Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
136/17.9T8LRS.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
PRESSUPOSTOS
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
MORA
RESTITUIÇÃO DO SINAL
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Em ação de reivindicação, opondo o réu que ocupa o imóvel reivindicado há mais de 30 anos por força de contrato promessa celebrado com a autora em que, como promitente comprador, recebeu daquela a fração, tem ele título legítimo para ter realizado essa ocupação até à propositura da ação.

II - Se em reconvenção o réu pede a condenação da autora no pagamento do sinal em dobro invocando o incumprimento definitivo do contrato promessa pela autora promitente vendedora e o direito de retenção enquanto não for pago pelo valor da indemnização que pede, vindo a reconhecer-se que existe incumprimento do contrato promessa por perda de interesse de ambos os contraentes nas prestações desse contrato emergentes, o réu tem apenas direito ao recebimento do sinal em singelo e às quantias que despendeu durante a permanência no local com o condomínio.

III - Deve entender-se, objetivamente, existir perda de interesse na prestação, quando passados mais de 30 anos sobre a celebração do contrato promessa em que se fixou um prazo de 180 dias para a celebração da escritura do contrato prometido, sem se atribuir a nenhum dos contraentes a responsabilidade pela sua marcação, nenhum dos contraentes diligenciou pelo cumprimento através de interpelação admonitória, tendo o promitente comprador, cerca de 18 anos depois, intentado ação contra a promitente vendedora pedindo o reconhecimento do direito de propriedade por usucapião e, mais de 25 anos depois da celebração do contrato promessa, ter esta última notificado aquele para dizer se estava interessado em comprar a fração por um valor diferente do constante do contrato promessa sob pena de ter de desocupar a fração no prazo de 20 dias.

IV - Deve entender-se, nas circunstâncias concretas do caso, que com o pedido reconvencional de devolução do sinal em dobro o promitente comprador realiza uma declaração de resolução do contrato que admite, na apreciação dos factos provados, a apreciação e decisão sobre o cumprimento/incumprimento do contrato promessa, designadamente a entender que existe perda de interesse de ambos os contraentes equiparada ao incumprimento que dá lugar à resolução.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferencia neste Supremo Tribunal de Justiça



Relatório

AA intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que, reconhecida a sua (co)propriedade sobre a fração autónoma que identifica e que seja o réu condenado a restituir-lhe o mesmo, livre de pessoas e bens, e a pagar-lhe a quantia de € 16.200,00 (dezasseis mil e duzentos euros) a título de enriquecimento sem causa por ocupação e locupletamento à custa da autora, acrescida de juros de mora desde a data de citação do réu, até efetiva entrega do imóvel.

Alegou que que, o Réu vem ocupando o imóvel desde 1986, sem qualquer título válido, apesar de interpelado verbalmente e por carta para restituir à Autora o imóvel, e o insucesso da tentativa de o adquirir por usucapião.

O Réu contestou, alegando que se encontra a residir na casa legitimado por contrato que aquela incumpriu uma vez que obteve a cedência de posição contratual de promitente comprador da fração no contrato de promessa de compra e venda que a cedente havia celebrado com a autora em 1986.

E em reconvenção pede a condenação da autora no pagamento da quantia de € 33.561,11, correspondente ao dobro do valor do sinal pago e indemnização por despesas (de manutenção e obras do condomínio), benfeitorias (obras de conservação e melhoramento do imóvel) que realizou no imóvel e os danos morais causados. Por fim, pediu que seja reconhecido o direito de retenção sobre o imóvel até ao pagamento da Autora de tal quantia, nos termos do disposto no artigo 755.º, n.º 1, alínea f) do Código Civil.

Na réplica a Autora invocou a nulidade do contrato promessa e por decorrência do contrato de cessão e excecionou a caducidade do prazo para celebração da escritura de venda por falta de autorização do Tribunal, e por impugnação alegou a não receção de qualquer sinal por parte do réu, a não entrega das chaves do imóvel objeto dos presentes autos ao réu, a não autorização de obras de melhoramento no imóvel e a consequente inexistência de obrigação de indemnização de benfeitorias voluptuárias, alegando ainda a prescrição das dívidas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 310.º e 313.º ambos do Código Civil, concluindo por pedir a improcedência da reconvenção.

O Réu respondeu às exceções deduzidas pela autora, invocando abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, em manifesto excesso dos limites da boa-fé.

Instruídos os autos e realizado julgamento veio a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência,

declarou que a autora AA e o interveniente CC são os comproprietários da fração autónoma designada pela ..., que corresponde ao ... andar do prédio sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 00295/13..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...77, condenou o réu BB a restituir-lhes a referida fração de imediato, livre de pessoas e bens;

 condenou o réu BB a pagar-lhes a quantia de € 8.200,00 (oito mil e duzentos euros) a título de indemnização, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, desde a data de citação do réu até efetivo e integral pagamento, absolveu o réu do demais peticionado;

julgou a reconvenção parcialmente procedente e condenou a autora AA a pagar ao réu BB a quantia de € 4.050,00 (quatro mil e cinquenta euros) a título de despesas de condomínio, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, desde a data de notificação da contestação/reconvenção e até efetivo e integral pagamento.

Inconformado com esta decisão o réu interpôs recurso que veio a ser julgado parcialmente procedente decidindo:

a). Revogar a sentença na parte em que condena o Réu ao pagamento à Autora e Interveniente da quantia de € 8.200,00 (a título de indemnização pela ocupação da fração a desde abril de 2015 e até dezembro de 2016), e absolver o Réu desse pedido;

b). Mantendo-se no demais o julgado de primeira instância, embora por fundamentos não totalmente coincidentes.

… …

O réu recorre agora através de revista concluindo que:

“1.ª A lide advém da um contrato de promessa de compra e venda, tendo por objeto  um bem imóvel, celebrado no ano de 1986 pelo preço de Esc. 3 750 000$00 ou de € 18 704,92 entre a autora na qualidade de promitente-vendedora em seu nome e dos seus filhos, então menores e, uma terceira pessoa enquanto promitente compradora, a qual alienou por venda e o recorrente adquiriu por compra, a posição contratual naquele negócio e a entrega física do bem para sua habitação em que passou a residir livremente sem qualquer constrangimento até esta data.

2.ª O contrato definitivo nunca chegou a concretizar-se, discorrendo o tribunal a quo a inviabilidade de discernir a imputação do incumprimento a qualquer das partes e a falta de resolução do contrato, porquanto, ambas as partes procrastinaram o ajuste; o recorrente não notificou a contraparte para a fixação de prazo, nem resolveu o contrato; e apesar de tudo não respondeu à carta da autora em que propunha a venda do bem por € 80 000,00.

3.ª Acontece que o recorrente nunca contou qualquer informação ou comunicação da autora destinada a promover o contrato definitivo.

4.ª Mas uma vez que a promessa deixava sobressair dúvidas lacunares quanto ao prazo concreto para a concretização do definitivo, pela estreita ou pessoal ligação das cláusulas reguladoras desse contrato à transmitente e ao seu banco.

