Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3798/19.9T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
BENEFICIÁRIO
REFORMA
TOMADOR
PESSOA COLETIVA
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
REDUÇÃO DO NEGÓCIO
NULIDADE DE CLÁUSULA
PESSOA SINGULAR
CONVERSÃO DO NEGÓCIO
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 11/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :
I - Não pode um fundo de poupança reforma (vulgo, PPR), regido pelo DL n.º 158/2002, ter como beneficiário uma pessoa coletiva.
II - As pessoas coletivas só podem subscrever PPR’s a favor e em nome dos seus trabalhadores (cfr. art. 1.º, n.º 4, do DL n.º 158/2002).
III - Assim, por desrespeito a tal art. 1.º, n.º 4, do DL n.º 158/2002, é nula, por ser contra a lei a estipulação contratual dum PPR que designe a sociedade subscritora (tomadora do seguro) como beneficiária de tal PPR.
IV - Nulidade que não afeta todo o negócio/PPR, que, face ao princípio favorável à redução, estabelecido no art. 292.º do CC, deve valer reduzido (isto é, deve valer sem a estipulação negocial inválida sobre o beneficiário).
Decisão Texto Integral:

Proc. 3.798/19.9T8LSB.L1.S1

6.ª Secção

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – Relatório

S.E.E.C - Sociedade de Exploração Hoteleira e Similares, Lda., AA e BB, identificados nos autos, instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra Fidelidade-Companhia de Seguros, S. A. e CC, também identificados nos autos, pedindo a condenação da l.ª Ré a cumprir o contrato de seguro, nos termos contratados na apólice de seguro, e assim sendo, a pagar à 1.ª A. o valor de € 60.000,00, correspondente ao valor unitário das quatro apólices, de € 12.500,00 cada, acrescido do valor de juros à taxa de 4% anuais, num período de cinco anos, totalizando o valor de € 10.000,00, porquanto na apólice contratada era a sociedade 1.ª A., tomadora nos contratos, a beneficiária dos seguros em caso de vida, nos termos que constam das apólices emitidas pela 1.ª Ré (.........49, emitida em 09/01/2013, .........57, emitida em 09/01/2013, .........74, emitida em 09/01/2013 e .........19, emitida em 09/01/2013).

Subsidiariamente, caso se demonstre que é nula a cláusula contratual que estabelece a 1.ª A. como beneficiária do seguro é nula por ser contrária a legislação imperativa, na medida em que a identificação da sociedade 1.ª A. como beneficiária do seguro era condição essencial para a sua celebração, requerem que, nos termos dos artigos 285.º e seguintes do Código Civil, seja aplicável o regime legal de nulidade do negócio jurídico, o que determina como consequência necessária a restituição à sociedade 1.ª A., tomadora dos seguros, de todas as verbas prestadas no respetivo âmbito dos contratos de seguro celebrados, acrescidos dos respetivos juros de mora, estes contabilizados à taxa de juro supletiva aplicável às obrigações comerciais, desde a data da interpelação para pagamento, até à data de integral pagamento.

Ainda subsidiariamente, caso o Réu haja praticado qualquer ato, na qualidade de gerente da l.ª A., no sentido da alteração aos termos contratuais dos seguros ou de alguma forma ter tido conhecimento de qualquer alteração ao teor das apólices e não tendo dado conhecimento às cessionárias da consequente diminuição dos ativos da sociedade, deve o 2.º Réu ressarcir as mesmas no valor de € 30.000,00 que recebeu da 1.ª R. e que omitiu nas negociações de cessão de quotas, porquanto diminuiu o valor do ativos da sociedade sem dar conhecimento aos cessionários e que seja a l.ª Ré condenada a pagar à 2.ª Autora o valor referente ao capital e juros relativas às apólices em que esta é pessoa segura.

Para o efeito, alegaram que:

A sociedade l.ª A., em Dezembro de 2012, pretendeu contratar um seguro de vida com capitalização, em que o beneficiário em caso de vida fosse a tomadora do seguro, pelo que o 2.º R., mediador de seguros, apresentou à sociedade Seguradora l.ª R., na qualidade de mediador de seguro, quatro propostas de seguro no valor unitário de € 12.500,00, onde constavam como pessoas seguras a 2.ª A. em duas propostas e o 2.º R. nas outras duas propostas (2.ª A e 2.º R. à época sócios gerentes da 1.ª A.) e como beneficiária dos valores segurado, em caso de vida, o tomador do seguro (ou seja, a própria sociedade 1.ª A.), tendo a seguradora 1.ª R. aceitado a proposta apresentada; e enviado, em 03-01-2013, as respetivas apólices, constatando a 1.ª A., ao receber as 4 apólices, que, ao contrário do que constava da sua proposta contratual e que havia sido aceite pela l.ª Ré, figurava, na apólice, como beneficiário do seguro, em caso de vida, a pessoa segura e não o tomador de seguro, do que a 1.ª A. reclamou, apontando para a existência de lapso, o que a 1.ª R. reconheceu, reformando/retificando as 4 apólices.

Entretanto, chegada a data do vencimento dos seguros (no início de 2018), a l.ª R., sem qualquer aviso, pretendeu fazer o pagamento dos valores seguros não ao tomador (1.ª A.), enquanto beneficiário que era em caso de vida, mas às pessoas singulares identificadas como pessoas seguras; tendo procedido ao pagamento do valor do seguro em duas apólices ao 2.º Réu.

Mais alegaram que:

O R. cedeu (em 21/09/2017) as quotas de que era titular na 1.ª A. às AA., tendo o valor da cessão sido determinado pela avaliação da sociedade; podendo ter praticado algum ato ou ter tido conhecimento de alguma alteração contratual dos 4 seguros sem informar a co-gerente da sociedade, a aqui 2.ª A..

Os RR. apresentaram contestações separadas.

O 2.º R. alegou que não atuou como mediador de seguros, nem preencheu qualquer proposta ou contratou ou alterou qualquer seguro à revelia da 2.ª Autora: ele e a 2.ª A., como únicos sócios da 1.ª Autora, optaram pela contratação de 4 planos de poupança reforma, em lugar de procederem, entre eles, à distribuição de uma parte dos lucros gerados pela sociedade, opção que se deveu a razões de ordem fiscal, para além de proporcionarem um bom rendimento; sendo que a alteração dos beneficiários se ficou a dever-se a um lapso da l.ª Ré ou foi a 2.ª Autora, excedendo os seus poderes de representação e à revelia do 2.º Réu, que a promoveu; e, não constituindo os seguros de vida um ativo da sociedade, mas uma aplicação feita em benefício dos seus gerentes, não foram tidos em conta no apuramento do valor das quotas do 2.º Réu no capital social da 1.ª Autora.

Concluiu pela improcedência da ação.

A 1.ª R. Fidelidade alegou que, das propostas em causa, consta expressamente, no topo superior direito de cada uma delas, que "este seguro será subscrito ao abrigo do disposto no art. 23 do CIRC"; e também consta que "os benefícios atribuídos no âmbito deste contrato são considerados direitos adquiridos e individualizados da Pessoa Segura, e como tal sujeitos, nos termos do art. 2.º do CIRS, a tributação como rendimentos de trabalho dependente -Categoria "A" de IRS"; pelo que nunca, quer nos termos legais, quer nos contratuais, tais contratos de seguro poderiam ter por beneficiária a própria sociedade tomadora do seguro; tendo sido por erro que foram emitidas novas condições particulares, nas quais figura como beneficiária a 1.ª A., mas tais condições particulares não podem ser havidas como vinculativas pois as mesmas violam a lei.

Assim, no termo do prazo dos contratos de seguro, pretendeu pagar os valores respeitantes ao resgate das apólices, tendo o 2.º Réu recebido os valores respeitantes ao resgate das 2 apólices de que era beneficiário e tendo a 2.ª Autora recusado receber os valores respeitantes ao resgate das 2 apólices em que era beneficiária.

