Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | TIBÉRIO NUNES DA SILVA | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL PROPRIEDADE INTELECTUAL DIREITOS DE AUTOR PUBLICIDADE | ||
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Data do Acordão: | 06/07/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL) | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I – Compete ao Tribunal da Propriedade Intelectual, de acordo com o disposto no art. 111º, nº 1, als. a) e c) da Lei nº 62/2013, de 26-08, conhecer das questões relativas a: acções em que a causa de pedir verse sobre direito de autor e direitos conexos (al. a)); acções em que a causa de pedir verse sobre o cumprimento ou incumprimento, validade, eficácia e interpretação de contratos e atos jurídicos que tenham por objeto a constituição, transmissão, oneração, disposição, licenciamento e autorização de utilização de direitos de autor, direitos conexos e direitos de propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas na lei (al. c)). II - A participação de actores profissionais num vídeo, com fins publicitários, em que materializam, através de actos de representação (e não de mera figuração), a “história” que o criador do vídeo concebeu, ao serviço daqueles fins, cai no âmbito dos direitos conexos (art. 176º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos) e daí que se esteja perante acção da competência do Tribunal da Propriedade Intelectual. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I AA e BB, com os sinais dos autos, intentaram, contra CC, proprietário do estúdio TRAFICO AUDIOVISUAL-CREATIVE & PRODUCTION STUDIO, e ASSOCIAÇÃO DE TURISMO DO PORTO E NORTE, A.R. – PORTO (ATP), também com os sinais dos autos, a presente ação declarativa, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhes a quantia de €39.903, 87, compreendendo indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e juros. Alegaram que: São actores profissionais. Em 2012, foram contactados e contratados pelo 1º R. para participar, como figurantes protagonistas, num vídeo com fins publicitários e, mais concretamente, promocional da cidade .... O referido vídeo havia sido encomendado, segundo veio a ser recentemente apurado, pela R. ATP – e não pela Câmara Municipal do Porto (CMP), que é o “braço de Turismo da Câmara Municipal do Porto”, pese embora seja uma entidade autónoma da CMP. O mesmo vídeo, que veio a ser intitulado de “...”, pode, por exemplo, ser consultado na página web do R. TRAFICO: http://... O vídeo promocional “...” foi galardoado com 2 prémios, um internacional e um nacional. A contratação dos A.A. por parte do 1º R. nunca foi formalizada por escrito, tendo este assegurado àqueles (a cada um) o pagamento de €300,00, pela sessão de trabalho, ou seja, pela sua participação nas filmagens durante o período de rodagem do vídeo. Aos A.A. foi dada a informação verbal, pelo 1º R., de que o mesmo vídeo se destinaria a ser usado, durante algum tempo, pela CM... nas suas plataformas web (internet), sendo que, à data, nunca os A.A. ouviram falar da R. ATP. Assim, o âmbito e os termos dos usos do vídeo “...” nunca chegaram a ficar claramente definidos, no sentido de que não se chegou a esclarecer, designadamente, por escrito, que tipos de utilizações na internet estavam abrangidas, por parte exactamente de que entidades, durante quanto tempo e por que montantes. Quer isto dizer que o referido vídeo foi entregue pelo 1ª R. à sua cliente, alegadamente a CM..., para ser usado sem qualquer definição do âmbito, dos limites e dos termos de utilização. O vídeo foi exibido em diversos locais (que os AA. especificam), como ecrãs de grande formato, tanto em ruas da cidade como em eventos de grande dimensão, de que são exemplo concertos, ecrãs interiores dos comboios ... da C.…, ou de autocarros da ..., ecrãs das estações do Metro ..., publicado e partilhado por diferentes pessoas e entidades no canal .... O vídeo promocional “...” tornou-se omnipresente, tal como a imagem dos A.A., a qual se viu extensivamente exposta e conectada com vários tipos de eventos de grande dimensão e com fortes ligações, não só institucionais, mas igualmente comerciais, como é o caso das marcas que normalmente patrocinam os mediáticos eventos ... e festivais ... e .... Em meados de 2015, os A.A. começaram a ser profissionalmente representados e intermediados pela agência de atores “A.…” (...) tendo passado a um regime de exclusividade no ano de 2017. Essa agência viu-se obrigada a excluir os A.A. de alguns “castings” de selecção para futuros trabalhos, designadamente quando estes eram promovidos, ou por marcas comerciais concorrentes das que patrocinavam os eventos a que os A.A. estavam associados, ou por outros operadores turísticos, fossem eles entidades privadas ou públicas, como autarquias. Ou seja, não só a comercialização que vinha sendo feita da imagem dos A.A. por parte de uma extensa rede de entidades não lhes rendia qualquer tipo de provento, como a forma indiscriminada como era usada – causando aquilo a que no meio se chama de “desgaste de imagem” – começava a prejudicar a angariação de novas oportunidades de trabalho para os A.A. Defendem os AA. que: A sua participação no vídeo não envolveu qualquer atividade de interpretação de uma obra artística ou literária (argumento, texto ou guião) preexistente, ou seja, não pressupôs atividade dramática por parte dos mesmos, tendo-se apenas cingido a mera figuração, uma actividade mecânica e não interpretativa ou criadora. Considerando que apenas