Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A830
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: SEGURO-CAUÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: SJ20070417008307
Data do Acordão: 04/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :

1. Os contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração distinguem-se essencialmente por no primeiro o locador se vincular a adquirir ou a mandar construir o bem locando que o locatário pode ou não adquirir findo o contrato, e por, no último, aquele só se obrigar a proporcionar ao locatário o respectivo gozo, à margem do direito potestativo de aquisição findo o contrato.
2. A natureza e os efeitos do contrato de seguro-caução deve ser captada em concreto, por via da interpretação das declarações negociais integrantes das respectivas cláusulas particulares, especiais e gerais.
3. Em quadro de incumprimento pelo locatário do contrato de locação financeira, aquele e a seguradora surgem, em relação à locadora, como principais pagadores em contexto de solidariedade atípica, o primeiro por virtude do incumprimento e a última em razão disso e da sua vinculação por via do contrato de seguro.
4. A obrigação de pagamento da seguradora em relação à locadora derivada do contrato de seguro caução é insusceptível de inviabilizar a obrigação de pagamento por parte do locatário derivada do contrato de locação financeira.
5. Resolvido o contrato de locação financeira, deve o locatário entregar ao locador o veículo automóvel que constituiu o seu objecto mediato.
6. Na interpretação da vontade dos outorgantes do contrato de seguro-caução podem relevar, inter alia, os termos da apólice, a lei aplicável, as prévias negociações das partes, incluindo as integrantes de contratos quadro ou protocolos, a qualidade profissional das partes, a terminologia técnico-jurídica utilizada no sector e a própria conduta na execução do contrato.
7. A menção nas cláusulas particulares do contrato de seguro-caução ser a garantia de pagamento das rendas concernente ao contrato de aluguer de longa duração e a sua beneficiária a locadora do contrato de locação financeira não obsta à interpretação da globalidade do clausulado geral e particular no sentido de o risco garantido ser o reportado ao incumprimento do contrato de locação financeira.
8. Os contratos de seguro-caução em causas abrangem as rendas vencidas e não pagas, mas não a indemnização decorrente da resolução do contrato de locação financeira.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
... – Sociedade Portuguesa de Locação Financeira SA, mais tarde designada por Banco ... SA, intentou, no dia 2 de Novembro de 1995, contra ... – Comércio de Automóveis SA, a Companhia de Seguros ... SA e a Companhia de Seguros ... SA, AA e BB, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação das seguradoras a pagar-lhe 2 565 420$, ... SA AA e BB a restituir-lhe identificado veículo automóvel e, a título subsidiário, as seguradoras a pagar-lhe 2 104 517$, com fundamento no incumprimento pela ré ... SA de um contrato de locação financeira relativo a dois veículos automóveis, na sua resolução, em contrato de seguro-caução celebrado por esta última e ... SA e ... Seguros SA e na circunstância de aqueles veículos estarem a ser utilizados, um por AA e o outro por BB.
Na contestação, ... SA afirmou que a autora se vinculou a não resolver o contrato e a não exigir a restituição dos veículos locados e, no caso de pagamento das rendas, a executar exclusivamente o contrato de seguro-caução, o abuso do direito e a litigância de má fé ao frustrar as expectativas criadas, serem as seguradoras as únicas devedoras das rendas e, em reconvenção, pediu a condenação da autora a accionar o seguro-caução.
... SA e ... SA, na contestação, afirmaram que o contrato de seguro-caução apenas garantia as prestações dos locatários de longa duração, serem nulos os contratos de locação financeira e, em reconvenção, sob o fundamento de atraso na sua resolução e na comunicação do sinistro, implicantes da não recuperação dos veículos, pediu a condenação da autora a indemnizá-la pelo valor correspondente ao que viesse a pagar em execução dos contratos de seguro.
AA, por seu turno, afirmou a falsidade de alguns documentos, ter assinado documentos após a entrega do veículo automóvel pelo stand, a sua convicção de a operação ser idêntica à venda a prestações, que deixou de cumprir os seus compromissos por lhe não terem sido entregues os documentos do veículo e, em reconvenção, invocando o enriquecimento sem causa equivalente ao que pagou e que lhe deve ser restituído, pediu que fosse declarado legítimo possuidor do veículo e o seu direito de retenção sobre ele.
Na replica, a autora concluiu no sentido da viabilidade da acção e pela inviabilidade dos pedidos reconvencionais, e por despacho proferido no dia 7 de Março de 2007, foi indeferido o pedido de apoio judiciário formulado por ... SA.
Na fase da condensação, por sentença proferida no dia 21 de Fevereiro de 1998, ... SA e ... SA foram condenadas a pagar à autora 1 649 975$ relativos às rendas vencidas, imposto sobre o valor acrescentado até à resolução do contrato, e nos juros, e ... SA e AA a entregarem à autora o veiculo automóvel com a matricula nº ... e ... SA e BB a entregarem à autora o veículo automóvel com a matricula nº ....
Apelaram as rés, e a Relação, por acórdão proferido no dia 20 de Maio de 1999, revogou a referida sentença e ordenou o prosseguimento do processo com vista à organização da especificação e do questionário.
Decididas as reclamações sobre a especificação e o questionário e concedido, por despacho proferido no dia 31 de Janeiro de 2001, a ... SA, o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e de encargos com o processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual, no dia 5 de Abril de 2005, foi proferida sentença, por via da qual os pedidos reconvencionais foram julgados improcedentes e ... SA e ... SA condenadas a pagar à autora € 8 925 56 e juros desde 23 de Abril de 1995, e ... SA e AA e BB a entregarem à autora os mencionados veículos automóveis.
