Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00036332 | ||
Relator: | MARIANO PEREIRA | ||
Descritores: | TENTATIVA INCÊNDIO CRIME DE PERIGO | ||
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Nº do Documento: | SJ199903240001373 | ||
Data do Acordão: | 03/24/1999 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N485 ANO1999 PAG267 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/SOCIEDADE. | ||
Legislação Nacional: | CP95 ARTIGO 22 ARTIGO 23 ARTIGO 272 N1 A. CP82 ARTIGO 253. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO RC DE 1987/02/18 IN CJ ANOXII TI PAG77. | ||
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Sumário : | I - Para a existência de tentativa punível é necessário um desvalor da acção e um desvalor do resultado. E isto é dado pela exteriorização de actos que objectivamente se possam verificar orientados com idoneidade para violar o bem jurídico protegido. II - O crime de incêndio é um crime de perigo concreto já que a lei (artigo 272, n. 1, do Código Penal) exige a verificação concreta do perigo de lesão resultante de certos factos, ou seja, a lei exige que o agente provoque incêndio criando perigo para a vida ou integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor de outra pessoa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: Sob acusação do Ministério Público, tendo-se constituído Assistente D, foi julgado em processo comum e tribunal colectivo, no Tribunal de Círculo de Coimbra, o arguido: - A, casado, comerciante, nascido em 24 de Dezembro de 1942, filho de B e de C, natural de Trouxemil, Coimbra e residente em Condeixa-a-Nova, a quem era imputado um crime de incêndio doloso, previsto e punido no artigo 272 n. 1 alínea a) do Código Penal e um crime de burla relativa a seguros, na forma tentada, previsto e punido nos artigos 202 alínea b) 219 n. 1 alínea a), 4 alínea b), 22 e 23 todos do Código Penal. A Assistente deduziu pedido cível contra o arguido pedindo a sua condenação na quantia líquida de 1008073 escudos e juros vencidos e vincendos, e na quantia que se vier a fixar em execução de sentença relativa a honorários dos seus mandatários, custas judiciais e valor da indemnização até ao limite de 42164330 escudos. Após julgamento, foi decidido absolver o arguido dos crimes que lhe eram imputados e também do pedido cível formulado. Inconformada com a decisão, dela interpôs recurso a Assistente "D" que motivando-o conclui, em síntese: 1 - Existem contradições insanáveis na apreciação da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova - artigo 410 n. 2 alíneas b) e c) do Código de Processo Penal. 2 - Dos factos resulta que o arguido prosseguiu os seus intentos de consumar o crime que havia planeado em 1995 e a conclusão da sentença no que concerne a não existirem factos provados quanto à intenção do arguido ter prosseguido a intenção criminosa não apaga a tentativa da prática dos crimes de incêndio e burla ocorrida em 1995. 3. Não se podem dissociar os factos de 1995 e o incêndio de 1997 no que toca à elaboração mental preparação e execução de um plano feito pelo arguido e o incêndio ocorrido em 1997. 4. O incêndio ocorreu e foi criminoso, sendo certo que se mantêm a intenção do arguido em receber a indemnização da Recorrente. 5. De acordo com as regras da experiência comum é impossível aceitar que alguém que planeia um crime da forma idêntica à do arguido, não prossiga o seu plano até final. 6. O hiato de tempo ocorrido em 1996 não pode ser considerado um abandono nos termos descritos no n. 1 do artigo 23 do Código Penal e para efeitos da desistência da prática do crime. E tal hiato justifica-se face às regras da experiência comum perante a necessidade que o arguido teve de se distanciar da execução do crime. 7. O arguido omitiu sempre a justificação do projecto e execução dos crimes reportados a 1998. 8. Verifica-se uma contradição entre os factos assentes e a fundamentação jurídica que se lhe segue já que o arguido não aderiu a um plano, mas planeou e executou esse plano, sendo o N seu parceiro no crime. 9. O crime não foi executado por razões alheias ao arguido, nem tinha de ser, porquanto, a sua parcela de empenhamento era preparar, executar e pagar (como pagou) os actos necessários a que o incêndio ocorresse. 10. E o "iter criminis" não tem uma duração temporal definida, nem a lei o exige. 11. A determinação subjectiva do N não exonera o arguido enquanto mandante. 12. O arguido efectuou todos os actos que lhe competiam efectuar no plano arquitectado: - contactou o N, comprou as mercadorias e pagou o preço. 13. A noção da palavra "manifesta" no corpo do artigo 23 do Código Penal significa adequação objectiva dos meios em função de um resultado desvalorado penalmente perante um juízo indubitável do que se entende ser comum para todas as pessoas. 