Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | RODRIGUES DA COSTA | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES FACTOS PROVADOS FACTOS GENÉRICOS DOLO DIREITOS DE DEFESA DIREITO AO RECURSO ACUSAÇÃO APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO NULIDADE SANÁVEL | ||
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Nº do Documento: | SJ20081106028045 | ||
Data do Acordão: | 11/06/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | UNICA INSTÂNCIA | ||
Decisão: | ANULADA A DECISÃO | ||
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Sumário : | I - Na parte da decisão da CNE, denominada de “Os Factos”, não é possível colher qualquer imputação concreta de factos à arguida, pois os pretensos factos de que se parte para a condenação, ou são relatos de sucessos processuais (como os relativos às participações dos candidatos queixosos), de actividades da CNE no âmbito do comportamento a adoptar pelos órgãos de comunicação social, ou reproduzem conclusões de análises alheias, nomeadamente da ERC, sobre o comportamento daqueles órgãos em todo o decurso da pré-campanha e da campanha eleitorais; mesmo que de tais conclusões possa resultar que foi dado maior relevo aos candidatos de maior visibilidade, que não aos participantes, a verdade é que se desconhecem as razões de tal facto, para além de elas não constituírem imputação de factos concretos, nomeadamente dos factos constitutivos da contra-ordenação. II - Uma imputação de factos tem de ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos que são relevantes para caracterizarem o comportamento contra-ordenacional, incluindo as circunstâncias de tempo e de lugar. III -Para além disso, deve conter os elementos do tipo subjectivo do ilícito contra-ordenacional, pois, nos termos do art. 8.º do RGCO só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos previstos na lei, com negligência: no caso sub judice, a contra-ordenação só é punível a título de dolo; por conseguinte, teriam de constar dos factos (e não constam) também aquelas circunstâncias referidas à vontade de praticar o acto e à consciência da sua ilicitude, bem como ao seu carácter proibido, de modo a poder apreender-se se a arguida agiu com dolo em qualquer das suas modalidades. IV -A indicação dos factos imputados com menção das provas obtidas é uma exigência do art. 58.º, n.º 1, do RGCO, em tributo aos mais elementares princípios que devem reger um direito de carácter sancionatório e que têm a ver sobretudo com garantias mínimas relacionadas, desde logo, com o direito de defesa, por muito sumário e expedito que se apresente o processo contra-ordenacional, pois a própria Constituição estende a este tipo de processos essas garantias (art. 32.º, n.º 10). V - Entre essas garantias mínimas de defesa, avulta, a de “serem conhecidos os factos que são imputados ao arguido, pois sem que os mesmos estejam estabelecidos não é possível avaliar a justiça da condenação, fica inviabilizado o direito ao recurso e não há salvaguarda do ne bis in idem” – Ac. deste STJ de 21-09-2006, Proc. n.º 3200/06 - 5.ª. VI -Nesse aspecto, a decisão condenatória em matéria contra-ordenacional, apresentando alguma homologia com a sentença condenatória em processo penal, tem uma estrutura semelhante a esta última, se bem que mais concisa, por menos exigente, devido à sua menor incidência na liberdade das pessoas, devendo conter a identificação dos arguidos, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas aplicáveis e a fundamentação da decisão. VII - Na fase de recurso, valendo a apresentação dos autos ao juiz pelo MP como acusação (art. 62.º, n.º 1, do RGCO), torna-se necessário o recurso ao art. 283.º, n.º 3, al. b), do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo das contra-ordenações (art. 41.º, n.º 1, do mesmo diploma legal): segundo este dispositivo, a acusação contém sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada. VIII - A decisão impugnada não contém esses elementos imprescindíveis, devidamente adaptados a este tipo de processo e que são tendentes a caracterizar uma acção ou omissão (uma narração objectiva, individualizada e concreta dos respectivos factos), e ainda uma caracterização daquelas circunstâncias que permitem estabelecer um nexo psicológico de ligação desses factos ao agente e uma sua imputação a título de dolo; a sanção para o incumprimento da al. b) do n.º 1 do art. 58.º é a nulidade da decisão impugnada, nos termos dos arts. 283.º, n.º 3, 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, aplicável subsidiariamente. IX -Tal nulidade é sanável e pode ser suprida pela CNE, inclusive com recurso a diligências probatórias indispensáveis para apuramento dos elementos em falta. | ||