intervieram no vídeo com a sua imagem, a que não se aplica o regime jurídico específico dos Direitos Conexos, o enquadramento jurídico é feito pela via da tutela dos direitos de personalidade. Houve um aproveitamento económico abusivo da imagem dos A.A., já que nem houve consentimento destes para os usos que foram feitos pela R. ATP nem para os múltiplos usos públicos que a R. ATP veio, genericamente, a permitir a terceiros. A remuneração dos direitos de imagem nem foi fixada nem, por qualquer forma, paga. Tal significa que a anunciante, ora R. ATP, e todos quantos esta veio a permitir, beneficiaram, ilicitamente, ao longo destes anos, de publicidade e promoção inteiramente gratuitas. No caso concreto, nenhuma base existe, seja de forma expressa ou tácita, para que a R. ATP se arrogue o direito de considerar que os potenciais benefícios que decorreriam para os A.A. da exposição pública associada ao uso do vídeo fossem contrapartida remuneratória adequada e suficiente de um uso da imagem dos A.A., por parte da R. ATP, de forma inteiramente ilimitada. Verbalmente, o 1ª R. transmitiu aos A.A. que o vídeo iria ser disponibilizado na Internet. O certo é que o âmbito deste específico uso (disponibilização na Internet) é, não só indeterminado, como dificilmente determinável. Por força do artigo 280.º, 1 do C.C., o objecto do consentimento deverá ser determinado ou, pelo menos, determinável, designadamente do ponto de vista temporal, espacial, com a previsão dos actos que poderão ser praticados e por quem, dos meios utilizados, definindo o carácter exclusivo ou não da autorização, os termos remuneratórios e a finalidade da utilização. Subsequentemente, será inadmissível um consentimento ilimitado ou, melhor dizendo, de conteúdo indeterminado, que, na prática, se traduz numa verdadeira renúncia ao direito à imagem, renúncia essa nula porque contrária à ordem pública, nos termos dos artigos 81.º, 1, e 280.º, 2 do CC, e porque o direito à imagem, em si, enquanto direito de personalidade, é inalienável e irrenunciável. Um consentimento genérico, sem delimitação do seu alcance, equivale, na prática, a uma transmissão do direito à imagem, o que não pode legitimamente ocorrer. Os AA. defendem ter sofrido danos patrimoniais, que computam em €30.553,82, acrescidos de juros de mora civis, calculados à taxa de 4%, sobre as prestações anuais (direitos de imagem anualmente calculados) já vencidos à data de 31/03/2020 no valor total de €3.350,05, e dos vincendos desde essa data até integral pagamento e cessação definitiva da mora, bem como não patrimoniais, que computam em €6.000,00, mais juros de mora desde a citação até integral pagamento. Contestou o 1º R., alegando que: Em Maio de 2011, o ora R., na sua qualidade de realizador de cinema, foi contactado pelo Sr. Eng.º DD, responsável do Pelouro ... da Câmara Municipal ... e ..., em ordem a fazer um vídeo de promoção turística da cidade ..., com duração de 3 a 4 minutos, em suporte digital. O Réu aceitou, sugerindo, contudo, que a narrativa do vídeo fosse acompanhada de dois figurantes, um do sexo feminino e outro do sexo masculino, o que o referido responsável do Pelouro ... aceitou, informando que a entidade produtora do vídeo seria a ASSOCIAÇÃO DE TURISMO DO PORTO, uma vez que o Departamento ... da Câmara foi integrado na Associação, tendo ainda informado que o vídeo seria exibido nas plataformas digitais – Internet – de eventos da Câmara Municipal ... e Turismo, Web/ eventos/feiras. O R. contactou AA que, na altura, eram juniores em início de carreira, no sentido de serem meros figurantes nesse vídeo. Os AA aceitaram participar como figurantes e estabeleceram o preço de €300,00 para cada um, pela sua participação nas filmagens do vídeo cuja exibição seria de acordo com o referido. Houve, assim, um claro consentimento dos AA. na utilização da sua imagem no referido vídeo. Elaborado o vídeo nos termos sobreditos, foi o mesmo entregue à co-Ré, ASSOCIAÇÃO DE TURISMO DO PORTO, no princípio do ano de 2012. A partir da entrega, o aqui R. deixou de ter controlo sobre a utilização do videograma, sendo esta da responsabilidade da co-Ré. Não há qualquer desgaste de imagem por parte dos AA.; antes, com a realização do vídeo (videograma), a imagem dos AA, então em início de atividade, foi promovida e dada a conhecer. Sublinha o R. que o alegado pelos AA. no sentido de que a sua participação no vídeo promocional “...” não envolveu, por parte destes, segundo a GDA, qualquer prestação artística, cingindo-se a mera figuração (participação com imagem) para fins promocionais, não sendo, por isso, geradora de direitos conexos. Conclui que não há quaisquer lesões do direito à imagem, face ao consentimento dos AA. e às circunstâncias de enquadramento em lugares públicos e a finalidade cultural do videograma, não existindo qualquer dano a reparar, devendo a acção improceder. Contestou também a Ré ASSOCIAÇÃO DE TURISMO DO PORTO, começando por arguir a excepção de incompetência material do Juízo Local Cível do Porto, alegando que: Os Autores querem descaracterizar, ao máximo, a relação jurídica que estabeleceram com o 1º R., bem como o próprio filme que protagonizaram e, por força dessa descaracterização, distanciar-se o mais possível do campo dos direitos de autor e dos direitos conexos, forçando, pois, o molde da peça para o campo geral dos direitos de personalidade. Depois de o Tribunal assistir à curta-metragem sobre a cidade ... protagonizada pelos Autores, será difícil aceitar a subestimação e a subvalorização a que os Autores sujeitam o seu próprio trabalho, ao ponto de alegarem, nos artigos 58.