, alínea b) do Código Penal.

            (ii) O recorrente entende que também não se verifica o preenchimento da qualificativa prevista na alínea i) do n° 2 do artigo 132° do Código Penal.

            A alínea i) refere-se à utilização de «veneno ou qualquer outro meio insidioso».

            O meio é insidioso quando se revela pérfido, dissimulado, Por isso, o primeiro padrão de referência da norma é a utilização de veneno.

            Meio insidioso constitui um meio dissimulado na sua influência maléfica, um meio fraudulento ou subreptício por si mesmo; inclui traição, ataque súbito, sorrateiro, atingindo a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso; é uma emboscada, enquanto espera da vítima em lugar por onde vai passar e dissimulação, ou ocultação da intenção hostil para acometer a vítima. O meio insidioso compreende não apenas os meios especialmente perigosos, mas também a eleição das condições em que o facto pode ser cometido de forma mais eficaz dada a situação de vulnerabilidade e de desprotecção da vítima em relação ao agressor (cf. Teresa Serra, “Homicídio Qualificado”, p. 13); meio insidioso será aquele cuja forma de actuação sobre a vítima ofereça características semelhantes ao veneno, do ponto de vista do seu carácter enganoso, subreptício, dissimulado ou oculto (Figueiredo Dias, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, I, p. 38-39).

Na insidia o agente aproveitou uma distracção da vitima para actuar, age enganando-a e cria uma situação que a coloca em posição de não resistir como em circunstancias normais sucederia; a traição sempre sugeriu agravação do homicídio (Maria Margarida da Silva Pereira, in “Direito Penal; II, Os Homicídios”, p. 42). A dissimulação é a ocultação da intenção hostil para com a vitima, surgindo à falsa fé quando não se perfila qualquer propósito de ofender; a insídia repousa mais no meio usado; a dissimulação mais no modo como e usado (acórdão do STJ de 04-05-2011, processo nº 1702/09.1 J APRT.P LSI).

             Meio insidioso é, em suma, o que se apresenta como enganador, dissimulado, imprevisto, traiçoeiro, desleal para com a vítima, constituindo uma surpresa para a vítima ou colocando-a numa situação de vulnerabilidade ou desprotecção em termos de a defesa se tomar difícil; é o ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vitima descuidada ou confiante antes de perceber o gesto criminoso (ac. do STJ , de 23.2.2000, proc.° n.° 1187/99).

            Para avaliar no caso sub judice a natureza do meio e das circunstâncias, são relevantes os factos provados nos nºs 53 a 55 da matéria de facto.

No dia 12 de Novembro de 2009, pelas 6 horas e 45 minutos, quando a BB [assistente] saiu do prédio e se preparava para entrar pela porta traseira, do lado esquerdo, no táxi, da marca Mercedes, com a matrícula ...-XV, conduzido e propriedade de J...P..., surgiu o arguido, a poucos metros da ofendida, munido com uma pistola, semiautomática, da marca Unique, modelo K-Mikros, com o n.º 655422, de calibre 6,35mm»; «de seguida, com o intuito de a matar, apontou-a com o braço esticado à BB e efectuou seis disparos na sua direcção e do apontado táxi».

Refira-se que, nesse dia e hora, «o [filho da assistente] encontrava-se à janela da sua residência, como fazia diariamente, a fim de confirmar se a mãe entrava no táxi em segurança, já com receio que o arguido surgisse e atentasse contra a sua vida» - ponto 53 da matéria de facto.

Perante estes factos, e embora os pormenores ou a especificação sobre as circunstâncias antecedentes da presença do recorrente no local não estejam descritas, pode seguramente concluir-se que o recorrente não estava visível - àquela hora matinal de Novembro é escuro e não foi avistado pelo filho da ofendida [que se encontrava à janela da residência, «como fazia diariamente, a fim de confirmar se a mãe entrava no táxi em segurança, já com receio que o arguido surgisse e atentasse contra a sua vida»], sendo, assim, segundo a normalidade das coisas e as regas da experiência, de deduzir que o recorrente surgiu inopinadamente, dissimulado, de surpresa, sem ser pressentido pela ofendida, já de arma empunhada e em modo de disparo, como imediatamente aconteceu.

Nestas circunstâncias de tempo e lugar, em espera junto à residência da ofendida e àquela hora da manhã, a acção do recorrente foi inesperada, súbita e sorrateira, imprevista e de surpresa, com todas as características de traiçoeira e desleal, sem dar à vítima uma oportunidade de defesa.