Concluiu serem os contratos nulos no que respeita ao conteúdo da cláusula beneficiária deles constante, devendo os contratos ser reduzidos por forma a que o beneficiário em caso de vida de cada um deles seja o que neles é a pessoa segura e que seja absolvida dos pedidos formulados pelas Autoras (sem embargo de a 2.ª Ré ter direito a receber da seguradora, em singelo e sem quaisquer juros moratórios, as prestações que lhe são devidas a título de resgate e que lhe foram oferecidas a 8 de Janeiro de 2018).

Realizou-se audiência prévia, na qual se procedeu à prolação de despacho saneador – em que se julgou procedente a ineptidão quanto à 2.ª parte do pedido formulado em 3.º lugar e, em consequência, foi a 1.º R. absolvida da instância nessa parte, julgando-se em tudo o mais a instância regular, estado em que se mantém – e em que foi proferido despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

Realizada audiência de discussão e julgamento, a Exma. Juíza proferiu sentença em que decidiu "julgar procedente o pedido principal formulado" e, em consequência, condenar "a Ré FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar à 1.ª Autora S.E.E.C. - SOCIEDADE DE EXPLORAÇÃO HOTELEIRA E SIMILARES, LDA. o valor de € 60.000,00".

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso de apelação a 1.º R Seguradora e o 2.º R., tendo-se, por Acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 14/07/2022, concedido provimento aos recursos, revogando-se a sentença recorrida, julgando improcedente a ação e, em consequência, absolvendo os RR. dos pedidos, principal e subsidiário, formulados.

Agora inconformado a 1.ª A., interpõe o presente recurso de revista, visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que repristine o decidido na sentença da 1.ª Instância, “(…) determinando a condenação da Recorrida Seguradora ao cumprimento pontual do contratado ou, subsidiariamente, que determine a nulidade integral dos contratos de seguro e condene a Recorrida Seguradora a restituir à Recorrente todos os valores prestados (…)”

Terminou a sua alegação com conclusões em que refere:

“(…)

1. Com a presente ação pretendem as Autoras, como pedido principal, que a Seguradora aqui Recorrida, proceda ao pagamento dos valores devidos à Recorrente, na qualidade de beneficiária do contratos de seguro de vida com capitalização, por esta subscritos, conforme apólice emitida pela 1ª Ré.

2. A sentença proferida pela primeira instância, julgou pela procedência do pedido principal formulado pelas Autoras, e a consequente condenação da Seguradora aqui Recorrente em proceder ao pagamento da quantia de 60.000,00€ (sessenta mil euros) à aqui Recorrente.

3. Decisão da qual ambos os Réus recorreram, alegando em síntese, como vinham fazendo em sede de contestação, a nulidade da cláusula que instituiu o beneficiário, e consequente convolação do contrato, designando como beneficiário a pessoa segura em cada um dos contratos subscritos.

4. Em sede de recurso, veio o Tribunal da Relação de Lisboa aderir à tese da Recorrente e 1ª Ré, e determinou a revogação da decisão recorrida e substituição da mesma por outra, julgando improcedente a ação e absolvendo os réus dos Pedidos;

5. Em síntese, fundamentou a nulidade da cláusula beneficiária na preterição da norma constante do artigo 1.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 158/2002, de 2 de julho (RJPPR), a qual considerou imperativa e aplicável aos contratos em apreço na medida em que os mesmos configurariam contratos de seguro com características de aforro.

6. E em face da nulidade da referida cláusula, o contrato deveria ser reduzido (e não integralmente nulo), por não lograr apurar a essencialidade para a aqui Recorrente da cláusula de beneficiário.

7. Decisão com a qual a aqui Recorrente não se conforma.

8. A pretensão de contratar os seguros de vida com capitalização a que se reportam os presentes autos, surgiu no seguimento do termo e liquidação de outros seguros, contratados com a seguradora Recorrida e com o mesmo objeto, de cujas apólices de contratos de seguro com início em 30/11/2007, com prazo de 5 anos e 1 dia, resulta que o Beneficiário tanto em caso de vida, como em caso de morte, é a Tomadora de Seguro, aqui Recorrente, juntas aos autos como documentos n.º 1 a 3.

9. A Recorrente pretendia celebrar novos contratos, em que o beneficiário nos seguros de capitalização fosse, em caso de vida da pessoa segura, a tomadora do seguro, ou seja, aqui Recorrente, nos mesmos moldes dos contratos anteriores.

10. Tal pretensão resulta expressa das propostas do contrato e bem assim, da retificação das apólices de seguro concretizada a 9 de janeiro de 2013, pois caso tal elemento fosse irrelevante, a aqui Recorrente não teria solicitado a retificação das apólices emitidas a 3 de janeiro de 2013.

11. Efetivamente, nas apólices os contratos celebrados são designados como “LEVEXPERT PPR – SÉRIE X – .....00”, e resulta das suas condições gerais que se trata de “um plano poupança reforma sob a forma de seguro de vida”.

12. Durante as negociações e vigência dos contratos em apreço nos presentes autos, a Seguradora aqui Recorrida nunca informou a aqui Recorrente que, no produto subscrito, não seria possível designar a sociedade tomadora do seguro como beneficiária em caso de vida.

13. Considerando que a Recorrente havia celebrado anteriormente com a Recorrida contratos de seguro de capitalização em que a tomadora do seguro foi designada como beneficiária, não tendo sido suscitada qualquer invalidade de tais contratos por esse motivo;

14. Tendo a Recorrente, aquando das negociações, e posteriormente, aquando da retificação das apólices, manifestado a sua vontade no sentido de estabelecer como beneficiária em caso de vida a sociedade tomadora do seguro;

15. Atento o dever de informação consagrado no artigo 6.º da LCCG, recaia sobre a Seguradora aqui Recorrida um verdadeiro dever de informar a Recorrente de que, mediante a subscrição do produto proposto, no seu entender, a cláusula beneficiária seria inválida, por não ser possível designar a sociedade tomadora do seguro como beneficiária.

16. A circunstância de a Recorrida não haver informado a Recorrente que a subscrição do contrato de seguro que lhe foi apresentado, atenta a sua designação e benefícios associados seria incompatível com a designação da sociedade tomadora do seguro como beneficiária do mesmo em caso de vida das pessoas seguras, e bem assim a circunstância de haver procedido à retificação das apólices de seguro, para fazer constar das mesmas a tomadora como beneficiária em caso de vida, nos termos do disposto no artigo 8.º, alíneas b) e c) da LCCG, determina a exclusão de todas as cláusula que obstem à designação da sociedade tomadora do seguro como beneficiária.

17. Ora, considerando que não é proibida a celebração de um contrato de seguro em que se preveja a capitalização nos termos pretendidos pela aqui Recorrente, e constantes das apólices conforme emitidas a 09 de janeiro de 2013;

18. Inexistindo qualquer disposição legal imperativa que determine a ilegalidade de um contrato de seguro em que seja estipulado que o beneficiário, em caso de vida da pessoa segura, seja o tomador de seguro quando este seja uma pessoa coletiva;

19. E tanto assim é, que a Recorrente havia celebrado anteriormente com a Recorrida Seguradora contratos de seguro nesses termos.

20. Salvo o devido respeito, a designação da Recorrente como beneficiária nos contratos em apreço não determina a invalidade da cláusula beneficiária;

21. Quanto muito, podemos concluir que os contratos em causa não se enquadram na previsão legal do PPR, como previsto no Decreto Lei n.º 158/2002, de 2 de julho (doravante RJPPR), não sendo aplicáveis os benefícios fiscais aplicáveis apenas aos PPR, em sede de IRS e IRC, traduzidos na tributação reduzida sobre rendimentos e na dedução à coleta (nos limites e com as regras em cada momento em vigor), isto é, quanto muito, os contratos não seriam elegíveis para efeitos de benefícios fiscais.

22. Assim sendo o contrato em causa, assume a natureza de contrato atípico, sem que, tal disciplina contratual contrarie lei imperativa.