Apelaram, por um lado, ... SA, e ... SA e ... SA, por outro, e a Relação, por acórdão proferido no dia 12 de Setembro de 2006, julgou improcedente o recurso da primeira, expressando que se mantinha a sua condenação na entrega dos veículos automóveis, e procedente o recurso das últimas, absolvendo-as do pedido.

Interpuseram recurso de revista o Banco ... SA e ... SA, formulando o primeiro, em síntese, as seguintes conclusões de alegação;
- a antecessora do recorrente fez depender a conclusão do contrato de locação financeira da obtenção por ... SA de garantia idónea dada por terceiro;
- ... SA adquiria os veículos a sociedades de locação financeira em regime de leasing e celebrava dois contratos, um através do qual, assumindo a posição de locadora, dava de aluguer os veículos aos seus clientes, e outro de promessa de compra e venda;
- a antecessora do recorrente só interveio no contrato de locação financeira, onde assumiu a posição de locador, credor da obrigação decorrente de tal contrato, sendo alheio aos contratos de aluguer celebrados por ... SA;
- a antecessora do recorrente não celebrou algum contrato de aluguer de longa duração, e os contratos de seguro-caução são celebrados com o devedor da obrigação a garantir ou com o contra-garante, a favor do respectivo credor;
- se as apólices visassem garantir o pagamento das rendas do contrato de aluguer de longa duração, ... SA teria de figurar como beneficiária da apólice e o seu cliente como tomador;
- a interpretação dada aos textos das apólices é atomística, porque apenas estribada na expressão referentes ao aluguer de longa duração, tendo a Relação omitido o exame crítico das provas de que lhe cumpria conhecer;
- um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, colocado na posição do recorrente não concluiria no sentido do acórdão recorrido, pelo que a Relação violou os artigos 236º e 238º do Código Civil e 659º, nº 3, do Código de Processo Civil.
... SA formulou, por seu turno, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- o protocolo em vigor à data do contrato de seguro-caução era o de 1 de Novembro de 1992, mas não se pode sobrepor ao contrato de seguro-caução, garantia autónoma, automática e à primeira interpelação;
- as condições particulares da apólice não prevalecem sobre as condições gerais, só as seguradoras estão vinculadas a indemnizar o recorrente pelo incumprimento do contrato de locação financeira, porque os contratos de seguro-caução garantem o pagamento das rendas do contrato de locação financeira;
- se as seguradoras tivessem cumprido a sua obrigação, os veículos automóveis deveriam ser-lhes entregues, e entregá-los-ia aos locatários de longa duração;
- como o seguro caução directa se traduz em garantia autónoma e não em negócio fiduciário, não pode ser condenada solidariamente a pagar seja o que for à recorrida;
- a confiança que lhe foi transmitida pela antecessora do recorrente para a celebração do contrato de aluguer de longa duração, não obstante a resolução do contrato de locação financeira, impedia a sua condenação na restituição dos veículos automóveis;
- foram violados os artigos 220º, 221º, n.º 1, 224º, 227º, 230º, nº 1, 236º a 239º, 243º, nºs 1 e 2, 244º, 294º, 334º, 342º, 358º, nº 2, 376º, nºs 1 e 2, 398º, 405º. 406º, 802º, 805º, 806º, 810º, nº 1, 811º e 812º do Código Civil, 425º a 427º do Código Comercial, 668º, alíneas b), c), d) e e) do Código de Processo Civil e a alínea a) do nº 2 do artigo 8º, o nº 2 do artigo 9º e o nº 5 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 127/91, de 22 de Março.
- deve ser absolvida do pedido, condenadas apenas as seguradoras, ou, se necessário, ordenar-se a baixa do processo ao tribunal da primeira instância para a repetição do julgamento.

Responderam ... SA e ... SA, em síntese de conclusão de alegação:
- a decisão recorrida assenta na análise e ponderação exaustiva dos factos provados e não incorre em erro que afecte o concluído, e o recorrente só atende a parte da matéria de facto;
- os veículos objecto do contrato de locação financeira foram cedidos em aluguer de longa duração a clientes da locatária;
- à unidade de contrato de locação financeira corresponderam duas diversas apólices cujo objecto são o pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração, e se estivesse em causa a prestação de garantia ao contrato de locação financeira teria sido emitida uma única apólice;
- na hipótese da procedência do recurso, devia o tribunal pronunciar-se sobre as demais questões suscitadas na contestação e alegações por terem ficado prejudicadas pela decisão recorrida e, por isso, sem resposta.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. Em data indeterminada, a ré ... SA foi procurada por mandatários
da ... SA que lhe expuseram esta dedicar-se à venda de veículos em regime de aluguer de longa duração, que no exercício desta actividade adquiria os veículos a sociedades de locação financeira em regime de «leasing» e celebrava com os seus clientes dois contratos, um de aluguer, através do qual, assumindo a posição de locadora, dava de aluguer os veículos aos seus clientes, e outro, o de promessa de compra e venda, pelo qual prometia vender ao locatário e este prometia comprar os mesmos veículos, efectivando-se o contrato prometido no termo do contrato de aluguer.