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Decisão Texto Integral: | I. 1. A AA – Televisão ... SA foi condenada por decisão da Comissão Nacional de Eleições de 27/5/2008, pela prática da contra-ordenação prevista nos arts. 40.º a 49.º e punida pelo art. 212.º, todos da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL), na coima de € 4.987,98 (quatro mil, novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos) e ainda nas custas no valor de € 8,83 (oito euros e oitenta e três cêntimos). 2. Inconformada, a AA veio impugnar judicialmente a referida decisão administrativa nos termos do disposto no n.º 1 do art. 203.º da acima referida LEOAL, e art. 59.º do DL 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social - RGCO), e ainda da Lei n.º 109/2001, de 24/12. Da motivação extraiu as seguintes conclusões: A) A aplicação de coimas obedece ao regime processual configurado no Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, e alterado pelo DL n.º 244/95, de 14 de Setembro. Aí procura-se estabelecer um processo expedito, mas que garanta os valores essenciais do direito de defesa consagrado constitucionalmente. B) Entre aqueles valores avulta o de serem conhecidos os factos que são imputados ao arguido, pois sem que os mesmos estejam estabelecidos não é possível avaliar a justiça da condenação, fica inviabilizado o direito ao recurso e não há salvaguarda do "ne bis in idem". C) Razão pela qual a decisão que aplica uma coima ou sanções acessórias deve conter a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, conforme prescreve o art.º 58.°, n.º 1, do RGCO. D) Assumindo tal decisão o carácter de uma sentença condenatória em matéria contraordenacional, tem uma estrutura semelhante à prevista para a sentença penal no art.º 374.° do CPP, embora só aproveitando desta os elementos mais elementares e básicos: a identificação dos arguidos, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão. E) Para saber quais são "os factos imputados" cuja descrição se pede à decisão condenatória, há que fazer apelo ao art.º 283.°, n.º 3, al. b), do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo de contra-ordenações (art.° 41.°, n.º 1, do RGCO), o qual prescreve que a acusação contém (sob pena de nulidade) a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada. F) Só situando no espaço, no tempo e no modo de execução, incluindo neste último os aspectos activo ou passivo e volitivo, se pode descrever uma acção ou omissão com virtualidade para ser punida pelo direito penal ou contra-ordenacional. G) A decisão da CNE não indica os factos que fundamentam a decisão, nem o lugar ou tempo da infracção e omite o grau de participação da recorrente, seja ao nível da acção, seja no plano volitivo, H) Na parte da decisão, ou melhor, do projecto de decisão assumido na deliberação como conteúdo da decisão, relativa à matéria de facto não são referidos quaisquer factos que sejam prestáveis para definir e identificar os elementos da tipicidade que, mesmo na perspectiva da autoridade administrativa, pudessem ser susceptíveis de integrar a tipicidade da contra-ordenação que vem referida. I) Os factos enunciados não são, na economia da decisão e na função constitutiva que lhes é própria, verdadeiramente factos com o sentido processual - ocorrências e acontecimentos materiais, de circunstâncias de tempo e espaço, e relativos à relação subjectiva entre o autor e os factos. J) Sob a epígrafe "Os factos" da decisão, apenas se faz referência a duas participações contra a aqui recorrente, mencionando-se apenas as alegadas imputações genéricas a este órgão de comunicação social, e ao Balanço da cobertura televisiva das eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa efectuado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), assim como à deliberação tomada a esse propósito por essa entidade, isto sem, contudo, se identificar minimamente os respectivos