Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01S4419
Nº Convencional: JSTJ00002041
Relator: EMÉRICO SOARES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Nº do Documento: SJ200205290044194
Data do Acordão: 05/29/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 6155/01
Data: 10/10/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: JURISPRUDÊNCIA UNIFORME.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: LCT69 ARTIGO 1.
CCIV66 ARTIGO 1152 ARTIGO 1154.
DL 47032 DE 1966/05/27 ARTIGO 1.
Sumário : 1) Enquanto no contrato de trabalho o dador de trabalho presta uma actividade que poderá conduzir e normalmente conduzirá a um resultado, o contrato de serviços tem por objecto o próprio resultado que, naturalmente, é consequência duma actividade tendente a produzi-lo.
2) Enquanto o contrato de trabalho é, por natureza, oneroso, na medida em que o prestador da actividade tem de ser remunerado, no contrato de prestação de serviços pode verificar-se a gratuitidade da prestação.
3) O elemento que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, elegem como verdadeiro diferenciador do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços é a subordinação do dador de serviço ao beneficiário dele.
4) A natureza do contrato há-de aferir-se pela concreta actividade que o trabalhador é chamado a prestar para o empregador e pelos demais elementos configuradores disponíveis e não, simplesmente pelo nomem que as partes entenderam por bem conferir ao contrato, o qual, podendo até corresponder à designação que as partes quiseram, realmente, dar-lhe, pode não traduzir, do ponto de vista jurídico, a espécie do contrato que efectivamente foi celebrado, daí que, não obstante as partes terem denominado o contrato como de prestação de serviços, ele podia muito bem revelar-se ser um verdadeiro contrato de trabalho subordinado.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça.

No Tribunal do Trabalho de Lisboa, A, residente na Rua ......, Vale Mourão, Cacém, intentou acção emergente de contrato individual de Trabalho com processo comum contra B, com sede em Lisboa, na Av. da Liberdade, ...., pedindo seja esta Ré condenada a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela indemnização por despedimento, bem como a pagar ao Autor a quantia já vencida de 2680000 escudos, acrescida da que se vencer até decisão final, e de juros à taxa legal de 7% ao ano contados desde a citação da Ré até integral pagamento, e se o Autor optar pela cessação do contrato do trabalho, ser a Ré ainda condenada a pagar-lhe a indemnização de antiguidade, nos termos do art. 13º do Dec.-Lei n.º 64-A/89, bem como férias, subsidio de férias e de Natal que se vencerem em consequência da cessação nos termos do art. 10º do Dec.-Lei n.º 88/96.

Para tanto alegou, em síntese: a Ré admitiu o Autor ao seu serviço, em 23 de Janeiro de 1993, para trabalhar como motorista sob as suas ordens, direcção e autoridade, auferindo o Autor ultimamente a remuneração mensal de 100000 escudos. Por carta de 8 de Julho de 1999 a Ré despediu o A. com efeito em 9 de Agosto de 1999, alegando fazê-lo em função de reorganização dos seus serviços de produção e por o A. estar contratado ao abrigo de contrato de prestação de serviço. Mas o contrato vigente entre as partes era um contrato de trabalho subordinado, pelo que o despedimento declarado pela Ré é nulo e de nenhum efeito por falta de justa causa. A Ré nunca concedeu férias ao A. nem lhe pagou o subsídio de Natal. Enquanto esteve ao serviço da Ré auferiu as seguintes remunerações mensais:
a) de Janeiro de 1993 a Julho de 1994.....................................35000 escudos
b) de Agosto de 1994 a Março de 1996...................................40000 escudos
c) de Abril a Dezembro de 1996................................................50000 escudos
d) desde Janeiro de 1997........................................................100000 escudos.
A título de férias em triplo e respectivo subsídio nos anos de 1993 a 1998 e dos subsídios de Natal deve a Ré ao Autor 1780000 escudos. E, dada a nulidade do despedimento tem o Autor direito a reintegração no seu posto de trabalho sem prejuízo da opção pela indemnização por despedimento, e ainda as remunerações vencidas de Agosto de 1999 a Fevereiro de 2000, incluindo os subsídios de férias e de Natal de 1999, e os atrás referidos, tudo no montante total de 2680000 escudos, sem prejuízo do que se vencer até decisão final, com juros à taxa legal de 7% ao ano desde a citação, até integral pagamento.