2. Em 1 de Novembro de 1992, ...-Comércio de Automóveis SA, a Companhia de Seguros ... SA e a Companhia de Seguros ... SA declararam, por escrito, em documento denominado “protocolo”, o seguinte:
- o presente protocolo tem por finalidade definir as relações entre as empresas no tocante à emissão de seguros de caução destinados a garantir o pagamento à ... SA dos veículos por esta vendidos em aluguer de longa duração;
- ... SA compromete-se a colocar na Leader ... SA os seguros caução que exigir aos seus clientes, destinados a garantir o pagamento das prestações de veículos por aqueles adquiridos em aluguer de longa duração;
- ... garante, igualmente, à Leader o pagamento dos prémios de seguro, apesar das apólices serem emitidas em nome dos seus clientes;
- a Leader compromete-se, no prazo de 48 horas, a dar resposta a ... SA da aceitação das propostas de seguro que lhe sejam apresentadas, devidamente documentadas, e a emitir as respectivas apólices, caso a subscrição do risco seja tecnicamente aceitável;
- dependendo da duração da garantia a prestar, os contratos serão tarifados por 12 meses, 1%; 24 meses 1,35%; e 36 meses 1,75%;
- independentemente da duração do seguro, fica acordado que a responsabilidade garantida pelas seguradoras corresponde em cada momento ao valor das prestações em dívida vencidas, bem como às vincendas não pagas, tendo como limite o capital indicado na apólice;
- a responsabilidade das seguradoras está repartida pelas seguintes percentagens: ... SA 60% e ... SA 40%;
- em caso de sinistro coberto pela apólice, ... SA obriga-se a transferir a propriedade do veículo locado para a Leader sem contraprestação ou quaisquer encargos, desde que esta confirme o pagamento dos danos seguros perante a instituição de crédito a quem livremente foi cessionado o direito a indemnização;
- as indemnizações resultantes do contrato de seguro serão determinadas pela apresentação do contrato de locação, da conta-corrente do locatário, da fotocópia do recibo da prestação em falta, da fotocópia da carta enviada pelo locador ao locatário atestando o período da mora e a taxa de juro aplicável e da carta a declarar a resolução do contrato;
- com os documentos referidos na alínea anterior, a seguradora pagará o montante indemnizatório à primeira interpelação do beneficiário;
- ... SA compromete-se, no entanto, a não reclamar o pagamento de qualquer prestação em falta antes de decorrerem 45 dias sobre a data de pagamento prevista;
- a Leader compromete-se a emitir todas as apólices de seguro caução cujo tomador seja ... SA ou quem esta indicar, até ao montante de 7 500 000$,
mediante o pagamento de um prémio de 12 500$;
- com a formalização da proposta de seguro caução, ... SA indicará à Leader a entidade jurídica a favor de quem é constituído o benefício;
- no caso referido nas alíneas anteriores, ... SA pagará à Leader, à primeira interpelação, o montante indemnizatório que porventura esta tenha de cumprir por virtude do accionamento do seguro caução;
- a denúncia do protocolo poderá ser efectuada por ambas as partes mediante um pré-aviso registado de 30 dias, comprometendo-se a Leader a subscrever, durante aquele período, todas as cauções tecnicamente aceitáveis.
3. Por documento escrito de 19 de Julho de 1993, representante da ... Metalo-Mecânica Ldª declarou prometer vender ao réu AA, e este prometeu comprar-lhe, o veículo de marca LADA, com a matrícula ....
4. Nas negociações que precederam a celebração do contrato de locação financeira mobiliária entre a autora e a ré ... SA, bem como do aditamento ao mesmo, a autora fez depender a conclusão do mesmo da obtenção por ... SA, de um terceiro com capacidade financeira, da prestação de uma garantia idónea.
5. Analisada a proposta de prestação de seguro caução, a ré ... SA considerou-a aceitável, por considerar o risco relativamente pequeno.
6. No exercício da sua actividade de locação financeira mobiliária, a autora, no dia 6 de Agosto de 1993, locou à ré ... SA uma viatura da marca LADA, com a matrícula ... e outro veiculo da marca LADA, com a matricula ..., tendo ficado estipulado que o contrato seria pelo prazo de 24 meses, com rendas trimestrais, no montante de 485 666$, mais o imposto sobre o valor acrescentado, com início no dia 10 de Agosto de 1993.
7. Na alínea h) das condições especiais do contrato mencionado sob 6, refere-se que: «O Locatário obriga-se a apresentar em simultâneo com a formalização deste Contrato de Locação Financeira, Seguro de Caução a favor da ... SA, até ao montante de 3.169.073$00 de acordo com minuta aprovada pela ... e válida até ao fim do período de vigência do Contrato de Locação Financeira».
8. Na cláusula 4ª do referido «Acordo Comercial» mencionado sob 6 consta que: «Por cada contrato a realizar a ... dará como garantia um seguro caução de uma companhia de seguros aceite pela ... que será beneficiária, o qual deverá obedecer às condições referidas no Anexo II».
9. No contrato mencionado sob 6 consta ainda que o seguro de caução deverá obedecer às seguintes condições: a) O beneficiário do seguro caução é sempre a ... e o tomador do seguro a ...; b) O objecto do seguro caução será o pagamento de todas as obrigações emergentes do contrato de locação; c) O contrato de seguro caução deverá ter duração idêntica à do contrato de locação em causa.
10. O artigo 9º das condições gerais do contrato mencionado sob 6 expressa que a retribuição da locação do equipamento é feita mediante o pagamento, pelo locatário ao Locador, de uma renda com a periodicidade (…) nas condições particulares (…), sem prejuízo do disposto no artigo 15º se o locatário incorrer em mora no cumprimento de qualquer renda ou de qualquer quantia em divida, incidirá sobre o montante em divida, e durante o período em que ele se verificar, uma taxa de juro correspondente à mais elevada das taxas de juro referidas no artigo 4º das condições particulares, acrescida da taxa de mora legal».