factos. K) A CNE limita-se a aderir a uma análise genérica efectuada pela ERC, que apenas descreve a percentagem de visibilidade de cada candidato eleitoral e a sua respectiva posição nesse “ranking" da visibilidade. L) Sem imputar qualquer facto, na verdadeira acepção da palavra, à aqui recorrente que permita avaliar ou sindicar da sua conduta, apenas referindo um conjunto vago de considerações e juízos de valor sem que dai se perceba e depreenda a razão pela qual a recorrente tratou de forma desigual e discriminatória as doze candidaturas. M) Não basta dizer ou afirmar que U( ... )os quatro candidatos com maior visibilidade durante todo o período eleitoral foram A... (15,31%), F... ( 12,44%), C...(10,77%), e T...., (10,05%)( ... )" e que o U( ... ) candidato A.... ocupava o 9. ° lugar, e o candidato G.... o 11.°(..)", para concluir que existiu um tratamento discriminatório entre candidaturas. N) Seria necessário identificar e analisar os factos que consubstanciam a descriminação e saber qual foi a conduta que a recorrente assumiu e que resultou nessa descriminação. O) O mero facto de umas candidaturas terem ou não, mais ou menos tempo de cobertura noticiosa, não permite, por si só concluir pela conduta discriminatória, desde logo porque existem candidaturas com mais ou menos acções de campanha, umas que tem acções diárias e até várias por dia, outras com poucas acções de campanha e algumas até sem nenhuma. P) Era necessário pois, identificar e individualizar os factos que caracterizaram o tratamento desigual e discriminatório. A recorrente ignorou acções de campanha? De quem? Em que data? Nas acções de campanha que cobriu não atribui idêntico espaço informativo aos candidatos? Não lhes deu idêntico relevo e aspecto gráfico? Cobriu determinada campanha em detrimento de outras? R) É que, naturalmente, uma candidatura que não tenha actividades para noticiar não terá o espaço de outra com várias manifestações de propaganda política. S) O tratamento discriminatório das candidaturas tem como facto nuclear a conduta do agente no sentido de afastar dolosamente na cobertura da campanha eleitoral uma ou mais candidaturas, não dando igual tratamento a todas elas. T) A ausência de factos imputados à requerida impede que se considere verificado o tratamento discriminatório, não sendo lícito que, em sede de qualificação jurídica dos factos, se estabeleça uma presunção para densificação da fattispecie contra-ordenacional. U) Por isso, não é possível avaliar a justiça da decisão em relação à recorrente, tanto mais que nos termos do art.º 8.°, n.º 1, do RGCO, para as contra-ordenações a negligência só é punível nos casos especialmente previstos, o que não sucede na LEOAL. V) A sanção para o incumprimento da al. b) do n.º 1 do art.º 58.° do RGCO (falta de descrição dos factos imputados) é a nulidade da decisão impugnada, nos termos dos art.ºs 374.°, n.º 2 e 379.°, n.º 1, al. a), do CPP, "ex vi" do art.º 41.°, n.º 1, do RGCO. W) Também tal omissão impediu e impede a recorrente de apresentar uma defesa completa na medida em que fica a desconhecer os factos que lhe são imputados e os critérios que se encontraram na base da consideração de que a sua conduta foi discriminatória, e integra, igualmente, violação do disposto no n.º 10 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa na medida em que, não se identificando devidamente os factos acusados, foi definitivamente vedado à impugnante o exercício do seu direito de defesa. X) A entidade impugnada entendeu fixar à impugnante a coima de €. 4.987,98 com fundamento em que esta teria actuado com dolo directo, sem, no entanto, aduzir qualquer facto susceptível de alicerçar a conclusão de que a recorrente agiu com dolo directo na prática das infracções objecto da decisão, infracções essas que, aliás, não se verificaram. Y) Mesmo que a impugnante tivesse praticado as infracções descritas na decisão recorrida - que não praticou - sempre se teria de concluir que o fizera por negligência, não provado que está o dolo. Z) Tal facto é relevante atento o disposto no art.º 8.°, n.