Contestou a Ré a acção alegando, fundamentalmente que o Autor foi contratado no regime de prestação de serviços, para, enquanto estafeta, transportar aos Sábados e Domingos páginas do jornal para a empresa gráfica, em Queluz com vista à impressão do B, pelo que não tem os direitos que reclama. Conclui pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Com o fundamento em que a simplicidade da causa dispensava a realização da audiência preliminar e a selecção da matéria assente e da base instrutória, avançou a Ex.ma Juíza para a realização do julgamento, findo o qual proferiu a decisão sobre a matéria de facto que se acha a fls. 37 a 39, que não teve reclamações..

Foi depois proferida a sentença de fls. 42 a 48 que, na procedência parcial da acção, condenou a Ré a pagar ao A. as seguintes quantias:

a) 1063333 escudos, correspondente às retribuições vencidas desde 00.02.03 até 00.12.22, à razão de 100000 escudos mensais, sem prejuízo do disposto no artº 13.º/ 2, alínea b) da LCCT,
b) 800000 escudos de indemnização, correspondente a 8 meses de antiguidade;
c) 795332 escudos a título de férias e subsidio de férias desde o início do contrato até ao seu termo;
d) 397666 escudos a titulo de subsídio de Natal desde o início do contrato até ao seu termo;
e) juros de mora desde a citação até efectivo pagamento à taxa supra referida.

Inconformada, levou a Ré recurso dessa sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa que, porém, pelo douto acórdão de fls. 92 a 98, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida.

Novamente insatisfeita, pede a Ré a este Supremo Tribunal revista desse acórdão, rematando a alegação que para o efeito apresentou, com as seguintes conclusões:

a) A matéria factual provada não aponta para a subordinação jurídica do recorrido tendo sido feita uma indevida aplicação da lei à matéria de facto existindo assim um erro na interpretação e aplicação de direito no acórdão recorrido;
b) Com efeito, durante os últimos 2 anos e meio antes de terminar a relação contratual o A não utilizou os meios da recorrida mas os seus próprios meios para executar as tarefas (mota) - n.º 7 da matéria de facto;
c) A existência de um horário não é exclusiva do contrato de trabalho nem significa subordinação jurídica; existem muitas actividades de prestação de serviços que tem horário porquanto só dessa forma tem utilidade, atingindo os resultados propostos.
d) Não ficou provado a fiscalização e controle nem as instruções mas apenas (n.º 5 da matéria de facto) que a pessoa que coordenava a feitura do jornal encarregava o recorrido das tarefas que ele tinha de executar. E essas tarefas eram as que constam do n.º 3 e 4 da matéria de facto, as quais eram todas executadas por uma empresa durante a semana- n.º 14 da matéria de facto.
e) Assim, "encarregar das tarefas" não era mais do que entregar o material a quem o ia transportar e dizer o resultado que se pretendia;
f) Como decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/2/91, BMJ, 404, 321, "..Na prestação de serviços não se verifica tal subordinação (subordinação jurídica), considerando-se apenas o resultado das actividades, isto, sem prejuízo de neste contrato poder haver ordens ou instruções, as quais se dirigem ao objecto do resultado e não à forma de o cumprir".
g) O acórdão recorrido não analisa na sua apreciação e fundamentação os seguintes factos provados - "substituição do A. na actividade" e "tarefas do A. executadas por uma empresa durante a semana" - que mostram que na relação entre o A e a Ré a fidúcia e pessoalidade não estavam presentes, o que comprova a inexistência de subordinação jurídica, própria da relação laboral;
h) Tais factos demonstram que a Ré não contratou a actividade a prestar especificamente pelo A, mas o resultado dessa actividade - a entrega das páginas do jornal na gráfica para ser efectuada a respectiva impressão a horas;
i) E portanto, tais factos - ao contrário do que foi decidido pelo acórdão recorrido - demonstram que não existiu subordinação jurídica, devendo o contrato dos autos ser classificado como prestação de serviços.
j) O acórdão recorrido que confirmou a sentença da 1ª Instância ao decidir pela existência de contrato de trabalho aplicou mal o direito aos factos provados e violou o disposto no art. 1152º do C.C. e o art.º 1º do D.L. 49408 - LCT devendo ser revogado e substituído por acórdão que absolva a recorrente do pedido, sendo o presente recurso julgado procedente, só assim se fazendo justiça.

