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- A 24/05/2019, AA e BB intentaram a execução a que estes autos se mostram apensos contra CC e DD, com base numa sentença judicial, transitada em julgado, com vista a obter a cobrança de 87.182,92€, acrescidos de juros.
- A 28/06/2019, os executados deduziram oposição, mediante embargos, para tanto alegando, em síntese, que a citação efetuada na ação declarativa onde a sentença foi proferida é nula, uma vez que se avançou para a citação edital sem que se mostrassem esgotadas todas as diligências necessárias à concretização da sua citação pessoal, mais alegando que não devem aos exequentes a quantia em que foram condenados.
- Foi proferido despacho liminar que indeferiu parcialmente os embargos, recebendo-os, apenas, na parte em que é alegada a nulidade de citação.
- Os exequentes – notificados a 08/07/2019 - contestaram, pugnando pela improcedência dos embargos, alegando que a citação edital só ocorreu depois de esgotadas todas as diligências tendentes a obter a citação pessoal dos aqui embargantes.
- De seguida foi proferido despacho saneador, julgando os embargos improcedentes.
- A 02/02/2021, os embargantes recorreram deste saneador-sentença, para que seja revogado e substituído por outro que julgue procedentes os embargos, alegando, no essencial, que os factos provados demonstram que se verificou a nulidade da citação, porque o tribunal não esgotou todas as tentativas possíveis de citação pessoal dos réus, sendo por isso nulo todo o processado após a petição inicial (ou, numa variante constante das alegações, depois da “citação”).
- Pelo Tribunal da relação foi decidido: “Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se o saneador-sentença recorrido que se substitui por este acórdão que julga procedente os embargos, com a consequente extinção da execução, por se ter verificado a falta de citação dos réus na acção declarativa de que procede a sentença que está a ser executada”.
Inconformados com o decidido pela Relação, interpõem recurso de Revista para este STJ os exequentes/embargados, e formulam as seguintes conclusões:
“1. Deve ser admito o presente recurso com efeito suspensivo, atento o periculum in mora supra alegado;
2. Os devedores e aqui recorridos, apesar de nas suas várias peças processuais alegarem “morar” no Brasil, nunca, em momento algum, disseram em que morada ali poderiam ser encontrados – mesmo na procuração forense conferida aos seus mandatários – a morada que indicam é a de Portugal, onde dizem não habitar;
3. Foram efetuadas todas as diligências exigíveis e possíveis para citação dos Recorridos/Réus;
4. O mesmo é dizer que foi escrupulosamente cumprido o previsto nos artigos 236º e 240º do CPC;
5. Não colhe o “argumento” dos executados de que a executada CC “… ao menos até Setembro de 2017, era trabalhadora dependente desta Sociedade” pois, além de falsa tal afirmação, os exequentes não sabem nem têm qualquer obrigação de o saber.
6. Acresce que é legitimo perguntar: se os executados, que até indicam vizinhos como testemunhas, não tiveram ninguém que os alertasse para a variada correspondência deixada na sua caixa de correio e, pelo menos, duas tentativas de citação pessoal coladas na sua porta, de que adiantaria enviar cartas para a aludida “Sociedade”?
7. É falso e abusivo afirmar que os exequentes “…bem sabiam que os Réus, aquando da propositura da acção, se encontravam no Brasil…”.
8. E tal afirmação é contraditada pelo próprio embargantes que afirmam passar 3 ou 4 meses por ano em Portugal… e ao mesmo tempo afirmam que a executada CC membro dos órgãos sociais e trabalhadora dependente da alegada Sociedade comercial…
9. Tendo até renunciado à gerência da aludida Sociedade em 29/07/2017;
10. Ao considerar que se omitiram diligências tendentes à localização dos RR, o Douto Acórdão faz uma interpretação extensiva do previsto nos artºs 225/6, 236º/1 e 240º, todos do CPC, em violação do previsto no nº 2 do artº 9º do CC.
11. Exigir as diligências que no Douto Acórdão agora recorrido se descrevem é, com o muito e devido respeito, violar as normas de interpretação, v.g. o previsto no nº 2 do artº 9º do Código Civil que dispõe: “2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”
12. Na verdade, esgotadas as tentativas para citação pessoal, (por os citandos se encontrarem em parte incerta, algures num Continente chamado Brasil), foram feitas todas as diligências impostas pela lei processual para saber o último paradeiro ou residência conhecida, e só após frustração de todas as diligências, foi efetuada a citação edital, no estrito cumprimento do disposto no artº 240º do CPC.