º 1, do RGCO, que determina que para as contra-ordenações a negligência só é punível nos casos especialmente previstos, o que não sucede na LEOAL. A1) Forçoso é assim concluir pela nulidade da decisão na medida em que nela não se fundamenta a conclusão de que a recorrente utilizou dolo na alegada prática das infracções descritas na mesma, sendo certo que, ocorrendo mera negligência, a ora impugnante não poderia ser punida. B1) A recorrente não cometeu o ilícito de que foi acusadas, não tendo cometido a infracção vertida nos artigos 40° e 49° e 212 ° da LEOAL, pois, no exercício da sua actividade não discriminou nem tratou de forma desigual as doze candidaturas que se apresentaram às eleições autárquicas de Lisboa de 2008. C1) Mediante a decisão ora impugnada é de todo em todo impossível aferir os factos que em concreto determinaram a recorrida a aplicar a decisão e coima que foi aplicada à recorrente, dado que, não se depreende de decisão ora recorrida quais os factos efectivamente imputados às arguidas e que foram dados como provados e não provados e o porquê dessa motivação D1) A decisão ora impugnada não é senão um conjunto vago de considerações e juízos de valor, sem que daí se depreenda a razão pela qual a recorrente tratou de forma desigual as doze candidaturas, pois, na verdade, nenhum facto é apontado que sustente a conclusão de que a recorrente actuou com o propósito e a determinação de discriminar alguma das candidaturas em confronto. E1) O mero facto de existirem candidaturas com mais tempo de cobertura noticiosa e outras com menos, não permite, por si só concluir pela conduta discriminatória. Era necessário pois, identificar e individualizar os factos que caracterizaram o tratamento desigual e discriminatório. A recorrente ignorou acções de campanha? De quem? Em que data? Nas acções de campanha que cobriu não atribui idêntico espaço informativo aos candidatos? Não lhes deu idêntico relevo e aspecto gráfico? Cobriu determinada campanha em detrimento de outras? F1) É que uma candidatura que não tenha actividades para noticiar não terá o espaço de outra com várias manifestações de propaganda política. G1) E a verdade é que existiu grande diferença entre as candidaturas ao nível das acções de campanha realizadas, sendo a diferença de tempo de tratamento noticioso decorrente apenas e só desse facto, pois, quanto ao demais, foi atribuída pela AA idêntico relevo e tratamento a todas as candidaturas. H1) A decisão impugnada não contém os elementos imprescindíveis, devidamente adaptados a este tipo de processo e que são tendentes a caracterizar uma acção ou omissão, um nexo psicológico de ligação do facto ao agente e uma imputação desse mesmo facto a título de dolo ou negligência, quando esta seja especialmente prevista. I1) A presente decisão padece assim de insuficiência da matéria de facto para alicerçar a conclusão de que a recorrente descriminou algumas das candidaturas autárquicas, bem como de falta de fundamentação. J1) A função dos elementos da decisão no procedimento por contra-ordenação consiste, tal como na sentença penal, em permitir, tanto a apreensão externa dos fundamentos, como possibilitar, intraprocessualmente, o controlo da decisão por via de recurso. K1) A fundamentação da decisão constitui um pressuposto essencial para verificação, simultaneamente, da pertinência e adequação do processo argumentativo e racional que esteve na base da decisão, e uma garantia fundamental dos respectivos destinatários. L1) Por isso, a decisão que não contenha os elementos nos termos e pelo modo que a lei determina não é prestável para a função processual a que está vinculada - a definição do direito do caso, e consequentemente, é um acto que não suporta todos os elementos necessários à sua validade. M1)A consequência, no âmbito do processo penal, vem cominada no artigo 379°, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal (CPP): a nulidade da sentença que não contenha a enumeração dos factos provados e não provados, e a exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão. Terminou pedindo que se declarasse nula a decisão impugnada ou, caso assim se não entendesse, fosse declarada a falta de fundamento para a condenação da recorrente, em qualquer dos casos absolvendo-se esta da sanção que lhe foi aplicada. Indicou testemunhas. 3. Antolhando-se como possível decidir sem audiência prévia de julgamento, a AA e o M.º P.º foram notificados para dizerem se se opunham, nenhum deles tendo respondido ao solicitado. 