º e 59.º da sua petição inicial, que “a participação dos AA. no vídeo não envolveu qualquer actividade de interpretação de uma obra artística ou literária (argumento, texto ou guião) preexistente, ou seja, não pressupôs atividade dramática por parte dos mesmos, tendo-se apenas cingido a mera figuração, uma atividade mecânica e não interpretativa ou criadora. Os AA. apenas participaram no vídeo com a sua imagem”. Isso é falso, pois, naturalmente, que foi escrito um guião e que os Autores interpretaram um papel que corresponde, efectivamente, a uma personagem pré-definida que, seguindo o guião, se destinava a transmitir ao espectador uma determinada mensagem, não tendo sido, pois, a actividade dos Autores meramente mecânica, como dizem. Apesar do enquadramento que os Autores insistiram em querer salientar, para a análise que agora está em causa – da (in)competência material do Tribunal – deverá prevalecer não o figurino que os Autores querem impingir, mas antes a substância dos factos que os próprios alegam. São os próprios Autores quem, inequivocamente, qualifica o filme em causa nestes autos – em que os mesmos participaram como protagonistas - como uma criação ou obra publicitária. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 29.º do Código da Publicidade, “as disposições legais sobre direitos de autor aplicam-se à criação publicitária, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”. Mesmo que esta disposição do Código da Publicidade não existisse, sempre essa protecção resultaria do próprio Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC). Nos termos do artigo 176.º do CDADC, as prestações dos artistas intérpretes ou executantes são protegidas nos termos dos direitos conexos, sendo que os Autores, enquanto actores, são artistas intérpretes ou executantes. Nos termos do artigo 111.º, n.º 1, al. a), da Lei da Organização do Sistema Judiciário, compete ao tribunal da propriedade intelectual conhecer das questões relativas a acções em que a causa de pedir verse sobre direito de autor e direitos conexos. Assim, por força da citada norma, o Juízo Local Cível do Porto não é o Tribunal materialmente competente para dirimir os termos do presente litígio. Os AA. pronunciaram-se sobre tal questão, alegando que: O que os A.A. peticionam é a justa remuneração pelas utilizações feitas pela R. ATP ao longo de vários anos, de um vídeo publicitário, ou seja, com fins promocionais da cidade ..., onde os A.A. participam como figurantes, sendo que o âmbito das utilizações que podiam ter sido feitas por parte da R. ATP e o respetivo preço nunca chegaram a ser contratualizados, ou por qualquer forma definidos, fosse pela produtora, TRAFICO, fosse pela utilizadora do vídeo, R. ATP. Para além da retribuição dos serviços prestados pelos A.A. no período de filmagens, fixada esta em €300,00 para cada A., nunca outro valor foi pago pelo direito a fazer utilizações da imagem dos A.A. associadas ao uso do vídeo (“direitos de imagem”, mas que a R. ATP insiste em considerar como “direitos conexos”), cujo valor variaria naturalmente em função do alcance ou âmbito, sob diferentes prismas, dos usos consentidos, ou seja, do objecto e conteúdo do consentimento que viesse a ser determinado, determinação que nunca veio a ser feita. Os A.A. participaram num vídeo publicitário, não num “filme” ou “curta-metragem”, e um vídeo publicitário não é uma obra cinematográfica. Não questionam que o mencionado vídeo, configurando uma obra audiovisual, ainda que com fins publicitários, seja protegida por direitos de autor, mas os mesmos direitos e a presunção legal constante do n.º 2 do artigo 29.º de que estes pertencem ao seu criador intelectual, referem-se tão só e apenas a CC, que foi o realizador da mesma obra audiovisual. Os direitos conexos, para os efeitos que aqui relevam, pressupõem sempre a utilização de uma obra literária, já que nos termos do n.º 2 do artigo 176.º, artistas e intérpretes são, designadamente, os actores que representem e interpretem uma obra literária. O guião a que a R. ATP se refere consubstancia, não um texto ou obra literária, mas um conjunto de orientações dadas pelo realizador e/ou produtor do vídeo publicitário, uma série de passos que os participantes devem seguir com o objectivo de “mimetizarem”, neste caso, o que um turista pode fazer na cidade ..., os passos e os passeios que aí podem dar. E é com este sentido que na petição inicial se fala em prestações meramente técnicas ou mecânicas que mimetizam ações sem um sentido e uma intenção artística. A designação técnica dos participantes em vídeos publicitários (na área da publicidade) é a de figurantes (não actores), distinguindo-se, em função da relevância da sua intervenção, entre figurantes protagonistas, figurantes especiais e figurantes. Sendo o enquadramento jurídico da presente acção o da tutela dos direitos de personalidade, o tribunal materialmente competente é necessariamente o Juízo Local Cível e não o Tribunal de Propriedade Intelectual. O R. CC também se pronunciou, referindo estar em causa um problema de direitos de imagem, dada a participação dos AA. na elaboração do vídeo como meros figurantes. Foi proferida decisão na qual se considerou o Tribunal (Juízo Local Cível do Porto) materialmente incompetente para conhecer do processo e, em consequência, absolveram-se os Réus, CC e a ASSOCIAÇÃO DE TURISMO DO PORTO, da instância. Inconformados, recorreram os AA. para o Tribunal da Relação do Porto, aí tendo sido proferido acórdão que manteve a sentença recorrida, considerando ser competente para a causa o tribunal da Propriedade Intelectual. Ainda inconformados, os AA. interpuseram recurso de revista, concluindo as suas alegações pela seguinte forma: «A. Com o presente recurso vem-se requerer a fixação definitiva do tribunal competente para decidir da presente ação, ao abrigo do artigo 101.