11. O artigo 15º das condições gerais do contrato mencionado sob 6 expressa: «1. O contrato poderá ser resolvido por iniciativa do locador, sem qualquer outra formalidade, oito dias após a comunicação ao Locatário, por carta registada e com aviso de recepção, no caso do Locatário não pagar qualquer das prestações da renda ou não cumprir qualquer das condições gerais e especiais ou particulares deste contrato (…); 2. Em qualquer dos casos de resolução referidos no numero anterior, o Locatário fica obrigado a: a) Restituir o equipamento ao Locador em local indicado por este, correndo os encargos e risco da operação de restituição por conta do Locatário; b) Pagar as rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos juros de mora calculados nos termos do nº 7 do artigo 9º bem como todos os encargos suportados pelo locador por força da resolução; c) A título de indemnização por perdas e danos sofridos, pelo Locador, pagar uma importância igual a 20% do resultado da adição das rendas ainda não vencidas, na data da resolução, com o valor residual, acrescida dos juros de mora calculados nos termos do nº 7 do Artigo 9º; 3. Em alternativa ao nº2, pode o Locador optar por exigir o pagamento do montante de todas as rendas vencidas acrescido dos juros calculados nos termos do nº 7 do Artigo 9º, desde as datas de vencimento dessas rendas até às da sua efectiva cobrança, das rendas vincendas e do valor residual (…)».
12. O artigo 6º, nº 8, das condições gerais do contrato mencionado sob 6 reporta-se ao pagamento de juros de mora, pela maior taxa «das taxas de juro referidas no artigo 4º das condições particulares, acrescida da taxa de mora legal».
13. A ré ... SA emitiu, no dia 9 de Agosto de 1993, seguro do ramo «caução directa», em regime de co-seguro com a ré ... SA titulado pela apólice nº 150104103390, pelo prazo de 24 meses, com início em 5 de Agosto de 1993 e termo em 4 de Agosto de 1995, capital 1 310 000$, prémio 15 706$, figurando como tomador do seguro ... SA e como beneficiário a autora, respeitando o objecto da garantia às rendas referentes ao aluguer de longa duração do veículo automóvel com a matrícula nº ....
14. A ré ... SA emitiu, no dia 10 de Agosto de 1993, o seguro do ramo «caução directa» em regime de co-seguro com a ré ..., SA, titulado pela apólice nº 150104103357, pelo prazo de 24 meses, com início em 30 de Julho de 1993 e termo em 29 de Julho de 1995, capital 1 310 000$, figurando como tomador do seguro ... SA e como beneficiário a autora, respeitando o objecto da garantia às rendas referentes ao aluguer de longa duração do veículo ...
15. No artigo 1º das condições gerais da apólice mencionada sob 13 e 14 ou o tomador do seguro a entidade que contrata com ... SA e sendo responsável pelo pagamento dos prémios, que o beneficiário é a «entidade a favor de quem reverte o direito de ser indemnizado pela ... SA, que o sinistro consiste no «incumprimento atempado pelo tomador do seguro da obrigação assumida perante o beneficiário.
16. No nº 1 do artigo 2º das condições gerais das apólices mencionadas sob 13 e 14 consta que o contrato garante ao beneficiário «o pagamento da importância que devia receber do tomador do seguro em caso de incumprimento por este último da obrigação garantida.
17. A ré ... SA obrigou-se a prestar, em benefício da autora, a garantia mencionada sob 2 recebendo, em contrapartida, de um prémio anual remunerador do risco assumido, tendo a ré ..., SA assumido perante a autora
o pagamento das quantias devidas em consequência da garantia prestada pela ré ....
18. O veículo automóvel com a matrícula nº ... foi entregue por ... SA a BB, e o veículo com a matrícula nº ... foi por ela entregue a AA, que os passaram a utilizar.
19. Em relação ao contrato mencionado sob 6, a ré ... SA não pagou à autora a renda vencida em 10 de Agosto de 1994, no valor global de 563.373$, e a renda vencida no dia 10 de Novembro de 1994, no valor de 563 373$, nem a vencida no dia 10 de Fevereiro de 1995, no valor global de 568 229$.
20. A autora enviou à ré ... SA uma carta, datada de 6 de Março de 1995, onde se refere, além do mais, « que caso não cumprisse em oito dias, consideraria resolvido o contrato de locação financeira, e deu conhecimento ... SA, por cartas de 7 de Março de 1995 e de 7 de Junho de 1995, que esta recebeu, daquele incumprimento e resolução.
21. Na Conservatória do Registo Automóvel do Porto está inscrita, na titularidade da autora, a propriedade dos veículos automóveis Lada, com a matrícula ..., e Niva, com a matrícula nº ....
22. Os veículos automóveis mencionados sob 21 foram apreendidos, no dia 22 de Novembro de 1995, em procedimento cautelar, e entregues à autora.

III
As questões essenciais decidendas são as de saber se o recorrente tem ou não o direito de exigir de ... SA o que foi considerado no acórdão recorrido, e das recorridas o que foi considerado no tribunal da 1ª instância e que a Relação revogou.
Considerando o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação dos recorrentes e das recorridas, a resposta à mencionada questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei processual aplicável à acção e aos recursos;
- omitiu ou não ilegalmente a Relação o exame crítico das provas?
- natureza e efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e ... SA;
- natureza do contrato celebrado entre ... SA e ... SA;
- sentido juridicamente relevante do objecto dos contratos celebrados entre ... SA e ... SA;
- excluem ou não os mencionados contratos a obrigação de pagamento de ... SA decorrente do contrato que celebrou com a antecessora do recorrente?
- tem ou não o recorrente direito a exigir a condenação de ... SA na entrega dos veículos automóveis objecto mediato do contrato celebrado entre a última e a antecessora do primeiro?
- agiu ou não a antecessora do recorrente com abuso do direito ao exigir de ... SA a entrega dos veículos automóveis?