4. Colhidos os vistos em simultâneo, o processo veio para conferência para decisão. II. 5. A decisão impugnada (deliberação da CNE de 31/1/2006) incorpora o projecto de decisão assinado pelo gabinete jurídico de fls. 40 a 52. Desse projecto, na parte relativa aos factos, consignou-se o seguinte: 1. Em 2 de Julho de 2007, no âmbito da eleição para a Câmara Municipal de Lisboa (CML), deram entrada na Comissão Nacional de Eleições (CNE) duas participações contra o órgão de comunicação social AA, uma da candidatura do Partido Popular Monárquico (PPM) e outra do candidato A.... 2. Em ambas participações são imputados à AA factos que, no entender dos participantes, consubstanciam uma cobertura jornalística discriminatória das actividades e iniciativas de campanha das respectivas candidaturas. 3. Na participação do PPM refere-se: "...o enorme prejuízo que nos tem atingido, ao sermos sistematicamente marginalizados nas notícias e nas sondagens...como se o PPM não existisse". 4. A... alega que a "DD, a DD Notícias e a AA (esta, com a única excepção de uma referência de breves segundos à apresentação da Lista em 31/05/07) assumiram ostensivamente a posição de não darem qualquer cobertura a qualquer actividade, de campanha ou outra, da minha candidatura, bem como não me convidarem para qualquer debate." 5. A CNE deu conhecimento a ambas as candidaturas, em 9 de Julho de 2007, do comunicado oficial relativo a tratamento jornalístico discriminatório no âmbito da eleição autárquica intercalar para a Câmara Municipal de Lisboa, já remetido aos órgãos de comunicação social. 6. Tal comunicado exprimia o entendimento da CNE sobre a matéria do tratamento jornalístico e foi divulgado a todos os órgãos de comunicação social. Aí se reiterava, uma vez mais, que esses órgãos devem garantir informação equivalente a todas as candidaturas com vista ao esclarecimento do eleitor, desde a marcação do acto eleitoral. 7. A CNE, na comunicação mencionada em 5., informou, ainda, as mesmas candidaturas que, "em caso de violação das normas legais serão instaurados os competentes processos de contra-ordenação, o que deverá ocorrer sempre depois do dia da eleição." 8. A AA, Televisão ..., S.A. tem sede na Rua ..., n.° 00, 9. Refira-se que, pese embora a primeira publicação do edital que marcou a eleição ter ocorrido em 14 de Maio de 2007, o edital que marcou a data de 15 de Julho para a eleição intercalar autárquica para a CML ocorreu em 18 de Maio de 2007, sendo que, o tempo que medeia entre a marcação e o início do período legal da campanha eleitoral é comummente designado de "pré-campanha". 10. O período legal de campanha eleitoral decorreu entre 6 e 13 de Julho de 2007. 11. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) realizou um balanço da Cobertura televisiva das eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa e tomou a Deliberação 9/PLU-TV/2007, de 25 de Julho, em anexo à qual se encontra o relatório do referido balanço. 12. No balanço realizado pela ERC, no que respeita à cobertura televisiva da AA, somente foi analisado o "Jornal Nacional" que é o bloco informativo das 20 horas. 13. Nas conclusões, por referência ao período de 14 de Maio a 13 de Julho, que: "os qutro candidatos com mais visibilidade durante todo o período eleitoral foram A... (15,31%), F... (12,44%), C... (10,77%) e T... (10,05%)" (Cfr. pág. 161 verso dos autos). 14. Verifica-se que, no total das doze candidaturas concorrentes, no período de 14 de Maio a 13 de Julho, o candidato A... ocupava o 9.° lugar, e o candidato G... o 11.° (cfr. págs. 134, 135 e 142 verso dos autos). 15. Resulta, ainda, daquele relatório da ERC que na cobertura da AA, considerando apenas o período legal da campanha, isto é, de 6 a 13 de Julho, o candidato A... sobe ligeiramente para o 7.° lugar e o candidato G... aumentou ligeiramente mas manteve a mesma 11.° lugar (Cfr. pág. 159 verso dos autos). 16. As conclusões da ERC, constantes do relatório anexo à Deliberação 1/PLU/2007, de 13 de Setembro de 2007, relativa ao Balanço da cobertura jornalística das eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa refere-se que: "Todos os meios analisados conferiram maior cobertura em número de peças e de referências a sete candidaturas de entre as doze concorrentes. (...) Esta verificação aponta para a prevalência de critérios jornalísticos na cobertura das diferentes candidaturas por parte de todos os meios, baseados, essencialmente, na "viabilidade eleitoral" de cada uma delas. A existência de desníveis na cobertura dos doze candidatos, que de facto se verificou em todos os meios e em todo o período eleitoral (embora com variações de grau), revelou-se como um dado incontornável para a generalidade dos meios, o qual encontra explicação na prevalência, em todos eles, de critérios jornalísticos sobre quaisquer outros." (Cfr. págs. 60 e 62 dos autos). 