º, 1 do CPC. B. Não se conformam os ora Recorrentes com o douto acórdão recorrido quando conclui estarmos perante matéria da competência do Tribunal da Propriedade Intelectual. C. Os ora Recorrentes não se movem porque considerem que a aplicação do regime jurídico do Direito à Imagem e da responsabilidade civil por violação de um direito de personalidade lhes traga mais vantagens do que o do regime jurídico dos direitos conexos e da responsabilidade civil por violação de direitos desta natureza, mas porque, efetivamente, discordam que a sua participação no vídeo “...” consubstancie uma prestação geradora de direitos conexos, ou seja, não se encontram preenchidos os requisitos normativos de que depende a existência de um direito conexo. D. O direito aplicável à atividade publicitária, enquanto motivadora de relações jurídicas, é o que consta do Código da Publicidade (CP) e, subsidiariamente, pelo direito civil (onde se inclui o ramo do Direito de Autor) ou comercial (artigos 2.º e 29.º do CP). E. A atividade publicitária desagrega-se em operações de conceção, criação, produção, planificação e distribuição publicitárias (artigo 4.º, 2 do CP). F. As “disposições legais sobre direitos de autor” aplicam-se apenas às operações, dentro da atividade publicitária, de “criação” (artigo 29.º, 1 do CP). G. A criação (de obra que preencha os requisitos normativos para ter tal qualificação) gera “direitos de autor”, sendo o titular destes o autor da mesma criação; a criação não gera, per se, quaisquer “direitos conexos”. H. Da listagem exemplificativa de obras constante do n.º 1 do artigo 2.º do CDADC, e na medida em que preencham o requisito da originalidade, constam as “OBRAS VIDEOGRÁFICAS” (alínea f), onde se inclui o vídeo em que participaram os ora Recorrentes. I. A proteção da obra videográfica é independente do destino, finalidade ou objetivo, designadamente publicitários, da mesma. J. É, designadamente autor da obra videográfica, o realizador (artigo 24.º do CDADC), sendo que, no caso concreto, o autor da criação publicitária, ou seja, o realizador do vídeo publicitário, é o 1.º R., CC, e não os ora Recorrentes. K. Os ora Recorrentes participaram no vídeo com “figuração para a mensagem publicitária”, a qual não constitui um ato de criação. L. Para que a “figuração para a mensagem publicitária” gerasse direitos conexos seria necessário que se encontrassem preenchidos os requisitos normativos do n.º 2 do artigo 176.º do CDADC, ou seja, que o artista intérprete representasse uma obra literária ou artística; M. Este tipo de direitos pressupõe sempre a utilização de uma obra literária ou artística preexistente daí que um artista de circo ou de variedades, por muito “artística” que se considere a sua performance, não interpreta qualquer obra intelectual e, por isso, não beneficia da mesma tutela que o Direito outorga aos que o façam. N. A representação, em concreto, pressupõe necessariamente a existência de um texto literário, ou seja, de uma obra literária que o artista interpreta e representa. O. Nesse sentido, o artigo 24.º do CDADC atribui a qualidade de autor, no caso da obra videográfica, não só ao realizador, como ao autor do texto (e da música). P. Este texto, para ser considerado obra literária, suscetível de ser representado/a nos termos do n.º 2 do artigo 176.º do CDADC, tem que consubstanciar uma criação intelectual do foro literário, ademais dotada de originalidade. Q. Inexiste, no caso do vídeo publicitário “...”, qualquer texto literário que os Recorrentes tenham representado para os efeitos do n.º 2 do artigo 176.º do CDADC. R. Uma simples memória descritiva composta por um conjunto de orientações e resultante de uma escolha, ainda que do realizador, de uma sequência de locais para filmar e de passos que os ora Recorrentes deveriam seguir nas filmagens, sem qualquer valor literário, não constitui obra intelectual do domínio literário (ou artístico) suscetível de tutela autoral. S. Por conseguinte, não poderá considerar-se, em relação a quem executa, durante as filmagens, tais passos e orientações preestabelecidas, que esteja a representar um texto ou obra do domínio literário, não podendo, por isso, a sua participação gerar na sua esfera jurídica titularidade de direitos conexos. T. Também não se poderá afirmar que “há da parte dos AA. interpretação/execução de uma ideia criada por outrem e em que se corporiza a mensagem publicitária”. U. A representação protegida por direitos conexos supõe uma obra, e as ideias, não sendo obras para efeitos de Direito de Autor ficam fora da sua tutela (n.º 2 do artigo 1.