A actuação, nas circunstâncias em que ocorreu e que o recorrente procurou, revela-se, assim, insidiosa.

Integra-se, assim, nos limites valorativos da circunstância prevista na alínea i) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal.

            (iii) Em outro fundamento do recuso, o recorrente considera que não está preenchida a qualificativa prevista na alínea j) do n° 2 do artigo 132° do Código Penal.

A alínea j) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal considera como circunstância susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade «agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas».

No que respeita à circunstância da persistência da «intenção de matar por mais de vinte e quatro horas» - cuja caracterização e elementos vão de si, por refracção imediatamente factual e temporal, sem necessidade de integração conceptual - a verificação e prova da circunstância depende, exclusivamente, da caracterização e da interpretação contextual da actuação e do estado de espírito do agente; a prova, embora indirecta através de factores de conformação, é imediatamente factual, dispensando elaborados procedimentos de reflexão.

Interessam, pois, em exclusivo, os factos e a sua interpretação segundo as regras da experiência, no contexto da actuação do agente.

Neste aspecto, está provado que o recorrente «actuou com o propósito» de «tirar a vida» à ofendida, «pela recusa [da ofendida] em reconciliar-se com ele e pelos ciúmes que sentia», «o que vinha anunciando desde Fevereiro de 2009» - ponto 67 da matéria de facto.

E também que detinha, «desde data não apurada até 12 de Novembro de 2009, a […] pistola e munições, não obstante saber que não lhe era permitida a sua detenção, por não ser titular de qualquer documento que o habilitasse para o efeito» - ponto 70 da matéria de facto.

Estes factos, sem outros esclarecimentos complementares que possibilitem a apreensão externa do foro pessoal e íntimo e uma interpretação ou leitura isenta de dúvidas razoáveis de sentimentos e pensamentos que são inteiramente da reserva de espírito do agente, não permitem considerar que o recorrente tenha formulado definitivamente, com consistência e não apenas hipoteticamente pensada ou sentida por um momentâneo impulso, a acção de acabou por praticar.

A persistência na intenção de matar «por mais de vinte e quatro horas» significa isso mesmo que resulta do sentido comum da linguagem: não apenas um qualquer pensamento de um momento, logo superado, mas um propósito firmado e firme, consistente, determinado, permanente, sem solução de continuidade na vontade de execução, e que perdure «por mais de vinte e quatro horas».

O anúncio de uma intenção pode ser simplesmente um modo de exteriorização de uma ameaça, e a circunstância de possuir uma arma, apenas por si, não permite afirmar e deduzir, segundo as regras da experiência que comandam as presunções naturais, que tenha existido formação do propósito e, mais, que o propósito se tenha mantido permanente (tenha persistido) ao longo do tempo.

Não pode, deste modo, considerar-se verificada a circunstância referida na alínea j) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal.

10. O crime de homicídio qualificado, previsto no artigo 132º do Código Penal, constitui uma forma agravada de homicídio, em que a qualificação decorre da verificação de um tipo de culpa agravado, definido pela orientação de um critério generalizador enunciado no nº 1 da disposição, moldado pelos vários exemplos-padrão constantes das diversas alíneas do nº 2 do artigo 132º.

            O critério generalizador está traduzido na cláusula geral com a utilização de conceitos indeterminados  -  a especial censurabilidade ou perversidade do agente; as circunstâncias relativas ao modo de execução do facto ou ao agente são susceptíveis de indiciar a especial censurabilidade ou perversidade e, assim, por esta mediação de referência, preencher e reduzir a indeterminação dos conceitos da cláusula geral.

            Sendo elementos constitutivos do tipo de culpa, a verificação de alguma das circunstâncias que definem os exemplos-padrão não significa, por imediata consequência, a realização do tipo especial de culpa e a directa qualificação do crime, como, também por isso mesmo, a não verificação de qualquer dos modelos definidos do tipo de culpa não impede que existam outros elementos e situações que devam ser considerados no mesmo plano de valoração que está pressuposto no crime qualificado e na densificação dos conceitos bem marcados que a lei utiliza.

            Mas, seja mediada pelas circunstâncias referidas nos exemplos-padrão, ou por outros elementos de idêntica dimensão quanto ao desvalor da conduta do agente, o que releva e está pressuposto na qualificação é sempre a manifestação de um especial e acentuado «desvalor de atitude», que traduz e que se traduz na especial censurabilidade ou perversidade, e que conforma o especial tipo de culpa no homicídio qualificado.