5.ª Assim como, pela ausência de intervenção da promitente vendedora no contrato de cessão de posição contratual

6.ª O recorrente no ano de 2005 propôs com essa finalidade uma ação judicial para a fixação judicial de prazo de 30 dias.

7.ª Desta demanda e em substância, salvo melhor opinião, a promitente vendedora não podia deixar de concomitantemente interpretar uma notificação tendente ao cumprimento, a intenção de exercer um direito e a fixação de um prazo para cumprir, 30 dias.

8.ª Porém contestou, admitiu a celebração do contrato promessa e a qualidade do recorrente como promitente-comprador, porém, invocou a nulidade do contrato promessa

9.ª No ver do recorrente e salvo melhor e autorizada opinião, a conduta processual da promitente vendedora só pode significar uma recusa da observância do prazo e a frontal intenção de não cumprimento.

10.ª Todavia, ainda na séria expetativa de aquisição da sua habitação, tendo para o efeito diligenciado pelo empréstimo e contratos de seguros e preocupado pelo subsistente absoluto silêncio e aparente abandono do imóvel por parte da promitente vendedora, o recorrente no ano de 2008 propôs nova ação declarativa sob pedido de aquisição por usucapião;

11.ª A autora despertou, contestou, agora alegou o desconhecimento do contrato promessa.

12.ª Sete anos depois, em 18 de março de 2015, a autora através de advogado propôs ao recorrente a venda do bem, pelo valor de € 80 000,00, numa importância equivalente a quatro vezes mais o preço regulado no contrato de promessa e sem uma palavra sobre este.

13.ª E de novo se extrai da promitente vendedora a desconsideração da existência e a intenção de não cumprir.

14.ª O que se repete na presente instância, na petição inicial e na réplica da autora nos autos, no primeiro articulado a autora ocultou o contrato-promessa (como se não existisse) e no segundo articulado, porque confrontada com o documento apenso à contestação, invoca a sua nulidade.

15.ª No caso o óbvio é patente, para a autora não há contrato-promessa quanto mais algum cândido e imaginário pensamento de cumprimento, a autora resolutamente não o reconhece, já não o quis e não o quis cumprir.

16.ª Neste devir factual impor-se ao recorrente uma mónita e um ónus de interpelação para fixação de prazo e a resolução de um contrato já apagado e rasgado pela autora, mostrar-se-ia, absolutamente inútil e descabido, irrazoável.

17.ª Configurada nas instâncias a validade do contrato de promessa, a conduta da autora evidencia factos concludentes que à luz dos artigos 217.º e 234.º do Cód. Civil devem levar-nos a deduzir, com toda a probabilidade e de forma inequívoca, certa, séria e segura, uma declaração tácita de não querer cumprir, sequer reconhecer a prevalência do contrato de promessa, no que resulta o incumprimento, culposo e definitivo imputável à autora.

18.ª Sendo, por conseguinte, a comunicação da resolução de um contrato já destruído pela contraparte do negócio, despida de razoabilidade e utilidade.

19.ª A justiça material não pode enveredar por cunhos de excêntrico e medieval formalismo desembocando numa real injustiça, no caso mais grave, quando a final ainda premeia o infrator.

20.ª Por diferente interpretação, o douto aresto violou a boa aplicação das citadas disposições.

21.ª A carta da autora datada de 18 de março de 2015, na qual era proposto um novo negócio pelo quádruplo do montante previsto no contrato de promessa e enviada após todas as enunciadas ocorrências, era (e é) de sobremaneira caricata, errática, desfasada, desrespeitadora dos mais elementares ditames da boa-fé contratual, de tal modo, que não era digna de qualquer resposta, o que não deve prejudicar minimamente os direitos do recorrente.

22.ª Da leitura do contrato de cessão de posição contratual a que aderiu o recorrente, contendo por objeto um contrato de promessa do qual já havia decorrido a data para a celebração da escritura e, ainda mais estranho, condicionado à marcação do contrato definitivo por um banco que o faria em conformidade com um contrato de empréstimo à cedente, que já não era parte do negócio principal, é de tal modo esdrúxulo, que só pode levar-nos a ponderar a ignorância e falta de entendimento do recorrente, que conta com uma formação escolar limitada à 4.ª classe e não se encontrava acompanhado.

23.ª Apesar de tudo não há motivo para a falta de estranheza do não pagamento dos reforços de sinal, pois além do exposto, a realidade literal é que a cláusula 4ª do contrato promessa condicionava os reforços a um aditamento do banco que os autos não anunciam e como copiosamente se disse, nunca a autora contactou o recorrente.

24.ª Decorrente de diferente interpretação e aplicação, o recorrente sustenta que a decisão revidenda incorreu em erro de julgamento e violou os artigos 217.º, 236.º, 441.º, 442.º 798.º, 799.º, 801.º, 804.º, 808.º e 562.º e 566.º do Cód. Civil, porquanto, a realidade subjacente exibe inequivocamente a declaração tácita da autora em não aceitar a existência do contrato de promessa, a sua validade e a sua intenção de não cumprimento, pelo que, o inadimplemento só a à autora é imputável, com carácter definitivo, cabendo-lhe o dever de indemnizar integralmente nos termos peticionados na reconvenção.

25.ª Ainda que assim não se entenda, o acórdão sub judice, não atendeu a todas as consequências dimanadas do seu segmento decisório.

26.ª A aderimos às conclusões a que arribou o douto aresto, i.e., que o quadro factual e circunstancial não permite apreciar culpas, impõe-se encerrar a lide com critérios de justiça equitativa, simétrica, de harmonia com o disposto nos art.º’s 570.º n.º 1 e 442.º n.º 2 a contraiu e de modo a obstar a enriquecimentos indevidos.

27.ª Reconhecendo-se judicialmente ao recorrente o direito a perceber o sinal em singelo, metade dos valores que despendeu com o negócio e ponderados em parte os danos morais peticionais, sob pena de violação de lei pela não aplicação das concitadas normas.

28.ª Tratar-se-á especificamente, do valor € 5.237,37 correspondente ao sinal em singelo, € 4.863,28 metade do capital investido pelo recorrente € 9 .26,56 (parágrafos 11 e 22 dos factos provados) e danos morais (parágrafos 28 e 29 dos factos provados).

29.ª Diferente entendimento seria acrescidamente contrário e violador do princípio da igualdade e da propriedade previsto e garantido nos arts. 13.º e 62.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

30.ª Apesar de tudo em 1.ª instância foi reconhecido ao então reconvinte, ora recorrente, o direito de crédito pelos valores de despesas do condomínio que suportou ao longo do tempo.

31.ª Da relação contratual em análise a posse do bem, a natureza do crédito, devem salvaguardar exercício do direito de retenção previsto no art.º 755.º n.º 1 al. f) do Cód. Civil.

32.ª Para o efeito a norma literalmente não prevê como condição o incumprimento definitivo do contrato.