º do CDADC). V. Não poderão confundir-se os conceitos normativos de representação e de figuração. W. Para os distinguir, não cabe ao julgador decidir se percorrer lugares pré determinados e executar tarefas pré-estabelecidas constitui “atividade performativa”, ou decidir se, no caso concreto, houve ou não, por parte dos A.A., “trabalho de ator”, se “atuaram ou não de forma cénica na mensagem publicitária”. ou seja, se estes, ao participarem no vídeo publicitário, “emprestaram” ou não mais do que a mera imagem indo, assim, para além da figuração. X. Este tipo de indagação envolve, com o devido respeito, domínio de conhecimentos que não sendo ministrados pelas escolas de direito, mas por escolas de teatro, de cinema, etc, não estão ao alcance do julgador, salvo se, eventualmente, supridos pela intervenção de peritos; não sendo tal viável, este tipo de abordagem abre a portas decisões tomadas com base em considerações valorativas, em particular, assentes em convicções pessoais sobre o que entende o julgador ser atividade performativa ou atividade cénica. Y. Ao julgador cabe, no caso, verificar se se encontram preenchidos os requisitos normativos de “obra intelectual do domínio literário” suscetível de ser representada por um intérprete, sendo que o conceito de obra enquanto objeto de proteção do Direito de Autor é um conceito estritamente normativo. Z. A pré definição de uma sequência de ações a executar está mais próxima do conceito de processos ou de métodos (operacionais) do que do de “texto ou obra literária”, sendo que tais processos e/ou métodos não beneficiam, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do CDADC, de tutela autoral. AA. Os ora Recorrentes fizeram apenas figuração (participação com imagem) no vídeo publicitário, sendo a mesma tutelada por um direito de personalidade (à imagem) e não pelo regime dos direitos conexos. BB. Este foi o entendimento da própria GDA - GESTÃO DOS DIREITOS DOS ARTISTAS (adiante, GDA) – a sociedade de gestão coletiva portuguesa de direitos conexos relativos a artistas intérpretes – quando recusou legitimidade representativa na cobrança à 2.ª Ré (R. ATP) da remuneração prevista nos nº s 2, 3 e 4 do artigo 178.º do CDADC: considerou que a sua participação no vídeo promocional “...” se cingiu a mera figuração (participação com imagem) para fins publicitários. CC. A decisão recorrida invoca ainda a existência de um contrato verbal celebrado entre o 1.º R. e os A.A., ao abrigo do qual se fez a divulgação da imagem destes e no contexto de atividade publicitária, para afastar a peticionada responsabilidade civil extracontratual. DD. O único contrato existente – verbal – estabeleceu-se entre os ora Recorrentes e o 1.º Réu (R. TRAFICO), concretamente relativo à sessão de trabalho daqueles durante o período de filmagens, e em contrapartida da qual foi paga pelo 1.º Réu, a cada um, a quantia de 300 €. EE. Sendo uma prestação de serviços, o respetivo contrato não estava sujeito à forma escrita (artigo 1154.º e ss do CC). FF. Algo inteiramente distinto, e que NUNCA FOI objeto de qualquer contratualização, foram os usos consentidos à R. ATP da imagem dos ora Recorrentes associada aos do próprio vídeo publicitário e respetivos termos e condições, ou seja, durante quanto tempo, em que meios (digitais, físicos, etc), por que preço, etc (direitos de imagem); naturalmente que o valor variaria em função do âmbito do consentimento que viesse a ser determinado. GG. O consentimento para aproveitamento económico da imagem corresponde a um negócio jurídico unilateral ou a um contrato (não um mero ato jurídico) e está sujeito à aplicação das regras gerais das declarações negociais. HH. Por força do artigo 280.º, 1 do C.C., o objeto do consentimento, considerado nas suas diferentes perspetivas, deverá ser determinado ou, pelo menos, determinável, designadamente do ponto de vista temporal, espacial, com a previsão dos atos que poderão ser praticados e por quem, dos meios utilizados, definindo o caráter exclusivo ou não da autorização, os limites temporais e os termos remuneratórios dos usos assim consentidos. II. É inadmissível um consentimento ilimitado ou, melhor dizendo, de conteúdo indeterminado, o qual, na prática, se traduz numa verdadeira renúncia ao direito à imagem, renúncia essa nula porque contrária à ordem pública, nos termos dos artigos 81.º, 1, e 280.º, 2 do CC, e porque o direito à imagem, em si, enquanto direito de personalidade, é inalienável e irrenunciável. JJ. Inexiste, por conseguinte, qualquer contrato de autorização celebrado entre as partes a regular os diferentes direitos envolvidos para que se possa invocar o regime da responsabilidade civil contratual nos termos conjugados dos artigos 28.º e 30.º do C.... KK. Nem a R. ATP contratualizou com o R. TRAFICO, nem este, por conseguinte o fez com os A.A. LL. Também não o fez a R. ATP, enquanto interessada na utilização do vídeo publicitário, diretamente com os A.A. MM. Existe uma clara omissão do dever de contratar o consentimento para os usos que se pretendiam feitos. NN. Os usos publicitários feitos pela R. ATP da imagem dos ora Recorrentes, associada aos do próprio vídeo, foram, assim, ilícitos nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 7.º do CP. OO. A indemnização por danos (patrimoniais e não patrimoniais) peticionada pelos A.A., ora Recorrentes, e resultante dos usos ilícitos da sua imagem, envolve, na falta de qualquer base contratual estabelecida entre A.A. e Réus, responsabilidade civil extracontratual por parte dos infratores, devendo, como tal, ser equacionada nos presentes autos.» * Contra-alegou a R. ASSOCIAÇÃO DE TURISMO ..., pugnando pela manutenção do acórdão recorrido. * Ouvido, nos termos do art. 101º, nº 1, do CPC, o Ministério Público concluiu o seu parecer pelo seguinte modo: «Parece-nos que a argumentação aduzida pelo tribunal recorrido é sólida, não merecendo a crítica que lhe é dirigida pelos recorrentes. Ora, dispõe-se no artigo 111.