14. Ora para a generalidade das pessoas - baseadas na experiência comum o "meio" utilizado pelo arguido é idóneo. 15. Ao contrário do que é dito na sentença existe sério perigo de lesão de bens jurídicos com a actuação do arguido, designadamente, o comércio jurídico e o património da Recorrente para não falar do mal necessário que foi incendiar os pavilhões. 16. O verdadeiro cerne da punibilidade da tentativa reside na avaliação da perigosidade referida no bem jurídico. 17. Dado o circunstancialismo em que o arguido actuou existe um desvalor da acção que deve ser punido, já que denotou perigosidade em relação a um bem jurídico ainda que assuma a forma de mera aparência. 18. É manifesto o perigo de ofensa de bens jurídicos gerada pela conduta do arguido pelo que não podem passar incólumes os seus actos praticados em 1995 ainda que de forma tentada. 19. Verifica-se a violação dos artigos 272 n. 1 alínea a), 202 alínea b), 219 n. 1 alínea a) - 4 alínea b), 22, 23 do Código Penal e 374, 377. Termina pedindo a procedência do recurso, com a consequente revogação do acórdão. Responderam o Excelentíssimo Representante do Ministério Público junto do tribunal "a quo" e o arguido defendendo a justeza da decisão. Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a audiência oral. Cumpre decidir. Factos considerados provados: 1. A 25 de Maio de 1984 o arguido, sua esposa E, seus enteados F e G, bem como as esposas destes, H e I, constituíram a sociedade "J" com sede em Condeixa, com o capital social de 15000000 escudos, e cujo objecto social consiste no comércio de artigos electrodomésticos, pertencendo a respectiva gerência ao arguido e à esposa, embora, de facto, seja aquele o único gerente e o rosto visível da sociedade, nomeadamente nas suas relações comerciais com clientes, fornecedores e instituições bancárias. 2. A referida firma abriu, gradualmente, três lojas de venda ao público uma em Coimbra e duas em Condeixa-a-Nova, lojas em cujo negócio foi florescendo, o que lhe permitiu auferir lucros não apurados de montante apreciável, designadamente até princípios da década de 90. 3. Em 1992, o arguido adquiriu para a sociedade mais três pavilhões fechados, sitos no lugar de Quinta Nova, Valada, Condeixa-a-Nova, que destinou a armazém de electrodomésticos. 4. Através da apólice de seguros multiriscos - ramo comércio n. 95006800 da D com sede em Lisboa, tais pavilhões, armazém e seu recheio eram objecto de seguro, subscrito pelo arguido como legal representante da "J" até ao montante global de 130000000 escudos, sendo de 50000000 escudos a cobertura dos edifícios e de 80000000 escudos a cobertura do seu recheio, cujo contrato garantia, além do mais, até ao limite do capital seguro, a indemnização ao segurado dos prejuízos materiais sofridos ou a sofrer em consequência directa de riscos diversos, enumerados no artigo 3 das condições gerais da apólice, riscos causados no edifício que servia de armazém e recheio, designadamente em consequência directa de incêndio acidental. 5. Tal contrato de seguro teve início em 1993, no L, e foi transferido para a D (por um sobrinho do arguido ser angariador desta seguradora) em 4 de Fevereiro de 1995, sendo válido pelo prazo de 1 ano e seguintes e designadamente em 20 de Janeiro de 1997. 6. Sucede, porém, que, desde há cerca de 4 anos a esta parte, o arguido e a "J" iniciaram um período de recessão económica (tendo encerrado, entretanto, as lojas de Coimbra), o que ficou a dever-se a factores conjunturais, como a concorrência das grandes superfícies comerciais, a gestão efectuada pelo próprio arguido e o seu próprio estilo de vida, de frequentador de casinos e de casas de jogo clandestinas, onde dissipava o seu património e da sociedade. 7. Perante tais dificuldades económicas e para evitar a "cobiça" dos seus credores, o arguido e a esposa, em 15 de Julho de 1994, cederam as suas quotas na aludida sociedade aos enteados daquele e filhos desta, acima referidos, continuado embora, o arguido a ser de facto o único gerente da firma, nos termos supra mencionados. 8. É perante este quadro a que acresce um investimento como sócio da sociedade "M" com sede em Pombal onde o arguido é titular de uma quota de 3400000 escudos, investimento não rentável no curto prazo que o arguido admite incendiar os aludidos armazéns e o seu recheio, com vista a reclamar e receber a respectiva indemnização da seguradora. 9. Assim, durante o ano de 1995, em Coimbra, conversou o arguido várias vezes com o seu conhecido e colega de jogo N sobre o incendiar dos seus armazéns acabando por ficar decidido e acordado em tais conversas entre o arguido e o N que este arranjaria quem incendiasse os mencionados armazéns e recheio respectivo "serviço" pelo qual o arguido pagaria 10% do que depois iria receber da seguradora. 