33.ª O seu escopo consiste em atribuir e manter na esfera jurídica do credor (especialmente no âmbito do direito à habitação e do consumidor) uma segurança e confiança na cobrança efetiva dos créditos e indemnização que lhe são ou sejam devidos pela não realização do negócio, conquanto a frustração do negócio ocorra por causa que lhe não seja imputável.

34.ª Todavia, a ser afastado o precedente regime regulado sob as especificidades previstas na norma, vislumbrar-se-ia admissível retomarmos o regime estalão inserto no art.º 754.º do Cód. Civil, que de novo tutela o direito de retenção reclamado pelo recorrente pelas despesas que suportou por causa do bem que legitimamente possuía, assim como, eventuais indemnizações,

35.ª Por diferente desfecho a decisão revidenda incorreu na violação as normas reguladoras do direito de retenção que por justiça assiste ao recorrente.”


Na resposta o interveniente CC sustenta dever o presente recurso ser julgado improcedente, devendo manter-se a decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …

Fundamentação

Foi julgada prova a seguinte matéria de facto:

 “1. A autora AA e o Interveniente CC são comproprietários da fração autónoma designada pela ..., que corresponde ao ... andar do prédio sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 00295/13..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...77.

2. A fração descrita em 1. integrava os bens da herança de DD, que deixou como seus herdeiros EE e FF, tendo cabido a cada um destes uma metade indivisa daquela fração.

3. A autora AA adquiriu metade indivisa da referida fração por sucessão hereditária da herança de FF.

4. O interveniente CC adquiriu metade indivisa da fração descrita em 1., livre de ónus e encargos, por escritura de compra e venda, realizada no âmbito do processo de insolvência de EE.

5. Com data de 11 de Abril de 1986 a autora AA, enquanto representante legal de seus filhos menores, EE e FF, à data proprietários da fração descrita em 1., conforme o descrito em 2., e na qualidade de primeira outorgante e promitente vendedora, e GG, na qualidade de segunda outorgante e promitente compradora, subscreveram o escrito particular denominado de “Contrato de Promessa de Compra e Venda e Recibo de Sinal”, com reconhecimento presencial da assinatura da primeira outorgante e promitente vendedora, nos termos do qual a primeira prometeu vender à segunda o imóvel descrito em 1. «pela quantia de Esc. 3,750,000$00 (três milhões setecentos e cinquenta mil escudos)», tendo a segunda outorgante e promitente compradora entregue à primeira outorgante, promitente vendedora, que a recebeu, «a quantia de Esc. 300$00 (trezentos mil escudos)» «a título de sinal e princípio de pagamento», quantia à qual a primeira outorgante conferiu «a corresponde quitação».

6. Mais acordaram, entre o mais, que haveria «reforço ao presente sinal de Esc. 500.000$00 (quinhentos mil escudos) quando a Caixa Geral de Depósitos» fizesse «o aditamento para sinal que é habitual na modalidade dos empréstimos para jovens, ou seja no prazo de 90 (noventa) dias a contar» daquela data, e que o remanescente do preço «seria liquidado no ato da escritura de compra e venda, que terá lugar logo que a Caixa Geral de Depósitos - instituição à qual a promitente compradora vai solicitar um empréstimo para o restante pagamento do preço marque o dia para a mesma».

7. Acordaram ainda, entre o mais, que «as chaves do andar objeto deste contrato serão entregues à promitente compradora logo que seja deferido pela Caixa Geral de Depósitos o empréstimo que agora a mesma vai solicitar».

8. Mais acordaram, entre o mais, que «a escritura de compra e venda será outorgada em nome da promitente compradora, ou no que esta indicar».

9. Acordaram também, entre o mais, que «a escritura de compra e venda deverá ser celebrada no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar do presente contrato de promessa de compra e venda. Se por qualquer motivo não imputável à promitente vendedora não for celebrado no prazo acima indicado, a promitente compradora obrigar-se-á a pagar à promitente vendedora a quantia mensal de Esc. 20.000,00 (vinte mil escudos) até à data da celebração da referida escritura».

10. Em data que não foi possível precisar, a autora AA requereu, por apenso aos autos de inventário obrigatório por óbito de DD, a concessão de autorização da venda da fração descrita em 1., pedido que foi indeferido por decisão proferida em 14 de Dezembro de 1987.

11. Com data de 18 de Julho de 1989 GG, na qualidade de «primeira outorgante» e o réu BB, na qualidade de «segundo outorgante», subscreveram um escrito particular denominado de “Contrato de Cedência de Posição”, com reconhecimento presencial das respetivas assinaturas, nos termos do qual a primeira cedeu ao segundo «todos os seus direitos no (…) contrato de promessa de compra e venda» descrito em 5. a 9., «pelo preço de Esc. 5.700.000$00 (cinco milhões e setecentos mil escudos)», que o segundo aceitou, tendo-se comprometido a liquidar o referido preço «da seguinte forma: a quantia de Esc. 3.000.000$00 (três milhões de escudos) na presente data, a título de sinal e princípio de pagamento, da qual a primeira outorgante» deu a «respetiva quitação» e «o restante de Esc. 2.700.000$00 (dois milhões e setecentos mil escudos) (…) no ato da celebração da respetiva escritura de compra e venda, a qual será outorgada entre o segundo outorgante e a representante dos legítimos proprietários do referido andar, objeto do presente contrato de cedência de posição», tendo as partes ainda acordado que, com o pagamento da quantia de Esc. 3.000.000$00 (três milhões de escudos) «a primeira outorgante nada mais» tinha «a exigir do segundo outorgante, e este daquela, seja a que título for».

12. Após a outorga deste escrito particular, em data que não foi possível precisar, mas que se situa por volta de novembro de 1989, o réu passou a habitar o imóvel descrito em 1, ali fazendo a sua vida pessoal, familiar e social.

13. Em 1 de Agosto de 2005 o réu intentou no Tribunal Judicial da Comarca ... uma acção declarativa com processo especial de fixação judicial de prazo contra a ora autora, EE, “CGD - Caixa Geral de Depósitos, S. A.” e GG, que seguiu termos sob o n.º 10387/05…, e na qual pediu que o Tribunal fixasse o prazo de trinta dias para a outorga da escritura definitiva relativa ao contrato de promessa de compra e venda melhor identificado em 5. a 9..

14. Por sentença proferida em 22.11.2007 neste processo, transitada em julgado, foi decidido julgar improcedente o pedido do autor pelo facto de não se verificar a existência de «alguma das situações tipificadas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 777.º do Código Civil para que seja necessária a intervenção do Tribunal no estabelecimento de um prazo para a celebração do contrato definitivo, face ao consenso verificado quanto à clausula acessória do prazo, constante do texto do contrato de promessa de compra e venda» e pelo facto de a ora autora, ali 1.ª ré, não ter tido qualquer intervenção no acordo descrito em 11., «não lhe sendo pois oponível» a cláusula do mesmo acordo que estabelece que «a escritura de compra e venda será realizada em data a acordar entre o segundo outorgante e a representante dos legítimos proprietários» dado que a ora autora, ali 1.ª ré «não teve intervenção em tal contrato» que é «ineficaz em relação ao que havia sido estipulado entre os outorgantes do contrato promessa».