Termos em que, com o sempre douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser aceite e julgado procedente, revogando-se o Douto Acórdão recorrido, prosseguindo a execução os seus tramites”.
Foram apresentadas contra-alegações pelos executados/embargantes, nas quais concluem:
“A – O deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo implica, conforme resulta do disposto no artigo 13º da Portaria nº 1085-A/2004 de 31 de Agosto, o pagamento mensal da quantia fixada até que o somatório das prestações pagas ser de valor superior a quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial.
B – Nos presentes o valor de taxa de justiça inicial foi de £ 612,00, pelo que, nos termos do disposto no artigo acima identificado, o beneficiário do apoio jurídico apenas poderia deixar de pagar as prestações mensais quando o valor pago totalizasse € 2.448,00.
C – Compulsados os autos verificamos que pelo Recorrente foram apenas juntos aos autos 5 DUCs, os quais, pressupondo o seu pagamento, totalizam o pagamento de apenas € 800,00.
D – Assim desde que o deferimento do pedido de apoio jurídico foi notificado ao Recorrente, o que sucedeu em Junho de 2020, este procedeu ao pagamento da prestação mensal fixada apenas 5 vezes ao invés das 16 exigíveis.
E – Entendem os Recorridos que, s.m.o, a falta do pagamento das prestações do apoio judiciário equivale ao não pagamento da taxa de justiça devida.
F – Já a Recorrida AA não beneficia de apoio judiciário, não obstante alegar que está a litigar com apoio judiciário, a verdade é que, e s.m.o, não está, na medida em que em Setembro de 2020 foi junta aos autos, pelo Instituto da Segurança Social, comprovativo da decisão de indeferimento do pedido de apoio jurídico.
G – Decisão essa aceite pela Recorrente uma vez que esta nunca procedeu ao pagamento de qualquer prestação (com excepção de uma relativa ao presente recurso), pelo menos segundo a informação constante dos autos.
H – Sendo o pagamento da taxa de justiça requisito para a admissão do recurso, e equiparando-se o pagamento das prestações do apoio judiciário ao pagamento da taxa de justiça devida, e não estando pagas as 16 prestações vencidas, não deverá o presente recurso ser admitido.
I – Requereram os Recorrentes a a atribuição de efeito suspensivo ao recurso invocando para o efeito que os Recorridos não possuem outros bens em território nacional além do dos montantes já penhorados à ordem dos presentes autos, que os mesmos afirmam não morar em Portugal e que demonstram a sua intenção de nunca virem a ser notificados.
J – Os Recorridos opõem-se veementemente à atribuição do efeito suspensivo ao presente recurso não por não ser verdade que estejam a tentar “fugir à justiça” mas apenas porque, na sua opinião, não se encontram preenchidos os requisitos necessários para tal.
K – Assim, os Recorridos, ao contrário do afirmado pelos Recorrentes, têm mais bens em território nacional, conforme informação constante dos autos, os Recorridos não residem em exclusividade no Brasil, antes vivem alternadamente entre o Brasil e Portugal, e por ultimo os Recorridos já forneceram nos autos principais uma morada de notificação para que recebam sempre as notificações no âmbito dos presentes autos. Não existe por isso qualquer risco para os Recorrentes que fundamente a atribuição do efeitos suspensivo ao presente recurso.
L – Procederam os Recorrentes à junção às suas alegações de recurso de recurso de dois documentos: uma sentença do Tribunal de 1ª Instância proferida no âmbito do processo 17615/17.0…-A e uma certidão comercial da sociedade B… e C…, Lda.
M – Ora, resulta do disposto no artigo 651º do Código de Processo Civil que a junção de documentos às alegações de recurso é possível apenas nos termos do disposto no artigo 425º do mesmo Código, o qual estipula que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
N – Parece-nos claro que nada impedia a junção da certidão comercial em data anterior à presente, na medida em que bastaria aos Recorrentes requerer a emissão da referida certidão, o que pode ser feito a todo o tempo, pelo que não existe justificação para a sua junção tardia, não devendo por isso ser admitida.