10. Na execução do acordado, sugeriu o N ao arguido, depois de visitar e examinar o local em apreço que para ser mais avultada a indemnização a reclamar da seguradora, devia ele encher aqueles armazéns de electrodomésticos, ainda que usados, desactualizados e com reduzido ou nulo valor comercial, já que apenas se destinavam a servir de pasto às chamas, no que o arguido concordou. 10. Assim, em Outubro de 1995, ambos se dirigiram ao Porto, às instalações da firma "O" fornecedora habitual da "J" onde o arguido comprou cerca de 30000 contos de electrodomésticos, os quais foram transportados para os referidos armazéns, embora parte deles tenha sido devolvida no mês seguinte, sobretudo o material em melhor estado e com maior valor comercial, ficando, ali, pelo menos, cerca de 2500 contos desse material, além de dezenas de outros electrodomésticos desactualizados e outros usados que já lá se encontravam, provenientes de retomas e alguns, para reparação, de clientes. 11. Em dia não apurado de Outubro ou Novembro de 1995, e como prometera, o arguido entregou ao N o cheque de folha 268 que assinou e em que inscreveu a quantia de 6500000 escudos, sacado sobre a sua conta n. 30016462868 do B.C.I. de Coimbra, cheque que se destinava a pagar o lançar do fogo ao seus armazéns "serviço" que o N, como se referiu, ficou de efectuar. 12. Em poder do cheque, o N endossou-o a P para pagamento de veículos que comprara a este, o qual, por seu turno e para o mesmo fim, o endossou a Q que não lograria obter o seu desconto apesar de o apresentar a pagamento no B.T.A. de Cernache de Bonjardim, Sertã. 13. O arguido em 4 de Dezembro de 1995, ordenou o cancelamento do cheque, por alegado extravio, o que foi feito, além de a conta sacada não ter provisão, porque nela existia apenas o saldo de 4178 escudos. 14. Embora tivesse acordado com o arguido arranjar alguém que incendiasse os armazéns e recheio respectivo, nunca foi intenção do N fazê-lo, sendo apenas intenção deste receber do arguido e fazer seu o preço acordado para o "serviço" e assim ludibriá-lo. 15. Em 20 de Janeiro de 1997, pelas 6 horas, indivíduos não identificados, dirigiram-se aos armazéns (supra mencionados) do arguido. 16. Uma vez no seu interior e após elegerem nove pontos bem distintos e delimitados entre si, de molde a abrangerem toda a área daqueles armazéns, regaram-nos com gasolina "super" que levavam consigo e atearam-lhes o fogo, pondo-se em fuga, após fecharem as portas. 17. De imediato o incêndio começou a lavrar, atingindo proporções alarmantes, atento o combustível usado e a natureza dos materiais ali existentes, de rápida e fácil combustão, tendo sido combatido com dificuldade, durante mais de 4 horas pelos Bombeiros Voluntários locais auxiliados pelos Bombeiros Voluntários de Soure e Sapadores de Coimbra, envolvendo 11 viaturas e cerca de 50 homens. 18. Em consequência do incêndio, e apesar da acção dos bombeiros, arderam dois dos três armazéns referidos com sucessivas explosões intermédias dada a concentração de gases, bem como o seu recheio, composto, num dos armazéns, por electrodomésticos, causando prejuízos de montante não apurado, mas não inferior a 10000 contos. 19. O local sinistrado é contíguo às instalações da Cooperativa Agrícola de Condeixa e Penela, C.R.L., nas quais está instalado um posto de abastecimento de combustível de veículos e às instalações da Rádio Regional do Centro e situa-se a menos de 100 metros de casas habitação, pelo que, ao atear o fogo, foi criado um perigo concreto para bens patrimoniais alheios de valor elevado que poderiam ter igualmente ardido não fosse a rápida e eficaz intervenção dos bombeiros. 20. Na ocasião do incêndio, encontrava-se o arguido em Lisboa, com a esposa. 21. Após o incêndio, regressou a Condeixa e inteirado das consequências do mesmo, o arguido, agindo na qualidade de legal representante da firma segurada, a 30 de Janeiro de 1997, participou o sinistro à "D" invocando a citada apólice de seguro e tendo em vista a reparação por aquela dos aludidos prejuízos, de quem reclama uma indemnização de montante não inferior a 30000 contos. 21. Suspeitando a Seguradora que o incêndio fora intencionalmente ateado, recusou-se a satisfazer a reclamada indemnização. 22. Inconformada a "J" pela mão do arguido, propôs, a 3 de Novembro de 1997 Acção Ordinária no Tribunal de Círculo de Coimbra, a que coube o n. 148/97 do 3. Juízo, contra a "D" peticionando a sua condenação no pagamento da indemnização de 42164330 escudos e juros, devida pelos prejuízos materiais sofridos com o incêndio, para o que invocou a aludida apólice de seguro, acção ainda a correr termos, datando de 20 de Abril de 1998 o respectivo despacho saneador, não tendo ainda o arguido recebido qualquer indemnização da Ré. 23. No que provado ficou em relação ao arguido, agiu este de modo livre e consciente. 