15. Em data que não foi possível precisar, mas posterior a novembro de 2007, o réu instaurou contra a autora, EE, FF e Caixa Geral de Depósitos uma ação declarativa com processo sumário, que correu termos no ... Juízo Cível do Tribunal ... e Menores da Comarca ... (extinto) sob o n.º 6075/08...., pedindo que fosse reconhecido que adquiriu por usucapião o direito de propriedade da fração supra identificada em 1., a condenação dos réus na abstenção da prática de atos perturbadores do seu alegado direito e ordenado o cancelamento dos registos posteriores a 17.07.1989 relativos ao mesmo imóvel.

16. No âmbito desta ação foi proferida sentença em 4 de Março de 2013, julgando improcedente a ação e absolvendo os réus dos pedidos deduzidos pelo autor.

17. Por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... em 31 de Outubro de 2013, foi decidido julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão da primeira instância, «ainda que por fundamentos não inteiramente coincidentes com os daquela».

18. Eliminado

19. Em 18 de Março de 2015 a autora enviou ao réu, através do seu Advogado, uma carta que este recebeu, com o seguinte teor: «Incumbiu-me a D. AA na qualidade de co-proprietária do imóvel suprarreferido e onde habita, de interpelar V. Excia para, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da receção da presente missiva, desocupar o imóvel ou comprar o mesmo pelo valor de € 80.000,00 (oitenta mil euros). Caso V. Excia não desocupe o imóvel nem manifeste intensão de compra no prazo dado, a minha constituinte recorrerá à via judicial, para reivindicar a posse e o quantitativo monetário pelos anos de ocupação indevida e sem custos para V. Excia.».

20. O réu nunca procedeu ao pagamento de qualquer obrigação fiscal relativa ao imóvel dos presentes autos.

21. O réu tem sessenta anos de idade, foi operário do ..., com o grau de ensino correspondente, pelo menos, à 4.ª classe.

22. O réu investiu a quantia de Esc. 3 000 000$00 que recebeu da entrega de uma casa que arrendava, sita em Lisboa, para pagamento do sinal descrito em 11..

23. E iniciou, junto da Caixa Geral de Depósitos, o pedido de empréstimo para aquisição de habitação, destinado ao pagamento da quantia remanescente, e descrita em 11.

24. Porque se convenceu de que a escritura de compra e venda do imóvel descrito em 1. se iria realizar, o réu foi suportando, entre Janeiro de 1990 e Fevereiro de 2014, despesas do condomínio, designadamente, quotas e despesas de manutenção, num valor não inferior a € 4.050,00 e.…

25. Celebrou um contrato de seguro para proteção do imóvel e

26. Suportou, em Dezembro de 1998, as despesas de adaptação da instalação do gás no imóvel descrito em 1., no valor de € 345,35, tal como...

27. … Em datas que não foi possível apurar com precisão, mas que se situaram entre os anos de 1996 a 1998, o réu executou a suas expensas diversas obras de mera remodelação no mencionado imóvel, designadamente, pavimentos e revestimentos, louças e uma cozinha nova, tendo despendido valor não inferior a € 3.000,00.

28. Desde que ocupou o imóvel descrito em 1., o réu viveu momentos de insegurança e ansiedade, receando as consequências da não realização da escritura definitiva de aquisição do referido imóvel e ...

29. Sofreu e sofre por ter visto frustrado o negócio de aquisição do mesmo.

30. Entre 2014 e 2017 um imóvel semelhante ao descrito em 1., em termos de área e localização, tinha um valor comercial médio de arrendamento não inferior a € 400,00 mensais.

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O conhecimento das questões a resolver na presente Revista importa em saber se existe excesso de pronúncia quanto à matéria de facto e se existe incumprimento definitivo e culposo por parte dos réus ora recorridos do contrato promessa celebrado com os autores ora recorrentes que determine a condenação no pedido

… …

A presente ação constitui-se como de reivindicação - art. 1311 do CCivil - sendo o pedido principal de reconhecimento da titularidade do direito e o pedido secundário, na restituição da coisa reivindicada.

Na situação em concreto não se discute que o direito de propriedade da fração reivindicada pertence à autora e ao interveniente como comproprietários e está demonstrado que o réu habita a casa desde novembro de 1989, na sequência da celebração do contrato promessa de compra e venda da fração e cessão da posição contratual da originária promitente compradora.

Uma primeira questão que é definida e tomada em consideração pelas instâncias é a de se tomar como certo que o réu não só reconhece o direito de propriedade da autora e do interveniente como também não se opõe a restituição do imóvel, pretendendo simplesmente que lhe seja reconhecido o direito de retenção da coisa enquanto não for pago da quantia que pede em reconvenção correspondente ao dobro do valor do sinal pago e indemnização por despesas (de manutenção e obras do condomínio), benfeitorias (obras de conservação e melhoramento do imóvel) que realizou no imóvel e os danos morais causados.

Perante os factos provados cremos ser seguro advertir que o réu ora recorrente não se opõe à entrega do imóvel, não porque não tenha título de ocupação fundado na tradição da coisa por força do contrato promessa, mas sim porque esse contrato promessa se encontra incumprido definitivamente por parte da autora; pela sua parte já não está interessado na celebração do mesmo e apenas reclama o direito de retenção sobre o imóvel como garantia do pagamento da quantia que pede referente ao dobro do sinal por si pago, a danos morais, despesas de condomínio e benfeitorias.

Pedindo o recorrente na ação que o pedido da autora seja julgado improcedente e procedente a sua reconvenção, apenas pode interpretar-se o que alega e pede como não ter já interesse na manutenção do contrato promessa uma vez que não previne a ausência de incumprimento definitivo da autora com qualquer um dos meios legais para a celebração do negócio prometido. É inequívoco que o réu, argumentando com a inadimplência da autora declara nos autos pretender por fim à situação em que se encontra desde 1989, resumindo as quantias que lhe são devidas. E se por um lado se pode considerar que o pedido de sinal em dobro se inscreve na consequência do incumprimento definitivo pela autora, já os de pagamento das despesas de condomínio, danos morais e benfeitorias evidenciam a sua vontade de não permanecer no contrato promessa. É esta a conclusão que se pode extrair de todo o histórico da relação contratual entre autora e réu desde 1989, no decurso da qual o ora recorrente nunca exigiu a execução específica, nunca converteu qualquer eventual mora da devedora em incumprimento definitivo com a interpelação admonitória, tendo inclusivamente -  fazendo tábua rasa da existência do contrato promessa ( como a autora o fez na ação em que na petição omite a existência desse contrato – interposto ação para reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a fração por usucapião.