º da LOSJ: “1 – Compete ao tribunal da propriedade intelectual conhecer das questões relativas a: a) – Ações em que a causa de pedir verse sobre direitos de autor e direitos conexos. b) – (…) c) – Ações em que a causa de pedir verse sobre o cumprimento ou incumprimento, validade, eficácia e interpretação de contratos e atos jurídicos que tenham por objeto a constituição, transmissão, oneração, disposição, licenciamento e autorização de utilização de direitos de autor, direitos conexos e direitos de propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas na lei. d) (…)” Portanto, no caso dos autos, a ação proposta pelos AA. sempre teria de ser proposta no tribunal de propriedade intelectual, pelo que somos de parecer que o recurso não merece provimento, devendo ser mantida a decisão recorrida.» * Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, assume-se como questão a apreciar, in casu, a de saber se compete aos Juízos Cíveis e não, conforme se decidiu, ao Tribunal da Propriedade Intelectual, o julgamento da presente acção. II Os elementos a considerar são os que emanam do relatório feito no ponto antecedente. Está em causa saber qual o Tribunal materialmente competente para julgar a presente acção. O Tribunal da Relação considerou, como se viu, ser competente o Tribunal da Propriedade Intelectual. A competência em razão da matéria afere-se pelo objeto do processo (pedido e causa de pedir), tal como resulta da petição inicial. As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotadas de competência especializada (artigo 65.º do CPC). Dispõe o art. 40º da Lei nº 62/2013, de 26-08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário): «1 - Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. 2 - A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada.» O Tribunal da Propriedade Intelectual inclui-se nos tribunais de competência territorial alargada. No art. 111º, nº 1, als. al. a) e c) da LOSJ, vem previsto: «1 - Compete ao tribunal da propriedade intelectual conhecer das questões relativas a: a) Ações em que a causa de pedir verse sobre direito de autor e direitos conexos. (…) c) Ações em que a causa de pedir verse sobre o cumprimento ou incumprimento, validade, eficácia e interpretação de contratos e atos jurídicos que tenham por objeto a constituição, transmissão, oneração, disposição, licenciamento e autorização de utilização de direitos de autor, direitos conexos e direitos de propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas na lei». Conforme resulta do que acima se relatou, os AA. alegam a existência de um contrato verbal, nos termos do qual participaram num vídeo de publicidade à cidade .... Apesar de serem actores, defendem que a sua participação não envolveu qualquer actividade de interpretação de uma obra artística ou literária (argumento, texto ou guião) preexistente, ou seja, não pressupôs atividade dramática da sua parte, tendo-se apenas cingido a mera figuração, uma actividade mecânica e não interpretativa ou criadora. Consideram que não se aplica ao caso o Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, maxime no que se refere aos direitos conexos (art. 176º desse Código). Colocam o enfoque na ofensa ao direito de imagem, direito de personalidade, inalienável e irrenunciável, por se ter verificado o uso, não consentido, porque não abarcado pelo que inicialmente foi contratado, em diversas formas e locais, da imagem dos AA.. Conforme se refere no acórdão recorrido, tendo em conta os fins publicitários do vídeo em apreço, impõe-se convocar, em primeiro lugar, o Código da Publicidade, aprovado pelo DL 74/93, de 10-03, em cujo art. 3º se preceitua: «1 - Considera-se publicidade, para efeitos do presente diploma, qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de: a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições. 2 - Considera-se, também, publicidade qualquer forma de comunicação da Administração Pública, não prevista no número anterior, que tenha por objectivo, directo ou indirecto, promover o fornecimento de bens ou serviços. 3 - Para efeitos do presente diploma, não se considera publicidade a propaganda política.» E no art. 4º do mesmo normativo vem definida a actividade publicitária pela seguinte forma: «1 - Considera-se actividade publicitária o conjunto de operações relacionadas com a difusão de uma mensagem publicitária junto dos seus destinatários, bem como as relações jurídicas e técnicas daí emergentes entre anunciantes, profissionais, agências de publicidade e entidades que explorem os suportes publicitários ou que efectuem as referidas operações. 2 - Incluem-se entre as operações referidas no número anterior, designadamente, as de concepção, criação, produção, planificação e distribuição publicitárias.» Também há que dizer qui, secundando o Tribunal a quo, que, verificando as imagens e sons que compõem o ficheiro indicado nos autos, que pode ser visionado em ..., é patente que a sua finalidade é da divulgação e promoção da indústria ou serviço de turismo da cidade .... E, conforme se observa no acórdão recorrido: «(…) a recolha e divulgação da imagem dos AA. pelos dois RR. não sucedeu senão no contexto do que é uma atividade publicitária: os AA. acordaram em ceder a sua imagem; o 1.º R. interveio na sua conceção, criação e planificação; e a 2.ª Ré (com ou sem o conhecimento e/ou consentimento dos AA.), na sua distribuição publicitária. Não estamos, pois, no âmbito de uma qualquer divulgação da imagem dos AA. sem um prévio acordo – contrato – celebrado entre estes e um profissional da publicidade, como se de uma qualquer ação de responsabilidade civil extracontratual por violação de direitos de personalidade se tratasse». Estabelece-se no art. 29º do Código da Publicidade (com destaque nosso, a negrito): «1 - As disposições legais sobre direitos de autor aplicam-se à criação publicitária, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. 