24. Sabe o arguido que é crime provocar incêndio e, depois, com vista a obter uma indemnização invocar os prejuízos causados pelo mesmo. 25. Em dia e mês indeterminados de 1995 o N propôs ao arguido um negócio relacionado com barras de ouro que eram de um seu amigo; negócio em que o arguido acabou por entrar, tendo os dois, no âmbito de tal negócio, ido ao Algarve para levantar 2 cheques, nos valores de 20000 contos e 17500 contos, de que era titular uma amiga do Leal Martins; ocasião em que o N deixou o arguido sózinho e desapareceu na posse dos 2 referidos cheques. 26. No dia 6 de Novembro de 1995, o Patrício levantou 3000 contos em dinheiro, através do cheque n. 15867190 da sua conta pessoal n. 233963011 datado de 6 de Novembro de 1995. 27. No dia 7 de Novembro de 1995, o arguido levantou o cheque n. 15867191, da mesma conta, datado de 6 de Novembro de 1995 no valor de 3500 contos. 28. O arguido procedeu junto da Portugal Telecom à alteração do seu número de telefone de casa, passando-o para confidencial. 29. O arguido tem 55 anos e é comerciante desde há cerca de 30 anos, tem como habilitações literárias a 4. classe. 30. É um homem trabalhador (começou a trabalhar aos 11 anos de idade) e empreendedor. 3. É pessoa e comerciante conhecido e com alguma notoriedade na zona onde vive e em toda a região de Coimbra. 32. Tem um bom ambiente familiar. 33. É estimado e considerado por familiares, vizinhos amigos, fornecedores e pelas pessoas com quem por diversas razões se relaciona. 34. Sempre foi considerado uma pessoa de bem, um comerciante responsável, dedicado e merecedor da confiança dos fornecedores. 35. Prestou declarações coincidentes com a contestação escrita que apresentou. 36. Do seu registo criminal não consta qualquer condenação. 37. Na sequência do incêndio de 20 de Janeiro de 1997 a D procedeu a averiguações, nas quais gastou, com serviços de peritagem, 883030 escudos, com a instrução do processo de averiguações, 10524 escudos; com despesas judiciais da A. Ord. que corre neste 3. Juízo do Tribunal de Círculo 109519 escudos e tem ainda em tal A. Ord. que efectuar as despesas relativas a honorários. Factos não provados (relevantes): 1. Não se provou que a data de 16 de Dezembro de 1995 constante do cheque de folha 268, tivesse sido colocada pelo arguido. 2. Não se provou que prosseguindo o plano inicial e com vista à sua efectiva concretização, o arguido, durante o ano de 1996 e Janeiro de 1997, tenha efectuado novos contactos com indivíduos não identificados com o fito de incendiar os armazéns, o seu recheio e de se locupletar à custa da seguradora. 3. Não se provou que estivessem a mando e cumprindo instruções do arguido os indivíduos não identificados que, em 20 de Janeiro de 1997, incendiaram os armazéns supra referidos. 4. Não se provou que a presença do arguido e da esposa em Lisboa, na ocasião do incêndio, fosse para ocultar a sua participação no incêndio. 5. Não se provou que tivesse sido o arguido a entregar as chaves aos indivíduos não identificados que, em 20 de Janeiro de 1997, incendiaram os armazéns supra referidos. 6. Não se provou qual o exacto montante dos prejuízos causados pelo incêndio. 7. Não se provou que o arguido, ao reclamar os prejuízos da seguradora estivesse certo da sua origem criminosa. 8. Não se provou que o arguido ao reclamar os prejuízos da seguradora ignorasse a sua origem criminosa. 9. Não se provou que os 30000 contos de electrodomésticos comprados em 1995, na Auferma, se destinassem a uma loja de Coimbra da qual o arguido era arrendatário e que se encontrava fechada há algum tempo. 10. Não se provou que o arguido apenas não tinha aberto tal loja por ter recebido uma razoável oferta de trespasse. 11. Não se provou que o cheque de folha 268 não fosse para o N atear ou arranjar quem ateasse o incêndio. 12. Não se provou que, antes de 1995, o arguido nunca se relacionasse com o N. 13. Não se provou que em 1995 tivesse sido o N que começou a meter conversa com o arguido e a telefonar-lhe convidando-o para almoços. 14. Não se provou que, em 1995, o N tenha vendido um plano com vista a obter uma maior convivência e confiança do arguido. 15. Não se provou que o O, amigo do arguido lhe tenha emprestado 6500 contos. 16. Não se provou que o arguido tenha pago um empréstimo de 6500 contos ao O. 17. Não se provou que o arguido tenha entregue ao N 6000 contos em dinheiro. 18. Não se provou que quando da entrega do cheque de folha 268 tenha o arguido entregue ao N 500000 escudos em numerário. 