O – Já no que respeita à junção da certidão da sentença proferida pela MM Juiz de 1ª Instância no âmbito do Recurso de Revisão de Sentença apresentado pelo aqui Recorridos no âmbito do processo 17615/17.0...-A a sua junção em data anterior não seria possível porquanto apenas agora foi proferida, contudo, e s.m.o, parece-nos que não acrescenta nada no caso presente pois a referida sentença limita-se (ainda que, s.m.o, de forma incorrecta, tendo por isso sido já alvo de recurso) a aplicar aos autos a consequência da decisão do Tribunal da Relação de …, ou seja, havendo uma decisão que julgou a citação edital dos aqui Recorridos nula, tal decisão implica a destruição da sentença do processo em que teve lugar a citação edital ainda que tenha sido proferido no âmbito da instância executiva.
P – Vem o presente recurso do douto Acórdão do Tribunal da Relação de … que julgou nula a citação edital dos aqui Recorridos por entender que não foram esgotadas todas as tentavas de citação pessoal antes de ter sido ordenada a citação edital, entendendo os Recorrentes que foram cumpridas todas as exigências para a citação edital.
Q – Naturalmente entendemos que não, conforme seguidamente demonstraremos.
R – No âmbito do processo 17615/17.0… foram levadas a cabo as seguintes diligencias por forma a citar os Réus:
1.Em 03 de Outubro de 2017, foram enviadas citações por via postal para a morada indicada pelos Autores na petição inicial, mais concretamente Avenida …, nº 4, 2º C, Urbanização …, …, as quais vieram devolvidas com a menção “objecto não reclamado”;
2. Em vista de tal devolução, a secretaria realizou buscas junto da Autoridade Tributária, Segurança Social e Registo Civil, tendo apurado que o endereço dos RR era na Avenida …, nº 16, 2º B, Urbanização …, …, tendo sido remetidas novas citações para a nova morada, as quais vieram a ser devolvidas com a menção de objecto não reclamado”;
3. Das buscas resultou ainda que a Ré CC, integrava os órgãos estatuários da Sociedade R… e C…, Lda., com sede na Rua …, nº 18, …, em …, e que, ao menos até Setembro de 2017, era trabalhadora dependente desta Sociedade;
4. Por força da devolução das citações foi nomeado Agente de Execução para proceder à citação por contacto pessoal dos Réus, o qual se terá deslocado à morada dos autos, em Janeiro de 2018, e ai sido informado que os Réus não eram vistos no local desde Agosto de 2017, e que os mesmos se encontrariam no Brasil há já 5/6 meses.
5. Após o que foi ordenado e deferida a citação edital dos Réus.
S – Dispõe o Código de Processo Civil, no seu artigo 226º nº 6, que a citação edital tem lugar quando o citando se encontre em parte incerta, nos termos do disposto no artigo 236º e 240º ou quando sejam incertas as pessoas a citar.
T – Para que possamos concluir que a pessoa a citar se encontra ausente em parte incerta é necessário que se esgotem primeiramente todas as tentativas de citação pessoal, pois a lei processual apenas a admite a citação edital quando seja manifestamente impossível a citação por outro meio, e essa exigência existe porque a citação edital, não oferecendo qualquer garantia de efectivo conhecimento do seu teor pelo seu destinatário, é manifestamente uma limitação ao imperativo constitucional presente no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
U – No caso ora em discussão não foram, manifestamente, esgotadas todas as possibilidades de citação pessoal dos Réus, aqui Recorridos, na medida em que existiam no processo duas informações relativas aos Réus, aqui Recorridos, que foram, pura e simplesmente, ignoradas.
V – Constava do processo a informação de que os Réus Recorridos se encontravam no Brasil, sendo por isso conhecida alguma informação quanto ao seu paradeiro, não sendo, por definição, esse paradeiro incerto, logo era exigível que se diligenciasse para apurar a concreta morada dos citandos no Brasil, seja através do Consulado, da Embaixada ou pelo recurso a Convenção Internacional de cooperação em matéria civil.
X – Constava igualmente do processo a informação informação, prestada pela Autoridade Tributária e pelo Instituto da Segurança Social em Novembro de 2017, de que a Ré, aqui Recorrida, CC era membro dos órgãos sociais da Sociedade R… e C…, Lda., e bem assim que a Ré Recorrida, pelo menos até Setembro de 2017, exercia a sua actividade nesta Sociedade.