Explicada a posição do réu na ação e o sentido da sua não oposição à entrega do imóvel, no desenvolvimento da instância e julgamento da causa, veio o Tribunal a quo e a Relação a reconhecer a validade dos contratos de promessa de compra e venda e de cedência de posição do primitivo comprador e a tradição da coisa. E demonstrado que o Réu que habita o imóvel desde a celebração da cessão de posição contratual na promessa outorgada pela Autora, na expectativa da celebração do contrato definitivo de compra e venda, tal configura como as instâncias configuram, um modo lícito para ter acedido ao respetivo gozo temporário do imóvel ora reivindicado - artigo 442º, nº2 e artigo755º, nº1, al. f) do Código Civil.

Nesta conformidade importa apreciar o incumprimento do contrato promessa para saber se, a existir, quais as consequências para o mérito da presente causa.

A sentença e a decisão recorrida divergiram tendo a primeira considerado ter existido incumprimento definitivo por parte do réu e a segunda, não haver qualquer incumprimento do contrato por parte da autora ou da ré. E se a sentença declarou reconhecida a propriedade da autora e do interveniente sobre a fração e condenou o réu na restituição, a decisão recorrida manteve o reconhecimento do direito de propriedade e a obrigação do réu restituir a fração (o pedido principal na ação de reivindicação), revogando apenas a sentença na condenação do réu pagar às a quantia e 8.200,00 € a título de indemnização pela ocupação da fração a desde abril de 2015 e até dezembro de 2016 absolvendo-o desse pedido, mantendo a condenação no reconhecimento do direito de propriedade e no pagamento à autora da quantia de € 4.050,00 (quatro mil e cinquenta euros) a título de despesas de condomínio, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, desde a data de notificação da contestação/reconvenção e até efetivo e integral pagamento.

Percorrendo o itinerário cronológico da situação em disputa observamos que foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, datado de 11 de abril de 1986, entre a autora, por si e enquanto representante legal de seus filhos menores na qualidade de primeira outorgante e promitente vendedora e GG, na qualidade de promitente compradora de uma fração, fixando o prazo de 180 dias para a celebração da escritura correspondente ao contrato prometido. E em 8 de julho de 1989 a promitente compradora cedeu ao ora recorrente os seus direitos no contrato de promessa de compra e venda tendo este último passado a habitar o imóvel cerca de novembro de 1989.

Encontrando-se ultrapassado o prazo estabelecido (180 dias) para a realização da escritura e não lhe sendo aplicável a cláusula que no contrato de cessão da posição contratual pela qual a escritura seria a realizar na data a acordar entre a vendedora e o cessionário, uma vez que a autora não interveio e a transmissão da posição contratual operada se reportar ao contrato base, conforme disposto no artigo 424º do Código Civil.

Sendo o prazo convencionado para a celebração da escritura o firmado no contrato promessa de 11 de abril de 1986 e afirmando-se a possibilidade de o mesmo (o contrato que não o prazo) ser cumprido deve ter-se presente conforme o acordado que qualquer uma das partes podia, a todo o tempo, podia exigir a prestação à comparte nos termos do disposto no artigo 777 nº 1 do Código Civil.

Na análise dos comportamentos e vontades expressas pelas partes para satisfazerem as obrigações a que se vincularam no contrato promessa de compra e venda obtemos da prova a certificação de que negócio não foi revogado e por isso impõe-se saber se existe incumprimento definitivo imputável ou perda de interesse na prestação que para efeitos de resolução do contrato o art. 808 nº 1 e 2 do CCivil equipara aquele incumprimento.

O número de situações legais que habilitam à resolução do contrato é restrito reportando à declaração antecipada de não cumprir; ao termo essencial; à cláusula resolutiva expressa e à perda do interesse na prestação.

A declaração antecipada de não cumprir - que a doutrina italiana apoda de “riffuto di adimpiere” - é o incumprimento mais evidente ancorado na declaração inequívoca e definitiva que manifeste um absoluto propósito de repudiar o contrato - cfr. ac. STJ de 28-6-2011 no poroc. 7580/05. 2TBVNG.P1.S1 in dhsi.pt e Brandão Proença, “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral”, 1987, 91. O incumpridor terá de emitir uma declaração, séria e categórica, em termos de não permitir qualquer dúvida, de ser seu propósito não outorgar o contrato prometido. Sendo que neste âmbito o STJ equipara a tal declaração, a conduta do promitente que torne patente e certa a intenção de não cumprir a promessa - cfr., o ac. STJ antes citado e ainda o proferido em 9 de Março de 2010 no proc. 5647/06. 6TVLSB.S1 - aceitando-se a declaração de forma expressa ou tácita de que não cumprirá ou não quer cumprir.

A segunda situação é o “termo essencial” consistente em se ter previsto de forma clara, explícita e inequívoca nas cláusulas negociais (exceto se tal resultar da natureza ou da modalidade da prestação) um prazo essencial e perentório para a realização do contrato. Uma prestação que se vença sem necessidade de interpelação, “dies interpellat pro homine”, expressão que numa tradução livre significa que o dia interpela em vez do homem. Como regra geral, esta asserção já valia entre nós no domínio do Código de Seabra (arts. 711 e 732) e projetou-se no regime que subjaz agora ao artigo 805º, nº 2, alínea a) do CCivil relacionando este trecho com o nº 1 do mesmo artigo, na medida em que acaba por definir uma delimitação negativa da “regra” estabelecida nesse nº 1 da necessidade de interpelação para efeito de desencadear a mora. O prazo certo é, como se disse, o prazo fatal, aquele que foi acordado em termos finais e, em princípio, improrrogáveis pois a não ser assim, insiste-se, o seu decurso gera uma simples mora que terá de ser convertida em incumprimento (definitivo) - cfr., Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª ed., 345.

A terceira situação de resolução/incumprimento definitivo ocorre com a “cláusula resolutiva expressa” que o art. 432 do CCivil admite com fundamento na lei ou em convenção. Tratando-se de contrato bilateral a impossibilidade da prestação por causa imputável ao devedor é um dos fundamentos legais (artigo 801.º, n.º 2 do Código Civil) equiparado ao incumprimento por conversão da mora, se o credor perder o interesse na prestação ou o devedor a não realizar dentro do prazo razoável que lhe for fixado. E para que uma cláusula se constitua como resolutiva é mister que os promitentes acordem, dentro do princípio da liberdade contratual, que o seu conteúdo é de tal modo essencial para a perfeição do contrato prometido que a leva a adquirir uma força de vinculação impositiva e irrevogável sob pena de desaparecendo esta, o contrato perder um elemento fundamental que determine por essa razão e independente de qualquer outra ser resolvido.

Por último, a causa de resolução pode consistir na “perda de interesse do credor” que assenta na ideia de a mora poder provocar a perda do interesse do credor no negócio – art. 808 nº1 do CCivil - devendo por imposição do n.º 2 deste preceito ser “apreciada objetivamente” - cfr. Vaz Serra, in “Mora do Devedor”, in BMJ 48-242 ss e acs. STJ de de 25 de Junho de 2009 no proc. 08B3694 e de 20 de Outubro de 2009 no proc. 146/2001.S1 - o que exige a sua aferência em termos de razoável normalidade negocial, com apego aos princípios de honestidade no trato contratual. Não depende de circunstancialismos de oportunidade, tem de fundar-se em causas objetivas  que o homem médio de comum diligência possa apreender e compreender, para lá de que terá, sempre, de resultar do retardamento da prestação, isto é,  da mora - cfr. Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in “Obras Dispersas”, I, 1991, 137/146; Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 924 e Antunes Varela, RLJ 118-55” e ainda o ac. STJ de 14 de Abril de 2011 – 4074/05.0TBVFR.P1.S1.

A demonstração da “perda de interesse” do credor apenas releva nos casos de ocorrência de mora, mostrando-se desnecessária quando o incumprimento se toma definitivo pelo decurso do prazo fixado para o cumprimento. No primeiro caso, a conversão da mora em incumprimento definitivo concretiza-se com "a perda de interesse na prestação"; no segundo caso, é o decurso do prazo fixado para cumprir que determina aquele efeito, por significar, nos termos da lei, recusa de cumprimento – vd. na Prata «Contrato-Promessa» 1999, pág 781. A equiparação que o art. 808 do CCivil realiza da perda de interesse ao incumprimento definitivo que seja subsequente à mora significa que o cumprimento já não pode ser oferecido se a mora tiver sido convertida em incumprimento definitivo por qualquer das vias abertas pelo referido preceito, legitimando a resolução.

Na apreciação do caso em decisão, no momento da celebração do contrato promessa, em 1986, nem posteriormente em 1989, quando é celebrado o contrato de cessão da posição contratual da promitente compradora originária para o réu, a autora não tinha poderes para celebrar a escritura de compra e venda em representação dos filhos menores. Porém essa circunstância não era nem foi impeditiva que na celebração do contrato promessa se vinculasse a alienar uma coisa pois sempre poderia adquirir, entretanto, essa capacidade ou legitimidade – vd. ac. STJ de 30-6-2009 no proc. 3595/06.1TBBCL-A.S1 in dgsi.pt – revelando os factos que tal questão nunca foi suscitada e, por outro lado, a recorrida adquiriu dos filhos a metade da fração que antes não detinha.

No quadro das vicissitudes episódicas que a exuberante e extensa cronologia dos factos provados alcança, verificamos que, depois de ser promitente comprador desde 1989,  o réu em 2005 interpôs ação de fixação judicial de prazo, pretensão que foi indeferida por decisão transitada em julgado e também sublinhamos que posteriormente, em 2007, instaurou contra a ora recorrida e outros, ação em que pediu o reconhecimento por usucapião do direito de propriedade sobre a fração discutida, o que foi igualmente julgado improcedente por decisão transitada em julgado. E também em 2015 o réu não reagiu à carta que a autora lhe enviou, em 18 de março, propondo-lhe a venda do imóvel pelo valor de 80.000,00 € ou para, em alternativa, desocupar o imóvel no prazo de 20 dias.

Todo este circunstancialismo evidencia que autora e réu, desde 1989 não diligenciaram da forma prescrita na lei por celebrar o contrato prometido ou revogar o de promessa o que permitiu ao réu continuar a habitar a fração ao longo dos anos, deixando-se sublinhado que não tendo sido estipulado prazo (fatal) para a celebração da escritura nem a obrigação de a sua marcação caber a um dos contraentes, quer um quer outro poderia diligenciar nesse sentido fixando um prazo para cumprir e marcando a escritura através de interpelação admonitória, condição necessária para aplicação do artigo 808 nº 1 do Código Civil, convertendo a mora em incumprimento definitivo e abrindo a possibilidade de revogação.

Neste particular é correto o que a decisão recorrida discorre sobre, não se poder configurar como interpelação admonitória da autora ao réu a comunicação que aquele realiza em 2015, quando propõe a venda da fração ao autor pelo valor de 80.000,00 ou a saída do mesmo da fração no prazo de 20 dias. A existência de uma situação de mora, para permitir a resolução que transforme o incumprimento transitório em definitivo, só é possível através da interpelação admonitória consistente na notificação do devedor para cumprir, num prazo razoável que, nesse ato, lhe é fixado. Esta interpelação envolve em simultâneo uma intimação de cumprimento, a fixação do prazo para cumprir – mas para cumprir as obrigações do contrato e não outras, v.g. propondo em alternativa outro contrato - com a cominação/advertência que o contrato padecerá de incumprimento definitivo resolutório se não outorgado nesse novo prazo o qual não é confundível nem pode somar-se ao prazo inicial nem ao período de mora – cfr. acs. STJ de 27-1-2011– 5462/04. 4YXLSB.L1.S1; de 28-6-2011 antes citado e ainda Antunes Varela op. cit., II, 120.

A importância desta interpelação admonitória é sublinhada por parte da doutrina que não a dispensa ainda que o inadimplente tenha emitido uma declaração, expressa, perentória e inequívoca de não ser seu propósito a outorga do contrato prometido – vd. Pessoa Jorge, “Direito das Obrigações” – sendo antes de acolher a sua dispensa nestes casos como o defende Galvão Telles – “Direito das Obrigações”, 5.ª ed., 224; Almeida Costa – “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 921, e a jurisprudência antes citada. Porém, a exigência de interpelação derradeira e definitiva quando haja declaração perentória de não cumprir só se aceita quando exista sobre a univocidade da declaração de recusa, ou sobre o seu valor de acordo com o n.º 1, “in fine” do artigo 217.º do Código Civil, razão suficiente para afastar os requisitos de certeza do seu conteúdo. De igual, será dispensável a interpelação admonitória se o prazo acordado tiver natureza de termo essencial por não haver sentido logico nem normativo em que, tendo sido expressamente clausulado no contrato (ou tal resulte da natureza ou da modalidade da prestação) de forma clara e inequívoca um termo essencial, que se exigisse depois a fixação de outro, também perentório, mas pela via cominatória. Seria transformar um negócio inicialmente fixo absoluto em usual, relativo ou simples, para depois voltar a revertê-lo à primeira categoria – vd. Vaz Serra in RLJ, 110, 326-327 e Antunes Varela, defendendo que no caso de retardamento da prestação a translação deste em incumprimento impõe a fixação de um prazo suplementar cominatório que é “uma ponte de passagem para o não cumprimento (definitivo) da obrigação”, RLJ 128-138.

Ora, no caso, se a atuação dos contraentes até à propositura da presente ação não é configurável como incumprimento definitivo do contrato promessa, a simples mora da Autora não faculta ao Réu o recebimento do dobro do sinal prestado, sufragando-se o entendimento prevalecente na doutrina e na jurisprudência já citada neste acórdão -  cfr. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, pág. 129, Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato Promessa”, pág. 118, e Antunes Varela, in RLJ, Ano 119.º, pág. 216; na jurisprudência consolida, v.g. nos o refente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-02-2021, no Proc. 854/18.4T8FNC.L1. S1, disponível in www.dgsi.pt. 

Em verdade, a interpelação da autora ao réu, em que lhe propõe a venda do imóvel por 80.000,00 € ou a saída do imóvel no prazo de 20 dias, não se destina ao cumprimento do contrato promessa porque o que ela pretende, esquecendo o contrato promessa celebrado nomeadamente o preço acordado, é ver realizada uma escritura pública de compra e venda do mesmo imóvel mas com um preço novo e diferente (do constante no contrato promessa) revelando assim, inequívoca e objetivamente, a ora recorrida perda de interesse no cumprimento desse contrato promessa.

A objetividade de critério exigida (na determinação da perda do interesse do credor na prestação) “não significa de forma alguma que se não atenda ao interesse subjetivo do credor, e designadamente a fins visados pelo credor que, não tendo sido integrados no conteúdo do contrato, representam simples motivos em princípio irrelevantes. O que essa objetividade quer significar é, antes, que a importância do interesse afetado pelo incumprimento, aferida embora em função do sujeito, há-de ser apreciada objetivamente, com base em elementos suscetíveis de serem valorados por qualquer pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz) e não segundo o juízo valorativo arbitrário do próprio credor” - Baptista Machado, "Pressupostos da Resolução por Incumprimento", in Obras Dispersas, vol. I, Braga, 1991, pág. 137 e no mesmo sentido a jurisprudência constante deste STJ -. Não é necessário que o credor afirme que já não tem interesse na prestação, antes se exige que em face das circunstâncias, seja possível afirmar a perda do interesse foi expresso e se corresponde à realidade das coisas.

Ora se tal resulta do comportamento da autora e dos atos objetivos sindicáveis, por outro lado, não pode entender-se que o réu interpelou admonitoriamente a autora para cumprir com a citação/notificação que a esta terá sido feita do conteúdo da petição na ação de fixação de prazo que aquela contra este intentou. Tal ação foi julgada improcedente não tendo esta improcedência qualquer utilidade admonitória remanescente. O réu, ao propor mais tarde, em 2007, ação de reconhecimento da propriedade da fração contra a ré por usucapião, expressa inequivocamente, também ele, total perda de interesse na celebração do contrato promessa, tanto assim que o desconsidera para fazer valer aquilo que julga ser o seu direito de proprietário que não retira do contrato promessa, declaração de perda de interesse que é renovada quando, como anteriormente dissemos, não se vem opor nesta ação à restituição da fração pedida pela autora, não invocando a sua legitimidade como ocupante da fração e promitente comprador interessado, mas sim a de credor com direito a determinadas quantias com rebate no direito de retenção.

Concluímos do exposto, que existe perda de interesse de ambos os contraentes em iguais proporções equiparável ao incumprimento do contrato promessa, situação que tem como enquadramento geral a circunstância de, desde 1989 até à propositura da presente ação, nenhum deles ter diligenciado no sentido do cumprimento do contrato promessa e, como concretização, a autora ter proposto a ação de reivindicação e não de incumprimento deste negócio e o réu ter proposto anteriormente ação de reconhecimento da propriedade prometida comprar por usucapião, desconsiderando o contrato promessa e, com mais evidência ainda, em não ter defendido a ocupação do imóvel como promitente comprador mas sim pretender o pagamento das quantias que pede (e não a celebração do contrato promessa, mesmo na ausência de incumprimento definitivo da autora).

Não bastando um juízo valorativo arbitrário para que se possa ter por demonstrada a falta de interesse dos contraentes nas prestações respetivas (art. 808º do C.Civil) e valorando-se os elementos enunciados como o poderiam ser por qualquer pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz), a perda de interesse resultante da mora no cumprimento e não de qualquer outra circunstância é efetiva. A superveniente falta de utilidade da prestação resulta das condições e das expectativas concretas que estiveram na origem da celebração do negócio, bem como das que, posteriormente, condicionaram a sua execução, inscrevem-se no contexto daquilo que Calvão da Silva chama o respetivo “programa obrigacional”.

Por estas razões normativas, tendo presente que não é pelo simples decurso de um período mais ou menos dilatado de tempo, sem que o contrato definitivo haja sido celebrado, que pode concluir-se pela existência objetiva de perda do interesse do promitente vendedor e ou do comprador na sua celebração, não pode desprezar-se , em critério objetivo o que foram os comportamentos  dos contraentes num contexto temporal de mais de 30 anos sem que haja sido celebrado o contrato, o que tem de medir-se de acordo com o princípio da boa fé no cumprimento dos contratos (art. 762º, nº 2, do C.Civil).

A perda do interesse dos contraentes antes definido na presente ação como equiparável ao incumprimento definitivo é fundamento da resolução do contrato, destrói retroativamente o vínculo estabelecido, salvo se tal retroatividade contrariar a vontade das partes (artigo 434.º, n.º 1, do Código Civil) - vd. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. II, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra. Almedina, 1990, p. 265. E assistindo-lhes o direito a resolverem o contrato, a resolução não está sujeita a qualquer formalidade, valendo o princípio da liberdade da forma não se exigindo uma declaração expressa bastando que seja tácita - arts. 436 e 224.º do CCivil e em comentário Daniela Farto Batista, Comentário ao Código Civil, Coord. José Brandão Proença, cit., p. 148 – podendo e devendo tal solicitação de resolução deduzir-se do pedido formulado na ação.

No caso em decisão, o réu, no seu pedido reconvencional, ao pretender o pagamento do sinal em dobro (independentemente de tal pedido improceder) remete para um pedido de resolução do contrato o que reforça quando pede igualmente indemnização por todas as responsabilidades que julga ter com a extinção do contrato promessa, razões para que tomemos em consideração essa resolução.

O art. 433.º equipara a resolução, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico sem embargo de esta equiparação não poder, ainda no plano interno, ser completa porque a invalidação dá corpo a vícios genéticos do negócio, enquanto a resolução tem a ver com superveniências – cfr. Menezes Cordeiro em crítica a esta equiparação, in Da resolução do contrato p. 463, https://portal.oa.pt/media/132086/antonio-menezes-cordeiro e também Vaz Serra, anot. ao ac. STJ de 28-11-1975 na RLJ 109 (1977), 360-364, idem, 365-368 (365/II). A resolução, designadamente quando levada a cabo por incumprimento de uma ou de ambas as partes, fruto da aproximação da resolução à nulidade ou à anulação do próprio contrato reforça a ideia de ela determinar que, realizada a declaração, tudo se passe como se não tivesse havido qualquer fonte para os contratos envolvidos – art. 289 nº 1 do CCivil.

No caso presente a resolução do contrato promessa determina a restituição da coisa por parte do réu e do recebido a título de sinal (em singelo) por parte da autora. Todavia, não assiste razão ou fundamento à autora para ser ressarcida por qualquer ocupação ilegítima do imóvel por parte do réu porque, tendo-se deixado referido que este entrou na detenção do imóvel de forma legítima por força do contrato promessa, os factos apurados, havendo perda de interesse recíproco entendido em igual proporção e inexistindo declaração de resolução anterior à contestação/reconvenção nesta ação - impõem que a ocupação da fração não possa considerar-se ilícita até esse momento. Em consequência, não há fundamento para qualquer indemnização à autora por enriquecimento sem causa.