- âmbito quantitativo da obrigação das recorridas decorrente dos contratos celebrados entre ... SA e ... SA;
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.
1.
Comecemos, no quadro da aplicação da lei processual no tempo, por determinar qual é a aplicável na acção e nos recursos.
Como a acção foi intentada no dia 2 de Novembro de 1995, são-lhe aplicáveis as pertinentes normas processuais anteriores às do Código de Processo Civil Revisto (artigo 16º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Como a primeira sentença foi proferida no tribunal da 1ª instância no dia 21 de Fevereiro de 1998, aos recursos são aplicáveis as pertinentes normas do Código de Processo Civil Revisto (artigo 25º, nº 1, do Decreto-Lei nº 329-A/95).

2.
Atentemos agora sobre se a Relação omitiu ou não o exame crítico das provas que lhe cumpria conhecer.
Alegou o recorrente que o acórdão da Relação não envolveu a necessária análise crítica dos meios de prova relativos ao contrato que celebrou com ... SA e ao que esta celebrou com a recorrida ... SA.
O artigo 659º do Código de Processo Civil reporta-se à estrutura intrínseca e extrínseca das sentenças, de alguns despachos e dos acórdãos, na 1ª instância e nos tribunais superiores (artigos 713º, n.º 2, e 726º do Código de Processo Civil).
Dele resulta, além do mais, que na fundamentação das sentenças e dos acórdãos, o juiz ou o colectivo dos juízes, conforme os casos, devem tomar em consideração os factos admitidos por acordo, os factos provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que hajam sido efectivamente declarados provados, fazendo o exame critico das provas de que lhe cumpre conhecer (artigo 659º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
O recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto proferida no tribunal da primeira instância e não está em causa que a Relação haja desconsiderado na prolação do acórdão essa matéria em que se fundou a sentença recorrida.
Decorre do n.º 3 daquele artigo que o juiz ou o colectivo dos juízes deve considerar na sentença ou no acórdão, respectivamente, os factos que não tenham sido expressamente declarados provados e o estejam por via de prova plena documental em geral, confissão escrita ou acordo das partes.
Em consequência, a menção naquele último normativo à análise crítica das provas, pela própria natureza das coisas, não pode ter o sentido do segmento relativo à análise crítica das provas e à especificação dos fundamentos decisivos para a decisão da matéria de facto decisivos para a convicção do julgador a que se reporta o artigo 653º, n.º 2, do mesmo diploma.
Tendo em conta o disposto no n.º 3 do artigo 659º do Código de Processo Civil, a análise crítica das provas a que se reporta reconduz-se, no confronto das normas que se reportam aos meios de prova plena, ao acrescentamento ao elenco dos factos provados por esses meios e à sua justificação com base naquele normativo.
A Relação alterou a decisão da matéria de facto com fundamento em resposta a quesito em contrário do que resultava de prova plena – o documento relativo aos contratos celebrados entre ... SA e a recorrida ... SA.
Nessa actividade interpretativa a Relação fez o necessário exame crítico da prova documental à luz do direito aplicável.
Não tem, por isso, qualquer fundamento legal a alegação do recorrente no sentido de que o acórdão recorrido infringiu o disposto no artigo 659º do Código de Processo Civil sob o argumento de não haver feito a análise crítica das provas.

3.
Vejamos agora a natureza e efeitos do contrato celebrado entre ... SA e a recorrida.
Quando alguém pretenda adquirir a disponibilidade sobre determinado bem de equipamento ou de consumo duradouro ou, pelo menos, usá-lo durante o período mais relevante do seu funcionamento, mas não queira ou não possa pagá-lo a pronto, pode obtê-lo de instituições financeiras que para o efeito surgem no mercado na dupla posição de vendedoras e de financiadoras.
É esta realidade que está na origem dos chamados contratos de locação financeira, especialmente regulados na lei, os quais, versando sobre coisas móveis, como é o caso vertente, a sua duração corresponde ao período presumível da sua utilização económica.
Trata-se de contratos de longo ou de médio prazo destinados a proporcionar a alguém um financiamento, não através de uma quantia em dinheiro, mas por via do uso de um bem, ou seja, através dele o locador proporciona ao locatário, não tanto a propriedade do bem, mas a sua posse e utilização para determinado fim, pelo que o objectivo final deste contrato é o de concessão de crédito para financiamento do uso do bem.
O modelo legal do contrato de locação financeira na espécie mobiliária visou a consecução do importante escopo económico de solucionar o problema da actualização do equipamento produtivo, sem necessidade de o locatário despender vultuosas quantias em dinheiro.
Em conformidade com a referida perspectiva de regulação económico-jurídica, a lei caracteriza o contrato de locação financeira como aquele pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a conceder a outra o gozo temporário de uma coisa, adquirida ou construída por indicação da última, em que esta, nos termos do próprio contrato, num prazo determinado ou determinável, a pode comprar (artigo 1º do Decreto-Lei nº 171/79, de 6 de Junho, substituído pelo Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, e alterado pelo Decreto-Lei nº 285/2001, de 3 de Novembro).
Dir-se-á que o contrato de locação financeira se estrutura em termos de uma das partes - o locatário - formular à outra - o locador - um pedido de financiamento com o alcance de o último adquirir ou construir determinado bem para uso do primeiro, por certo período de tempo, mediante determinada renda periódica, com a possibilidade de, no seu termo, poder adquiri-lo por compra, mediante um preço pré-estabelecido, em conformidade com a referida renda, por forma a que aquele preço se identifique com o seu valor residual, assim englobando elementos próprios dos contratos de locação, de compra e venda a prestações e de mútuo.