T – Face a esta informação sempre deveria ter sido tentada a citação pessoal da Ré, aqui Recorrida, naquela morada, o que não sucedeu.
U – De nada vale virem os Recorrentes juntar aos autos documentos que, além de serem inadmissíveis de junção no presente momento, não foram juntos aos autos na altura, pelo que não é válido o exercício de pura adivinhação da consequência de acções que não foram tomadas para validar as falhas existentes na citação, pois a verdade é que a informação de que a Recorrida havia cessado as funções que desempenhava nos órgãos sociais em Setembro de 2017 não constavam do processo pura e simplesmente.
V – A verdade é que a repugna ao sistema jurídico que alguém seja condenado sem observância do princípio do contraditório, conforme dispõe o artigo 2º e 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e que a lei ordinária reflete no artigo 3º e 4º do Código de Processo Civil.
W – A plena realização da justiça implica que Autores e Réus intervenham no processo em condições idênticas, evitando os riscos de injustiça material, os quais são incomparavelmente superiores aos que decorrem dos processos onde seja assegurado o contraditório efectivo.
X – Negando-se à parte este elementar direito, nega-se o direito de acesso a um processo equitativo e justo bem como o acesso aos tribunais e à realização da justiça que a Constituição da Republica consagra e o Estado de Direito exige.
Y – Existindo no processo informações que poderiam levar à concretização pessoal de, pelo menos, um dos Réus, então era obrigação do Tribunal procurar esgotar essas possibilidades antes de avançar para uma forma de citação que não garante qualquer segurança ao processo decisório.
Z – Ao não fazê-lo o Tribunal de 1ª Instancia violou os direitos dos Réus, aqui Recorridos, designadamente o direito ao principio do contraditório e o direito à defesa.
AA – Por todo o exposto, a citação edital foi não só prematura, por não esgotados todos os meios processuais para a efectiva citação dos citandos, como ainda indevida porquanto os citandos não se encontravam ausentes em parte incerta, sendo que uma e outra situação conduzem à nulidade da citação edital efectuada, o que equivale à falta de citação, tudo nos termos do disposto no artigo 188º do Código de Processo Civil, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais.
AB – Sendo nula a citação, é nulo tudo quanto se tiver processado após a petição inicial, nos termos do disposto no artigo 187º do supra mencionado Código, o que se requer seja verificado por este douto Tribunal”.
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O recurso foi admitido.
Cumpre conhecer e decidir.
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Nas Instâncias foram tidos em conta os seguintes factos:
“Para a decisão da questão principal importam os seguintes factos dados como provados:
1 - Os exequentes deram à execução a sentença proferida em 13/03/2019 pelo Juízo Central Cível de … (Juiz …) deste Tribunal Judicial da Comarca da Grande Lisboa-Oeste, no processo 17615/17.0…, onde intervieram como autores e os aqui executados como réus, e na qual foi proferida a seguinte decisão: “julgo a presente acção procedente, por provada, e, em consequência, declaro a resolução do contrato promessa celebrado entre autores e réus condenado estes a (i) restituírem aqueles a quantia correspondente ao sinal prestado em dobro, que se fixa em 86.000€, bem como a (ii) pagarem aos autores 1182,92€, tudo acrescido de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.”
[no contrato-promessa que os autores juntaram, o réu estava identificado, para além de, como a mulher, com um NIF português, com um título de passaporte com n.º e data de validade, emitido pela República Federativa do Brasil; num outro documento junto pelos autores, os réus tinham uma conta bancária portuguesa devidamente identificada; no reconhecimento notarial das assinaturas do contrato a ré tem um número de cartão de cidadão português e o réu tem um cartão de residência permanente em Portugal, emitido pelo SEF de …, devidamente referenciado; em e-mails juntos pelos autores consta um endereço electrónico do réu; numa carta de Set2015, de uma seguradora, junta pelos autores, consta um endereço da ré em …: Rua …, n.º 23, 5.ºB, …. – descrição de elementos de prova feita por este TRL, ao abrigo dos arts. 663/2 e 607/4 do CPC, por serem documentos juntos no processo 17615 pelos autores e não impugnados pelos réus, que também os juntaram na petição de embargos]
2 - Para citação dos réus no âmbito daquele processo foram-lhes remetidas, em 04/10/2017, cartas registadas com aviso de recepção para a Av. …, n.º 4-2ºC, Urbanização …, …, morada indicada na petição inicial, que foram devolvidas com a menção de “Objecto não reclamado/Non reclame”.