2 - Os direitos de carácter patrimonial sobre a criação publicitária presumem-se, salvo convenção em contrário, cedidos em exclusivo ao seu criador intelectual. 3 - É ilícita a utilização de criações publicitárias sem a autorização dos titulares dos respectivos direitos.» O Tribunal a quo, após assinalar que os AA. não são os criadores do vídeo em causa, não sendo, por isso, de aplicar à sua participação a norma remissiva do art. 29.º, n.º 1, do Código da Publicidade, chamou, em seguida, a atenção para o facto de, no âmbito dos direitos conexos aos direitos de autor, estarem abrangidos, entre outros, a interpretação, a execução, o acto de representar. Na verdade, dispõe o art. 176º, nºs 1 e 2 do CDADC: «1 - As prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão são protegidas nos termos deste título. 2 - Artistas intérpretes ou executantes são os actores, cantores, músicos, bailarinos e outros que representem, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem de qualquer maneira obras literárias ou artísticas.» No que concerne aos sujeitos dos direitos conexos, Alexandre Ditas Pereira, em Informática, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2001, pp. 220-221), menciona, em primeiro lugar, «os artistas, intérpretes ou executantes, isto é, os actores, cantores, músicos, bailarinos e outros que representem, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem de qualquer maneira obras literárias e artísticas (art. 176º, 2)». E acrescenta (p. 221): «A prestação dos artistas intérpretes ou executantes consistirá, tipicamente, na representação, ou seja, na exibição perante espectadores de uma obra dramática, dramático-musical, coreográfica, pantonímica ou outra de qualquer natureza análoga, por meio de ficção dramática, canto, dança, música ou outros processos adequados, separadamente ou combinados entre si (art. 107°)». Recorrendo à previsão dos arts. 1º e 2º do CDADC, o mesmo autor refere que aí surge uma noção geral de obra, ilustrada através de um elenco exemplificativo de diversas espécies de criações intelectuais susceptíveis de concretizarem a definição de obra, tratando-se de um «catálogo aberto de exemplos de obras que podem ser protegidas se cumprirem os requisitos de proteção» (op. cit., p. 226, com destaque nosso, a negrito), tratando-se de «um conceito geral e indeterminado, de concretização complexa e aberta, como resulta, desde logo, da utilização do termo ‘nomeadamente?» (p. 227). Depois de citar os arts. 178º (por lapso, indicou-se o art. 177º), atinente ao poder de autorizar ou proibir, por parte dos artistas intérpretes ou executantes (o que aqui se dá por (reproduzido), 183º (sobre a duração os direitos conexos) e 184º, nº 3 (Quando um fonograma ou videograma editado comercialmente, ou uma reprodução dos mesmos, for utilizado por qualquer forma de comunicação pública, o utilizador tem de pagar, como contrapartida da autorização prevista na alínea e) do n.º 1, uma remuneração equitativa e única, a dividir entre o produtor e os artistas, intérpretes ou executantes em partes iguais, salvo acordo em contrário), todos do CDADC, o Tribunal a quo ponderou o seguinte: «A questão que se coloca é se, no vídeo em causa, os AA. efetuam algum tipo de representação de obra literária ou artística. Alegam os AA. que a sua intervenção na mensagem publicitária foi meramente mecânica, não tendo envolvido qualquer atividade artística ou literária (argumento, texto ou guião). Já referimos que a criação publicitária é, pelo art. 29º do Código da Publicidade, equiparada à criação intelectual prevista no art. 1.º CDADC. Ora, se é certo que a intervenção dos AA. nesta mensagem não compreende a representação de mensagem verbal, também é verdade que os mesmos exercem a atividade profissional de atores (e não desportistas, toureiros, etc…), sendo que na mensagem publicitária não se limitam a emprestar a sua imagem, pois que interpretam e desempenham tarefas performativas que encenam: nadando, percorrendo lugares pré-determinados, folheando livros, bebendo bebidas, conduzindo automóveis e bicicletas, encenando compras em locais emblemáticos, etc… Isto é, os AA. não se limitam a aparecer na mensagem. Atuam de forma cénica na mensagem publicitária. Não restam, por isso, dúvidas, de que há da parte dos AA. interpretação/execução de uma ideia criada por outrem e em que se corporiza a mensagem publicitária. Deste modo, cabem aos AA. as faculdades patrimoniais previstas no art. 178.