Contra-alegou o Recorrido, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção das decisões da 1ª Instância e do acórdão recorrido.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Dg.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer que se acha a fls. 140 a 145, no qual manifesta o seu entendimento de que a revista deve ser concedida.

Contra esse parecer se insurgiu o Autor nos termos constantes da sua resposta a fls. 147 a 152, insistindo em com os factos provados denunciam a existência de um autêntico contrato de trabalho entre as partes.

Colhidos que se mostram os legais vistos, cumpre apreciar e decidir.

A única questão que, nas conclusões da sua alegação, a Recorrente submete ao julgamento deste Supremo Tribunal prende-se com saber se a materialidade factícia apurado nos autos autoriza a caracterização do contrato celebrado entre o Autor e a Ré, ou seja entre a ora Recorrente e o ora Recorrido, como um contrato de trabalho subordinado.

É a seguinte essa materialidade factícia:

1. A ré é uma empresa que se dedica à actividade editorial, designadamente do B.

2. No dia 22 de Janeiro de 1993, autor e ré subscreveram o documento de fls. 10, que intitularam como "Contrato de Prestação de Serviços", com o clausulado constante do mesmo.
3. A partir do dia 23 de Janeiro de 1993, o autor, todos os sábados e Domingos, das 17H00 ás 22H00, e a partir de 31 de Maio de 1997, das 16H00 às 22H00, realizava a tarefa de estafeta, transportando do B para vários locais da grande Lisboa, todo o material que a ré lhe entregava para o levar e entregar nas gráficas de modo a ser editado o jornal "B".
4. Essas entregas e idas às gráficas ocorriam á medida que as páginas do jornal iam ficando prontas, realizando, ainda, outras tarefas relacionadas com a edição do jornal, como levar rolos fotográficos para revelar.
5. A pessoa que o encarregava de executar as tarefas supra referidas nos pontos 3 a 5 era a pessoa que, em cada um dos dias, coordenava a feitura do jornal.
6. O autor só podia ausentar-se antes das 22H00, caso o fecho do jornal ocorresse antes dessa hora e mediante autorização da pessoa que chefiava a feitura do jornal desse dia.
7. Nas deslocações o autor utilizava, até Janeiro de 1997, uma motorizada pertença da ré. A partir desta data, passou a utilizar uma motorizada da sua propriedade.
8. Caso o autor necessitasse de faltar, avisava com a antecedência possível, e, em regra, indicava alguém que o substituísse no dia em que ia faltar. Essa pessoa cumpria as tarefas que lhe destinavam de acordo com as ordens recebidas pelo coordenador da feitura do jornal.
9. O autor auferiu as seguintes remunerações mensais:
a) de Janeiro de 1993 a Julho de 1994 - 35000 escudos
b) de Agosto de 1994 a Março de 1996 - 40000 escudos
c) de Abril a Dezembro de 1996 - 50000 escudos
d) desde Janeiro de 1997 - 100000 escudos.
10. A ré nunca satisfez ao autor qualquer quantia a título de férias, subsidio de férias e de Natal.
11. A ré pagava aos seus trabalhadores, desde a data anterior a 1996, subsidio de Natal.
12. Por carta datada de 08.07.99, a ré comunicou ao autor a sua vontade de rescindir o contrato de prestação de serviços celebrado em 22 de Janeiro de 1993, com efeitos a partir de 9 de Agosto de 1999 (doc. de fls. 9).
13. Desde esse dia que o autor não mais executou para a ré as tarefas supra descritas.
14. As tarefas realizadas pelo autor aos fins de semana eram realizadas, durante a semana, por uma empresa.
Estes factos não são postos em causa pela Recorrente, sendo que a este Supremo Tribunal cumpre acatá-los atento o disposto nos Art.os 85º n.º 1 do Cód. Proc. Trabalho e 729º, n.º 2 do Cód. Proc. Civ., sendo que não se vislumbra que imponha a sua alteração ou ampliação nos termos dos n.ºs 2 e 3 desse art. 729º do Cód. Proc. Civ.
A resolução da questão que nos é colocada passa pela abordagem da já muito debatida diferença entre o contrato de trabalho e o de prestação de serviços para, depois, podermos ajuizar sobre a figura contratual que melhor enquadra a facticidade apurada nos presentes autos.

Dispõe o art. 1º do Dec.-Lei n.º 49408, de 24-11-69 (Regime Jurídico do Contrato de Trabalho - adiante referido pela sigla LCT), que o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoas, sob a autoridade e direcção desta. Trata-se de definição que o Legislador foi buscar ao art. 1152º do Cód. Civil repetindo-a ipsis verbis nesse art. 1º da LCT. A definição do Código Civil corresponde, por sua vez, ao texto do art. 1º do Dec.-Lei n.º 47032, de 27 de Maio de 1966 que então regulava, nas suas linhas gerais, o contrato de trabalho (1) .

Tal definição põe em relevo os três elementos do contrato de trabalho:

1º - a prestação duma actividade (que pode ser intelectual ou manual);
2º - a retribuição (que pode ser em dinheiro ou em espécie) - art. 82º, n.º 2 da LCT, e
3º - a subordinação de um dos contraentes a outro ou seja, do trabalhador ao empregador.

No que concerne ao contrato de prestação de serviço, define-o, genericamente, o art. 1154º do Cód. Civil, como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

Neste definição podemos encontrar também os três elementos do contrato de prestação de serviço e aferir das suas diferenças em confronto com os contrato de trabalho.

1º - a prestação de um certo resultado do trabalho (que pode ser intelectual o manual);
2º - a possibilidade de não haver remuneração.
3º - autonomia ou não subordinação à direcção da outra parte.

Colocadas assim as coisas, logo se constatam as diferenças entre as duas figuras contratuais em causa. Assim, embora os dois contratos tenham por beneficiário pessoa diferente do prestador de actividade, enquanto no contrato de trabalho o dador do trabalho presta uma actividade que poderá conduzir e normalmente conduzirá a um resultado, o contrato de prestação de serviço tem por objecto o próprio resultado que, naturalmente, é consequência duma actividade tendente a produzi-lo. Depois, enquanto o contrato de trabalho é, por natureza, oneroso, na medida em que o prestador da actividade tem de ser remunerado, no contrato de prestação de serviço pode verificar-se a gratuitidade da prestação. Finalmente, sendo o contrato, de trabalho, o trabalhador age sob a autoridade e direcção do empregador, enquanto no cumprimento de um contrato de prestação de serviço o prestador de serviço age livre e autonomamente na execução da actividade tendente a produzir o resultado pretendido.

Se, assim, em teoria, parece fácil a distinção entre os dois contratos, frequentemente surgem, na prática, dificuldades no enquadramento de uma situação factícia concreta numa ou noutra dessas figura contratuais, principalmente quando o contrato é oneroso e dele não resulta muito claro se o dador do serviço se propôs a prestar é a sua actividade intelectual ou manual, ou a proporcionar apenas um resultado do seu trabalho. Mas o elemento que, quer a doutrina, quer a jurisprudência elegem como o verdadeiro diferenciador dos dois contratos é à subordinação do dador do serviço ao beneficiário dele. Mas, mesmo aqui, podem surgir situações em que se torna difícil determinar se se verifica ou não essa relação de subordinação. Mas "é esta subordinação que inspira a regulação do contrato de trabalho em moldes especiais, dominados pelo objecto de proteger aqueles que pelo seu estado de dependência jurídica, e até económica (...), carecem de uma especial protecção" (2).

Como escreve o Prof. Galvão Telles, (Contratos Civis, pág. 62/63), a subordinação não deve entender-se em sentido social, económico ou técnico, e consiste em a entidade patronal poder de algum modo orientar a actividade em si mesma, quanto mais não seja no tocante ao lugar e ao momento da sua prestação", esclarecendo que é isto que se exprime pela palavra "direcção" e que a subordinação social, a económica e a técnica podem existir e existem frequentemente no contrato de trabalho, podendo porém faltar de todo ou em parte, "como no caso do médico que se vincula por contrato de trabalho à prestação da sua actividade profissional". Essa relação de subordinação - concluímos nós - será, então, essencialmente, de natureza jurídica que, segundo Monteiro Fernandes (3) "consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem".

Mas, sendo o elemento que verdadeiramente diferencia o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviço a referida subordinação jurídica que, existindo necessariamente no primeiro, inexiste no segundo, ocorre que, com muita frequência, deparamos com situações, relativamente às quais surge como tarefa assaz delicada a determinação da existência ou não dessa subordinação do prestador da actividade ao beneficiário da mesma, dificuldade que, se, umas vezes, pode ser fruto de circunstâncias fortuitas que rodearam a forma como o contrato - de carácter informal - foi celebrado e o modo como o mesmo é executado, outras vezes obedecerá a uma propósito do empregador, orientado no sentido de frustrar as restrições impostas pela lei à cessação dos contratos de trabalho por parte dos empregadores.

É por isso que a doutrina e a jurisprudência, recomendam que, no caso de dificuldade de determinação da natureza de certo contrato, se recorra a índices de subordinação, indicando como tais, entre outros, o trabalho executado nas instalações do empregador, a propriedade do empregador sobre os instrumentos e equipamentos fornecidos ao trabalhador, o horário de trabalho determinado pelo empregador, a retribuição determinada em função do tempo e a exclusividade da prestação da actividade para o empregador, etc.

No caso de que aqui nos ocupamos, vem provado, como interesse para a determinação da natureza do contrato celebrado entre o Autor e a Ré que:

- No dia 22/01/1993 A. e R. celebraram o contrato que se acha a fls. 10 e verso, que intitularam como "Contrato de Prestação de Serviços"
- A partir de 23/01/1993 o A. todos os sábados e Domingos, das 17H00 às 22 horas, e, a partir de 31 de Maio de 1997, das 16H00 às 22H00, realizava a tarefa de estafeta, transportando do B para vários locais da grande Lisboa, todo o material que a Ré lhe entregava para o levar e entregar nas gráficas de modo a ser editado o jornal "B".
- Essas entregas e idas às gráficas ocorriam à medida que as páginas dos jornal iam ficando prontas, realizando, ainda, outras tarefas relacionadas com a edição do jornal, como levar rolos fotográficos para revelar.
- A pessoa que o encarregava de executar as tarefas supra referidas era a pessoa que, em cada um dos dias, coordenava a feitura do jornal.
- O A. só podia ausentar-se antes das 22H00, caso o fecho do jornal ocorresse antes dessa hora e mediante autorização da pessoa que chefiava a feitura do jornal nesse dia.
- Nas deslocações o A. utilizou, até Janeiro de 1997, uma motorizada pertença da Ré. A partir dessa data, passou a utilizar uma motorizada da sua propriedade.
- Caso o A. necessitasse de faltar, avisava com a antecedência possível, e, em regra, indicava alguém que o substituísse no dia em que ia faltar. Essa pessoa cumpria as tarefas que lhe destinavam de acordo com as ordens recebidas pelo coordenador da feitura do jornal.
- O Autor auferia remunerações mensais.
- As tarefas realizadas pelo A. ao fim de semana eram realizadas, durante a semana, por uma empresa.

Perante estes factos, que dizer da natureza do contrato celebrado entre o Autor e a Ré e que se encontra junto a fls. 10 e verso ?

Desde logo, que não é decisivo o título de "Contrato de Prestação de Serviços" que as partes lhe deram. Na verdade a natureza do contrato há-de aferir-se pela concreta actividade que o trabalhador é chamado a prestar para o empregador e pelos demais elementos configuradores disponíveis, e não, simplesmente, pelo nomem que as partes entenderam por bem conferir ao contrato, o qual, podendo até corresponder à designação que as partes quiseram, realmente, dar-lhe, pode não traduzir, do ponto de vista jurídico, a espécie do contrato que efectivamente foi celebrado.

O que quer dizer que, não obstante as partes terem denominado o contrato como de prestação de serviços, ele podia muito bem revelar-se ser um verdadeiro contrato de trabalho subordinado.

Acontece, porém, que, ao contrário do que decidiram as Instâncias, a apreciação da facticidade apurada não nos permite afirmar, com o mínimo de segurança, que ela revele aquela relação de subordinação do Autor à Ré, configuradora de um contrato de trabalho.

Adverte Monteiro Fernandes (4) que "a intrinsecção da dependência jurídica, através de elementos indiciários como os referidos permanece cingida ao fornecimento de respostas para o juízo de «aproximação» ou «semelhança» a que a identificação do contrato de trabalho se reconduz. Cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo a fazer, nos termos expostos, é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da relação concreta".

Para configurar a relação estabelecida entre o Autor e a Ré como de trabalho subordinado considerou-se, no acórdão em recurso, que se provou que o Autor, ao serviço da Ré:

- tinha um horário de trabalho a cumprir;
- era fiscalizado e controlado pela Ré, ao longo da sua prestação;
- auferia uma remuneração mensal fixa, recebia instruções do responsável pela coordenação e feitura do jornal do jornal em que trabalhava e
- utilizava os meios postos à sua disposição.

Porém o acórdão recorrido omitiu, de todo, a consideração de outros importantes elementos que, confrontados com os acima alinhados tiram-lhes significado como índices seguros da existência de uma verdadeira subordinação jurídica do A. à Ré, sendo, aliás certo que, se é verdade que até Janeiro de 1997 o Autor utilizou uma motorizada da propriedade da Ré, a partir daí passou a utilizar uma motorizada própria, não havendo conhecimento de que a Ré tivesse posto outros meios à sua disposição.

A materialidade factícia, globalmente considerada, permite concluir que a prestação do Autor foi querida pela R. tão somente para o efeito de, todos os Sábados e Domingos das 17H00 às 22H00, numa primeira fase, e, a partir de 31 de Maio de 1997, das 16H00 às 22H00, utilizar a sua actividade de estafeta com vista a fazer chegar às gráficas o material que a Ré lhe entregava com vista à edição do "B". E, tanto assim, que era indiferente à Ré que tal serviço fosse desempenhado pelo Autor ou por qualquer outra pessoa, pois, quando o Autor necessitava de faltar, indicava, em regra, alguém que o substituísse. E durante a semana essas tarefas eram realizadas por uma empresa. O que elucida, suficientemente, que era inimportante para a Ré a pessoa de quem procedia à entrega do material nas gráficas. E, ocorrendo essas entregas de material ao Autor e idas deste às gráficas à medida que as páginas do jornal iam ficando prontas perde significado como índice de relação de subordinação, a vinculação do Autor a um horário. As folhas do jornal iam ficando prontas dento daquele horário e precisavam de ser logo levadas às gráficas.

Se, nestas condições, concluíssemos pela existência duma subordinação do Autor à Ré, o mesmo, por coerência, teria de se fazer relativamente à pessoa que, por vezes, o substituía no seu trabalho de estafeta e, outrossim, à empresa que executava a mesma tarefa durante a semana.

No que respeita à afirmação produzida no acórdão recorrido de que o Autor era fiscalizado e controlado pela Ré ao longo da sua prestação, cremos que não é isso, exactamente, o que resulta dos factos apurados. O que, quanto a isso, provado ficou foi que a pessoa que encarregava o A. de executar as tarefas (levar o material às gráficas) era a pessoa que, em cada um dos dias, coordenava a feitura do jornal.

Nada de mais natural ! Se o Autor tinha por missão, na sua qualidade de estafeta, levar o material destinado à edição do jornal às gráficas, alguém tinha de lhe entregar esse material e instruí-lo quanto à sua entrega, não nos parecendo que, tão-somente a partir desse facto, se possa dizer, como se faz no acórdão recorrido, que o Autor era fiscalizado e controlado pela Ré, para a partir daí se afirmar a existência de mais um índice da subordinação jurídica configuradora de um contrato de trabalho. Numa situação flagrante de prestação de serviço as coisas teriam de ocorrer nos mesmos termos.

Quanto à comprovada percepção pelo Autor de uma retribuição fixa com periodicidade mensal, importa que se diga que tal forma de pagamento não é exclusiva de um contrato de trabalho. Isso pode acontecer também num contrato de prestação de serviço, como, por exemplo, acontece no contrato de avença.

Finalmente, não é despiciendo notar que, ao longo de todo o tempo em que vigorou o contrato (pouco mais de seis anos), a Ré nunca satisfez ao Autor qualquer quantia a título de férias, de subsídio de férias e de Natal, nem o Autor alguma vez os reclamou, o que aponta para que haveria neste último a consciência de que a essas quantias não tinha direito, por não estar vinculado à Ré por um contrato de trabalho.

De tudo quanto se expôs, e ao contrário do que se entendeu no acórdão recorrido, impõe-se a conclusão de que são extremamente débeis os indícios apurados a apontarem para a existência duma subordinação do Autor à Ré.

Tendo o Autor proposto a presente acção com vista a ver reconhecido que o contrato celebrado com a Ré era de trabalho, competia-lhe provar tal facto, atento o disposto no art.o 342º, n.º 1 do Cód. Civil, através da prova de verificação dos elementos constitutivos desse contrato.

Tal prova, como, se viu, não a logrou o Autor fazer, pelo que o non liquet do julgador que daí deriva, converte-se, na sequência da directiva traçada pelo n.º 1 do art. 8º do Cód. Civil, num liquet contra o Autor (5).

Consequentemente não se pode dar como provado que o contrato titulado pelo documento junto a fls. 10 e verso, é um contrato de trabalho subordinado, do que resulta não ter o Autor direito a ver satisfeitas as pretensões nesta acção formuladas.

Pelo exposto concedendo-se a revista, revoga-se a decisão recorrida, absolvendo-se a Ré, B do pedidos contra ela formulados pelo Autor A.

Custas pelo Autor, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 29 de Maio de 2002.

Emérico Soares,

Manuel Pereira,

Azambuja Fonseca.

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(1) Vide P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, anotação ao art. 1152º, Vol. II.
(2) Cfr. P. de Lima e A. Varela, in Noções Fundamentais de Direito Civil, 6ª Ed., Vol. I, pág. 498.
(3) Direito do Trabalho, 9ª Ed., Vol. I, pág. 122/123.
(4) Ob. cit. Pág. 137
(5) Cfr. Manual de Processo Civil, de A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, 2ª Ed. Pág. 447.