3 - Em 13/11/2017, foram efectuadas pesquisas nas bases de dados dos serviços da segurança social, dos serviços de identificação civil e da Direcção-Geral dos Impostos, apurando-se que os réus tinham domicílio na Av. …, n.º16, 2.ºB, Urbanização …, …, mais se apurando em relação à ré que ela constava como membro de órgão estatutário da R… e C…, Lda, com registo de última remuneração em Setembro de 2017.
4 - Em 20/11/2017, foram então remetidas cartas registadas com aviso de recepção para citação dos réus naquela morada (16/2.ºB), que foram devolvidas com a menção de “Objecto não reclamado/Non reclame”.
5 - Em 20/12/2017, foram efectuadas novas pesquisas nas bases de dados dos serviços da SS, dos serviços de IC e da DGI, delas resultando que os réus continuavam a ter o mesmo domicílio (16/2.ºB) e que a ré continuava a constar como membro de órgão estatutário daquela sociedade, com registo de última remuneração em Setembro de 2017.
[na base de dados da identificação civil constam os nomes dos pais da ré, o seu local de nascimento, a sua morada, do 16/2.ºB, etc. – acrescentado por este TR…, ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4 do CPC, com base no documento autêntico constante do processo 17615]
6 - Foi então nomeado agente de execução para proceder à citação dos réus, através de contacto pessoal, com referência àquela morada (16/2.ºB).
[a nomeação do AE foi feita com o envio de cópia da PI e documentos - acrescentado por este TR…, ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4 do CPC, com base no documento autêntico constante do processo 17615]
7 - Tal citação frustrou-se, tendo o AE nomeado vindo informar que: “1. Deslocou-se, no dia 03/01/2018, àquela morada, a fim de proceder à citação por contacto pessoal da ré, NIF 249…7 e do réu, NIF 256…5; 2. No local não encontrou os réus, foi deixado aviso com indicação para citação; 3. No dia 15/01/2017, deslocou-se novamente à morada supra indicada e não encontrou os réus; segundo informação prestada pela vizinha do 1.ºD, os réus não são vistos no local desde Agosto de 2017, julgando que os mesmos se encontram no Brasil; 4. Informação confirmada pelo responsável da empresa V… Sr. …., contacto 96…4; 5. Pelo exposto, não foi possível efectuar a diligência.”
8 - Notificados da certidão negativa de citação, os autores requereram a citação edital dos réus.
9 - Foi ordenada a realização de novas buscas nas bases de dados, que foram realizadas em 20/02/2018, delas resultando que os réus continuavam a ter domicílio naquela morada (16/2.ºB) e que a ré continuava a constar como membro de órgão estatutário daquela sociedade, com registo de última remuneração em Setembro de 2017.
[na base de dados da identificação civil, com cartão de cidadão português emitido a 08/10/2015, constam os nomes dos pais do réu, a data de nascimento do réu e a sua morada no 16/2.ºB; nos dados da AT consta a morada da sociedade onde a ré é membro de órgão estatutária e consta ainda o nome e morada de uma outra sociedade, na …, fonte de rendimentos da ré em 2017; esta última também consta como fonte de rendimentos do réu, em 2017 – este § foi acrescentado por este TRL, ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4 do CPC, com base no documento autêntico constante do processo 17615]
10 - Nessa sequência, foi então ordenada e concretizada a citação edital dos réus, com afixação de edital à porta do 16/2.ºB em 27/07/2018 [e publicação de anúncios a 10/09/2018 e prova dessa publicação na folha junta a 12/09/2018 – TR…, consulta da acção 17615/17], após o que se procedeu à citação do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15 do Código de Processo Civil”.
*
Conhecendo:
São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608º, 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do C.P.C.
No caso em análise questiona-se:
- A validade da citação edital dos réus no processo 17615/17.0…, onde foram condenados e em que a sentença proferida constitui o título executivo que serve de base à execução contra eles instaurada e que os presentes embargos impugnam.
A 1ª Instância decidiu: “Ao contrário do que os embargantes defendem, a citação edital foi precedida da realização de todas as diligências possíveis e legalmente previstas com vista a apurar do seu concreto paradeiro, pelo que não pode considerar-se que tenha sido indevidamente efectuada”.
O Tribunal da Relação com entendimento contrário decidiu: “julga-se procedente o recurso, revogando-se o saneador-sentença recorrido que se substitui por este acórdão que julga procedente os embargos, com a consequente extinção da execução, por se ter verificado a falta de citação dos réus na acção declarativa de que procede a sentença que está a ser executada”.
E fundamenta: “Nos factos provados não consta que o AE tenha apurado junto de duas pessoas (uma vizinha e uma pessoa que se presume ter uma empresa no local) que os réus se encontravam no Brasil, embora sem indicação da concreta morada. O AE não disse isso, nem disse também que tinha feito a pergunta necessária sobre a morada concreta (designadamente tendo em vista o disposto no art. 235, particularmente claro em confronto com o art. 236/1, ambos do CPC). Para além disso, o AE ainda devia ter averiguado, junto das pessoas que contactou, ainda tendo em vista o disposto naquele artigo 235, se os réus tinham o costume de se ausentar por um certo período de tempo ou se aquela ausência era uma situação inusual. E não o tendo feito o AE, devia-o ter feito a secretaria, por força do art. 236/1, 1.ª parte, do CPC, ao menos por contacto telefónico com o empresário identificado [a título de curiosidade esclareça-se que na certidão predial junta na execução, por consulta ao registo predial feita pelo AE, a 27/05/2019, consta que a sociedade V… registou a aquisição do edifício do n.º 16 da Av. … em 2014; a fracção do 2.ºB foi vendida pela V… à C…, Unipessoal, SA, com registo da aquisição a 05/05/2017, que a veio a permutar aos réus com registo da permuta a 05/05/2017, o que indicia a forte probabilidade de a V… ter informações úteis para o contacto da ré], ou os autores (a título de ónus, porque lhes interessava uma citação com observância de todas as cautelas, de modo a evitar a procedência de uns futuros embargos, com base na falta de citação, tanto mais que requereram a citação edital dos réus, como consta do facto 8).
Por outro lado, não se tratava de enviar carta para citação dos réus no local de trabalho da ré (como pretendem os réus, argumento seguido pela sentença para o rebater), mas sim da necessidade de o AE fazer averiguações, junto de uma sociedade a que a ré até recentemente estava ligada, da morada dos réus (eventualmente no Brasil). Sendo a ré membro de um órgão estatutário de uma sociedade, da qual tinha recebido remunerações ainda em Set2017, um mês e meio antes da primeira averiguação da base de dados, é muito provável que esta sociedade tivesse informações ou contactos que fossem úteis para se averiguar a morada concreta dos réus (mesmo que no Brasil). E não o tendo feito o AE, devia-o ter feito a secretaria (por força dos artigos 226/1 e 236/1 do CPC) ou os autores (a título do ónus já referido).
E para além destes elementos que demonstram a possibilidade de outras averiguações, existem outros referidos nos factos 1 e 9, que claramente podiam ter servido para o efeito”.
Entendemos que a citação edital é remedeio para evitar a paralisação dos processos pelo que apenas dela deve lançar-se mão, quando seja impossível o contacto pessoal com o citando, ou contacto direto por outro meio, dada a multiplicidade de meios de contacto na atualidade.
A Constituição, consagrando o respeito pelo direito de defesa, no art. 20º, pretende alcançar a garantia de que o réu/demandado tenha efetivo conhecimento do processo contra ele instaurado.
Por isso a lei ordinária dá primazia à citação pessoal (por via eletrónica, pelo correio ou, por contacto pessoal, conforme art. 225º, nº 2, do CPC).
Assim que, só em último recurso se deve fazer uso da citação edital, dada a imprevisibilidade e falta de certeza quanto ao conhecimento de facto, pelo citando, do objeto da citação.
Assim que concordamos com o expandido no Ac. da Rel. do Porto de 29/4/2019, no Proc. nº 18180/16.1T8PRT-B.P1, “O processo de citação edital implica o cumprimento de várias etapas, com vista à garantia do contraditório: i) a secretaria procura a efetiva citação pessoal por via postal ou por contacto direto (art.º 226.º, n.º 1, do CPC); ii) frustradas as modalidades de citação pessoal do réu em território nacional ou estrangeiro e persistindo a situação de ausência em parte incerta, a secretaria efetua oficiosamente as diligência julgadas pertinentes, junto de qualquer entidade ou serviço, dirigindo-se diretamente a essas entidades por ofício ou qualquer outro meio de comunicação (art.º 236.º e 172.º do CPC); iii) mantendo-se a incerteza quanto ao paradeiro, a secretaria fará o processo concluso ao juiz; iv) confrontado com os elementos constantes do processo, pode o juiz: determinar nova tentativa de citação pessoal, solicitar outros elementos ou, em casos indispensáveis, requisitar informações às autoridades policiais (art.º 236.º, n.º 1 do CPC); v) não se superando a situação de incerteza do paradeiro, deve o juiz ordenar a citação edital”.
A questão é saber se, no caso concreto, outras diligências podiam ter sido levadas a cabo, com vista a dar conhecimento direto aos réus de que contra os mesmos havia sido instaurada uma ação judicial.
É que se foi empregue indevidamente a citação edital, há falta de citação, conforme art. 188º, nº 1 al. c), do CPC.
No caso estamos perante citandos residentes em parte incerta e, eventualmente no estrangeiro.
Há que analisar se se tornou impossível consumar a citação segundo o regime regra, que é a citação pessoal, e porque esta forma de citação é a que melhor garante a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, conforme art. 20º da CRP, dos citandos.
Dispõe o nº 4 do art. 239º, do CPC que, “4 - Estando o citando ausente em parte incerta, procede-se à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 236.º”.
Só nestes casos expressamente consignados é possível a citação edital, sob pena de ser considerada indevidamente a utilizada esta forma de citação e configurada legalmente como falta de citação (art. 188, nº 1 al. c), do CPC).
E preceitua o referido art. 236º, com a epígrafe “- Ausência do citando em parte incerta”.
“1 - Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais.
2 - Estão obrigados a fornecer prontamente ao tribunal os elementos de que dispuserem sobre a residência, o local de trabalho ou a sede dos citandos quaisquer serviços que tenham averbado tais dados.
3 - O disposto nos números anteriores é aplicável aos casos em que o autor tenha indicado o réu como ausente em parte incerta”.
Neste sentido, veja-se o Ac. deste STJ de 02-10-2003, no Proc. nº 03B2478, que refere: “Só depois de esgotadas as possibilidades de operar a citação pessoal - tendo por referência os procedimentos vazados na lei processual para a conseguir - e de se concluir ser impossível a (sua) realização, por o citando estar ausente em parte incerta (artº. 244º/1) é que se deverá avançar para as diligências tendentes à efectivação da citação por via edital, devendo a secretaria diligenciar, junto de quaisquer entidades ou serviços, por informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida do citando, e podendo o juiz solicitar informação às autoridades policiais.
Seguro é ainda que, se de tais diligências resultar o conhecimento do paradeiro do citando (a sua residência ou o seu local de trabalho), será da citação pessoal que se deverá lançar mão, não da citação edital”.
Efetuadas as diligências referidas nos factos provados, com vista à descoberta do paradeiro dos citandos para efetivação da citação pessoal, a mesma não se revelou viável.
Haveria outras diligências a efetuar antes de se partir para a citação edital?
Consta nos factos provados:
- No contrato-promessa que os autores juntaram, o réu estava identificado, para além de, como a mulher, com um NIF português, com um título de passaporte com n.º e data de validade, emitido pela República Federativa do Brasil; num outro documento junto pelos autores, os réus tinham uma conta bancária portuguesa devidamente identificada; no reconhecimento notarial das assinaturas do contrato a ré tem um número de cartão de cidadão português e o réu tem um cartão de residência permanente em Portugal, emitido pelo SEF de …, devidamente referenciado; em e-mails juntos pelos autores consta um endereço electrónico do réu; numa carta de Set2015, de uma seguradora, junta pelos autores, consta um endereço da ré em Lisboa: Rua …., n.º 23, 5.ºB, … .
- Tendo o AE nomeado vindo informar que: “1. Deslocou-se, no dia 03/01/2018, àquela morada, a fim de proceder à citação por contacto pessoal da ré, NIF 24…7 e do réu, NIF 25…05; 2. No local não encontrou os réus, foi deixado aviso com indicação para citação; 3. No dia 15/01/2017, deslocou-se novamente à morada supra indicada e não encontrou os réus; segundo informação prestada pela vizinha do 1.ºD, os réus não são vistos no local desde Agosto de 2017, julgando que os mesmos se encontram no Brasil; 4. Informação confirmada pelo responsável da empresa V… Sr. …, contacto 96…4; 5. Pelo exposto, não foi possível efectuar a diligência.”