19. Não se provou que o A recebesse telefonemas com ameaças e chantagem contra a sua vida e a dos seus familiares. Na motivação de facto refere a decisão que quanto aos factos não provados baseou-se o tribunal: "Na circunstância de não haverem sido inferidos e/ou de o não haverem sido de modo convincente para o tribunal. Por outro lado, quanto a não se haver dado como provado que o arguido durante os anos de 1996 e 1997, prosseguiu o plano inicial, foi decisivo o funcionamento do princípio "in dubio pro reo". Por outras palavras, o tribunal entende que os factos circunstanciais apurados são insuficientes para lhe atribuir a autoria do incêndio ocorrido em 20 de Janeiro de 1997. Ficou absolutamente claro para o tribunal (e foi dado como provado) que o incêndio de 20 de Janeiro de 1997 teve origem criminosa, porém, pese embora: tal proveniência criminosa; a situação de dificuldade económica do arguido, propiciadora, uma vez que havia seguro, do acto criminoso, com vista a, recebendo a indemnização fixada na apólice, melhorar a sua situação; a aparente sobrevalorização que o arguido, na reclamação à seguradora, efectuou dos prejuízos; a circunstância, não inconveniente, de o arguido, no momento do incêndio, se encontrar em Lisboa; e, fundamentalmente, o facto, provado, de o arguido, cerca de 16 meses antes, haver aderido a um plano não executado por razões alheias ao arguido, para incendiar os armazéns em causa; entendeu o tribunal que tais factos circunstanciais geram uma mera impressão e não a convicção (ver Marques Ferreira, Jornadas do Código de Processo Penal página 228) de ter sido o arguido o autor do incêndio. Embora os meios de prova produzidos não estejam sujeitos a qualquer regime de prova legal, mas antes à livre apreciação do tribunal (127 do Código de Processo Penal) a verdade é que livre apreciação não significa pura convicção subjectiva, mas sim "convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros (D. Dias, D. Processual folha 125). "E uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável; não se tratará, pois, de uma mera opção voluntarista pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos à posterior tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse" (F. Dias, mesmo local). Enfim o tribunal entende que há uma forte probabilidade de o arguido ter sido o autor (mediato) do incêndio, todavia, como não está plenamente convencido que ele o tenha sido, não pode, por aplicação do "in dubio pro reo" deixar de dar como não provado: - que o arguido, no ano de 1996 e em Janeiro de 1997, tenha prosseguido o plano inicial; que tenha efectuado novos contactos com indivíduos, com o fito de incendiar os armazéns, o seu recheio e de se locupletar à custa da seguradora, e que estivessem a mando e cumprindo instruções do arguido os indivíduos não identificados que em 21 de Janeiro de 1997, incendiaram os armazéns supra referidos". Análise jurídica: Segundo o artigo 412 do Código de Processo Penal "a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões deduzidas por artigos em que o Recorrente resume as razões do pedido". Vê-se, assim, que o âmbito do recurso é dado pelas conclusões do mesmo. Atentas as conclusões do recurso interposto, aliás, algo confusas, podemos vislumbrar as mesmas que põe em crise a decisão nos seguintes pontos: 1. Os factos provados indicam de forma inequívoca que o arguido prosseguiu os seus intentos de consumar o crime que havia planeado em 1995. 2. A conclusão de que não existem factos provados quanto à intenção do arguido ter prosseguido a intenção criminosa não apaga a tentativa da prática dos crimes de incêndio e burla ocorrida em 1995. 3. Não se podem dissociar os factos ocorridos em 1995 e o incêndio de 1997, no que toca à elaboração mental, preparação e execução de um plano feito pelo arguido e o incêndio ocorrido em 1997. 4. A dúvida insanável que subsistiu nos julgadores não ficou ferida com a situação financeira revista do arguido e da firma, os seus hábitos de vida perdulários, a facilidade com que o arguido avança para negócios ilícitos e para amizades com "burlões" e de acordo com as regras da experiência comum é impossível aceitar que alguém que planeia um crime da forma idêntica à do arguido, não prossiga o seu plano até final. 5. E o hiato de tempo ocorrido em 1996 não pode ser considerado um abandono, nos termos descritos no n. 1 do artigo 23 do Código Penal e para efeitos da desistência da prática do crime. 6. Verifica-se uma contradição entre os factos assentes e a fundamentação jurídica pois que o arguido não aderiu a um plano, mas planeou e executou o plano, sendo o N seu parceiro no crime. 7. O crime não foi executado por razões alheias ao arguido nem tinha de ser porquanto a sua parcela de empenhamento era preparar, executar e pagar (como pagou) os actos necessários a que o incêndio ocorresse. 