O locatário não adquire, por mero efeito do contrato, o direito de propriedade sobre o bem em causa, apenas integrando na sua esfera jurídica o direito potestativo de o adquirir pelo preço que haja sido ajustado que, em princípio, deverá corresponder ao seu presumível valor residual.
Assim, são elementos do contrato de locação financeira a aquisição ou a construção dessa coisa por indicação do locatário, a cedência do gozo temporário da mesma pelo locador, o respectivo prazo, a retribuição correspondente à cedência, a possibilidade de compra, total ou parcial, por parte do locatário e a determinação ou a determinabilidade do preço de cedência.
Face aos factos transcritos sob II 6 a 12, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que a antecessora do recorrente e ... SA celebraram um contrato de locação financeira, a primeira como locadora, e a segunda como locatária, cujo objecto mediato foram os dois indicados veículos automóveis.
Dele resultaram, para a antecessora do recorrente a obrigação de entrega dos veículos automóveis a ... SA, e para esta a de pagar àquela o montante de cada uma das prestações convencionadas.

4.
Atentemos, ora, na natureza e nos efeitos dos contratos celebrado entre ... SA e ... SA, ao qual, posteriormente, a Companhia de Seguros ... se associou.
As recorridas sabiam não só que ... SA adquiria os veículos a sociedades de locação financeira em regime de leasing e celebrava com os seus clientes um contrato de aluguer e outro de promessa de compra e venda, mas também a finalidade da celebração dos contratos de seguro-caução.
O contrato de seguro em geral é a convenção pela qual uma seguradora se obriga, mediante retribuição paga pelo segurado, a assumir determinado risco e, caso ele ocorra, a satisfazer, ao segurado ou a um terceiro, uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado.
Trata-se de um contrato formal, certo que a sua validade depende de o respectivo conteúdo ser consubstanciado num documento escrito, denominado apólice, da qual devem constar, além do mais, o nome do segurador, do tomador e do beneficiário do seguro, o respectivo objecto e a natureza e valor e os riscos cobertos (artigo 426º, § único, do Código Comercial).
Conformado com o referido tipo negocial geral, o contrato de seguro-caução configura-se como uma das modalidades do contrato de seguro de créditos, especialmente regido pelo Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio, alterado pelos Decretos-Leis nºs 127/91, de 22 de Março, 29/96, de 11 de Abril, 214/99, de 15 de Junho, e 51/2006, de 14 de Março.
O contrato de seguro de créditos é susceptível de cobrir, por exemplo, o risco da falta ou do atraso de pagamento dos montantes devidos ao credor (artigo 3º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio).
O contrato de seguro-caução compreende o seguro-caução directa e o seguro-caução indirecta, o seguro-fiança e o seguro-aval (artigo 1º, nº 4, do Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio).
Para além dos elementos constantes do Código Comercial, deve o contrato de seguro-caução inserir, inter alia, a obrigação a que se reporta (artigo 8º do Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio).
É celebrado com o devedor da obrigação a garantir ou com o contra-garante, a favor do respectivo credor (artigo 9º, nº2 do Decreto Lei nº 183/88 de 24 de Maio).
É individualizado pela específica natureza do risco coberto, isto é, o de incumprimento temporário ou definitivo de obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval (artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio).
O beneficiário da indemnização pode ser o credor da obrigação a que se reporta o contrato de seguro, caso em que se está perante o contrato de seguro caução directa, ou a pessoa que garantir o cumprimento da referida obrigação, situação que se configura como contrato de seguro caução indirecta.
Dir-se-á que o contrato de seguro caução é atípico, a favor de terceiro, consubstanciado numa tríplice relação, entre o tomador do seguro e o beneficiário, designada por relação de garantia, entre a seguradora e o tomador do seguro, caracterizada por relação de cobertura, e entre a seguradora e o beneficiário, definida por relação de prestação.
A obrigação de indemnizar por parte da seguradora tem como limite o montante correspondente ao que é objecto do contrato de seguro (artigo 7º, nº 2, do Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio).
Perante a factualidade provada constante de II 13 a 17, a conclusão é no sentido de que ... SA e ... SA - a que ... SA se associou posteriormente na divisão do risco - celebraram dois contratos de seguro-caução directa, em que a primeira figura como tomadora, a segunda como seguradora e a antecessora do recorrente como beneficiária.

5.
Vejamos agora o sentido juridicamente relevante do objecto mediato dos contratos de seguro-caução celebrados entre ... SA e ... SA.
A questão nuclear a decidir no recurso é a de saber se os contratos de seguro- caução celebrados entre a recorrida ... SA e a recorrente ... SA garante o cumprimento por esta última do contrato de locação financeira celebrado com a recorrida ou o cumprimento dos contratos de aluguer de longa duração por parte dos locatários respectivos no confronto de ... SA.
A este propósito, há acordo das partes no que concerne ao teor das declarações negociais expressas no clausulado geral e particular dos contratos de seguro-caução em causa, mas não o há quanto ao seu sentido.
Enquanto as recorridas, partindo da expressão relativa ao objecto da garantia de pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração dos veículos automóveis com as matrículas nºs nº ... e ..., entendem que a garantia se reporta ao incumprimento das obrigações por parte dos locatários de longa duração, os recorrentes entendem que a cobertura do seguro em causa abrange o incumprimento por parte da recorrente ... SA no confronto da antecessora do recorrido, ou seja, o pagamento das prestações pecuniárias relativas ao contrato de locação financeira.
A questão de saber se os referidos contratos de seguro caução cobrem ou não o risco invocado pelos recorrentes tem de ser resolvida, além do mais, à luz da interpretação das cláusulas particulares e gerais dos contratos de seguro-caução em causa.