º CDADC, tendo o direito de controlar a fixação de prestações ainda não fixadas, a reprodução de fixação das suas prestações, a comunicação ao público, e a colocação à disposição do público das suas prestações, embora não haja dúvida de que a atividade dos artistas-intérpretes se encontra umbilicalmente ligada com a proteção dos direitos de personalidade. Deste modo, cremos estar perante ação em que se avalia da validade e do cumprimento de contrato que teve por objeto direitos conexos com os direitos de autor e, nessa medida, a competência para o seu conhecimento cabe ao Tribunal da propriedade intelectual.» Concorda-se com o Tribunal a quo. Na verdade, embora o vídeo em apreço tenha intuitos publicitários, visando promover a cidade ..., através da exibição dos seus lugares mais emblemáticos, não se pode olvidar que, pelo art. 29º do Código da Publicidade, a criação publicitária é equiparada à criação intelectual. No que concerne aos AA., há que dizer, com todo respeito, que se discorda de que o seu papel tenha sido de mera figuração. O visionamento do vídeo revela que houve, da sua parte, representação, interpretação de um guião (independentemente da maior ou menor complexidade deste), de uma “história”, que surge materializada no encadeamento das cenas que enformam o vídeo. Os passos paralelos dos dois jovens acabam por desembocar no seu encontro final, ao serviço, é certo, da amostragem dos lugares mais belos da cidade ..., mas com um contributo expressivo da sua parte. Não há, apenas, a utilização, neutra, mecânica, de mero registo, da imagem dos actores (e não foi, por certo, por acaso, que foram escolhidos actores para este papel), contando-se com a sua capacidade performativa, que, mesmo sem diálogo, se evidencia, transmitindo (de uma forma que nada tem de mecânico) a alegria, o encantamento de percorrer os sítios do ..., a par dos sentimentos, associados ao encontro (propiciado pela cidade) entre os jovens, reflectidos (enquanto acto de interpretação artística) nos seus rostos ou gestos. Sob o ponto de vista do criador/realizador, há uma obra (tratando-se, aliás, de um vídeo galardoado com dois prémios, conforme referem os AA.), protegida através da dita remissão do art. 29º do Código da Publicidade e, sob o ponto de vista dos Autores, que deram corpo à ideia/guião que sustenta essa obra, estão em causa os direitos conexos, decorrentes da sua actividade interpretativa, como artistas intérpretes (não como meros figurantes), protegida nos termos do art. 176º, nº 2, do CDADC. Consideram os Recorrentes que «não cabe ao julgador decidir se percorrer lugares pré-determinados e executar tarefas pré-estabelecidas constitui “atividade performativa”, ou decidir se, no caso concreto, houve ou não, por parte dos A.A., “trabalho de ator”, se “atuaram ou não de forma cénica na mensagem publicitária”. ou seja, se estes, ao participarem no vídeo publicitário, “emprestaram” ou não mais do que a mera imagem indo, assim, para além da figuração», pois trata-se de um «tipo de indagação [que] envolve (…) domínio de conhecimentos que não sendo ministrados pelas escolas de direito, mas por escolas de teatro, de cinema, etc, não estão ao alcance do julgador, salvo se, eventualmente, supridos pela intervenção de peritos; não sendo tal viável, este tipo de abordagem abre a portas decisões tomadas com base em considerações valorativas, em particular, assentes em convicções pessoais sobre o que entende o julgador ser atividade performativa ou atividade cénica». Sobre isto, há que referir que, ainda que houvesse intervenção de peritos relativamente a esta matéria (e não se vê que, no caso concreto, sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam – art. 388º do C. Civil –, estando ao seu alcance verificar se estamos perante uma actividade performativa ou apenas de uma intervenção neutra, mecânica, sem os requisitos da representação cénica, por parte dos AA.), não estaria o julgador dispensado de decidi-la, sendo certo que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (art. 389º do C. Civil), juízo que assenta na experiência, na prudência, no bom senso (Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 340), o que, naturalmente, se colhe na vida do dia-a-dia, para além das paredes das escolas de Direito. O objecto do processo, decisivo para a definição da competência material do tribunal, sendo delimitado pelo pedido e causa de pedir, afere-se, antes de mais, pela factualidade em jogo e não pelas qualificações jurídicas que o autor lhe dê. Ora, no caso presente, entendendo-se que estão em causa, nos termos sobreditos, direitos conexos aos direitos de autor, será de concluir, tal como fez o Tribunal recorrido, que competente para o julgamento da causa é, nos termos do art. 111º, nº1, als. a) e c), da nº Lei 62/2013, de 26-08, o Tribunal da Propriedade Intelectual. Improcede a revista. * Sumário (da responsabilidade do relator) I – Compete ao Tribunal da Propriedade Intelectual, de acordo com o disposto no art. 111º, nº 1, als. a) e c) da Lei nº 62/2013, de 26-08, conhecer das questões relativas a: acções em que a causa de pedir verse sobre direito de autor e direitos conexos (al. a)); acções em que a causa de pedir verse sobre o cumprimento ou incumprimento, validade, eficácia e interpretação de contratos e atos jurídicos que tenham por objeto a constituição, transmissão, oneração, disposição, licenciamento e autorização de utilização de direitos de autor, direitos conexos e direitos de propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas na lei (al. c)). II - A participação de actores profissionais num vídeo, com fins publicitários, em que materializam, através de actos de representação (e não de mera figuração), a “história” que o criador do vídeo concebeu, ao serviço daqueles fins, cai no âmbito dos direitos conexos (art. 176º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos) e daí que se esteja perante acção da competência do Tribunal da Propriedade Intelectual. III Pelo que se deixou exposto, julga-se improcedente a revista, mantendo-se a decisão recorrida e confirmando-se, assim, a competência do Tribunal da Propriedade Intelectual para a presente causa. - Custas pelos Recorrentes. * Lisboa, 07-06-2022 Tibério Nunes da Silva (relator) Nuno Ataíde das Neves Maria dos Prazeres Pizarro Beleza |