Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
| Relator: | NUNO GOMES DA SILVA | ||
| Descritores: | HABEAS CORPUS PRISÃO PREVENTIVA PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA CRIMINALIDADE ORGANIZADA TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE | ||
| Data do Acordão: | 09/22/2016 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
| Decisão: | DEFERIDO | ||
| Área Temática: | DIREITO PENAL - CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES / TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE. DIREITO PROCESSUAL PENAL - MEDIDAS DE COAÇÃO ( MEDIDAS DE COAÇÃO ) / PRISÃO PREVENTIVA / PRAZO DE DURAÇÃO MÁXIMA. | ||
| Doutrina: | - Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, Vol. I, 4.ª edição, 510. - Henriques Gaspar et alli, “Código de Processo Penal” Comentado, 2.ª ed., anotação 11 ao artigo 1.º,16, anotação 5 ao artigo 202.º, 808, anotação 4 ao artigo 222.º, 854. - Simas Santos e Leal-Henriques, “ Código de Processo Penal” Anotado, vol. I, 1371. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 202.º, N.º 1, ALS. A) E C), 222.º, N.ºS 1 E 2. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 31.º, N.º 1. D.L. N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO: - ARTIGOS 1.º, AL. M), 21.º A 24.º E 28.º, 51.º, N.º 1. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 25.07.2007, PROC. N.º 2531/08; DE 10.10.2007, PROC. N.º 3780/07; DE 24.12.2008, PROC. N.º 08P3934. -DE 14.05.2014, PROC. 23/14.2YLSB.S1, DA 5.ª SECÇÃO. | ||
| Sumário : | I - Só as condutas que integram os crimes de tráfico de estupefacientes que são previstas nos arts. 21.º a 24.º e 28.º do Dec Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro podem ser tidas como condutas inerentes a criminalidade altamente organizada atento o disposto no art. 51.º, n.º 1 do citado diploma legal. II - O crime de tráfico de menor gravidade não pode ser considerado criminalidade altamente organizada para efeitos da al. m) do art. 1.º. III - Não estando o requerente condenado - embora por decisão não transitada mas já sem possibilidade de agravamento da condenação, mercê da proibição de reformatio in pejus (art. 409.º) na medida em que foi interposto recurso unicamente pelo arguido - por crime doloso que corresponda a criminalidade altamente organizada nem por crime doloso a que corresponda pena de prisão de máximo superior a 5 anos impõe-se concluir que a prisão preventiva a que actualmente está sujeito é ilegal pois é motivada por facto que a lei não permite sendo, assim, de deferir a pretensão de habeas corpus formulada. | ||
| Decisão Texto Integral: |
1. – AA, arguido no processo nº 247/14.2JELSB da Instância Central de ..., ... Secção Criminal, ..., veio apresentar um pedido de habeas corpus subscrito pelo seu mandatário, ao abrigo do disposto no art. 222º, nº 2 alínea b) do Código de Processo Penal (diploma a que pertencem as normas adiante indicadas sem menção de origem) com os seguintes fundamentos: 2.1 - Foi detido em 2015.08.28 e, apresentado para primeiro interrogatório judicial, foi-lhe fixada a medida de coacção de prisão preventiva que se mantém até ao momento presente. 2.2 - No âmbito do processo desencadeado foi acusado e depois pronunciado (em 2016.03.03) como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, dos arts. 21º, nº 1 e 24º, al. c) do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e de um crime de associação criminosa do art. 28º, nº 2 do referido diploma legal na sequência do que foi entendido manterem-se os pressupostos que tinham determinado a fixação da medida de coacção. 2.3 - Por acórdão de 2016.07.14 foi condenado com autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, sendo tido como reincidente, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão. Do demais por que estava pronunciado foi absolvido. 2.4 - Interpôs recurso dessa decisão que será oportunamente apreciado pelo Tribunal da Relação de Lisboa. 