17. Na reunião do plenário da CNE de 30 de Outubro de 2007, foi deliberado instaurar processo de contra-ordenação à empresa proprietária da estação de televisão AA. 6. Ora, nos termos do regime estabelecido pelo RGCO (DL 433/82, de 27/10, alterado pelo DL 244/95, de 14/9), as coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares, como às pessoas colectivas, estas sendo responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções (art. 7.º). «Constitui contra-ordenação a prática de um facto ilícito censurável, que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima» (art. 1.º do referido RGCO). Segundo a CNE, a arguida praticou uma contra-ordenação consistente em não ter dado tratamento igualitário a todas as candidaturas concorrentes às eleições intercalares de 2 de Julho de 2007 para a Câmara Municipal de Lisboa, contra-ordenação essa prevista nos arts. 40.º a 49.º da LEOAL, referindo expressamente este último normativo o seguinte: «Os órgãos de comunicação social que façam a cobertura da campanha eleitoral devem dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas». A infracção de tal princípio acarretaria a punição cominada no art. 212.º da referida LEOAL, traduzido numa coima de 200.000$00 a 2.000.000$00, ou seja, € 997,59 (novecentos e noventa e sete euros e cinquenta e nove cêntimos) a € 9.975,96 (nove mil, novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos). Mas que factos, afinal, é que são imputados à arguida? Em que é que, concretamente, se traduziu o comportamento da arguida que permita concluir que ela deu tratamento desigualitário às diversas candidaturas concorrentes às eleições autárquicas de Lisboa? Lendo a matéria de facto, fica-se sem se saber. Com efeito, o que aí se diz é que na sede da CNE deram entrada duas participações contra a AA, uma, da candidatura do Partido Popular Monárquico e outra, do candidato A..., em ambas se imputando um tratamento que elas próprias reputavam discriminatório em relação às candidaturas respectivas ⌠no entender dos participantes, refere-se na exposição factual a que vimos aludindo⌡, por parte de vários órgãos de informação e, nomeadamente da AA (n.ºs 1, 2, 3 e 4 dos factos ). Em seguida dá-se conta do comunicado divulgado pela CNE pelos diversos órgãos de informação a lembrar-lhes os princípios a que devia obedecer a sua actuação em relação às diversas candidaturas e a informar as candidaturas de que, em caso de violação das respectivas normas legais, seriam instaurados os competentes processos (n.ºs 5, 6 e 7 dos factos). Mencionam-se, no seguimento da exposição factual, as conclusões do balanço realizado pela Entidade Reguladora Para a Comunicação Social (ERC) relativamente à AA (Jornal Nacional), no período entre 14 de Maio e 13 de Julho, que foca o relevo dado aos quatro candidatos com mais visibilidade, aparecendo em 9.º lugar o candidato A... e em 14.º lugar o candidato G.... No período legal da campanha – 6 a 13 de Julho -, segundo tais conclusões da ERC mencionadas na peça da CNE, o candidato A... subiu ligeiramente para o 7.º lugar e G... manteve a mesma posição (n.ºs 13, 14 e 15 dos factos). Por fim, menciona-se a conclusão do balanço final feito pela ERC da cobertura jornalística das eleições da qual resulta uma maior cobertura dada a sete das candidaturas, segundo critérios prevalentes de visibilidade eleitoral (n.º 16 dos factos). O último pretenso facto é a deliberação da CNE sobre a instauração do processo por contra-ordenação eleitoral (n.