- Na base de dados da identificação civil, com cartão de cidadão português emitido a 08/10/2015, constam os nomes dos pais do réu, a data de nascimento do réu e a sua morada no 16/2.ºB; nos dados da AT consta a morada da sociedade onde a ré é membro de órgão estatutária e consta ainda o nome e morada de uma outra sociedade, na Ericeira, fonte de rendimentos da ré em 2017; esta última também consta como fonte de rendimentos do réu, em 2017.
O sublinhado é nosso e serve para realçar, o primeiro a desconformidade (impossibilidade) daquela data poder ser 15-01-2017, e o segundo para realçar a incerteza da informação (julgando que).
Destes factos resulta que outras diligências poderiam e deveriam ter sido levadas a cabo, com vista a apurar do paradeiro dos réus.
Havia conhecimento de endereços de e.mail, que foram ignorados.
Havia a carta da seguradora com indicação de um diferente endereço de residência.
Havia a sociedade onde a ré era membro estatutário e a sociedade onde a ré trabalhou e onde recebeu rendimentos em 2017.
Assim como nada se averiguou junto das autoridades policiais.
E, julgando que os réus estariam no Brasil, podiam ter sido feitas averiguações junto das entidades competentes, nomeadamente embaixada ou consulados.
Sendo que perentoriamente ninguém afirmou (agente de execução ou secretaria), verbalmente ou por escrito, que os réus na ação se encontravam em parte incerta.
Assim que se julgam improcedentes as conclusões do recurso, antes se concordando com o acórdão recorrido quando afirma: “Assim, concluindo-se que faltou a citação dos réus, tem-se por verificado o fundamento de oposição à execução previsto no art. 729/-d do CPC, por se verificar uma das situações previstas no art. 696/-e do CPC.
Por fim, note-se que, nos termos do artigo 732/5 do CPC, em caso de procedência dos embargos (que tem como consequência a extinção da execução: art. 732/4 do CPC) fundados em qualquer das situações previstas na alínea (e) do artigo 696, é admitida a renovação da instância deste processo a requerimento do exequente, apresentado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão dos embargos.
E aqui tem que se ter em conta que, por força do art. 187/-a do CPC “a falta de citação tem como consequência a nulidade de tudo o que se processe depois da petição inicial, que se salva, mas continua a não produzir efeitos em relação ao réu (art. 259/2 do CPC) […]” (autores e obra citados, pág. 383)”.
Do exposto resulta que tendo-se procedido à citação edital, foi-o de forma indevida (porque poderiam ter sido feitas outras diligências a averiguar do paradeiro dos réus), o que consubstancia nulidade por falta de citação.
Pelo que se julgam improcedentes as conclusões do recurso de revista e, consequentemente, improcedente esta, mantendo-se o acórdão recorrido.
*
Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC:
I - A citação edital é remedeio para evitar a paralisação dos processos, pelo que, apenas, dela deve lançar-se mão quando seja impossível o contacto pessoal com o citando, ou contacto direto por outro meio, dada a multiplicidade de meios de contacto na atualidade.
II - A Constituição, consagrando o respeito pelo direito de defesa, no art. 20º, pretende alcançar a garantia de que o réu/demandado tenha efetivo conhecimento do processo contra ele instaurado.
III - Constando da informação “julgar-se” que os réus estariam no Brasil, e não sendo afirmado de forma perentória pelo agente de execução ou pela secretaria, verbalmente ou por escrito, que os réus na ação se encontravam em parte incerta, não podia ser ordenada a citação edital sem, previamente, serem feitas averiguações junto das entidades competentes, nomeadamente embaixada ou consulados.
IV - Tendo-se procedido à citação edital, foi-o de forma indevida (porque poderiam ter sido feitas outras diligências a averiguar do paradeiro dos réus), o que consubstancia nulidade por falta de citação.
Decisão:
Pelo exposto acordam, em audiência na 1ª Secção do STJ, em:
- Julgar improcedente o recurso de revista e, consequentemente, confirmar o acórdão da Relação.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 15-02-2022
Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator
Jorge Arcanjo – Juiz Conselheiro 1º adjunto
Isaías Pádua – Juiz Conselheiro 2º adjunto