2.5 - Entretanto, como no acórdão condenatório tivesse sido decidido que o requerente deveria manter-se em prisão preventiva, em 2016.08.23, após ter sido ultrapassado o prazo para o Ministério Público recorrer desse acórdão, o que não fez, requereu a alteração da medida de coacção por entender que tinham deixado de subsistir as circunstâncias que a justificariam mormente a de ter sido condenado pelo crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, por conseguinte insusceptível de punição com pena de prisão superior a 5 anos, não sendo já possível que a pena imposta seja aumentada por força de proibição de reformatio in pejus considerando ainda o disposto no art. 202º. 2.6 - O Sr. juiz por despacho de 2016.08.24 indeferiu o requerido por entender verificada a circunstância referida na alínea c) do nº 2 do art. 202º conjugada com o disposto no art. 1º, al. m) considerando que «todas a condutas que integram crimes de tráfico de estupefacientes, independentemente da sua gravidade típica, são consideradas como “criminalidade altamente organizada”» razão pela qual sendo o crime punível com pena de prisão superior a 3 anos de prisão está justificada no que toca ao seu fundamento legal a imposição da medida. 2.7 – O requerente discorda desta interpretação pois ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, dos art. 21º, nº 1 e 25º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93 pelo qual, o peticionante foi condenado, corresponde, em abstracto, a pena de prisão de 1 a 5 anos. Não sendo despiciendo referir-se que, no caso concreto, o peticionante foi condenado na pena de dois anos e seis meses de prisão. 2.8 – E nos termos do art. 202º do CPP, a prisão preventiva só pode ser aplicada, quando, tendo sido consideradas inadequadas ou insuficientes outras medidas menos gravosas, da conduta do arguido se concluir a existência, entre outros, de “fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos” (art. 202º, nº 1 alínea a) do CPP), ou “forte indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos” (art. 202º, n.º 1 alínea c) do CPP). 2.9 – Assim, a conduta pela qual já se encontra, ainda que transitoriamente, condenado, fica desde logo afastada da previsão da alínea a) do n.º 1 do supra referido artigo 202º do CPP, porque nem em abstracto, nem em concreto, de acordo com previsto no art. 25º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, tal crime de tráfico de menor gravidade ultrapassa o aludido prazo de 5 anos de duração máxima de prisão. 2.10 - A questão reconduz-se a saber, se o crime de tráfico de menor gravidade conjugando o disposto na alínea c) do nº 1 do art. 202º com a alínea m) do art. 1º todos do CPP, cabe na definição de “criminalidade organizada”, questão essa a que se deve responder negativamente. 2.11 - Na verdade, apesar de a alínea m) do art. 1º do CPP referir que se considera “criminalidade altamente organizada”, entre outras, as condutas que integrem os crimes de “tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas”, é hoje claro na mais vasta jurisprudência e doutrina que “não é de ter por abrangido em tais universos de criminalidade grave o crime de tráfico de menor gravidade”, como assim decidiu, entre tantos, do STJ de 10/10/2007, no Proc. 07P3780. 2.12 - É que, no crime de tráfico de menor gravidade, a ilicitude do acto apresenta-se consideravelmente diminuída, tendo em conta, os meios utilizados, a modalidade, ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade das substâncias. Não tendo assim comparação com a conduta prevista no crime de tráfico de estupefacientes tout court ou agravado, dos arts. 21º e 24º do Decreto-Lei n.º 15/93. 2.13 - E a confirmá-lo no presente caso, está o facto de ter sido dado como provado no Acórdão condenatório, que o arguido tinha na sua posse uma embalagem com heroína com o peso bruto total de 5,158g e o peso líquido total de 4,495g. 2.14 - Tal quantidade está longe de poder incluir a conduta do peticionante no conceito de criminalidade altamente organizada. 2.16 - Aliás, do espírito do art. 1º da Lei nº 48/07, de 27 de Agosto, não se pode inferir o contrário do que ora se defende. 2.17 - Resulta assim claro que o disposto no art. 202º, n.º 1 alínea c) do CPP, não se aplica, quando estejamos perante uma situação de tráfico de menor gravidade, o que é manifestamente o presente caso 2.18 - Por outro lado, o requerente foi condenado numa pena aplicada em concreto que se encontra abaixo do limite mínimo previsto no art. 202.º, n.