8. Está errada a qualificação de tentativa impossível relativa ao crime de incêndio ocorrida em 1995, como a sentença refere, já que o N não pode ser qualificado como um "meio" e a determinação subjectiva do N não exonera o arguido enquanto mandante. 9. A noção da palavra "manifesta" no corpo do artigo 23 do Código Penal significa adequação objectiva dos meios em função de um resultado desvalorado penalmente e no caso dos autos e para a generalidade das pessoas, baseadas na experiência comum o "meio" utilizado pelo arguido é idóneo, existindo sério perigo de lesão de bens jurídicos com a actuação do arguido, designadamente, o comércio jurídico e o património da Recorrente. 10. Os actos praticados pelo arguido em 1995 não podem passar incólumes ainda que de forma tentada -. Antes de abordarmos os factos imediatamente atrás referidos convém esclarecer que nos termos do artigo 434 do Código de Processo Penal o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito. Porém, poderá imiscuir-se aos aspectos fácticos a que alude o n. 2 do artigo 410 do mesmo Código "ex vi" daquele artigo 434. E tais aspectos consistem: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) erro notório na apreciação da prova e ainda de nulidade que não deva considerar-se sanada. E tem vindo a ser entendido que estamos em presença da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito quando os factos colhidos, após o julgamento, não consentem, quer na sua objectividade, quer na sua subjectividade, o ilícito dado como provado. Existe contradição insanável da fundamentação quando de acordo com um raciocínio lógico e segundo as regras da experiência comum, seja de concluir que não é perfeita a compatibilidade de todos os factos provados. Erro notório é aquele que não escapa ao homem comum e consubstancia-se quando no texto factual dado como provado e não provado, existem factos que cotejados entre si, notoriamente se excluem, não podendo de qualquer forma harmonizar-se. Fixados estes princípios, e relacionados com os vícios que este Supremo pode conhecer, importa ainda ter como assente o seguinte e que resulta da acusação: - o crime de incêndio imputado ao arguido já não comporta em si a actividade de um tal N -. Com efeito, lê-se na acusação - folha 845, que foi recebida nos seus precisos termos (folha 893) e à qual a assistente, ora recorrente, aderiu (folha 861): 1. - "Convencido... que o N atearia ou arranjaria quem ateasse o ... incêndio, em dia não apurado de Outubro ou Novembro de 1995 e como prometera o arguido entregou-lhe... o cheque de folha 268... Em poder... do cheque o N desligou-se do arguido e dos seus planos... 2. - "Na verdade, vendo-se enganado pelo N que não ateara o incêndio, o arguido a 4 de Dezembro de 1995 ordenou o imediato cancelamento do cheque por alegado extravio, o que foi feito, além de a conta sacada não ter provisão, já que apenas existia o saldo de 4170 escudos. 3. - "Prosseguindo o plano inicial e em vista à sua efectiva concretização durante o ano de 1996 e Janeiro de 1997 o arguido efectuou novos contactos com indivíduos cuja identificação não foi possível apurar, com o fito de incendiar os armazéns, o seu recheio e de se locupletar à custa da seguradora. 4. - "Assim tais indivíduos agindo a mandado e cumprindo instruções do arguido sobre a área e material a incendiar e modo de execução... dirigem-se a dois armazéns... 5. - "Uma vez no interior para cujo acesso o arguido lhes entregara previamente as chaves das portas e após elegerem pelo menos 9 pontos bem distintos e delimitados entre si... regaram-nos com gasolina "super ... e atearam-lhes fogo, pondo-se em fuga após fecharem as portas... De imediato o incêndio começou a lavrar...". Isto posto, debruçamo-nos, então, sobre as conclusões do recurso. Os pontos referidos em 1, 4, 6 das conclusões, e sob a rubrica análise jurídica, pretendem de forma difusa criticar a apreciação dos factos feita pelo colectivo de juizes, designadamente a referência que na motivação dos factos não provados foi feita ao princípio "in dubio pro reo". Com efeito, ali se consignou (vide supra) "Não se provou que prosseguindo o plano inicial e com vista à sua efectiva concretização, o arguido, durante o ano de 1996 e Janeiro de 1997, tenha efectuado novos contactos com indivíduos não identificados com o fito de incendiar os armazéns, o seu recheio e de se locupletar à custa da seguradora". "Não se provou que estivessem a mandado e cumprindo instruções do arguido os indivíduos não identificados que em 20 de Janeiro de 1997 incendiaram os armazéns". "Não se provou que tivesse sido o arguido a entregar as chaves aos indivíduos não identificados que em 20 de Janeiro de 1997 incendiaram os armazéns". "Não se provou que o arguido ao reclamar os prejuízos da seguradora estivesse certo da sua origem criminosa". "Quanto aos factos não provados baseou-se o tribunal na circunstância de não haverem sido referidos e/ou de o não haverem sido de modo convincente para o tribunal. Por outro lado, quanto a não se haver dado como provado que o arguido durante os anos de 1996 e 1997 prosseguiu o plano inicial foi decisivo o funcionamento do princípio "in dubio pro reo". Por outras palavras, o tribunal entende que os factos circunstanciais apurados são insuficientes para lhe atribuir a autoria do incêndio ocorrido em 20 de Janeiro de 1997" (cfr. supra mais desenvolvidamente). Ora, tem vindo a ser entendido que não pode ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça a utilização, ou não, pelo Tribunal "a quo" do princípio "in dubio pro reo" em virtude de lhe estar vedado o conhecimento de matéria de facto e esse princípio estar ligado à produção de prova (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1996 processo n.48.770). Mas, para quem assim não entenda, o Supremo Tribunal só poderia sindicar a "utilização" de tal princípio se da decisão recorrida resultasse que o Tribunal "a quo" chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido. Ora "in casu", o tribunal perante um estado de dúvida perfilhou a tese favorável ao arguido. Assim, não pode este Supremo Tribunal criticar a matéria de facto encontrada pela instância, sendo irrelevante a crítica que a Recorrente faz. Examinando a decisão, na sua globalidade e segundo as regras da experiência comum, não se vislumbra que a mesma enferme dos vícios constantes do n. 2 alíneas a), b) e c) do artigo 410 do Código de Processo Penal e com o alcance que, supra, tivemos ocasião de referir. Chegados aqui cumpre examinar os restantes pontos da conclusão e que se prendem com a tentativa. Já que não existem factos assentes que possam responsabilizar o arguido pelo crime de incêndio consumado em Janeiro de 1997. A decisão sob recurso examinou a conduta do arguido havida em 1995 e integrou-a em actos executivos de um crime tentado de incêndio, mas conclui tratar-se de uma tentativa impossível não punível. Apreciamos. À tentativa refere-se o artigo 22 do Código Penal. Segundo esta disposição legal: 1 - Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se. 2 - São actos de execução: a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) os que forem idóneos a produzir o resultado típico, ou c) os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis forem de natureza a fazer esperar que se lhes seguem actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores. Daqui flui que importa analisar os actos em relação a cada tipo de crime. E para a existência da tentativa punível - que é também um delito - é necessário um desvalor da acção e um desvalor do resultado. E este é dado pela exteriorização de actos que objectivamente se possam verificar orientados com idoneidade para violar o bem jurídico protegido. A este propósito esclarece o n. 3 do artigo 23 do Código Penal "A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime". Ensina o Professor Cavaleiro Ferreira, in Lições de Direito Penal, volume I, edição 1985 página 272 que "O Código Penal ... distingue entre inidoneidade absoluta e inidoneidade relativa ... Há inidoneidade absoluta do meio quando este é por sua natureza inapto para produzir o resultado; há inidoneidade relativa se o meio em si mesmo idóneo ou apto se torna inapto pela maneira ou nas circunstâncias em que foi empregado. O Código Penal, nesta via, indica a inidoneidade absoluta qualificando-a como manifesta, enquanto a inidoneidade relativa - não manifesta já não afecta a inidoneidade dos actos de execução essenciais ao facto ilícito na tentativa...". Também o Dr. Maia Gonçalves in Código Penal Português Anotado, 9. edição, página 252, comentando aquele preceito (n. 3 do artigo 23) refere que "a inidoenidade do meio... salvo nos casos em que são manifestos não constituem obstáculo à existência da tentativa... O verdadeiro cerne da punibilidade da tentativa impossível reside na avaliação da perigosidade referida ao bem jurídico... É que, entende-se, dado o circunstancionalismo que o agente actuou, o desvalor da acção merece ser punido... E merece porque denotou perigosidade em relação a um bem jurídico..." Tecidas estas considerações, realcemos, dos factos, em síntese: a - No ano de 1994/1995 o arguido começou a ter dificuldades económicas e admitiu incendiar os armazéns e seu recheio com vista a reclamar e receber a respectiva indemnização da Seguradora. b - Durante o ano de 1995 conversou várias vezes com o seu conhecido e colega de jogo N sobre o incendiar dos armazéns. c - Ficou acordado entre eles que o N arranjaria quem incendiasse os mencionados armazéns