Quanto ao pedido de indemnização deduzido pelo recorrente referente às obras de manutenção e de melhoramento ou beneficiação que diz ter efetuado e da indemnização por danos morais (estes não provados), não procedem porque não ficaram demonstrados factos para suportar esse pedido para lá do que, como a decisão recorrida conclui, inexiste alegação de que as obras em causa valorizaram e em que medida beneficiam na atualidade a casa e assim justificar a indemnização. Acresce que não invocou o enriquecimento sem causa como fundamento do pedido indemnizatório e sempre se diz que esse enriquecimento ilícito tem natureza subsidiária, donde só ser acionado quando a lei não concede ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído e atendendo a esta natureza, consagrada no artigo 474º CC - nos termos do qual não há lugar à restituição por enriquecimento enquanto a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento - para se reconhecer a obrigação de restituir sustentada nele, não é suficiente que se demonstre a obtenção duma vantagem patrimonial, à custa de outrem, sendo exigível ainda mostrar que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, importando anotar que a falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito à restituição. Não é de conhecimento oficioso ou implícito e impõe ao demandante que reclama a restituição o ónus da demonstração dos respetivos factos constitutivos que contenha a falta de causa justificativa desse enriquecimento – vd. ac STJ de 4.7.2019 nom proc. 2048/15.1T8STS.P1.S1.

Ora, a contestação não contém qualquer referência ao enriquecimento ilícito para suportar aquele pedido e inexiste nela inscrição fáctica suscetível de a tomar em consideração, para lá do que, como a decisão recorrida conclui, sempre inexistiria alegação de que as obras em causa, atendendo à sua necessidade e utilidade e ao tempo em que foram realizadas, valorizaram e em que medida beneficiam ainda na atualidade a casa e para justificarem a aplicação do disposto no artigo 1273 do CCivil. Reconhece-se, porém, que quanto ao valor das despesas de condomínio suportado pelo réu, entre janeiro de 1990 e fevereiro de 2014, os mesmos são devidos porque não era ele o proprietário da fração. Se quanto ao despendido com a casa em si mesma no sentido da sua habitação essas quantias não são indemnizáveis porque o beneficiário único delas foi o réu - na falta de prova de que melhoraram o imóvel a fração ficando sem se saber se não eram desnecessárias e voluptuárias -já estas outras (com o condomínio) reportam não à ocupação e ao trem de vida do ocupante mas sim, exclusivamente, ao proprietário que salvo acordo em contrário (não alegado nem provado) responde por elas.

Por último, reproduz-se por ser de total acerto, que o direito de retenção pedido não pode ser julgado procedente uma vez que o artigo 755º, n.º 1, al. f), do Código Civil define como pressupostos do reconhecimento do direito de retenção ao credor: a existência de promessa de transmissão ou de constituição de um direito real; a entrega ou tradição da coisa objeto do contrato-promessa; a titularidade, por parte do beneficiário, de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato-promessa. Não se configurando incumprimento definitivo do contrato promessa unicamente imputável à autora, mas sim perda de interesse no contrato equiparável para efeitos de resolução ao incumprimento, em igual responsabilidade de ambos, o réu não poderá prevalecer-se da tutela legal da retenção da fração.

Em resumo, deve manter-se a procedência do pedido de reconhecimento do direito de propriedade e de restituição da fração deduzido pela autora;

 Deve julgar-se resolvido o contrato promessa celebrado entre a autora e o réu com fundamento no incumprimento definitivo resultante da perda de interesse na prestação por parte d autora e réu em consequência

Condenar-se a autora a devolver ao réu o sinal prestado em singelo no valor de € 5. 237,37 € e no valor de 4.050,00 € relativo a despesas de condomínio que este realizou, quantias estas acrescidas de juros de mora á taxa legal devidos desde a data de citação até integral pagamento.

No mais devem improceder os pedidos deduzidos pela autora e pelo réu em reconvenção.

… …

Síntese conclusiva

- Em ação de reivindicação, opondo o réu que ocupa o imóvel reivindicado há mais de 30 anos por força de contrato promessa celebrado com a autora em que, como promitente comprador, recebeu daquela a fração, tem ele título legítimo para ter realizado essa ocupação até à propositura da ação.

- Se em reconvenção o réu pede a condenação da autora no pagamento do sinal em dobro invocando o incumprimento definitivo do contrato promessa pela autora promitente vendedora e o direito de retenção enquanto não for pago pelo valor da indemnização que pede, vindo a reconhecer-se que existe incumprimento do contrato promessa por perda de interesse de ambos os contraentes nas prestações desse contrato emergentes, o réu tem apenas direito ao recebimento do sinal em singelo  e às quantias que despendeu durante a permanência no local com o condomínio.

- Deve entender-se, objetivamente, existir perda de interesse na prestação, quando passados mais de 30 anos sobre a celebração do contrato promessa em que se fixou um prazo de 180 dias para a celebração da escritura do contrato prometido, sem se atribuir a nenhum dos contraentes a responsabilidade pela sua marcação, nenhum dos contraentes diligenciou pelo cumprimento através de interpelação admonitória, tendo o promitente comprador, cerca de 18 anos depois, intentado ação contra a promitente vendedora pedindo o reconhecimento do direito de propriedade por usucapião e, mais de 25 anos depois da celebração do contrato promessa, ter esta última notificado aquele para dizer se estava interessado em comprar a fração por um valor diferente do constante do contrato promessa sob pena de ter de desocupar a fração no prazo de 20 dias.

- Deve entender-se, nas circunstâncias concretas do caso, que com o pedido reconvencional de devolução do sinal em dobro o promitente comprador realiza uma declaração de resolução do contrato que admite, na apreciação dos factos provados, a apreciação e decisão sobre o cumprimento/incumprimento do contrato promessa, designadamente a entender que existe perda de interesse de ambos os contraentes equiparada ao incumprimento que dá lugar à resolução

… …

Decisão   

Pelo exposto acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar parcialmente procedente a revista e, em consequência, revogar a decisão recorrida, condenando-se:

- a autora AA e o interveniente CC são os comproprietários da fração autónoma designada pela ..., que corresponde ao ... andar do prédio sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 00295/13..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...77,

- o réu BB a restituir-lhes a referida fração de imediato, livre de pessoas e bens.

- Julgar a reconvenção parcialmente procedente e condenar a autora AA a pagar ao réu BB a quantia de 5. 237,37 € (cinco mil duzentos e trinta sete euros e 37 cêntimos) de restituição do sinal entregue e, ainda, no valor de 4.050,00 € (quatro mil e cinquenta euros) às despesas de condomínio que este realizou, quantias estas acrescidas de juros de mora á taxa legal devidos desde a data de citação até integral pagamento.

Custas por recorrente e recorrido na proporção do respetivo decaimento.


Lisboa, 24 de maio de 2022


Relator: Cons. Manuel Capelo

1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva

2º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Nuno Ataíde das Neves