º 1 alínea c) do CPP. 2.19 - Considerando a proibição da reformatio in pejus, atento o facto de, o Ministério Público não ter interposto recurso da decisão proferida, a revogação da medida de coacção de prisão preventiva que foi negada ao arguido, constitui uma violação objectiva e clara da norma supra referida. 2.20 - Se já não fazia qualquer sentido, que “todas as condutas que integram crimes de tráfico de estupefacientes, independentemente da sua gravidade típica, são consideradas como criminalidade altamente organizada”, sem atentar à especificidade e diminuída complexidade do tráfico de menor gravidade, verifica-se no caso, que, a partir do momento em que tendo sido proferida a decisão condenatória e não podendo a pena em que o arguido foi condenado ser aumentada, a sua arguido em prisão preventiva constitui uma grave ilegalidade a que urge pôr termo. 2.21 - Pois jamais poderá ser-lhe aplicada, em abstracto ou em concreto uma pena de prisão de duração superior a três anos e muito menos cinco. 2.22 - Além do mais, tal decisão é violadora do mais elementar direito à liberdade constitucionalmente garantido, pelo que, a decisão proferida é igualmente inconstitucional por violação em concreto do disposto no art. 27º e 28.º da Constituição da República Portuguesa. * 2. - Na informação a que se refere o art. 223, nº 1 foi consignado além da matéria confirmatória do que foi alegado nos pontos 2.1 a 2.6 supra ainda o seguinte (transcrição): * 4. - Determina o art. 31º, nº 1 da Constituição da República que o habeas corpus se destina a reagir contra o abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal. Dispondo, por seu turno, o art. 222º nos seus nºs 1 e 2, que a qualquer pessoa ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede a providência se a ilegalidade da prisão advier de: a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei o não permite; c) Se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. Neste quadro legal, o Supremo Tribunal de Justiça entende desde há muito, de forma pacífica, que a providência de habeas corpus tem uma natureza excepcional destinando-se a assegurar o direito à liberdade mas não é um recurso. É um remédio único, digamos, a ser usado quando falham as demais garantias do direito de liberdade mas não pode ser utilizado para impugnar quaisquer deficiências ou irregularidades processuais que têm no recurso a sua sede própria de apreciação[1]. Como já foi acentuado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal a providência «não almeja a reanálise do caso; almeja a constatação da ilegalidade, que, por isso mesmo, tem de ser patente» apresentando-se como erro grosseiro ou manifesto abuso de poder. Ainda que não seja «de excluir a possibilidade de habeas corpus em alternativa ao recurso ordinário, quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal»[2]. Terá, pois, natureza excepcional por se propor como reacção expedita perante uma situação de prisão ilegal oriunda de uma inusitada ou patente desconformidade processual, adjectiva ou material que redunde numa situação de prisão ilegal. Mas a «excepcionalidade da providência de habeas corpus não significa que ela tenha carácter residual ou subsidiário, mas apenas que o seu campo de aplicação está rigorosamente definido: a prisão ilegal. Desde que verificada tal situação o habeas corpus é admissível. Esta solução é hoje incontestável, depois das alterações introduzidas no art. 219º, nº 2 pela Lei nº 48/2007, de 29-08, que veio por termo à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que considerava inadmissível o habeas corpus quando tivesse sido interposto, ou houvesse possibilidade de interpor recurso ordinário da decisão»[3]. Com tudo isto se quer significar que a circunstância de decorrer ainda prazo para a interposição de recurso do despacho de 2016.08.24 (cfr supra 2.6) não obsta à apreciação da petição ora apresentada. * 5. - A argumentação do requerente tem por base o que diz ser uma situação de prisão cuja ilegalidade assentaria na circunstância de ser motivada por facto que a lei não permite. ------------------
[2] Cfr. Ac. deste Supremo Tribunal, de 14.05.2014, proc 23/14.2YLSB.S1, desta 5ª Secção, reflectindo a posição de Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP Anotada, Vol I, 4ª edição, pag 510. |