O tribunal da primeira instância considerou provado, por via da resposta ao quesito terceiro, que a recorrida ... SA emitiu apólices de seguro pela qual
segurou o risco de incumprimento das obrigações da recorrente ... SA emergentes
do contrato de locação financeira.
A Relação declarou a ineficácia da referida factualidade sob o fundamento de contradição com os factos provados plenamente por via das condições particulares das apólices.
A referida decisão da Relação sobre a matéria de facto reconduz esta parte do litigio à interpretação das cláusulas particulares e gerais dos contratos de seguro-caução em causa.
Este Tribunal, não obstante a limitação legal de sindicância da matéria de facto fixada pela Relação, pode operá-la, por estar em causa a determinação do sentido juridicamente relevante de declarações negociais segundo o critério estabelecido no artigo 236º, n.º 1, e 238º, n.º 1, do Código Civil (artigos 722º, n.º 2, e 729º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
A regra nos negócios jurídicos em geral é a de que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
A excepção ocorre nos casos em que não seja razoável imputar ao declarante aquele sentido declarativo ou em que o declaratário conheça a vontade real do declarante (artigo 236º do Código Civil).
O sentido decisivo da declaração negocial é, pois, o que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, por alguém medianamente instruído e diligente e capaz de se esclarecer acerca das circunstâncias em que as declarações foram produzidas.
No que concerne aos negócios jurídicos formais, como ocorre no caso vertente, há, porém, o limite de a declaração não poder valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do Código Civil).
Assim, o sentido hipotético da declaração que prevalece no quadro objectivo da respectiva interpretação, como corolário da solenidade do negócio, tem que ter um mínimo de literalidade no texto do documento que o envolve.
Estamos, pois, no caso vertente, perante negócios jurídicos onerosos e formais, pelo que o critério interpretativo segundo a impressão de um declaratário normal colocado na posição do real declaratário está limitado por um mínimo literal constante do texto das condições gerais e particulares do contrato de seguro consubstanciado na respectiva apólice.
Mas na interpretação da vontade dos outorgantes podem relevar várias circunstâncias, designadamente os termos da apólice e da lei aplicável, as prévias negociações entre as partes, a qualidade profissional destas, a terminologia técnico-jurídica utilizada no sector e a conduta de execução do contrato.
Resulta das condições gerais da apólice dos contratos de seguro caução em causa, por um lado, que o tomador do seguro é quem contrata com ... SA e deve pagar os prémios, e beneficiário o titular do direito de indemnização, e que o sinistro é o incumprimento pelo tomador do seguro da obrigação assumida perante o beneficiário.
E, por outro, que os contratos de seguro-caução em causa garantem ao beneficiário o pagamento da importância que devia receber do tomador do seguro em caso de incumprimento por este da obrigação garantida.
Está assente, por um lado, que, nas negociações que precederam a celebração do
contrato de locação financeira, a recorrida fez depender a sua conclusão de ... SA obter de terceiro com capacidade financeira a prestação de uma garantia idónea.
Na altura em que os contratos de seguro-caução em causa foram celebrados, isto é, na primeira metade do mês Agosto de 1993, vigorava entre as recorridas e ... SA um acordo empresarial, por elas denominado Protocolo, datado de 1 de Novembro de 1992.
Expressou-se no protocolo de 1 de Novembro de 1992 que ele visava definir as relações entre as empresas no tocante à emissão de seguros de caução destinados a garantir o pagamento à ... SA dos veículos por esta vendidos em aluguer de longa duração.
... SA comprometia-se, por um lado, a colocar na ... SA os seguros caução que exigisse aos seus clientes para garantia do pagamento das prestações de veículos por aqueles adquiridos em aluguer de longa duração e, apesar das apólices serem emitidas em nome dos seus clientes, a garantir-lhe o pagamento dos prémios de seguro.
E, por outro, em caso de sinistro coberto pela apólice, a transferir a propriedade do veículo locado para ... SA sem contraprestação ou quaisquer encargos, desde que a última confirmasse o pagamento dos danos seguros perante a instituição de crédito a quem livremente tivesse sido cessionado o direito à indemnização.
As recorrentes ... SA e ... SA, por seu turno, independentemente da duração do seguro, garantiam a responsabilidade, em cada momento, correspondente ao valor das prestações em dívida vencidas e as vincendas não pagas, até ao limite do capital indicado na apólice.
E ... SA comprometeu-se a emitir todas as apólices de seguro- caução cuja tomadora fosse ... SA ou quem esta indicasse, até certo montante, mediante o pagamento de determinado prémio, e ambas que, com a formalização da proposta de seguro caução, ... SA indicaria a Inter-Altântico SA a entidade jurídica beneficiária e que a primeira pagaria à segunda, à primeira interpelação, a indemnização que porventura esta tivesse de cumprir por virtude do accionamento do seguro-caução.
O sentido declarativo que resulta deste convénio empresarial é, pois, essencialmente, o de ter visado regular as relações entre as recorrentes e ... SA no tocante à celebração de contratos de seguro caução destinados a garantir à última o pagamento dos veículos por esta vendidos em aluguer de longa duração.
Reporta-se, com efeito, o mencionado segmento declarativo à garantia de pagamento do preço concernente a contratos de compra e venda de veículos automóveis, o que envolve o pressuposto de que ... SA seria ela própria a titular do direito de propriedade sobre eles e não ou já não sua mera locatária no quadro de algum contrato de locação financeira, designadamente celebrado com a recorrida.
Só assim faz sentido o convencionado entre ... SA e ... SA de que, em caso de sinistro coberto pela apólice, pela última honrado, a primeira transferir-lhe-ia o direito de propriedade sobre o veículo locado.