            A qualificação do homicídio do artigo 132º do Código Penal supõe, pois, a imputação de um especial e qualificado tipo de culpa, reflectido, no plano da atitude do agente, por uma conduta em que se revelam «formas de realização do facto especialmente desvaliosas (especial censurabilidade), ou aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas» (cfr. FIGUEIREDO DIAS, "Comentário Conimbricense do Código Penal", vol. I, págs. 27-28).

            O modelo de construção do tipo qualificado  -  qualificado pelo especial tipo de culpa  -  através da enunciação do critério geral, moldado pela densificação através dos exemplos-padrão, não permitirá, por seu lado, salvo afectação do princípio da legalidade, «fazer um apelo directo à cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplos-padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto [...] ou de uma situação valorativamente análoga» (cfr. idem, pág. 28).

            A decisão sobre a integração do crime de homicídio qualificado exige que se proceda à definição da imagem global do facto, de modo a logo aí detectar a particular forma de culpa que justifica a qualificação do homicídio, sem esquecer, na dimensão da integração diferencial, que o tipo geral de homicídio constitui já, por si mesmo, pela natureza e moldura penal aplicável, um crime de acentuada gravidade que protege o bem vida como valor essencial inerente à pessoa humana.

11. Na definição da imagem global do facto, qualquer das circunstâncias provadas, que integram a previsão das alíneas b) e i) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, revela que o recorrente agiu com especial censurabilidade, quer por não ter considerado a especial relação que existiu ente si e a vítima, quer pela escolha do lugar, do tempo e do modo em que praticou o facto. Verifica-se, assim, que no facto se projectam refracções de personalidade desvaliosa, existindo ainda um especial «desvalor de atitude» do recorrente; o crime de homicídio é, pois, qualificado nos termos do artigo 132º, nº 1 e 2, alíneas b) e i) do Código Penal.

É, pois, na moldura penal determinado pela conjugação das normas dos artigos 23º, nº 2 e 132º, nº 1 do Código Penal que deves ser determinada a pena.

Na determinação da medida concreta da pena, o tribunal está vinculado, nos termos do artigo 71º, nº 1, do Código Penal, a critérios definidos em função da culpa do agente e de exigências de prevenção.

O juiz deve atender, nesta determinação, a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais as que estão exemplificativamente referidas nas alíneas a) a f) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.

Elementos de referência na determinação da medida da pena são o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e as respectivas consequências.

Na realização dos fins das penas (protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, nº 1 do Código Penal) as exigências de prevenção geral constituem, nos casos de homicídio, uma finalidade de primordial importância.

A ilicitude do facto é intensa, pelo valor afectado e pelo modo de actuação.

A vida humana é valor fundamental, como valor sobre os valores, inviolável na expressão constitucional (artigo 24º, nº 1, da Constituição), e na acentuação de sentimentos e emoções a comunidade sofre sempre uma violência comum quando por acto voluntário se ofende a vida de um dos seus.

Mas ainda no domínio da ilicitude, e no âmbito de valoração na tentativa, em que o resultado pode ter uma diversíssima gradação de gravidade das lesões sofridas pela vítima e das consequências efectivas, as circunstâncias do caso revelam uma projecção consequencial nos limites menos intensos de resultados efectivos, quando se considere a dimensão concreta das consequências.

Tudo factores relevantes para a determinação da medida da pena: a gravidade do facto e das suas consequências – alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.

A culpa é intensa, traduzida logo na especial censurabilidade.

O recorrente não se mostrou arrependido pelos factos – ponto 89 da matéria de facto.

As imposições de prevenção geral de integração são relevantes, impostas pela frequência como que nas relações de proximidade, e particularmente nos momentos de ruptura, se praticam acções de afectação de valores essenciais.

Mas as exigências funcionalistas de prevenção geral de integração têm de ser coordenadas, em concordância de finalidades aparentemente conflituantes, com as necessidades de prevenção especial, que são finalidade de reencaminhamento e de inclusão.

Há que atender também à circunstância de o recorrente sofrer de «perturbações afectivas», «depressão e ansiedade», e ter anterior internamento hospitalar, «em consequência de um ferimento com arma de fogo, com entrada frontal direita e saída frontal esquerda», sendo posteriormente seguido na especialidade de psiquiatria – pontos 86 e 87 da matéria de facto, não se tendo, todavia, provado que o disparo tenho sido uma tentativa de suicídio – ponto 15 dos factos não provados.

Ponderados todos estes factores, e fazendo apelo a juízos de proporcionalidade que a jurisprudência vai construindo, também como instrumento de valoração e medida para não produzir desigualdades na aplicação das penas (por exemplo, dos mais recentes, e perante constelações factuais de aproximada dimensão, os acórdãos do STJ de 30-4-2009, proc. nº 58/05.6SULSB; de 19-3-2009, proc. nº 240/09; e de 29-9-2010, proc. nº 87/09.0GAPNC), condena-se o recorrente pelo crime de homicídio, tentado, na pena de sete anos de prisão.

12. O recorrente discorda da medida da pena única, pedindo a aplicação de uma pena «mais adequada, justa e equitativa» - conclusões 124ª a 132ª.

Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, que «Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

Assim, nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, o agente do concurso de crimes é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.

Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se reconduzem apenas a uma pluri-ocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.

Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente.

No caso, os factos pelos quais o recorrente foi condenado, considerados no seu conjunto – o «ilícito global» - , foram praticados num determinado período, entre 25 de Janeiro e 9 de Novembro de 2009, sempre na mesma contextualidade ambiental, de acentuada afectação emocional do recorrente em consequência de uma ruptura na relação com a ofendida. O ilícito global e a valoração conjunta da ilicitude, como se pudesse ser um só facto na agregação dos diversos comportamentos de descontrolo emocional, é diverso da soma do conjunto, devendo o resultado plural ser entendido unitariamente e no crescendo de perturbação e da desordem subjectiva do recorrente, que culminou no episódio mais grave de 9 de Novembro, e que determinou na condenação por tentativa de homicídio. Esta fronteira caracteriza verdadeiramente todo o comportamento antecedente do recorrente; não existe um corte ou solução de continuidade, e as ofensas anteriores, compreendidas num mesmo processo de afectação intersubjectiva que causou uma consequente perturbação da tranquilidade da ofendida, não assumem, apesar de tudo, neste contexto, uma dimensão de ilicitude verdadeiramente autónoma, mas antes de adensamento da ilicitude do acto mais grave desse processo de perturbação afectiva e patologia emocional do recorrente.

De seu lado, a personalidade do recorrente que se revela nos factos não é de tendência, apresentando-se fortemente condicionada, nas manifestações externas, pelas «perturbações afectivas», conjugadas com os desvios co-determinados pelas afecções de depressão e ansiedade.

O recorrente, como se provou – ponto 88 - «é considerado pessoa séria, responsável e íntegra».

Todos estes elementos aconselham que sejam tomadas em devida consideração as consequências da pena única nas possibilidades e necessidades de prevenção especial, nas condições específicas que estão provadas relativas à saúde psíquica do recorrente.

Deste modo, tendo em consideração todas as referidas circunstâncias relativas ao conjunto dos factos e à personalidade do recorrente, fixa-se a pena única em oito anos e seis meses de prisão.

13. O recorrente foi condenado a pagar à assistente a indemnização cível de 30.105,85 €, sendo 28.500, 00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Considera «manifestamente excessivo» o «quantum indemnizatório» a título de danos não patrimoniais que, no seu entender, não será equitativo.

A indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil  -  artigo 129º do Código Penal.

Nos termos do artigo 493º, nº 1, do Código Civil, que estabelece o princípio geral em matéria de responsabilidade por factos ilícitos, «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

E o artigo 496º do mesmo diploma dispõe no nº 1 que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». Como determina o nº 2, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º, ou seja, «o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso».

Na fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais, a lei manda proceder «equitativamente».

A equidade é, hoje, objecto de várias referências dispersas nos textos legais, com significados que, não sendo em todos necessariamente de idêntica dimensão, partilham, todavia, de um critério de valor nuclear que lhes tem de ser comum.

Perante as múltiplas menções dos textos, a doutrina tem procurado agrupar a noção de equidade a duas «acepções fundamentais»: uma noção «fraca», que, partindo da lei, permitiria corrigir injustiças ocasionadas pela natureza rígida das normas abstractas quando da aplicação concreta; e uma noção «forte», que prescinde do direito estrito, procurando para cada problema soluções baseadas na justiça do caso concreto (vfr., v. g., António Menezes Cordeiro, “A Decisão Segundo a Equidade”, in, O Direito, Ano 122º, 1990, II (Abril-Junho), pág. 261 segs.).

As várias referências na lei, quando manda proceder a julgamento segundo a equidade, acolhem aquele primeiro sentido da noção.

A noção de equidade tem, pois, essencialmente que ver com a «vertente individualizadora da justiça» (cfr., idem); a equidade traduz um juízo de valor que significa um justo equilíbrio nas relações, por exemplo, entre o lesante e o lesado [cfr. Karl Larenz, “Metodologia da Ciência do Direito”, (trad. port., 2ª edição), pág. 350]. O juiz, na decisão segundo a equidade, terá de considerar essencialmente as particularidades que o caso concreto lhe apresenta, configurando-se a consideração dos elementos e realidades a ter em conta sobretudo como questão metodológica.

As referências dispersas na lei à equidade como critério ou elemento de decisão de questões específicas, apresentam uma matriz que tende para a definição de direitos e obrigações que supõem a consideração de pressupostos individualizadores, com algumas dificuldades na definição de critérios para quantificações abstractas, especialmente em matéria de determinação de indemnização; em tais casos, a superação apenas pode ocorrer in concreto, perante as circunstâncias particulares de cada situação, sem a preexistência de pautas, parâmetros ou modelos materiais de determinação.

A decisão segundo a equidade significa, pois, intervenção do justo critério do juiz na ponderação ex aequo et bono das circunstâncias particulares do caso, partindo das conjunções referenciais da ordem jurídica, e da função do critério e das finalidades a realizar; o julgamento de equidade não depende, por isso, da simples vontade, de inteira subjectividade ou de um simples modelo de discricionariedade.

O artigo 496º, nº 3, do Código Civil constitui uma das várias disposições da lei civil que remete o juiz para uma decisão equitativa, apontando-lhe, no entanto, os parâmetros de circunstâncias que deve ter em conta para decidir «equitativamente» sobre a fixação da indemnização por danos não patrimoniais: na quantificação devem ser consideradas todas as circunstâncias do caso, nomeadamente a culpabilidade do responsável, e a situação económica deste e do lesado (cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal, de 5/6/96, proc. 35/96; de 4/7/96, proc. 88200; e de 10/12/96, Proc. 385/96; proc. 3284/03, de 3/12/03).

Os critérios de equidade remetem, assim, para uma operação complexa, que não depende inteiramente de considerações de direito estrito, mas antes de referenciais que se acolhem a uma concreta ponderação de razoabilidade, ao prudente arbítrio, ao senso comum dos homens e à justa medida das coisas (cf. acórdão do Supremo, de 1/10/96, proc. 90/96).

Porém, na determinação «equitativamente» quantificada, os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objectivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objectivamente um enriquecimento injustificado (cf. acórdão do Supremo de 29/4/98, proc. 55/98).

De todo o modo, sendo a fixação equitativa o resultado de uma mediação inescapável do prudente critério do juiz entre a objectividade dos fins e o sentido da justa medida, o resultado do julgamento não deverá ser censurado quando não for clara e manifestamente inaceitável (cfr. acórdão deste Supremo de 5/3/02, proc. 73/02).

É o que sucede no caso.

A decisão recorrida ponderou devidamente os factores relevantes, e o recorrente, limitando-se a formular a sua discordância, não invocou motivos, factores ou argumentos que abalem o sentido prudencial da decisão recorrida.

O recurso improcede, também nesta parte.

14. Nestes termos:

(i) Rejeita-se, por inadmissível, o recurso relativamente aos crimes de violência doméstica (artigo 152°, n°s 1, alínea b) e 2 do Código Penal); de ofensas à integridade física qualificada (artigos 143°, n° 1, 145°, n°s 1, alínea a) e 2, 132°, n° 2, alínea h) do Código Penal); de detenção de arma proibida (artigo 86°, n° 1, alíneas c) e d), da Lei n° 17/09); de ameaça (artigos 153, n° 1 do Código Penal); de ameaça agravado (artigo 153°, n° 1 e 155°, n° 1, alínea b) do CP); e de dano (art. 212°, n° 1 do CP), e a todas as questões conexas;

(ii) Julga-se parcialmente procedente o recurso no que respeita ao crime de homicídio qualificado tentado (artigos 132°, n° 2, alíneas b), i) e j), 22°, 23° e 77° do Código Penal), condenando-se o recorrente na pena de sete anos de prisão;

(iii) Julga-se parcialmente procedente o recurso no que respeita à pena única, condenando-se o recorrente, em cúmulo jurídica, na pena única de oito anos e seis meses de prisão;

(iv) Nega-se provimento ao recuso no que respeita à indemnização cível.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Julho de 2011


Henriques Gaspar (relator)
Armindo Monteiro