º 17 dos factos). Ora, de todo esta exposição, denominada de “Os Factos”, não é possível colher qualquer imputação concreta de factos à arguida, pois os pretensos factos de que se parte para a condenação ou são relatos de sucessos processuais (como as relativas às participações dos candidatos queixosos), de actividades da CNE no âmbito do comportamento a adoptar pelos órgãos de comunicação social, ou reproduzem conclusões de análises alheias, nomeadamente da ERC, sobre o comportamento daqueles órgãos em todo o decurso da pré-campanha e da campanha eleitorais. E mesmo que de tais conclusões possa resultar que foi dado maior relevo aos candidatos de maior visibilidade, que não aos participantes, a verdade é que se desconhecem as razões de tal facto, para além de elas não constituírem imputação de factos concretos, nomeadamente dos factos constitutivos da contra-ordenação. Uma imputação de factos tem de ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos que são relevantes para caracterizarem o comportamento contra-ordenacional, incluindo as circunstâncias de tempo e de lugar. Para além disso, deve conter os elementos do tipo subjectivo do ilícito contra-ordenacional, pois, nos termos do art. 8.º do RGCO só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos previstos na lei, com negligência. No caso sub judice, a contra-ordenação só é punível a título de dolo. Por conseguinte, teriam de constar dos factos (e não constam) também aquelas circunstâncias referidas à vontade de praticar o acto e à consciência da sua ilicitude, bem como ao seu carácter proibido, de modo a poder apreender-se se a arguida agiu com dolo em qualquer das suas modalidades. A indicação dos factos imputados com menção das provas obtidas é uma exigência do art. 58.º, n.º 1 do RGCO, em tributo aos mais elementares princípios que devem reger um direito de carácter sancionatório e que têm a ver sobretudo com garantias mínimas relacionadas desde logo com o direito de defesa, por muito sumário e expedito que se apresente o processo contra-ordenacional, pois a própria Constituição estende a este tipo de processos essas garantias (art. 32.º, n.º 10). Entre essas garantias mínimas de defesa, avulta, como se refere no Acórdão deste STJ de 21/9/2006, Proc. n.º 3200-06, da 5.ª Secção, de que o presente relator foi um dos adjuntos, a de “serem conhecidos os factos que são imputados ao arguido, pois sem que os mesmos estejam estabelecidos não é possível avaliar a justiça da condenação, fica inviabilizado o direito ao recurso e não há salvaguarda do ne bis in idem”. Nesse aspecto, a decisão condenatória em matéria contra-ordenacional, apresentando alguma homologia com a sentença condenatória em processo penal, tem uma estrutura semelhante a esta última, se bem que mais concisa, por menos exigente, devido à sua menor incidência na liberdade das pessoas, devendo conter a identificação dos arguidos, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas aplicáveis e a fundamentação da decisão. Ora, na fase de recurso, valendo a apresentação dos autos ao juiz pelo Ministério Público como acusação (art. 62.º, n.º 1 do RGCO), torna-se necessário, no que toca aos elementos imprescindíveis a que nos vimos reportando, o recurso ao art. 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo das contra-ordenações (art. 41.º, n.º 1 do mesmo diploma legal). E segundo este dispositivo, a acusação contém sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada. Como vimos, a decisão impugnada não contém esses elementos imprescindíveis, devidamente adaptados a este tipo de processo e que são tendentes a caracterizar uma acção ou omissão (uma narração objectiva, individualizada e concreta dos respectivos factos), e ainda uma caracterização daquelas circunstâncias que permitem estabelecer um nexo psicológico de ligação desses factos ao agente e uma sua imputação a título de dolo. A sanção para o incumprimento da alínea b) do n.º 1 do referido art. 58.º do RGCO é a nulidade da decisão impugnada, nos termos dos arts. 283.º, n.º 3, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, aplicável subsidiariamente, como vimos. A nulidade é sanável e pode ser suprida pela CNE, inclusive com recurso a diligências probatórias indispensáveis para apuramento dos elementos em falta.. III. 7. Nestes termos, acordam no Supremo tribunal de Justiça em conceder provimento à impugnação e em anular a decisão da comissão Nacional de Eleições, devendo os autos voltar a essa entidade para aí ser sanado o vício apontado. Sem tributação. Comunique à Comissão Nacional de Eleições. Notifique. Supremo Tribunal de Justiça, 6 de Novembro de 2008 Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor |