Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3365/18.4T8BRG.G2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
EMPREITADA
FACTO CONSTITUTIVO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA, REPRISTINANDO A DECISÃO DA 1ª INSTÂNCIA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Estabelecendo-se no contrato de seguro celebrado entre a autora e a ré seguradora a cobertura dos danos provocados com a execução da empreitada a realizar pela autora que “venham a ocorrer em condutas ou canalizações subterrâneas de qualquer tipo em consequência da inexistência e/ou impossibilidade provadas de obtenção prévia dos referidos planos ou traçados”, tal significa que só nesta eventualidade é que os danos em questão  (causados num furo de captação de água pertença de terceiro e cujo ressarcimento a autora pretende) ficariam cobertos pelo contrato de seguro.

II - Assim, e por se tratar de um elemento constitutivo do direito indemnizatório invocado e peticionado pela autora, era sobre a esta que, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 342º do C. Civil, pendia o ónus de alegar e provar que os danos resultaram da inexistência e/ou impossibilidade da obtenção prévia dos referidos planos ou traçados.

III. Uma vez que a autora não provou (nem sequer alegou) tal matéria factual, impõe-se considerar que os danos em questão não estão abrangidos pela cobertura do contrato de seguro.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

ALEXANDRE BARBOSA BORGES, S.A. intentou ação declarativa comum contra AGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 100.454,46, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos.

Invocou para o efeito a ocorrência de um sinistro numa obra que estava a ser realizada no Rio … por um consórcio de que fazia parte, e que esse sinistro teve a ver com a instalação, pela autora, de uma ensecadeira (necessária para a execução dos trabalhos de captação de água) que originou o aumento da velocidade do caudal do rio, a erosão da respetiva margem e o rebaixamento do nível de areia, tendo provocado inclinações de alguns furos de captação de água, decorrentes do estreitamento da secção do rio e a consequente inutilização dos mesmos, o que determinou a necessidade de efetuar novos furos com o que despendeu a quantia peticionada.

E alegou que a obrigação de indemnização da ré tem por base um contrato de seguro celebrado entre ambas, mediante o qual transferiu para a ré a responsabilidade civil extracontratual e a responsabilidade contratual que lhe seja imputável no exercício da sua atividade profissional.

Na contestação que apresentou, a ré, para além de se defender por impugnação, invocou a exclusão do objeto do seguro dos danos invocados, ao que a autora respondeu no sentido da falta de verificação das exclusões excecionadas pela ré, que não lhe foram comunicadas.

 Foi proferido despacho saneador-sentença, onde se decidiu julgar a ação totalmente improcedente, sendo a ré absolvida do pedido.

Tendo a autora interposto recurso de apelação, a Relação … revogou aquela decisão e ordenou a continuação do processo para o apuramento da matéria de facto impugnada com vista à decisão de mérito.

Prosseguindo os autos e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual a ação foi julgada totalmente improcedente, sendo a ré absolvida do pedido.

Na sequência e no âmbito de apelação da autora, a Relação …. revogou a sentença recorrida e condenou a ré a pagar à autora a quantia que se vier a liquidar futuramente, em incidente próprio, dentro do montante peticionado de € 100.545,64.

Inconformada, interpôs a ré o presente recurso de revista, no qual formulou as seguintes conclusões:

1) O Tribunal da Relação … julgou existir responsabilidade civil da recorrida, com fundamento em comportamento negligente na execução da obra, consequentemente revogou a sentença absolutória proferida em primeira instância.

2) A responsabilidade civil resulta do princípio de que aquele que causa um dano, de feição patrimonial ou não patrimonial, deve restabelecer o bem jurídico violado no estado em que se encontrava antes da consumação do evento danoso e, caso tal restabelecimento não seja possível, deve a reparação ser feita em valor pecuniário – teoria da diferença (artigos 562.º e 566.º, do Código Civil).

3) A responsabilidade civil pressupõe a prática de um facto humano (por ação ou omissão), que esse facto é contrário à ordem pública, que se exponha como reprovável e

censurável, no plano de imputação subjetiva a um determinado sujeito e que seja possível imputar o facto a um determinado resultado danoso, por ser aquele a sua causa (artigo 483.º do Código Civil).

4) Provado que, para a realização de todos os trabalhos contratados, a recorrida empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para evitar a produção de qualquer dano e que cumpriu integralmente as normas técnicas e legislativas inerentes à atividade e as da experiência comum, tendo ainda procedido à monitorização e vigilância a quaisquer alterações topográficas ou do caudal do Rio …. e/ou prevenido outros quaisquer danos, tais como, poluição súbita e acidental, resulta com toda a evidência que não há violação da ordem jurídica.

5) O comportamento da recorrida não é ilícito, nem tão pouco pode o mesmo ser objeto de censura técnico-jurídica, inexistindo culpa, ainda que negligente.

6) Se se entender tratar-se a atividade desenvolvida de atividade perigosa, sempre se dirá que ficou demonstrado cabalmente que se empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, pelo que está afastada a presunção de culpa do n.º 2, do artigo 493.º, do Código Civil.

7) No caso concreto, não se verifica uma situação de responsabilidade pelo risco, não basta a ocorrência de um facto naturalístico - lícito ou ilícito – e de um nexo de causalidade entre o facto e o dano para que o lesante se constitua na obrigação de indemnizar.

8) No douto acórdão concluiu-se que tendo a instalação da Ensecadeira no local provocado um aumento da velocidade do caudal do Rio …., uma crescente erosão da sua margem e o rebaixamento do nível de areia do rio, o que causou danos, houve um erro de cálculo, uma conduta negligente da empreiteira e, por isso, estaria a recorrida obrigada a indemnizar.

9) O regime geral e comum da responsabilidade civil é o que se baseia na culpa do agente, daí dizer-se subjetiva, sendo a responsabilidade pelo risco ou objetiva a exceção.

10) A responsabilidade civil objetiva é imposta por lei para casos específicos, designadamente a responsabilidade do comitente pelos danos causados pelo comissário, a do Estado e de outras pessoas coletivas públicas pelos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de atividades de gestão privada, a responsabilidade por danos causados por animais, por acidentes de veículos, por instalações de energia elétrica (artigos 500.º a 510.º do Código Civil).

11) Na situação em apreciação nos presentes autos inexiste disposição legal que imponha a responsabilidade objetiva, pelo que a obrigação de indemnizar depende da culpa.

12) Estando provado nos autos, que a recorrida empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos no Furo de Captação de Água F10, independentemente de estar-se ou não perante atividade perigosa, está provada a ausência de culpa, pelo que não pode haver responsabilidade da recorrida e inexiste fundamento para defender a transferência dessa responsabilidade para o contrato de seguro que deu causa à propositura da presente ação.

13) Para se concluir pela ilicitude da conduta e pela culpa na produção do resultado impunha-se demonstrar, não só que a execução material da obra foi a causa dos danos, mas também que não foram cumpridas as normas de execução e segurança dos trabalhos.

14) Na situação descrita nos presentes autos a conduta da recorrida não é passível de censura, porquanto não se vislumbra o que podia ou devia ter feito e não fez para evitar os danos, não tendo o douto acórdão objeto do presente recurso interpretado corretamente o artigo 483.º do Código Civil.

15) Pelo que ter-se-á de concluir, tal como resulta da douta sentença proferida em primeira instância e injustamente revogada, que a reparação dos danos não se encontra coberta pelo contrato de seguro.

16) Conforme resulta da definição do objeto do contrato de seguro celebrado e que se extrai do artigo 1.º, 1.3, da Condição Especial 41«Responsabilidade Civil / Construção Civil», (…) o Segurador garante a responsabilidade extracontratual do Segurado emergente da atividade especificada na proposta de contrato (…) pela execução de trabalhos próprios da atividade referida, sem prejuízo do disposto na alínea aa), do n.º 1, do artigo 2.º (documentação junta aos autos pela própria Apelante com a douta petição inicial como documento n.º 4).

Resultando do artigo 2.º, n.º 1, alínea ee), da mesma Condição Especial, que ficam excluídos os trabalhos que o Segurado realize no âmbito da sua participação em consórcios, agrupamento europeu de interesse económico (AEIC) e agrupamento complementar de empresas (ACE) ou outras formas de associação.

17) Assente que os danos foram provocados em virtude da execução da empreitada designada “A....” adjudicada ao Consórcio BB., não está o ressarcimento de tais prejuízos transferido para o contrato de seguro.

18) Na definição do objeto do contrato são expressamente mencionados os riscos que não são cobertos pela apólice de seguro e identificados expressamente nos artigos 1.º e 2.º desta Condição Especial 41.

19) Conforme resulta da apólice de seguro e das respetivas condições particulares e especiais, as partes celebraram um seguro de Responsabilidade Civil Empresarial, tendo

definido como atividade desenvolvida pela Segurada a Construção Civil e/ou Obras Públicas, tendo delimitado o objeto e os riscos transferidos para o contrato do seguro nos artigos 1.º e 2.º da Condição Especial 41.

20) Uma vez que os danos foram causados no âmbito de uma empreitada realizada pela participação da recorrida em consócio, não está este risco transferido para o contrato de seguro.

21) Sendo o contrato de seguro um negócio jurídico formal e de natureza facultativa, a sua interpretação está sujeita às regras gerais dos negócios jurídicos, consagradas nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil.

22) Um declaratário normal, identificado como alguém normalmente diligente, sagaz e experiente, colocado perante a declaração negocial e aquilo que podia conhecer da intenção da seguradora, não podia deixar de entender que, celebrando um contrato de empreitada em consórcio, os riscos dessa sua atividade não se encontravam transferidos para o contrato de seguro que serviu de fundamento à presente ação.

23) No domínio da interpretação de um contrato há que recorrer, para a fixação do sentido das declarações, nomeadamente à letra do negócio, às circunstâncias que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respetivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos, os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento) e a finalidade prosseguida.

24) O Tribunal da Relação …, na fixação do sentido do artigo 2.º, n.º, 1, alínea ee), da Condição Especial do Contrato de Seguro, não teve em consideração o limite negativo da letra do contrato, nem atendeu à particularidade dos contratos de seguro e das empreitadas realizadas em consórcio.

25) O sentido que foi fixado pelo douto acórdão em apreciação não tem qualquer correspondência no texto contratual, a letra do contrato não admite que se conclua estarem transferidos para o contrato de seguro os riscos de uma empreitada em regime de consórcio, quando cada uma das consorciadas seja responsável pela execução de parte dos trabalhos.

26) Acresce que, tal como resulta do contrato de consórcio junto a estes autos, a empreitada em regime de consórcio exige habitualmente a celebração de um contrato de seguro do ramo Construção e Montagem All Risks, que permite agregar numa só apólice os diversos intervenientes e a obra no seu todo.

27) O que não é manifestamente o caso do contrato de seguro em apreciação nos autos, que é do ramo responsabilidade civil.

28) Razão pela qual também se impõe a alteração do decidido pelo Tribunal da Relação …, porquanto a presente ação terá manifestamente de improceder, por estar provado que os alegados danos ocorreram no âmbito da execução de empreitada em que os trabalhos eram  executados  pelo  Consórcio  BB., ao decidir diferentemente o acórdão da Relação …. não fez a mais correta interpretação do contrato de seguro, violando os critérios hermenêuticos do artigo 236.º do  Código Civil.

29) Da matéria assente resulta que foram os trabalhos de implantação da Ensecadeira no leito do rio …. a causa do estreitamento da secção do rio, contribuindo para o aumento da velocidade do caudal e crescente erosão da margem e fundo do rio e que consequentemente deram origem aos danos no Furo F10.

30) Dispõe o artigo 2.º, alínea j), da Condição Especial 41, junta aos autos pela recorrida, que ficam excluídos (…) os danos causados por alteração do curso ou nível freático, quer no local dos trabalhos, quer nas áreas adjacentes.

31) Resultando os danos no Furo F10 da construção da Ensecadeira, cujo objetivo era precisamente o de alterar o curso de água do rio … para permitir trabalhar em seco, não pode a presente ação proceder por também não estarem garantidos pelo contrato de seguro os danos que a A., ora recorrida, alega como fundamento da presente ação.

32) Se se entender estarem garantidos os danos no Furo de Captação de Água F 10, por ser inaplicável o exposto quanto à definição do objeto do contrato, o que apenas por mero dever de ofício se concede, a presente ação não pode proceder pela aplicação da cláusula particular Danos em Condutas ou Canalizações Subterrâneas.

33) Crê a recorrente que o Furo de Captação de Água não é uma conduta ou canalização subterrânea, nem tão pouco deve ser entendida como uma estrutura afim.

34) O Furo de Captação de Água F 10 é uma estrutura submersa, localizada no leito do rio, que sofreu danos provocados pelo aumento da velocidade do caudal do Rio …. e pelo rebaixamento do nível de areia do rio.

35) Os danos em condutas ou canalizações subterrâneas, previstos na condição particular a que faz apelo a recorrida na douta petição inicial, são causados por estas estruturas encontrarem-se enterradas e por não existirem ou não ser possível obter os respetivos planos ou traçados.

36) É esta impossibilidade de aceso aos planos ou traçados das condutas ou canalizações subterrâneas a causa de serem atingidas/danificadas na realização dos trabalhos.

37) Crê a recorrente que não é possível entender-se ser o Furo de Captação de Água F10 uma conduta ou canalização subterrânea, por não ter sido o facto de estar enterrada e inexistirem os respetivos traçados a causa dos danos que nele se vieram a verificar.

38) De todo o modo, caso assim se não entenda, para poder a recorrente beneficiar da aplicação desta cláusula particular teria de provar a inexistência e/ou impossibilidade da obtenção prévia dos referidos planos ou traçados.

39) Contrariamente ao que resulta da fundamentação do douto acórdão em revista, a aqui recorrida não provou, nem tão pouco alegou, que diligenciou com vista a obter aquela informação, pelo que não pode acionar esta cláusula particular, não respondendo a recorrente pelos danos produzidos no Furo de Captação de Água F10.

40) Se se entender, como defendeu a recorrida na motivação do seu recurso de apelação, que o Furo de Captação de Água F10 deve ser entendido como uma estrutura e/ou propriedade adjacente e/ou contigua ao local de trabalhos, pertença de terceiros, pretendendo-se assim acionar a  clausula especial de “Responsabilidade civil por Danos a Estruturas e/ou Propriedades Adjacentes e/ou Contíguas de Terceiros.

41) A aplicação desta cláusula particular depende da prova de que previamente ao inicio dos trabalhos seguros, as estruturas e/ou propriedades estavam em condições satisfatórias e/ou foram tomadas as medidas necessárias de segurança, devendo especificar-se em que condições aquelas se encontravam antes de se iniciarem os trabalhos.

42) O que impunha à recorrida a prova de que foram vistoriados previamente os bens contíguos com vista a certificar-se dos danos já existentes, efetuando registos dessa vistoria, sendo esta diligência requisito para validade da cobertura.

43) Não tendo ocorrido esta vistoria prévia, ou pelo menos não tendo a recorrida feito prova da sua ocorrência, não pode acionar esta cobertura do contrato de seguro, impondo-se também por este motivo a improcedência desta ação.

44) Ao decidir diferentemente o douto acórdão violou o disposto nos artigos 483.º e 236.º, do Código Civil, e fez errada interpretação e aplicação do contrato de seguro titulado pela apólice n.º … .

Termos em que deve ser procedente o presente recurso, revogando-se o douto acórdão em apreciação, substituindo-se por outro que julgue a ação improcedente, absolvendo-se a recorrente do pedido.

A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da revista.

Dispensados os vistos, cumpre decidir:

Perante o conteúdo das conclusões recursórias, enquanto delimitadoras do objeto da revista, são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

- Inexistência de responsabilidade da autora na produção do evento danoso, por inexistência de conduta ilícita da mesma ou de responsabilidade objetiva;

- Exclusão do contrato de seguro dos danos em questão, pelo facto de a empreitada ter sido realizada em consórcio;

 - Exclusão dos danos em questão com base na cláusula constante da al. j) do artigo 2º da Condição Especial 41;

- Falta de enquadramento dos danos em questão no objeto do contrato.

É a seguinte a factualidade dada como provada pelas instâncias:

1. A Autora é uma Sociedade Comercial que se dedica, entre outras, à atividade de Construção Civil e Obras Públicas.

2. O Sistema Regional …, gerido e explorado em regime de concessão pela Empresa C......, S.A., é a responsável pelo abastecimento de água potável em “alta” a seis municípios: ….., ……., ……., ……, ……. e ……., efetuando ainda o abastecimento à freguesia e ….. do Concelho de ….., tendo desenvolvido um projeto com o objetivo de promover o abastecimento de água para consumo humano àqueles concelhos.

3. Esse projeto surgiu da dificuldade existente na captação de água em quantidade e com boa qualidade, uma vez que os três concelhos do litoral (……, …… e ……) são abastecidos a partir de lençóis que podem sofrer processos de salinização e os restantes concelhos (….., …… e …….) não têm recursos hídricos suficientes para abastecer as respetivas populações.

4. Por esse motivo, a Associação de Municípios ……, realizou um Concurso Público tendo em vista a execução da Empreitada, designada, “A…”.

5. A este Concurso Público propôs-se o CONSÓRCIO BB., constituído pelas empresas D...., S.A. e pela aqui Autora, que apresentaram a respetiva proposta, tendo como pressupostos, quanto à responsabilidade dos Consorciados, os seguintes termos e efeitos: a) a responsabilidade dos membros do Consórcio é meramente individual, considerada a ausência de personalidade jurídica e de autonomia patrimonial que caracteriza o Consórcio, o que significa que este não pode ser titular de débitos e de créditos; b) os membros do Consórcio não estabeleceram qualquer regime de responsabilidade solidária para com Terceiros; c) cada um dos Consorciados (A BB/ D..., S.A.) - no âmbito do Contrato de Empreitada designada “A…”, exercem uma atividade própria, embora concertada entre si, visando a obtenção de lucros; d) a autonomia técnica e a responsabilidade autónoma pela execução dos trabalhos adstritos a cada um dos Consociados implica que, pela execução dos trabalhos da empreitada, caberá, autonomamente, a cada um dos Consorciados.

6. Em 16 de Abril de 2013, a Associação de Municípios do … adjudicou ao aludido CONSÓRCIO BB. a Empreitada designada “A…”, tendo em 12 de Dezembro de 2013 sido outorgado o respetivo Contrato de Empreitada.

7. Em 23 de Maio de 2013, o Autor procedeu à comunicação e identificação perante a Ré do início dos trabalhos de execução da Empreitada, tendo informado a natureza e descrição dos trabalhos: “Ampliação da Estação de Tratamento de Águas, incluindo captação de água no Rio …; - Ampliação do Sistema de Abastecimento de Água com aplicação de novas tubagens enterradas, incluindo perfurações e passagens aéreas.”

8. O Autor informou e indicou à Ré, igualmente, as contiguidades da empreitada:

“Indicação das Contiguidades de Obra: - …../……/Linha …./EN…../Rio …., com indicação expressa de contiguidades com Estradas Nacionais, Estradas Municipais, Edifícios de Habitação e Comércio. (…) Trabalhos de Escavação: - Estradas Nacionais/Estradas Municipais/Edifícios de Habitação e Comércio. (…) Laboração de Máquinas: - Derrogando as Condições Gerais e Particulares da Apólice, em especial as alíneas a), b) e c) do art.º 2 da Condição Especial da Apólice, Responsabilidade Civil Laboração de Máquinas, informando V. Exas. que esta empresa recorrerá a equipamentos próprios e alugados para efetuar os trabalhos.”

9. O Autor, para efeito da execução dos trabalhos em segurança, adotou todos os procedimentos de segurança e saúde necessários e exigidos por lei, de acordo com o Plano de Segurança que se encontra junto a fls. 51-vº e segs. do processo físico.

10. Considerada a especificidade dos trabalhos e os riscos que decorrem no leito do Rio …, adotou o plano de segurança e saúde com referência a métodos e processos construtivos que previa as medidas preventivas dirigidas a acautelar os riscos específicos.

11. Para a execução dos trabalhos contratados de captação de água, a Autora instalou na área de trabalho uma Ensecadeira, que constitui um tipo de proteção metálica à prova de água, em “U”, destinada a facilitar projetos de construção em áreas que são normalmente submersas.

12. A Ensecadeira é instalada na área de trabalho e a água é bombeada para fora de forma a expor o leito onde se irão realizar os trabalhos de construção.

13. Para a realização de todos os trabalhos contratados, a Autora empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para evitar a produção de qualquer dano, visando o integral cumprimento das normas técnicas e legislativas, inerentes às especiais atividades, e as da experiência comum, tendo ainda procedido à permanente monitorização e vigilância a quaisquer alterações topográficas ou do caudal do Rio …. e/ou prevenidos outros quaisquer danos, tais como, poluição súbita e acidental.

14. A Autora adotou a solução estrutural indicada pela E...., S.A., sociedade especializada na construção de relativos à Ensecadeira em linha com o projeto da contenção elaborado por esta última para a execução da captação de água na ETA do ….., no Rio …., consistindo essa solução estrutural nos seguintes parâmetros: “ Ponto 3 Solução Estrutural: Preconiza-se a execução de uma contenção provisória em forma de “U” em planta, constituído por 3 cortinas de estacas prancha com 43.2ml + 12ml + 42.5ml. o “U” desenvolve-se perpendicularmente à margem do Rio …., ficando a cortina com 12ml paralela à mesma. As Ensecadeiras são constituídas por perfis de estacas prancha do tipo Larssen L605 e Larssen 704, que suportam um desnível da ordem dos 3.0m. Utilizam-se estacas de 12m e 8m de comprimento pelo que a ficha será de 9m e 5m respetivamente– relativamente à superfície de escavação. Face à dimensão da escavação não se preconizou nível de escoramento, considerando-se que as estacas trabalharão em consola.”

15. A solução adotada foi devidamente sustentada por critérios de dimensionamento e segurança previstos na Regulamentação, e que sustentam o modelo geotécnico e materiais estruturais adotados: “ Ponto 4.1 Solução Estrutural: Na análise e dimensionamento da estrutura adotaram-se os critérios de verificação de segurança aos Estados Limites últimos e de Utilização preconizados na regulamentação portuguesa de estruturas assim como os da regulamentação europeia de estruturas: - RSA – Regulamento de Segurança e Ações em Estruturas e Edifícios e Pontes, 1983; - ENV1993-5:1998 “Eurocode 3 – Design of Steel Strutures – Part 5: Piling” - ENV 1997-1: “Eurocode 7 – Geotecnical Design – Part 1:General rules”.”

16. A Autora, muito antes do início dos trabalhos e em respeito às especiais características da empreitada, realizou o respetivo estudo geológico e estudo geotécnico, tendo em vista acautelar a melhor localização para implantação dos trabalhos, assim como, levou em conta todas as recomendações elencadas nas respetivas conclusões, designadamente, na página 12: “ Conclusões: Com o intuito de que possam ser de algum modo úteis às fases seguintes do projeto, aqui se deixam algumas sugestões do foro geotécnico: - A área geográfica alvo de estudo situa-se numa região de Portugal Continental com risco sísmico baixo; - Em termos de escavações as formações geológicas ocorrentes são facilmente removidas por meios mecânicos até ás profundidades prospetadas, com a exceção dos terrenos onde foram realizadas as sondagens S 7 A e S 7 B (Reservatório ….) onde será de prever para escavações superiores a 3,0 m o recurso a meios complementares de desmonte de rocha; - Nos locais onde foi intersectado o nível freático, serão de prever dificuldades acrescidas devido à presença de água. Relativamente a este aspeto convém referir que os trabalhos foram realizados no pico de estiagem, pelo que será de admitir uma subida dos níveis freáticos intersectados, bem como a presença de água em locais onde não foi detetada; - O dimensionamento das fundações deverá levar em conta as características geotécnicas das formações, bem como os esforços criados pelas estruturas; - É aconselhável a realização de análises químicas da água subterrânea, de modo a verificar qual o seu grau de agressividade relativamente ao betão armado e obviamente, tomar as respetivas medidas técnicas adequadas. As análises deverão ser realizadas de acordo com as recomendações da NP EN 206 – 1 2007 + Emenda 2008, aos seguintes parâmetros (…).”

17. A Ensecadeira foi instalada no aluvião do Rio …., na margem esquerda, acima do açude existente, em pleno leito menor do Rio …., sendo as seguintes coordenadas: “…..” ……” ……”, onde são contíguos ao local da instalação da Ensecadeira apenas: a) Margens do Rio …. propriedade de terceiros/particulares e b) Furos de captação de água localizados no Rio … propriedade da SRC.

18. Entre os dias 01.01.2014 e dias 02.04.2014, foi detetada, no local em que se desenvolveu a instalação da Ensecadeira, uma inclinação visível de 5 a 6 cm do Furo de Captação de Água - F10, englobado no sistema de captação do SRC (1.º Furo após Ensecadeira) e uma inclinação do Furo de Captação de Água - F9, atestada pelo desalinhamento do aperto dos parafusos e pela tensão que os cabos elétricos estavam a evidenciar.

19. Antes da instalação da Ensecadeira naquele local a profundidade do Rio era de 3 metros.

20. Na data em que foi percetível a inclinação dos referidos furos, a profundidade do Rio era de 4 a 4,5 metros no local do Furo de Captação de Água - F9 e de 6 metros no local do Furo de Captação de Água - F10.

21. A Instalação da Ensecadeira no local pela Autora provocou o aumento da velocidade do caudal do Rio …, uma crescente erosão da sua margem e o rebaixamento do nível de areia do rio.

22. Tais consequências da instalação da ensecadeira causaram: a) danos na própria ensecadeira, com a necessidade da sua remoção e posterior reposição de nova ensecadeira devidamente operacional; b) danos no Furo de Captação de Água F10 – propriedade da Empresa Municipal F...., uma vez que a coluna de captação foi perfurada/partida, para além de ter ficado sem proteção suficiente do leito de areia, e a tubagem exterior de adução de água instalada no leito de areia existente ter-se soltado debaixo de água, o que provocou a sua inutilização; c) alagamento parcial de terreno privado adjacente à margem do Rio e ao local de instalação da ensecadeira.

23. Uma vez que o Furo F-10 ficou inutilizado foi necessário executar um novo furo de captação de água, designado F1, com recurso a plataforma suspensa e 3 microestacas, ligação à conduta existente no leito e reposição do leito de areia junto ao Furo e sobre a conduta existente.

24. A Autora participou à Ré o sinistro por carta registada com A/R datada de 31 de Maio de 2016 e que se encontra junta a fls. 138-vº e segs. do processo físico.

25. Por Contrato de Seguro, titulado pela apólice nº …, em vigor no ano de 2014, a Autora transferiu para a Ré a “responsabilidade civil extracontratual e a responsabilidade contratual, quando esta esteja expressamente prevista na Condição Especial contratada que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado enquanto na qualidade ou no exercício da atividade expressamente referida nas Condições Especiais e Particulares.”

26. Refere o artigo 3.º - Riscos Cobertos, das Condições Gerais: “O presente contrato garante os danos patrimoniais e não patrimoniais exclusivamente decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, de harmonia com o estipulado nestas Condições Especiais e Particulares, sem prejuízo das exclusões previstas nos artigos seguintes.”

27. Ficaram garantidas nas Condições Particulares, as seguintes coberturas: “Responsabilidade Civil Construção Civil e Obras Públicas, incluindo: a) R. Civil Cruzada, nos termos da cláusula especial anexa; b) R. Civil por Utilização de Explosivos (…); c) R. Civil por Trabalhos de Derrube ou Demolição; “Nesta alínea, ficam garantidos os danos derivados de trabalhos de derrube ou demolição em obras cujos bens móveis e/ou imóveis adjacentes e/ou contíguos ao local dos trabalhos, pertença a terceiros …”; d) R. Civil por Trabalhos de Escavação; e) Danos em Condutas ou Canalizações Subterrâneas;

28. “Nesta alínea, ficam garantidos os danos diretos que, duma forma imprevisível e fortuita, venham a ocorrer em condutas ou canalizações subterrâneas de qualquer tipo em consequência da inexistência e/ou impossibilidade provadas de obtenção prévia dos referidos planos ou traçados.”; f) R. Civil Patronal (…).”

Quanto à inexistência de responsabilidade da autora na produção do evento danoso, por inexistência de conduta ilícita da mesma ou de responsabilidade objetiva:

A 1ª instância julgou improcedente a ação por considerar que, tendo o contrato de seguro em causa nos autos, celebrado entre as partes, por objeto a responsabilidade civil extracontratual da autora perante terceiros, se não mostram provados os requisitos desta, relativos à ilicitude e à culpa.

E isto, por considerar que, tendo os danos em questão resultado da colocação da ensecadeira (danificação do Furo 10, propriedade de terceiro), a autora alegou ter cumprido todos os deveres que lhe eram impostos pelas circunstâncias.

Assim, inexistindo responsabilidade da autora excluída fica a responsabilidade da ré seguradora.

Por sua vez, a Relação, seguindo entendimento diferente, tomou posição no sentido de se mostrarem verificados os pressupostos da responsabilidade civil da autora na deterioração do Furo 10, por ter violado o direito de propriedade de terceiros por via da sua conduta negligente na execução da obra.

É contra tal entendimento que se manifesta a ré seguradora, ora recorrente, segundo a qual o comportamento da autora não é ilícito, inexistindo culpa, ainda que negligente, uma vez que  “para a realização de todos os trabalhos contratados, a recorrida empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para evitar a produção de qualquer dano e que cumpriu integralmente as normas técnicas e legislativas inerentes à atividade e as da experiência comum, tendo ainda procedido à monitorização e vigilância a quaisquer alterações topográficas ou do caudal do Rio …… e/ou prevenido outros quaisquer danos, tais como, poluição súbita e acidental, resulta com toda a evidência que não há violação da ordem jurídica.”.

Isto para além de defender a inexistência de responsabilidade da autora, mesmo que se considere estarmos em presença de uma atividade perigosa, uma vez que “ficou demonstrado cabalmente que se empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, pelo que está afastada a presunção de culpa do n.º 2, do artigo 493.º, do Código Civil.”

É certo que se provou (nºs 9, 10, 13 a 15) que a autora “adotou todos os procedimentos de segurança e saúde necessários e exigidos por lei, de acordo com o Plano de Segurança que se encontra junto”, “adotou o plano de segurança e saúde com referência a métodos e processos construtivos que previa as medidas preventivas dirigidas a acautelar os riscos específico”, “empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para evitar a produção de qualquer dano, visando o integral cumprimento das normas técnicas e legislativas, inerentes às especiais atividades, e as da experiência comum, tendo ainda procedido à permanente monitorização e vigilância a quaisquer alterações topográficas ou do caudal do Rio … e/ou prevenidos outros quaisquer danos, tais como, poluição súbita e acidental”, “adotou a solução estrutural indicada pela E....., S.A., sociedade especializada na construção de relativos à Ensecadeira em linha com o projeto da contenção elaborado por esta última” e ainda que “a solução adotada foi devidamente sustentada por critérios de dimensionamento e segurança previstos na Regulamentação, e que sustentam o modelo geotécnico e materiais estruturais adotados”.

Todavia, não obstante esses procedimentos, adotados para efeitos de execução dos trabalhos contratados, a execução da ensecadeira acabou por ser executada de forma incorreta/negligente,  uma vez que  a sua deficiente instalação veio a dar origem ao aumento do caudal do rio, à erosão das margens e ao rebaixamento do nível da areia, nos termos dados como provados sob o nº 21 (“a instalação da Ensecadeira no local pela Autora provocou o aumento da velocidade do caudal do Rio …., uma crescente erosão da sua margem e o rebaixamento do nível de areia do rio”) fatores estes que, para além do mais, causaram danos no Furo 10, pertença de terceiro, nos termos dados como provados sob o nº 22 (“causaram … danos no Furo de Captação de Água F10 – propriedade da Empresa Municipal F......, uma vez que a coluna de captação foi perfurada/partida, para além de ter ficado sem proteção suficiente do leito de areia, e a tubagem exterior de adução de água instalada no leito de areia existente ter-se soltado debaixo de água, o que provocou a sua inutilização”).

Em face do exposto, contrariamente à posição defendida pela recorrente, haveremos de concluir (na linha do entendimento seguido pela Relação, e defendido pela recorrida) no sentido de, para além da prova da existência de um conduta ilícita da ré, porque geradora de danos a terceiros, se ter provado a natureza culposa de tal conduta, na modalidade de negligência, – de onde decorre, à luz do disposto no nº 1 do artigo 483º do C. Civil, a obrigação de indemnizar.

Estamos assim inteiramente de acordo com o que, a propósito, se expendeu no acórdão recorrido:

“…houve erro de cálculo na determinação da área da ensecadeira instalada no leito do Rio … atenta a sua largura entre margens, no respetivo local. Pois, com a dimensão da ensecadeira o espaço entre as margens e esta foi encurtada mais do que devia, face ao volume de água existente, o que provocou uma velocidade das águas superior ao previsto, assim como um aumento da sua altura, o que gerou maior força no seu percurso, acabando por desencadear erosão nas margens, desintegração de areias e pressão nos furos de captação existentes no interior do rio, incluindo o Furo 10.

Em face disto, julgamos que a autora/apelante, no exercício da sua atividade, é responsável pelos danos provocados a terceiros, na medida em que violou o direito de propriedade de terceiros, e a sua conduta foi negligente na execução da obra, pois não previu o resultado provocado, aquando do estudo e colocação da ensecadeira no Rio …,: quando devia, uma vez que não houve qualquer fator externo a alterar as circunstâncias que estiveram na génese dos cálculos.”

Improcedem assim, nesta parte, as conclusões recursórias.

Quanto à exclusão do contrato de seguro dos danos em questão pelo facto de a empreitada ter sido realizada em consórcio:

Diz a recorrente que os danos em causa nos autos estão excluídos do objeto do seguro, no termos do artigo 2º, nº 1, al. ee) da Condição Especial 41 “Responsabilidade Civil /Construção Civil”.

E, sobre tal questão, a Relação limitou-se a dizer:

“A autora, apesar de ter celebrado um contrato de empreitada em consórcio com outra empresa, cada uma delas era responsável pela execução da parte dos trabalhos que lhe foram imputados. Tinham uma responsabilidade individual e não coletiva como resulta da análise da matéria de facto quanto a este ponto específico.”

Por sua vez, a recorrida defende que esta exclusão não tem qualquer aplicação ao caso concreto, uma vez que se refere, por um lado, a danos causados nos próprios trabalhos executados, e por outro, a alteração do curso ou nível freático advindo de condições climatéricas adversas ou outras causas alheias à atuação da recorrida.

Pretende a recorrente socorrer-se de uma cláusula que não foi incluída na factualidade dada como provada, sendo certo que o STJ, que apenas conhece de direito (artigo 674º do CPC), está limitado à factulidade dada como provada pelas instâncias.

E o certo é que a ré, ora recorrente, não impugnou a matéria de facto no sentido da inclusão na mesma da cláusula de exclusão que invoca – sendo certo que, não obstante ter tido ganho de causa na 1ª instância, sempre o poderia ter feito em sede de ampliação do âmbito da apelação interposta pela autora, ora recorrida, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 636º do CPC.

 

Não obstante, independentemente disso, afigura-se-nos que não assistiria razão à recorrente.

É certo que no artigo 2º nº 1 al. ee) da “Condição Especial 41 “Responsabilidade Civil /Construção Civil” - documento esse junto aos autos pela própria autora com a petição inicial, se estabelece que “além das exclusões absolutas e relativas referidas nas Condições Gerais do contrato, ficam também excluídos… ee) os trabalhos que o Segurado realize no âmbito da sua participação em consórcios …”.

            Todavia, e tendo-se em consideração que as alíneas anteriores [com exclusão da al. dd), relativa a “qualquer responsabilidade decorrente do Decreto-Lei nº … e demais legislação que altere ou venha a alterar ou a substituir a matéria regulada nestes diplomas legais e que exceda as garantias da presente apólice”] se referem à exclusão de determinados danos específicos, afigura-se-nos que tal exclusão, conforme defende  a recorrida, não pode ser entendida como abrangendo todos e  quaisquer danos causados  a terceiros (conforme o caso dos autos) mas apenas e tão só os danos causados nos próprios trabalhos executados pela segurada no âmbito da sua participação em consórcio.

De resto, o que resulta da factualidade provada é que a execução dos trabalhos em causa, de que resultaram os danos em questão (causados a terceiro e passíveis de indemnização, nos termos supra mencionados), era da exclusiva responsabilidade da autora recorrida, que não da responsabilidade conjunta das duas empresas que compunham o consórcio (a autora e a D…, S.A – vide nºs 5 e 6 dos factos provados).

Conforme bem refere a Relação, estas empresas “tinham uma responsabilidade individual e não coletiva como resulta da análise da matéria de facto quanto a este ponto específico.”

E daí que o contrato se seguro tenha sido celebrado com a ré apenas pela autora.

Isto sem deixar de se ter em consideração que se provou ainda que (nºs 7 e 8 dos factos provados que “em 23 de Maio de 2013, o Autor procedeu à comunicação e identificação perante a Ré do início dos trabalhos de execução da Empreitada, tendo informado a natureza e descrição dos trabalhos: “Ampliação da Estação de Tratamento de Águas, incluindo captação de água no Rio ….; - Ampliação do Sistema de Abastecimento de Água com aplicação de novas tubagens enterradas, incluindo perfurações e passagens aéreas” e que “o Autor informou e indicou à Ré, igualmente, as contiguidades da empreitada” – de onde resulta que a ré recorrida tinha conhecimento da especificidade da atividade da recorrida objeto do contrato de seguro.

Improcedem assim, também nesta parte, as conclusões recursórias.

Quanto à exclusão dos danos em questão com base na cláusula constante da al. j) do artigo 2º da Condição Especial 41:

Defende ainda a recorrente que os danos se encontram excluídos do objeto do seguro, em face do que consta daquela cláusula, nos termos da qual “ficam também excluídos… os danos causados por alterações do curso ou nível freático, quer no local dos trabalhos, quer em áreas adjacentes”.

Trata-se igualmente de uma cláusula que não foi incluída nos factos provados, razão pela qual, pelas mesmas razões supra referidas, a propósito da outra invocada cláusula de exclusão, não pode ser tida em consideração por este Tribunal.

Não obstante sempre se dirá que, a nosso ver, a referida cláusula de exclusão não poderia ser entendida no sentido de as alterações resultarem dos próprios trabalhos levados a cabo pela recorrida, objeto do próprio contrato de seguro, nos termos defendidos pela recorrente, segundo a qual, resultando os danos em questão, no Furo F10, da construção da Ensecadeira, o objetivo desta era precisamente o de alterar o curso de água do rio …. para permitir trabalhar em seco.

Com efeito, fazendo todo o sentido a exclusão dos danos decorrentes de alterações do nível freático decorrentes de causas naturais e exteriores, situadas fora do controle da segurada, ora recorrida, o mesmo já não sucede em relação aos danos resultantes da própria execução dos trabalhos contratados, objeto do contrato de seguro, sob pena de esvaziamento do objeto deste.

Improcedem assim, também nesta parte, as conclusões recursórias.

Quanto à falta de enquadramento dos danos em questão no objeto do contrato:

Segundo a recorrente, os danos em questão, provocados no Furo de Captação de Água nº 10 não estão incluídos no objeto do contrato, uma vez que o Furo não é uma conduta ou canalização subterrânea, nem tão pouco deve ser entendida como uma estrutura afim.

Com efeito, ainda segundo a recorrente, o Furo de Captação de Água F 10 é uma estrutura submersa, localizada no leito do rio, que sofreu danos provocados pelo aumento da velocidade do caudal do Rio …. e pelo rebaixamento do nível de areia do rio, sendo que os danos em condutas ou canalizações subterrâneas, previstos na condição particular a que faz apelo a recorrida na douta petição inicial, são causados por estas estruturas se encontrarem enterradas e por não existirem ou não ser possível obter os respetivos planos ou traçados.

 E diz ainda que, mesmo que assim se não entenda, para poder beneficiar desta cláusula particular a autora teria de provar a inexistência e/ou impossibilidade da obtenção prévia dos referidos planos ou traçados - o que, contrariamente ao que diz a Relação, a recorrida não provou, nem tão pouco alegou.

Conforme se alcança do acórdão recorrido, a Relação seguiu o entendimento diferente, o que justificou nos seguintes termos:

“… o Furo10 não deixa de ser uma conduta ou canalização subterrânea, colocada na vertical com vista a retirar água do subsolo, e depois ser transportada através de canalizações horizontais para o ponto onde deveria ser tratada. E a sua rutura deveu-se a um acidente, como o já referimos, tendo a autora feito uma prospeção prévia ao local e não se apercebeu da sua presença. Daí que a cláusula de exclusão referida pela ré/apelada não se aplique ao caso em apreço.”

Conforme resulta da factualidade constante dos nºs 27 e 28 dos factos provados, nas Condições Particulares do contrato de seguro celebrado entre as partes ficaram garantidos, para alem do mais os “e) danos em condutas ou canalizações subterrâneas”, especificando-se ali ainda que “nesta alínea, ficam garantidos os danos diretos que, duma forma imprevisível e fortuita, venham a ocorrer em condutas ou canalizações subterrâneas de qualquer tipo em consequência da inexistência e/ou impossibilidade provadas de obtenção prévia dos referidos planos ou traçados.”

Quanto á classificação do Furo 10, afigura-se-nos que, desde logo pela sua própria definição, o mesmo só pode ser entendido como se tratando de uma canalização subterrânea, ou seja, situada, ainda que em parte, no interior do solo subjacente ao leito do rio … .

Com efeito, e porque de um furo de captação e água se trata (vide  nº 17 dos factos provados), caso assim não sucedesse, não estaríamos perante um furo de captação mas sim perante um mera situação de bombagem de água a partir do leito do rio.

Para além disso, é o que resulta claramente da factualidade dada como provado sob o nº 7 (os trabalhos de execução da empreitada visavam “… incluindo captação de água no Rio …; - Ampliação do Sistema de Abastecimento de Água com aplicação de novas tubagens enterradas, incluindo perfurações e passagens aéreas”), sob o nº 18 (no sentido de que o furo em questão, e bem assim o furo 19, acabaram por ficar com uma inclinação) e sob o nº 22 (quanto às consequências/danos resultantes para o Furo  10 da instalação da ensecadeira: “… uma vez que a coluna de captação foi perfurada/partida, para além de ter ficado sem proteção suficiente no leito de areia…”).

Assim, impõe-se-nos concordar com a Relação no sentido de  o Furo 10 constituir uma conduta ou canalização subterrânea, nos termos previstos na cobertura do seguro.

Todavia, o mesmo já não diremos em relação à limitação relativa aos danos provocados nas condutas ou canalizações subterrânea no sentido de, nos termos contratualizados (e supra transcritos) serem apenas aqueles que “venham a ocorrer em condutas ou canalizações subterrâneas de qualquer tipo em consequência da inexistência e/ou impossibilidade provadas de obtenção prévia dos referidos planos ou traçados.”

  Tal significa que só nesta eventualidade (sublinhada) é que os danos em questão ficariam cobertos pelo contrato de seguro.

Tratar-se-ia da existência de uma canalização, com a qual, por razões justificadas (pela inexistência ou impossibilidade de obtenção dos planos ou traçados) a autora/segurada não contava e com a qual foi surpreendida.

Assim, e por se tratar de um elemento constitutivo do direito indemnizatório invocado e peticionado pela autora nos presentes autos, era sobre a esta que, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 342º do C. Civil, e conforme bem defende a recorrente, pendia o ónus de alegar e provar que os danos resultaram da inexistência e/ou impossibilidade da obtenção prévia dos referidos planos ou traçados.

E o certo é que, analisada a factualidade dada como provada, não resulta que a autora tenha logrado tal prova (o que, aliás, nem sequer alegou…).

E daí que não possamos concordar com a Relação quando, para justificar o entendimento contrário, diz que “a sua rutura deveu-se a um acidente, como o já referimos, tendo a autora feito uma prospeção prévia ao local e não se apercebeu da sua presença.”.

Deste logo porque esta afirmação/conclusão não é explicitada ou fundamentada em qualquer factualidade dada como provada nos autos.

           

E o certo é que, na matéria de facto dada como provada, em lado algum se refere que a autora não tinha conhecimento da existência (localização ou características) do Furo, fosse por que razão fosse, designadamente devido à “inexistência e/ou impossibilidade da obtenção prévia dos referidos planos ou traçados.”

Pelo contrário, o que resulta da factualidade dada como provada é que a autora não podia deixar de ter conhecimento da existência do Furo 10, sucedendo apenas que ao colocar a ensecadeira a funcionar nos termos em que o fez (com as consequências negativas daí resultantes) não teve devidamente em consideração a possibilidade de o vir a danificar).

Neste sentido, vide a factualidade dada como provada sob os nºs 7, 13, 16, 17, 18, 19 e 20.

- os trabalhos a executar pela autora visavam, para além do mais a “captação de água … com aplicação de novas tubagens enterradas, incluindo perfurações e passagens aéreas”;

-  a autora procedeu “…à permanente monitorização e vigilância a quaisquer alterações topográficas ou do caudal do Rio ….. e/ou prevenidos outros quaisquer danos, tais como, poluição súbita e acidental”;

- “A Autora, muito antes do início dos trabalhos e em respeito às especiais características da empreitada, realizou o respetivo estudo geológico e estudo geotécnico, tendo em vista acautelar a melhor localização para implantação dos trabalhos…”,

- “A Ensecadeira foi instalada no aluvião do Rio …., na margem esquerda, acima do açude existente, em pleno leito menor do Rio ….., sendo as seguintes coordenadas: “……..´ ……” …..” …..”, onde são contíguos ao local da instalação da Ensecadeira apenas: a) Margens do Rio …. propriedade de terceiros/particulares e b) Furos de captação de água localizados no Rio … propriedade da SRC”;

- “Entre os dias 01.01.2014 e dias 02.04.2014, foi detetada, no local em que se desenvolveu a instalação da Ensecadeira, uma inclinação visível de 5 a 6 cm do Furo de Captação de Água - F10, englobado no sistema de captação do SRC (1.º Furo após Ensecadeira) e uma inclinação do Furo de Captação de Água - F9, atestada pelo desalinhamento do aperto dos parafusos e pela tensão que os cabos elétricos estavam a evidenciar.”

- “Antes da instalação da Ensecadeira naquele local a profundidade do Rio era de 3 metros.”

- “Na data em que foi percetível a inclinação dos referidos furos, a profundidade do Rio era de 4 a 4,5 metros no local do Furo de Captação de Água - F9 e de 6 metros no local do Furo de Captação de Água - F10”.

Em face do exposto, haveremos de concluir no sentido de os danos em questão, provocados no Furo 10, não estarem abrangidos no contrato de seguro, uma vez que a autora não logrou provar (ou sequer alegou), conforme se lhe competia, que, nos termos exigidos nas Condições Particulares, relativas às coberturas, tais danos ocorreram “em consequência da inexistência e/ou impossibilidade provadas de obtenção prévia dos referidos planos ou traçados”.

Procedem assim, nesta parte e nesta conformidade, as conclusões recursórias.

E, assim sendo, com este fundamento, a ação devia ter sido julgada improcedente, nos termos em que o foi pela 1ª instância (ainda que com fundamentação diferente), razão pela qual se impõe a revogação do acórdão recorrido.

Termos em que, concedendo-se a revista, se acorda em revogar o acórdão recorrido e, repristinando a decisão da 1ª instância, em julgar a ação improcedente, sendo a ré, ora recorrente, absolvida do pedido.

Custas pela recorrida.

Lx. 26.01.2021

(Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL nº 20/2020, de 1 de maio, o Relator, que assina eletronicamente, declara que os Exmos. Conselheiros Adjuntos, abaixo indicados, têm voto de conformidade e não assinam o presente acórdão por não o poderem fazer pelo facto de a sessão, dada a atual situação pandémica, ter sido realizada por videoconferência).

Acácio das Neves (Relator)

Fernando Samões (1º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2ª Adjunta).