23. Assim, da mesma forma que o contrato usurário é nulo por ilegal por cobrar juros superiores aos que são legalmente admissíveis, e o contrato de mútuo bonificado, não será nulo por eventualmente se concluir que os pressupostos legais de bonificação não se encontram preenchidos, já que neste caso o que estaria em causa seria a indevida bonificação e a indevida isenção de tributação, em nada se prejudicando a validade do contrato, e o princípio da autonomia privada.

24. Da mesma forma, os contratos em apreço nos presentes autos, sendo um contrato atípico por não se integrar no conceito típico de um PPR, tal determinará necessariamente efeitos fiscais, mas nenhum efeito quanto à validade do presente contrato.

À cautela,

28. Caso assim não se entenda, e se considere que os contratos de seguro subscritos pela aqui Recorrente se encontram abrangidos pelo regime jurídico constante do RJPPR, na medida em que a norma constante do artigo 1.º, n.º4 do RJPPR não é imperativa uma vez que não contem proibição, nem a prescrição expressa da nulidade, pelo que a preterição da mesma, mediante a designação da pessoa coletiva tomadora do seguro como beneficiária, não implica a nulidade do contrato.

29. Mesmo que se considerasse ser nulo o contrato de seguro, o que se admite por mero dever de patrocínio, ainda assim, deveria ser restituído à 1ª Autora de tudo o que foi prestado, nos termos do artigo 289º do Código Civil.

30. Mesmo que se entenda que a cláusula beneficiária é inválida, e que não é admissível a designação da sociedade tomadora do seguro como beneficiária do mesmo, entende a aqui Recorrente, salvo o devido respeito, que a nulidade da cláusula sempre imporia a nulidade do contrato e não apenas a sua conversão num contrato com conteúdo .

31.Revertendo estas considerações e aplicando-as ao caso dos autos, salvo o devido respeito, considera a Recorrente que se impõe a declaração de nulidade integral dos contratos celebrados.

Porquanto

32. De outra forma, a nulidade da cláusula beneficiária implicaria a convolação do negócio na titularidade de outrem,

33. A qual nunca se provou que tivesse sido desejada pelas partes no negócio, não resultando tal intenção das apólices emitidas, resultando até da matéria de facto dada como provada, na redação conferida pelo Tribunal da Relação que:

34. Apesar de o tribunal de primeira instância haver dado como não provado que:

“e) A 1.ª Ré em momento algum podia ignorar a essencialidade para a 1.ª Autora da cláusula que indica como beneficiário, em caso de vida, o tomador de seguro.”

35. Decisão sobre a qual, apesar de se encontrar fixada, a Recorrente discorda por considerar que tal essencialidade além resultar das negociações, é manifestada aquando do pedido de retificação das apólices.

36. Ainda assim, a alteração contratual pretendida pelos Recorridos, sempre atentaria contra a boa fé.

37. Com efeito, considerando que a Recorrente havia anteriormente celebrado com a Seguradora Recorrida contratos de seguro de vida com capitalização em cuja apólices figurava como tomadora do seguro a Recorrente, como pessoas seguras a 2.ª Autora e o 2.º Réu, e como beneficiária em caso de vida a Recorrente, não tendo sido colocado qualquer impedimento, findo o prazo, à entrega dos valores devidos à Recorrente.

38. Tendo a Recorrente manifestado que pretendia celebrar contrato de seguro de vida com capitalização em termos análogos aos anteriormente celebrados, fazendo constar da proposta, como beneficiária em caso de vida a aqui Recorrente;

39. Perante as apólices emitidas em 03 de janeiro de 2013, nas quais constavam como beneficiários em caso de vida as pessoas seguras, interpelou a Recorrida Seguradora para proceder à retificação das mesmas, o que determinou a emissão das apólices datadas de 09 de janeiro de 2013, nas quais consta como beneficiária a Recorrente.

40. Durante a vigência do contrato, a Recorrida Seguradora aceitou todos os pagamentos efetuados pela Recorrente, e durante os 5 anos e 1 dias a Recorrida nunca comunicou à Recorrente a suposta nulidade da cláusula beneficiária, tendo apenas comunicado no termo do prazo, após interpelação pela Recorrente, que o pagamento seria efetuado às pessoas seguras.

41. Toda a conduta da Recorrida Seguradora criou na Recorrente a convicção de que o contrato pretendido, nos termos pretendidos era válido, e que no fim do prazo receberia a quantia de 60.000,00€, correspondente ao capital entregue (50.000,00€) e capitalização (10.000,00€).

42. Pelo que, salvo o devido respeito, é entendimento da Recorrente que, considerando-se nula a cláusula beneficiária, tal sempre imporia a nulidade de todo o contrato, e consequentemente, a restituição à Recorrente de todos os valores entregues no âmbito dos contratos de seguro em apreço nos autos (num total de 50.000,00€), nos termos do disposto no artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil.

43. Pelo que, sendo nulo contrato deveriam ser restituídas as quantias prestadas, acrescidas dos juros convencionados.

44. Inexistindo na matéria provada elementos que permitam concluir que o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas teriam querido o negócio, se tivessem previsto a invalidade, .de forma a converter o negócio nulo, noutro negócio com conteúdo diferente, em que os beneficiários em caso de vida, fossem os gerentes da sociedade.

Mais ainda

30. Salvo devido respeito pelo douto acórdão recorrido, é entendimento da Recorrente que constitui manifesto abuso de direito a invocação de nulidade da cláusula beneficiária pela Seguradora Recorrida, porquanto;

31. Com efeito, a Seguradora Recorrida, emitiu em 09 de Janeiro de 2013, as apólices nas quais constava como beneficiário a sociedade tomadora, ora 1ª A. (Ponto 9 da matéria de facto provada)

32. Além da companhia Seguradora, não ter manifestado qualquer objeção perante a designação da Recorrente como beneficiária em caso de vida nas propostas;

33. Retificou as apólices iniciais, emitindo novas apólices que identificavam o beneficiário dos seguros como a sociedade aqui Recorrente;

34. A Seguradora aqui Recorrida, anteriormente à contratação dos seguros em causa nos autos, havia contratado e pago à sociedade os valores de seguros análogos, sem nunca colocar qualquer obstáculo ou ressalva;

35. Seguradora que aceitou as entradas de capital prestadas pela Autora, todos os meses, durante cinco anos! no âmbito do contrato de seguro em causa;

36. A Seguradora aqui Recorrida aceitou ao longo dos anos as entradas de capital apresentadas pela sociedade, ora aqui Recorrida avisou a aqui Recorrente de qualquer vício no contrato, durante o seu cumprimento;

37. Uma vez que a aqui Recorrente apenas manifestou pretender um contrato de seguro de vida com capitalização, tendo lhe sido apresentado, por supostamente apresentar benefícios fiscais, o produto subscrito.

38. A aqui Recorrente não tem como objeto social nem área da atividade qualquer negócio no ramo segurador, a Seguradora Recorrida é uma sociedade que tem como objeto a celebração de contratos de seguro.

39. Não tendo a aqui Recorrente sido informada pela Seguradora aqui Recorrida, das supostas implicações associadas à subscrição de tal produto, designadamente, da alegada impossibilidade de a Recorrente vir a ser designada como beneficiária em caso de vida.

40. Dever de informação que se impunha à Recorrida!

41. Tendo retificado as apólices, sem ressalvar qualquer invalidade nas mesmas, sedimentando a confiança da Recorrente na validade dos contratos nos termos pretendidos pela Recorrente, e no seu cumprimento nos precisos termos.

42. Nem à data de vencimento do seguro, a Seguradora aqui Recorrida, contactou a aqui Recorrente, no sentido de lhe explicar que não iria pagar o respetivo valor à sociedade, tendo pago parte do valor a um terceiro.

43. Vindo depois de emitir as apólices, de aceitar todas as entradas de capital, sem nunca ter levantado qualquer objeção, recusar o respetivo cumprimento, com base numa alegada nulidade do contrato de seguro.

44. Tal invocação de nulidade não pode produzir quaisquer efeitos, por manifesto abuso de direito, manifestado na modalidade de venire contra factum proprium;

45. Esta variante do abuso de direito equivale a dar o dito por não dito e radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, ao pressupor duas atitudes antagónicas, sendo a primeira (factum proprium ) contrariada pela segunda atitude, com manifesta violação dos deveres de lealdade e dos limites impostos pelo princípio da boa fé.

46. « A proibição do comportamento contraditório configura actualmente um instituto jurídico autonomizado, que se enquadra na proibição do abuso do direito (art. 334.º do CC), nessa medida sendo de conhecimento oficioso; no entanto, não existe no direito civil um princípio geral de proibição do comportamento contraditório.

II - São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou.

III - O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma dojurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do art. 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte. Acórdão do STJ de 12-11-2013, disponível em www.dgsi.pt

47. Pelo que, ainda que se considerasse existir um vício (Nulidade) no contrato em causa, tal invocação não se poderia considerar legítima e apta a produzir efeitos jurídicos, verificando-se, em face dos fctos provados e aqui em causa, um gritante venire contra factum proprium praticado pela sociedade Seguradora 1ª Ré, que nunca informou a Autora da suposta invalidade do contrato de seguro durante os anos do respectivo cumprimento, recebendo as sucessivas entradas de capital feitas pela Autora,

48. Refira-se que o regime das nulidades decorrentes do art.285 e segs. do CC não obsta à aplicação do instituto do abuso de direito ( cf., para as inalegalidades formais, MOTA PINTO, Teoria Geral, 2ª ed., pág.435, MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé, vol.II, pág.774 e segs., H. HORSTER, Teoria Geral do Direito Civil, pág.531, VAZ SERRA, RLJ ano 109, pág. 30 ). (…)”

A 1.ª e 2.º RR. responderam, sustentando que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente, as referidas pela recorrente, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

Terminou a 1.ª R. a sua alegação referindo que:

“(…)

Na verdade, e sendo certo que o objeto do recurso está limitado pelo teor das respetivas conclusões, nada nas apresentadas pelas A.A. em sede de revista permite concluir por diversa decisão de direito, da contida no douto acórdão da Relação sob censura.

Acresce até que, manifestamente à míngua de efetivos e/ou consistentes argumentos que pudessem contribuir para o hipotético sucesso da tese que sustenta, a A. aduz um facto não provado (!), no caso o facto não provado e), “a 1ª Ré, em momento algum podia ignorar a essencialidade para a 1ª A. da cláusula que indica como beneficiário em caso de vida o tomador do seguro”, para tentar reverter a decisão constante do douto acórdão recorrido, bem sabendo e não podendo ignorar que não lhe basta dizer que com tal não concordam!...

(…)”

Terminou o 2.º R. a sua alegação com as seguintes conclusões:

“ (…)

a) A recorrente, representada pelos seus únicos sócios (com quotas iguais) e gerentes, 2ª. A. e 2º. R. nesta acção, contratou com a Companhia de Seguros Fidelidade (1ª. Ré e 1ª. recorrida) quatro seguros de vida, denominados “LEVEXPERT – SÉRIE X – .....00”, que têm a natureza de aplicação financeira, com capitalização, com os inerentes benefícios fiscais;

b) A 2ª. A. figurou como pessoa segura em duas das apólices referidas na conclusão anterior, e o 2º. R., aqui recorrido, nas outras duas, tendo cada um deles assinado as respetivas propostas de seguro em representação da 1ª. A.;

c) Nas quatro propostas de seguro consta como beneficiário, em caso de vida, o tomador do seguro, isto é, a sociedade aqui recorrente;

d) A 1ª. Ré procedeu ao pagamento ao aqui recorrido do valor do seguro e do rendimento contratado, relativamente às duas apólices em que ele figurava como pessoa segura e pôs à disposição da 2ª. A. o montante correspondente às duas apólices em que ela ocupa essa posição;

e) A 1ª. A. intentou a presente ação visando (no que importa para o objeto deste recurso) obter a condenação da 1ª. Ré a pagar-lhe o capital seguro e os juros das quatro apólices acima referidas;

f) O nº. 1 do art. 4º. do Dec.-Lei nº. 158/2002, de 2 de Julho, que regulamenta os instrumentos de aplicações financeiras da tipologia dos contratos em causa nestes autos, dispõe que os mesmos podem ser subscritos por pessoas coletivas a favor e em nome dos seus trabalhadores;

g) A qualificação de trabalhadores é extensível aos membros dos órgãos sociais;

h) Os “certificados nominativos de um fundo de poupança” em causa foram subscritos pela sociedade 1ª. A em nome dos seus trabalhadores, 2ª. A. e 2º. R. nesta ação, mas a favor dela própria;

i) A restrição da capacidade jurídica das pessoas coletivas para subscreverem os dito PPR determina a nulidade da cláusula em que figurem elas próprias como beneficiárias em caso de vida dos trabalhadores seguros;

j) Sendo nula tal cláusula, por contrária à lei (C. Civil, art. 294º.) o negócio terá de ser reduzido, por força do disposto no art. 292º. do Código Civil, devendo ser considerados como beneficiárias as pessoas seguras, ou seja, a 2ª. A e o 2º. R.;

k) A nulidade daquela cláusula só determinaria a invalidade de todo o negócio se sem ela as partes não o tivessem querido concluir (C. Civil, art. 292º.);

l) O ónus da prova da essencialidade da cláusula nula (para a formação da vontade de contratar) impendia sobre as AA., que a alegaram, mas sem sucesso;

m) Tendo a essencialidade da cláusula nula sido julgada

não provada logo na 1ª. Instância (facto não provado e)), as AA. conformaram-se com esse julgamento, não tendo usado, nas suas alegações de apeladas, da prerrogativa prevista no nº. 2 do art. 636º. do Código de Processo Civil;

n) Tratando-se de nulidade, a sua invocação nunca pode ser classificada como abusiva, tanto mais que é vício de conhecimento oficioso (C. Civil, art. 286º.);

o) O douto acórdão recorrido procedeu à correcta interpretação e aplicação das normas que cabem ao caso, não enfermando dos vícios que a recorrente lhe assaca.

(…)”

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação de Facto

II – A – Factos provados

1) A sociedade 1.ª Ré Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A. resultou da fusão por incorporação da sociedade Império Bonança com a sociedade Fidelidade Mundial.

2) Os então sócios-gerentes da 1.ª A., ora 2.ª A. e 2.° R., pretenderam que a sociedade A. efetuasse uma aplicação com capitalização, em modalidade de seguro de vida, em que o beneficiário do seguro de vida fosse a tomadora de seguro, que nas propostas de seguro subscritas era a 1.ª A., para assim ser obtido o benefício fiscal correspondente à aplicação efetuada ("LEVEXPERT PPR - SÉRIE X- .....00");

3) O 2.ª R. CC, à data, era sócio gerente da l.ª Autora.

4) E à data era mediador de seguros, identificado com o n.º de agente ......26.

5) (Eliminado).

6) Para o efeito em 2), foram apresentadas à sociedade A., pela seguradora l.ª Ré, quatro propostas de seguro no valor unitário de € 12.500,00, sendo duas em que consta como Pessoa Segura a 2..ª Autora AA e assinadas por esta e outras duas em que consta como Pessoa Segura o 2.º Réu CC e assinadas por este;

7) Dessas propostas consta como beneficiária, em caso de vida, o tomador do seguro, ou seja, a própria sociedade.

8) A 1.ª Ré emitiu, em 2 de Janeiro de 2013, as seguintes apólices:

n.º .........49, em que consta como pessoa segura CC e que o beneficiário em caso de vida é a Pessoa Segura;

n.º .........57, em que consta como pessoa segura CC e que o beneficiário em caso de vida é a Pessoa Segura;

n.º .........19, em que consta como pessoa segura AA e que o beneficiário em caso de vida é a Pessoa Segura;

n.º .........74, em que consta como pessoa segura AA e que o beneficiário em caso de vida é a Pessoa Segura.

9) A l.ã Ré emitiu, em 9 de Janeiro de 2013, as seguintes apólices:

n.º .........49, em que consta como pessoa segura CC e que o beneficiário em caso de vida é o Tomador de Seguro;

n.º .........57, em que consta como pessoa segura CC e que o beneficiário em caso de vida é o Tomador de Seguro;

n.º .........19, em que consta como pessoa segura AA e que o beneficiário em caso de vida é o Tomador de Seguro;

n.º .........74, em que consta como pessoa segura AA e que o beneficiário em caso de vida é o Tomador de Seguro.

10) Cada uma destas apólices no valor de € 12.500,00, no valor total de € 50.000,00, valor que à data do resgate seria acrescido dos juros respetivos, à taxa de 4% garantidos por ano de vigência do contrato, ou seja, € 500,00 por cada ano de vigência de contrato, por cada apólice.

11) A sociedade Autora cumpriu pontualmente as entregas de capital previstas nas condições de subscrição do seguro.

12) Em data não apurada, o Ilustre Mandatário da sociedade l.ª Autora remeteu comunicação à l.ª Ré, com o seguinte teor:

"Assunto: Contratos de seguro Levexpert PPR - Série X, com os números de apólice .........49, emitida em 09/01/2013, .........57, emitida em 09/01/2013, .........74, emitida em 09/01/2018,.........19, emitida em 09/01/2013,

Dirijo-me a V. Exas. na qualidade de mandatário constituído da sociedade tomadora dos seguros com as apólices acima referidas, a sociedade S.E.E.C. - Sociedade de Exploração Hoteleira e Similares Ida, sociedade [...).

A sociedade acima referida e tomadora dos seguros acima referidos, constituiu os seguros acima referidos, através de uma proposta subscrita pela sociedade e entregue ao mediador de seguros CC, titular do nº de agente ......26, em 31/12/2012.

Nesta proposta de seguro subscrita pela sociedade, foi indicada como beneficiária em caso de vida do seguro, o tomador, ou seja, a sociedade S.E.E.C. - Sociedade de Exploração Hoteleira e Similares, Lda,

Por outro lado, a sociedade tomadora, recebeu também as respetivas apólices emitidas por Império Bonança, de onde constava igualmente que, o beneficiário em caso de vida é o tomador do seguro ou seja a sociedade acima referida.

Contudo, chegou ao conhecimento da sociedade tomadora dos seguros acima referidos, que, apesar de inexistir qualquer óbito das pessoas seguras, V. Ex. se encontram na iminência de proceder ao pagamento do capital não ao tomador do seguro, mas às pessoas singulares seguras.

Tal circunstância, porque não encontra qualquer suporte nos documentos subscritos pela sociedade, nem nas cópias das apólices em poder da sociedade tomadora, carece assim de fundamento.

Pelo que, se intima V. Ex.as a:

- Não procederem a qualquer pagamento, até que esteja completamente esclarecido o regime aplicável aos seguros acima referidos, em caso de vida das pessoas singulares seguras,

- Remeterem à sociedade tomadora cópias de todos os elementos documentais referentes aos seguros acima referidos, designadamente proposta de seguro, cópias de apólice e condições particulares.

13) Por carta de 15 de Março de 2018, veio a 1.ª Ré respondeu ao Ilustre Mandatário das Autoras, com o seguinte teor:

"Assunto: Apls .........49 e .........57 PS CC

Apls .........74 e .........19 PS AA

Exmo Senhor,

Em referência à comunicação recebida a 22 do mês findo, que mereceu a nossa melhor atenção, cumpre-nos esclarecer o seguinte:

Pagamento devido aos beneficiários em caso de vida

Nos termos da lei e das condições gerais dos contratos de seguro celebrados e acima referenciados, procedeu esta seguradora, no termo dos mesmos, ao pagamento das indemnizações devidas aos beneficiários (em caso de vida).

Efetivamente, esta seguradora está impedida de aceitar as alterações às condições contratuais solicitadas em 09.01.2013, no que se refere à substituição dos beneficiários pela própria tomadora de seguro, pelo facto de tal alteração ser contrária à lei, violando, entre outros, o disposto no D.L. 158/2002 de 2 de Julho.

Cópia dos elementos documentais referentes aos seguros referidos

Os documentos solicitados, encontram-se na posse da sua cliente, por, em devido tempo, e de acordo com as condições gerais da apólice terem sido remetidas à tomadora de seguro.

Não obstante tal facto, seguem em anexo as cópias das propostas de seguro; as condições particulares referentes à subscrição das apólices, emitidas em 02/01/2013; e as atas referentes aos pedidos de alteração dos beneficiários, com a ressalva de que as mesmas, apesar de emitidas por esta seguradora, são, efetivamente, inválidas e ineficazes, pelas razões acima referidas.

14) A l.ª Ré procedeu ao pagamento do valor seguro ao 2.º Réu, em data não concretamente apurada.

15) O 2.º Réu é irmão da 2.ª Autora e foi sócio gerente da sociedade l.ª Autora até 21 de Setembro de 2017.

16) Nessa data, o 2.º Réu cedeu as quotas de que era titular na sociedade 1.ª Autora, às l.ª, 2.ª e 3.ª Autoras.

17) Dos Considerandos constantes do "contrato-promessa de divisão e cessões de quotas, permuta, doação, compra e venda e partilhas", celebrado entre AA (primeira outorgante), CC (segundo outorgante), BB (terceira outorgante), S. E. E. C. - Sociedade de Exploração Hoteleira e Similares, Lda. (quarta outorgante) e C.... .. ...... . ........... .......... .........., Lda. (quinta outorgante), consta:

b. a primeira e o segundo outorgantes são os únicos sócios da S.E.E.C. -sociedade de exploração hoteleira e similares lda., aqui quarta outorgante, (...). (...)

E. A quarta outorgante é proprietária dos seguintes imóveis:

(...)

F. A quarta outorgante é titular dos seguintes bens e direitos, para além dos imóveis identificados no Considerando E anterior:

Valores em caixa e depositados ou aplicados nos Bancos;

Créditos sobre clientes;

Títulos obrigacionistas, no valor nominal de € 100.000,00 (cem mil euros), emitidos pela sociedade R.. ....., S.A., atualmente em estado de insolvência;

Bens móveis e equipamento afetos à exploração do H.... .. ..... e outros ativos corpóreos e incorpóreos relevados na escrita contabilística;

Veículos automóveis com as matrículas nºs QB-..-.., HF-..-.., ..-..-GH e ..-CT-.., livres de quaisquer ónus ou encargos.

(...)".

18) No topo superior direito de cada uma das propostas consta "Este seguro será subscrito ao abrigo do artigo 23.º do Código de IRC".

19) Em cada uma das propostas consta no ponto 4 das "Declarações", o seguinte:

"4. Subscrição ao abrigo do artigo 23.g do CIRC

Na qualidade de Tomador de Seguro tomo conhecimento de que nos termos dos artigos 23.º do CIRC e 2.º do CIRS, os benefícios atribuídos no âmbito do contrato são considerados "Direitos Adquiridos e Individualizados" das Pessoas Seguras, e como tal, sujeitos a tributação como rendimentos de trabalho dependente (Cat. A do IRS): declaro ainda que, nos termos das Condições Gerais, existe renúncia expressa à alteração da cláusula beneficiária.

Na qualidade de Pessoa Segura, declaro consentir na elaboração deste contrato e aceitar expressamente o benefício em vida a meu favor, conferindo-me assim o direito adquirido e individualizado, considerado rendimento de trabalho dependente nos termos do n.º 3 da alínea b) do artigo 2.º do CIRS e, como tal, sujeito a retenção na fonte.".

20) Dispõe o artigo 12.º das Condições Gerais do contrato de seguro LEVEXPERT
PPR - SÉRIE X - .....00, com a epígrafe
"BENEFICIÁRIOS":

"1. Os Beneficiários do contrato são designados na proposta pelo Tomador do Seguro, que os pode alterar em qualquer momento da vigência do contrato, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2. Quando a subscrição é efetuada por uma pessoa coletiva a favor e em nome dos seus trabalhadores a designação de beneficiários cabe à pessoa segura.

A alteração dos Beneficiários só será válida a partir do momento em que o Segurador tenha recebido a correspondente comunicação por escrito ou por outro meio do qual fique registo duradouro, devendo tal alteração constar de Ata Adicional.

Não havendo no contrato designação de Beneficiário, será Beneficiário, em caso de vida, a própria Pessoa Segura e, em caso de morte, serão Beneficiários os herdeiros da Pessoa Segura.

Sempre que o Tomador do Seguro e a Pessoa Segura sejam pessoas distintas, é necessário o acordo escrito da Pessoa Segura para a transmissão da posição de Beneficiário, seja a que título for.

O direito de alterar os Beneficiários cessa no momento em que estes adquiram o direito ao pagamento das importâncias seguras.

A cláusula beneficiária será considerada irrevogável sempre que exista aceitação do benefício por parte do Beneficiário e renúncia expressa, por parte do titular do direito a nomear beneficiários, a alterar a designação.

A renúncia ao direito de alterar a cláusula beneficiária, bem como a aceitação do Beneficiário, deverão constar de documento escrito cuja validade depende da efetiva comunicação ao Segurador.

Sendo a cláusula beneficiária irrevogável, será necessário o acordo prévio do Beneficiário para o Tomador do Seguro ou a Pessoa Segura, esta última quando a subscrição é efetuada por uma pessoa coletiva a favor e em nome dos seus trabalhadores, proceder ao exercício de qualquer direito ou faculdade de modificar as condições contratuais ou de resolver o contrato, sempre que tal modificação tenha incidência sobre os direitos do Beneficiário.

10. O Tomador do Seguro ou a Pessoa Segura, esta última quando a subscrição é efetuada por uma pessoa coletiva a favor e em nome dos seus trabalhadores, pode readquirir o direito pleno ao exercício das garantias contratuais se o Beneficiário Aceitantecomunicar por escrito ao Segurador que deixou de ter interesse no benefício."

21 No termo do prazo dos contratos de seguro, a Ré emitiu a favor da 2.ª Autora AA os recibos para pagamento das quantias de € 14.991,51 e de € 14.991,51, correspondentes à entrega à mesma, do capital investido e juros contratualmente devidos e vencidos, deduzido do valor respeitante à retenção de IRS.

22) De igual modo, a 1.ª Ré procedeu à emissão dos recibos para pagamento a favor do 2.ª Réu CC.

23) A 2.ª Autora recusou receber os valores.

24) Consta dos Balancetes Analíticos da sociedade 1.ª Autora, nos anos de 2013 a 2017, o ativo financeiro correspondente ao "Seguro Império Bonança / Levexpert PPR -Série X", no valor de € 50.000,00.

*

II – B – Factos não Provados

Não se provou que

a) Que tenha sido o 2.º R., como mediador de seguros, a apresentar à 1.ª Ré as quatro propostas de seguro.

b) Em 3 de Janeiro de 2013, a sociedade Autora reparou que, ao contrário do que constava da sua proposta contratual e que havia sido aceite pela 1.ª Ré, figurava como beneficiário do seguro em caso de vida, a pessoa segura e não o tomador de seguro.

c) A sociedade Autora, dando-se conta do lapso, contactou de imediato a l.§ Ré, apontando para a existência do lapso e solicitando que a apólice fosse corrigida de acordo com os termos da proposta apresentada e que haviam sido acordados.

d) E assim sendo, a l.ª Ré confirmou que se tinha tratado de um lapso.

e) A 1.ª Ré em momento algum podia ignorar a essencialidade para a 1.ª Autora da cláusula que indica como beneficiário, em caso de vida, o tomador de seguro.

f) Em sede de acordo de partilhas e cessão de quotas foi avaliado o valor da sociedade e considerados os valores depositados e aplicados em Bancos, créditos, e demais bens que se encontraram vertidos na contabilidade como ativos, para determinação do valor da sociedade e que determinou igualmente o valor da cessão de quotas.

g) Aquando da cessão de quotas, a sociedade foi avaliada com base, entre outros elementos, no valor dos ativos presentes e futuros de que era titular como se encontravam refletidos na contabilidade.

h) O valor de cessão de quotas seria inferior, caso fosse do conhecimento dos cessionários que a sociedade não receberia o valor do prémio, aquando do vencimento da apólice.

i) A 2.ª Autora e o 2.º Réu, como únicos sócios que eram da 1.ª Autora, optaram pela contratação de quatro Planos de Poupança Reforma, em lugar de procederem, entre eles, à distribuição de uma parte dos lucros gerados pela sociedade.

j) Essa opção deveu-se a razões de ordem fiscal, para além de proporcionarem um bom rendimento.

k) Sempre foi entendido entre a 2.ª Autora e o 2.° Réu que o benefício colhido desses PPR seria para distribuir por eles, em partes iguais.

I) Os seguros de vida não foram tidos em conta na avaliação da 1.ª Autora.

*

III – Fundamentação de Direito

A sociedade 1.ª A. celebrou 4 contratos de seguro do ramo “vida” com a 1.ª R./seguradora, situando-se o litígio (e o objeto da presente revista) em saber a favor de quem devem reverter as prestações da 1.ª R/seguradora decorrentes de tais 4 contratos de seguro.

Não se discute que a 1.ª A. seja a tomadora de tais 4 contratos de seguro e que as pessoas seguras sejam a 1.ª A. em 2 contratos de seguro e o 2.º R. nos outros 2 contratos de seguro: a questão está em quem deve ser considerado, em caso de vida (na medida em que não ocorreu a morte das pessoas seguras), o beneficiário em tais contratos de seguro.

Pelo seguinte:

Celebrados os 4 contratos de seguro – em cujas propostas consta como beneficiário do seguro, em caso de vida, a tomadora de seguro – foram emitidas apólices em que, em concordância com as propostas, consta como beneficiário (cfr. ponto 9 dos factos), em caso de vida, a tomadora do seguro1.

Sucedendo que, decorridos os 5 anos fixados nos contratos sem que tivesse ocorrido a morte de alguma das duas pessoas seguras, a R/seguradora, não colocando em crise a sua obrigação de pagar os capitais contratados (ao todo, 60 mil euros), veio dizer que, em vez de pagar os capitais contratados ao beneficiário constante das apólices (a 1.ªA. e tomadora dos 4 seguros), os pagaria às duas pessoas seguras (metade/30 mil euros a cada uma delas), o que, aliás, fez em relação ao 2.º R. (que aceitou tal “entendimento” da R./seguradora quanto ao beneficiário).

Invocou a R./seguradora, para suportar tal “entendimento”, a invalidade da cláusula (dos contratos de seguro) que designa a tomadora/sociedade A. como beneficiária em caso de vida e, em consequência, passando a não haver, em razão de tal invalidade, designação de beneficiário, são beneficiários, em caso de vida, as próprias pessoas seguras (e, em caso de morte, seriam beneficiários os herdeiros das pessoas seguras).

Entendimento este que foi sancionado pelo Acórdão recorrido e com que concordamos.

Vejamos:

Não se refuta que o segurado possa designar, na generalidade dos contratos de seguro, uma entidade (pessoa coletiva) como beneficiária do seguro de vida2.

Sucede, é o ponto, que estamos no caso sub judice perante 4 contratos de seguro PPR («Planos Poupança Reforma», na modalidade de seguro do ramo «Vida»), sendo que, face às caraterísticas do "produto" (expressão utilizada nas condições particulares das apólices em questão), designado por "Produto Levexpert PPR - Série X", a que é aplicável o regime do DL 158/2002, de 02-07 (que aprovou o novo regime jurídico dos planos de poupança-reforma, dos planos de poupança-educação e dos planos de poupança- reforma/educação, revogando o D.L. n.º 205/89, de 27 de junho), é claramente de afastar a possibilidade de uma pessoa coletiva (uma sociedade) poder ser designada como beneficiária de contratos de seguro PPR.

Efetivamente, estabelece-se no art. l.º do D.L 158/2002 que:

"1 - Para efeitos do presente diploma consideram-se «planos de poupança» os planos poupança-reforma (PPR), os planos poupança-educação (PPE) e os planos poupança-reforma/educação (PPR/E).

2 - Os PPR, PPE e PPR/E são constituídos, respetivamente, por certificados nominativos de um fundo de poupança-reforma (FPR), de um fundo de poupança-educação (FPE) ou de um fundo de poupança-reforma/educação (PPR/E).

3 - Os fundos de poupança referidos no número anterior terão a forma de fundo de investimento mobiliário, de fundo de pensões ou, equiparadamente, de fundo autónomo de uma modalidade de seguro do ramo «Vida», devendo a respetiva denominação incluir a sigla PPR, PPE ou PPR/E, consoante os casos.

4- Os certificados nominativos de um fundo de poupança podem ser subscritos por pessoas singulares ou por pessoas coletivas a favor e em nome dos seus trabalhadores.

(…)”

Promovendo e tendo como finalidade a subscrição de PPR, PPE e PPR/E, expressa no preâmbulo do D.L. n.9 158/2002, a orientação de "um volume significativo de capitais para a poupança de médio e longo prazo destinada a satisfazer as necessidades financeiras inerentes à situação de reforma e, bem assim, para o desenvolvimento do mercado de capitais", estando assim em causa, em tais “produtos”, a promoção de condições financeiras para o momento da reforma.

Daí que, no transcrito art. 1.º/4 do D.L. n.º 158/2002, se tenha admitido a subscrição de certificados nominativos de um fundo de poupança PPR por pessoas coletivas, mas, neste caso, apenas "a favor e em nome dos seus trabalhadores", uma vez que apenas em relação a estes (e já não em relação a pessoas coletivas) é possível promover condições financeiras para o momento da reforma (as pessoas coletivas, como é evidente, não se reformam).

Representando esta possibilidade – a subscrição de certificados nominativos de um fundo de poupança por pessoas coletivas "a favor e em nome dos seus trabalhadores" – a única hipótese em que as pessoas coletivas podem subscrever PPRs, o que significa que não podem ser subscritos PPRs a favor de pessoas coletivas, o mesmo é dizer em que a beneficiária, ainda que apenas em caso de vida, seja a própria pessoa coletiva.

Aliás, o desenho dos benefícios fiscais dos PPRs revela a “inconciliabilidade” de uma pessoa coletiva ser beneficiária do mesmo, na medida em que, quando pode ser subscrito por uma pessoa coletiva, para além do benefício fiscal em sede de IRC (são considerados como custos ou perdas de exercício, nos termos do regime previsto no artigo 38.º/2 do CIRC, os gastos suportados pelas pessoas coletivas com a subscrição de certificados PPR em nome e a favor dos seus empregados), também existe, em sede de IRS, um regime fiscal mais favorável para os rendimentos gerados (o que, claro, é inconciliável com a possibilidade dos rendimentos gerados poderem vir a ser recebidos pela pessoa coletiva).

E o mesmo resulta das regras estabelecidas pelo art. 4.º do DL 158/2002, quanto à admissibilidade do reembolso das aplicações em PPR sem perda do respetivo benefício fiscal (reforma por velhice do participante; desemprego de longa duração do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar; incapacidade permanente para o trabalho do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar, qualquer que seja a sua causa; doença grave do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar; a partir dos 60 anos de idade do participante; frequência ou ingresso do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar em curso do ensino profissional ou do ensino superior, quando geradoras de despesas no ano respetivo), regras que exprimem que apenas uma pessoa singular poderá ser beneficiário dum PPR: são tudo situações que respeitam a vicissitudes relacionadas com a vida de pessoas singulares, precisamente os únicos em benefício de quem pode ser subscrito um PPR (ainda que os subscritores seja pessoas coletivas, que, todavia, o têm que fazer a favor e em nome dos seus trabalhadores).

Cumpre a finalidade de um PPR, desde que reforce as condições financeiras para a reforma dos trabalhadores duma pessoa coletiva, o mesmo poder ser subscrito pela respetiva pessoa coletiva, fazendo assim todo o sentido a existência de uma norma (como a art. 1.º/4 do D.L. n.º 158/2002) que expressamente permite a subscrição de PPRs por pessoas coletivas, com a ressalva, constante do art. 4.º/1, de o fazerem “a favor e em nome dos seus trabalhadores”, ou seja, fora desta estrita hipótese, como resulta da letra e teleologia da lei (que estabelece o regime jurídico dos PPRs), não pode um PPR ser subscrito por uma pessoa coletiva.

Temos pois que PPRs como os dos autos – que têm como beneficiário, em caso de vida da pessoa segura, a pessoa coletiva que os subscreveu (ou seja, em que o beneficiário é o tomador do seguro) – são, quanto à cláusula/estipulação sobre o beneficiário em caso de vida, contrários à lei, mais exatamente ao referido art. 1.º/4 do DL do DL 158/2002, que, como acabámos de referir, não permite que a pessoa coletiva seja designada como beneficiária; e, sendo uma tal cláusula/estipulação contra legem, é a mesma nula nos termos do art. 294.º do C. Civil.

Colocando-se então – tendo os 4 PPRs uma cláusula/estipulação nula – como sempre ocorre quando o conteúdo dum negócio tem/inclui uma cláusula/estipulação nula, a questão de saber o que acontece ao negócio/PPR: deve valer na parte restante ou deve ser nulo na sua totalidade?

O Acórdão recorrido, face ao princípio favorável à redução, estabelecido no art. 292.º do C. Civil, entendeu que os 4 PPRs devem valer reduzidos (isto é, devem valer sem a estipulação negocial inválida) e recorrendo ao disposto no artigo 12.2 das condições gerais dos contratos – em que se diz que, “não havendo no contrato designação de beneficiário, será beneficiário, em caso de vida, a própria Pessoa Segura e, em caso de morte, serão Beneficiários os herdeiros da Pessoa Segura” – concluiu que devem ser considerados beneficiários, em caso de vida, as próprias Pessoas Seguras, ou seja, a 1.ª A. em dois dos PPRs e o 2.º R. nos outros dois PPR.

Com o que, como já antecipámos, concordamos.

Efetivamente, o art. 292.º do C. Civil determina a redução dos negócios jurídicos parcialmente nulos ou anuláveis, com a ressalva – hipótese em que não são reduzidos – de se provar que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada.

Como refere Carlos Mota Pinto3, “(…) o contraente que pretender a declaração de invalidade total tem o ónus de provar que a vontade hipotética das partes ou de uma delas, no momento do negócio, era nesse sentido, isto é, que as partes – ou, pelo menos, uma delas – teriam preferido não realizar negócio algum, se soubessem que ele não poderia valer na sua integridade. Se se não fez essa prova – isto é, se a vontade hipotética era no sentido da redução ou em casa de dúvida – a invalidade parcial não determina a invalidade total”

Ora, no caso, não se provou que a vontade hipotética das partes fosse no sentido de não celebrar os 4 PPR, caso a cláusula de beneficiária, em caso de vida, a favor da tomadora dos seguros não fosse válida.

O critério da “vontade hipotética ou conjetural das partes” manda averiguar aquilo que as partes teriam querido provavelmente se soubessem que parte do conteúdo negocial se opunha a uma disposição legal e que, sendo assim, os negócios/PPR não podiam ser válidos na sua integridade; e só na hipótese de se admitir que as partes não celebrariam os PPRs se deve concluir pela invalidade total dos mesmos.

Como é muito evidente – e os AA. não o contestam – a R/seguradora sempre celebraria os PPRs; e, quanto à 1.º A./sociedade, nada temos, em face do que está provado4, que permita afirmar que esta os não teria celebrado: importa não esquecer que, à época da celebração dos PPRs, as pessoas seguras eram os sócios gerentes da 1.ºA/sociedade (o que já não acontecia – e que estará certamente na origem do presente litígio – no momento do pagamento das prestações da 1.ª R/seguradora, decorrentes dos 4 PPRs), não se podendo assim afirmar (atenta a identidade entre os titulares do capital social da 1.ª A. e as pessoas seguras e beneficiários) que a sociedade não os teria subscrito se, em vez dela, fossem os seus dois sócios a receber as prestações da Seguradora.

