Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01P4470
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: DIAS BRAVO
Nº do Documento: SJ200204100044703
Data do Acordão: 04/10/2002
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :
I
Suscita - se o presente conflito negativo de competência em razão do território, entre o 2º Juízo do Tribunal Criminal da Comarca do Porto e o 2º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa para a ulterior tramitação e julgamento dos autos de processo comum nº 450/01, deste último Tribunal.
Operada a denúncia pelo Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, foi ela comunicada aos Tribunais em conflito.
Notificada a arguida para alegar, nada disse.
O Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal emitiu parecer, concluindo "ser competente para o julgamento o juízo criminal da Comarca do Porto ".
Corridos os vistos legais, cumpre decidir em conferência.
II
Para uma melhor compreensão do conflito, importa desenhá-lo :
- O Magistrado do Ministério Público no DIAP do Porto deduziu acusação contra A, imputando-lhe a autoria material e na forma consumada de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 11º, nº 1, al.a) do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro.
- No texto acusatório refere-se que a arguida, no dia 27.10.2000, assinou e entregou à denunciante um cheque, no montante de 16328 escudos, o qual, apresentado a pagamento em agência bancária da Comarca do Porto, foi devolvido e o seu pagamento recusado por falta de provisão.
- O 2º Juízo Criminal da Comarca do Porto considerou competente a Comarca de Lisboa por ser na sua área que ocorreu a apresentação inicial do cheque para pagamento.
- Por sua vez, o 2º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa sustentou a competência da Comarca do Porto uma vez que, sendo os factos em que se estribou a declaração de incompetência estranhos à acusação, não podem ser fundamento dessa declaração.
Posto este desenho, importa, pois, decidir.
III
Constitucionalmente, o processo criminal tem estrutura acusatória - artigo 32º, nº 5 da Constituição.
Deste modo, assume-se como princípio fundamental o princípio da acusação.
É a acusação que define o objecto do processo, determinado pelo problema jurídico-criminal concreto, sendo por ela que se fixam o "thema probandi" e o "thema decidendi", com referência aquele problema.
Como um dos princípios fundamentais do objecto do processo conta-se o princípio da identidade, segundo o qual o objecto se deve manter idêntico da acusação à decisão final.
Sendo certo que esta identidade não é delimitada aritmeticamente, não pode deixar de significar que, em princípio, a acusação se deve manter inalterável até à decisão final.
O saneamento do processo vem contemplado no artigo 311º do Código de Processo Penal.
Mas este comando legal não permite ao juiz - que é do julgamento - que nesta fase saneadora proceda a diligências instrutórias que lhe possibilitem qualquer modificação factual da acusação.
Aliás, mesmo que se entendesse que o "locus delicti" não seria relevante para a definição da identidade do objecto do processo, não poderia qualquer modificação sua ser realizada pelo juiz do julgamento nesta fase.
Porém, a considerar - se qualquer modificação, sempre se teria de fundamentar em facto inequívoco.
Com estes parâmetros, apreciemos a questão que se verte no conflito.
IV
O Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 316/97, de 19 de Novembro, contém o regime jurídico do cheque sem provisão.
E o seu artigo 13º dispõe :
"É competente para conhecer do crime previsto neste diploma o tribunal da comarca onde se situa o estabelecimento da instituição de crédito em que o cheque for inicialmente entregue para pagamento."
A solução da questão, que se controverte no conflito passa, pois, por saber onde o cheque, objecto do processo, foi inicialmente entregue para pagamento.
Aceita-se, como já foi decidido por este Supremo Tribunal - Acórdão de 30 de Maio de 2001, Processo nº 777/01 - que a entrega a que se refere a descrição legal retromencionada, definidora da competência, se possa reportar a uma recolha do cheque por uma empresa de transporte de valores que posteriormente o confia a um estabelecimento bancário, com o qual havia anteriormente contratado.
Referenciando - se a competência à acusação e seus precisos termos, dela resulta in casu, que, conquanto devesse ter sido mais explícita, o cheque em causa foi inicialmente entregue para pagamento em estabelecimento bancário da Comarca do Porto.
Daí que a competência se tenha fixado com a acusação na Comarca do Porto.
Esta conclusão não vem inequivocamente infirmada pela investigação posterior, uma vez que as informações prestadas pelo estabelecimento bancário não elucidam concludentemente onde o cheque, objecto dos autos, foi entregue inicialmente para pagamento.
V
Pelo exposto,
Acordam os deste Supremo Tribunal de Justiça em atribuir a competência ao 2º Juízo Criminal da Comarca do Porto para a ulterior tramitação e julgamento dos autos de processo comum nº 450/01, ora pendentes no 2º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa.
Cumpra-se o disposto no artigo 36º, nº 5 do Código de Processo Penal.
Sem custas.

Lisboa, 10 de Abril de 2002.
Dias Bravo,
Armando Leandro,
Virgílio Oliveira,
Flores Ribeiro.