e recheio respectivo, "serviço" pelo qual o arguido pagaria 10% do que depois viria a receber da seguradora. d - Com vista a concretizar o "plano" o arguido e o N foram à cidade do Porto adquiriu material cujo valor seria depois reclamado à seguradora. e - Em Outubro ou Novembro de 1995 o arguido entregou ao N um cheque de 6500000 escudos destinado a pagar o lançar fogo aos seus armazéns. f - Embora tivesse acordado com o arguido arranjar alguém que incendiasse os armazéns e respectivo recheio, nunca foi intenção do N fazê-lo, sendo apenas intenção deste receber do arguido e fazer seu o preço acordado para o "serviço" e assim ludibriar o arguido. g - O arguido em 4 de Dezembro de 1995 ordenou o cancelamento do cheque por alegado extravio (Porém, convém esclarecer que na acusação se referiu "vendo-se enganado pelo N que não ateara o incêndio o arguido a 4 de Dezembro de 1995 ordenou o imediato cancelamento do cheque por alegado extravio). Ao arguido era imputado o crime de incêndio do artigo 272 n. 1 alínea a) do Código Penal, o qual refere: - "Quem provocar incêndio de relevo, nomeadamente pondo fogo a edifício ou construção, a meio de transporte, a floresta, mata, arvoredo ou seara e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos". Esta disposição legal, na parte ora em apreço, corresponde, na sua essência, ao artigo 253 do Código Penal de 1982, considerado como um crime de perigo concreto, já que a lei exige a verificação concreta do perigo de lesão resultante de certos factos; ou seja, a lei exige que o agente provoque incêndio criando um perigo para a vida ou integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor de outra pessoa (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Fevereiro de 1987 in Colectânea Jurídica Ano XII - 1987 - Tomo I página 77). Isto posto, e examinando os factos praticados pelo arguido e imediatamente supra referidos, e o tipo do crime, é duvidoso que tais actos possam considerar-se como actos de execução integrantes da tentativa do crime de incêndio que se propunha levar a cabo como autor moral. E que a própria acusação como tivemos ocasião de destacar (vide supra) "corta" o nexo de causalidade adequada para que o referido crime pudesse acontecer "via N". Diz tal peça "vendo-se enganado pelo N que não ateara o incêndio o arguido a 4 de Dezembro de 1995 ordenou o imediato cancelamento do cheque por alegado extravio". Ora, é sabido que o cheque fora entregue ao N para que este arranjasse quem ateasse o incêndio. Por outro lado, também tal nexo de causalidade não poderia existir já que nunca foi intenção do N arranjar alguém que incendiasse os armazéns (cfr. factos provados). E esse "corte" é evidente. Pois, se assim não fosse, não referia a acusação que: - Prosseguindo o plano inicial e em vista à sua efectiva concretização durante o ano de 1996 e Janeiro de 1997 o arguido efectuou novos contactos (sublinha-se novos contactos) com indivíduos com o fito de incendiar os armazéns, o seu recheio e de se locupletar à custa da seguradora -. Ora, esta matéria acusatória foi dada como não provada (vide ns. 2 e 3 supra sob a rubrica factos não provados relevantes). Sendo assim, para ajuizar da tentativa fica-nos tão só: - a intenção do arguido de incendiar os armazéns e seu recheio, reclamar o seguro, locupletar-se à custa da Companhia Seguradora e ter electrodomésticos nos armazéns. Porém, adoptando a nossa lei penal um critério ecléctico, no que concerne à tentativa, já que além do desvalor da acção torna-se também necessário a existência do desvalor do resultado (cfr. artigos 22 e 23 do Código Penal) aqueles factos são manifestamente inaptos só por si para evidenciarem perigosidade relevante, perante os padrões normais de experiência, em relação ao bem jurídico protegido pela norma. E faltando perigosidade sempre estaríamos perante uma tentativa impossível não punida (artigo 23 n. 3 do Código Penal) tal como foi decidido na instância. Ora, não se tendo provado ter o arguido cometido o crime de incêndio, quer na forma consumada, quer na forma tentada, tal circunstância, acarreta a não verificação do crime de burla e a improcedência do pedido cível formulado, já que não existem elementos fácticos para caracterizar o crime de burla, nem facto ilícito imputável ao arguido de modo a poder responsabilizá-lo civilmente (cfr. artigo 483 do Código Civil). Face a todo o exposto, negam provimento ao recurso interposto e confirmam na integra a decisão do tribunal "a quo". Custas a cargo da Recorrente fixando-se a taxa de justiça em dez Ucs e procuradoria 1/3. Lisboa, 24 de Março de 1999. Mariano Pereira, Flores Ribeiro, Brito Câmara, Martins Ramires. Tribunal do Círculo de Coimbra - Processo n. 42/98 - 3. Juízo - Acórdão de 30 de Outubro de 1998 |