É certo – como resulta dos pontos 8 e 9 dos factos provados – que foram emitidas umas primeiras apólices em que constavam como beneficiários as pessoas seguras, porém, não se provou, como decorre das alíneas b), c) e d) dos factos não provados, que a “retificação” e a emissão de novas apólices (com a tomadora como beneficiária) haja sido sequer suscitada pela 1.ª A. (apontando o “lapso” e pedindo a correção, aceite pela 1.ª R.), o que, sendo assim, perante a “mera” existência de tais primeiras e segundas apólices, nada sugere sobre a vontade hipotética da 1.ª A. ir no sentido de que não celebraria os PPRs se ela própria não pudesse ser beneficiária dos mesmos em caso de vida.

Enfim, existe dúvida sobre a “vontade hipotética ou conjetural” da 1.ª A. e em caso de dúvida, como referimos, a invalidade parcial não determina a invalidade total, devendo, ao invés, ter lugar a redução negocial e valendo os 4 PPRs na parte restante do seu conteúdo negocial (aqui se incluindo o disposto no artigo 12.2 das condições gerais dos contratos, em que se diz que, “não havendo no contrato designação de beneficiário, será beneficiário, em caso de vida, a própria Pessoa Segura e, em caso de morte, serão Beneficiários os herdeiros da Pessoa Segura”).

E tendo lugar tal redução negocial fica afastada a conversão dos PPRs num contrato de seguro atípico “não elegível para efeitos de benefícios fiscais em sede de IRS e IRC” (como a recorrente pretende nas conclusões 21 e 22).

Efetivamente, a conversão negocial exige que a vontade hipotética ou conjetural das partes seja no sentido de que as partes teriam querido o “negócio sucedâneo”, ou seja, no caso, exige que se diga que, se se tivessem apercebido da invalidade da cláusula/estipulação sobre o beneficiário em caso de vida, a vontade hipotética ou conjetural seria celebrar um seguro em que fosse permitido estipular validamente uma pessoa coletiva como beneficiária (ainda que tal seguro não concedesse quaisquer benefícios fiscais à 1.ª A.).

Temos pois que, diversamente do que sucede em relação à “redução”, a conversão do negócio jurídico, prevista no art. 293.º do C. Civil, exige a prova da vontade hipotética ou conjetural das partes e nada temos, bem pelo contrário, que permita afirmar que a 1.ª A. teria celebrado um contrato de seguro não elegível para efeitos de benefícios fiscais em sede de IRC, quando, manifestamente, os PPRs foram elegidos pela 1.ª A. por causa dos seus benefícios fiscais (por os montantes suportados com tais PPR serem considerados como custos ou perdas de exercício, nos termos do regime previsto no artigo 38.º/2 do CIRC).

Não constituindo qualquer abuso de direito – designadamente, na modalidade de venire contra factum proprium (na medida em que a 1.ª R. recebeu os valores5 e emitiu, sem qualquer obstáculo ou ressalva, as apólices declarando que o beneficiário dos seguros, em caso de vida, era a 1.ª A. e aqui recorrente) – o “entendimento” supra referido da R./seguradora (aqui aprovado) de considerar inválida a cláusula (dos contratos de seguro) que designa a tomadora/sociedade 1.ª A. como beneficiária em caso de vida e, em consequência, passando a não haver, em razão de tal invalidade, designação de beneficiário, ter considerado beneficiários, em caso de vida, as próprias pessoas seguras (e, em caso de morte, os herdeiros das pessoas seguras).

Segundo o artigo 334.º do CC, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito", o que significa que "há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem"6.

No caso, a 1.º R./Seguradora limitou-se a fazer o que qualquer seguradora deve e tem que fazer, ou seja, chegado o momento de cumprir a sua obrigação de pagar os capitais contratados, disponibilizou-se a realizar a sua prestação, sucedendo que, em face das regras legais e das condições gerais dos 4 seguros PPR em causa, não podia pagar os capitais contratados à 1.ª A., pelo que, verdadeiramente, nem estará em causa o exercício de um qualquer direito, na medida em que a R/seguradora se limitou a cumprir a sua obrigação com respeito pelos termos impostos pela lei, ou seja, o que verdadeiramente esteve em causa foi a realização da sua prestação/obrigação e não o exercício de um direito (não se colocando assim sequer a hipótese de abusar de um direito, uma vez que a R./seguradora não tinha sequer o “direito” de, ao arrepio da lei, pagar os capitais contratados à aqui recorrente).

É bom não esquecer que a R/seguradora nunca colocou em crise a sua obrigação de pagar os capitais contratados e que, como em todo o cumprimento de obrigações, a prestação deve ser feita ao credor (art. 769.º do C. Civil) sob pena de, sendo a prestação feita a terceiro, ser “mal feita” e quem “paga mal” corre o risco de pagar duas vezes, situação em que, naturalmente, a R/seguradora não quis incorrer.

É certo que das apólices constava como beneficiária, em caso de vida, a 1.ª A. (assim como, no topo superior direito de cada uma das propostas, constava, em sentido “oposto”, que "este seguro será subscrito ao abrigo do artigo 23.º do Código de IRC"), porém, sendo tal designação contrária à lei (como supra explicámos), não podia a R./seguradora fazer outra coisa senão desconsiderar tal designação e pagar os capitais contratados a quem, à face da lei, era credor/beneficiário das prestações contratadas.

É também por isto que é inócuo e irrelevante o apelo que a recorrente faz à LCCG e à violação do dever de informação consagrado no seu art. 6.º (não ter a seguradora informado que a cláusula beneficiária seria inválida, por não ser possível designar, como beneficiária, a sociedade tomadora do seguro), na medida em que a consequência da violação do dever de informação é “apenas” a exclusão da cláusula do contrato singular (cfr. art. 8.º) – e, como vimos, a cláusula/estipulação até é, antes disso, nula por ser contra legem – e não, como a recorrente pretende (designadamente, na conclusão 16), que a cláusula/estipulação passe a ser válida ou que fiquem “excluídas todas as cláusulas que obstem à designação da sociedade tomadora do seguro como beneficiária”.

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É quanto basta para negar “in totum” a presente revista: todas as pretensões deduzidas decorriam e tinham na sua base o incorreto, segundo as AA., “entendimento” da R. seguradora – de pagar os capitais contratados às duas pessoas seguras (metade/30 mil euros a cada uma delas) – “entendimento” esse sancionado como correto pelo Acórdão recorrido e confirmado na presente Revista.

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IV - Decisão

Nos termos expostos, nega-se a revista.

Custas, nas Instâncias, pelas AA.; e, na presente Revista, pela 1.ª A./sociedade.

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Lisboa, 30/11/2023

António Barateiro Martins (Relator)

Ana Resende

Luís Espírito Santo

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1. Após num primeiro momento, conforme resulta do ponto 8 dos factos provados, constarem as pessoas seguras como beneficiárias.↩︎

2. Cfr, neste sentido, Leonor Padilha de Melo, A Designação do Beneficiário nos Seguros do Ramo Vida, Faculdade de Direito, Escola do Porto, Universidade Católica Portuguesa, Outubro de 2016, p. 29, disponível na net.↩︎

3. Teoria Geral, pág. 627.↩︎

4. Chama-se a atenção, perante o que os recorrentes alegam (designadamente, na conclusão 8.ª), que nos factos provados não há alusão a quaisquer outros e anteriores seguros de vida celebrados pela 1.ª A..↩︎

5. O que aconteceu por uma única vez, numa única entrega efetuada no momento inicial de subscrição dos 4 PPRs.↩︎

6. Coutinho de Almeida, Do Abuso de Direito, 1999, p. 43↩︎