Acresce que se expressa no convénio em análise dever ... SA emitir todas as apólices de seguro caução cuja tomadora fosse ... SA ou quem esta indicasse.
Mas isso não se conforma com a normalidade das coisas, certo que o normal no
quadro de qualquer contrato de seguro-caução tendente à garantia do pagamento das rendas relativas a um contrato de aluguer de longa duração seria que os locatários figurassem como tomadores e ... SA como beneficiária.
Expressa-se, ademais, no referido protocolo dever ... SA indicar a ... SA a entidade beneficiária do seguro, do que se infere não ser ela própria a sua beneficiária e, para além disso, menciona-se o direito de regresso da última em relação à primeira pelo que pagasse por virtude do accionamento do contrato de seguro-caução.
Do conteúdo deste protocolo nada de relevante pode ser extraído com vista à determinação do sentido juridicamente relevante da vontade manifestada pelos representantes da recorrida ... SA e de ... SA ao celebrarem o contrato de seguro-caução em causa.
Ainda que se pudesse concluir no sentido de o mencionado protocolo só versar sobre as relações-quadro relativas à celebração entre ... SA e ... SA de contratos de seguro-caução para garantia de pagamento das rendas relativas a contratos de aluguer de longa duração, disso não podia inferir-se que só esse tipo de contratos era celebrado entre elas, ou seja, que a par desses contratos não celebravam outros contratos de seguro-caução para garantia do pagamento das rendas concernentes a contratos de locação financeira.
Não resulta do referido protocolo, por um lado, que das condições particulares das apólices, quando o beneficiário fosse uma locadora financeira, que o seguro cobria o risco de incumprimento da contra-garantia assumida pelo locatário de longa duração ao abrigo da segunda parte do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio, a que acima se fez referência.
Nem, por outro, que nos casos de menção nas apólices de ... SA como tomadora se entendia que ela as contratou por conta e ordem do respectivo locatário de longa duração, como seus contra-garantes.
Em consequência, não pode extrair-se do referido protocolo algum subsídio tendente à interpretação do contrato de seguro caução em causa nos termos pretendidos pelas recorridas.
Os factos provados em que a Relação fundamentou o decidido não revelam os termos dos contratos de aluguer de longa duração que ... SA celebrou, mas o tribunal da primeira instância, na sentença, expressou que as rendas dos referidos contratos foram estabelecidas para serem pagas mensalmente.
De qualquer modo, sempre importaria considerar que tais contratos estariam intrinsecamente conexionados, em termos de dependência, com o contrato de locação financeira celebrado entre a antecessora do recorrente e ... SA.
Acresce que no texto das condições particulares do contrato de seguro-caução em causa não há qualquer referência ao nome das pessoas que outorgaram nos referidos contratos de aluguer de longa duração celebrados com ... SA relativos aos mencionados veículos automóveis.
Quem podia beneficiar dos contratos de seguro-caução destinados a garantir o pagamento das rendas relativas aos contratos de aluguer de longa duração era, naturalmente, ... SA.
Todavia, nas cláusulas particulares dos contratos de seguro-caução em análise quem consta como beneficiária não é a recorrente ... SA, mas a antecessora do recorrente, que foi a locadora no contrato de locação financeira celebrado com a tomadora do seguro.
Em termos de normalidade contratual, se as partes pretendessem garantir o cumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de aluguer de longa duração, quem constaria das condições particulares da apólice como tomadores seriam os locatários de longa duração.
Perante este quadro, a menção nas condições particulares dos contratos de seguro-caução relativa às rendas do aluguer de longa duração no confronto com o sentido das restantes cláusulas particulares e das condições gerais a que se fez referência não pode ser considerada relevante para se considerar a interpretação negocial considerada pela Relação e pelas recorridas.
As menções inseridas nas condições particulares dos contratos de seguro caução relativas ao encabeçamento da entidade beneficiária na pessoa da antecessora da recorrente e de ... SA na posição de tomadora do seguro, a par do interesse da primeira no recebimento das rendas relativas ao contrato de locação financeira devidas por ... SA são essencialmente significativos para operar a interpretação do sentido relevante das declarações dos outorgantes no contrato de seguro-caução em causa.
A circunstância de a recorrente figurar nos contratos de seguro-caução como beneficiária da indemnização por incumprimento do contrato de aluguer de longa duração relativas aos veículos automóveis em causa é harmónica com a delineação da conexão de interesses envolvidos pelos contratos de locação financeira, de aluguer de longa duração e de seguro-caução.
É que se trata de três contratos envolvidos de significativa conexão instrumental objectiva e subjectiva, certo que o contrato de aluguer de longa duração depende do contrato de locação financeira, e a celebração deste último é condicionada à celebração do contrato de seguro caução, e cada um dos respectivos sujeitos tem interesse em que os outros cumpram pontualmente as obrigações deles decorrentes.
A referência ao aluguer de longa duração nas condições particulares dos contratos de seguro caução, independentemente do motivo, isto é, seja ou não para salientar que os veículos automóveis se destinavam a ser objecto mediato do contrato de aluguer de longa duração, não pode obnubilar o sentido que resulta dos restantes elementos acima mencionados.
Não tem qualquer relevo jurídico o argumento no sentido de que a antecessora do recorrente beneficiaria do contrato de seguro-caução abrangente do pagamento das rendas relativas ao contrato de aluguer de longa duração em virtude de ficar garantida por via do recebimento das rendas relativas ao contrato de locação financeira.
Com efeito, nessa hipótese, não havia vinculação ou garantia alguma de que ... SA afectasse o montante das rendas recebidas das recorrida por virtude do incumprimento dos contratos de aluguer de longa duração por parte dos respectivos locatários à extinção do direito de crédito da titularidade da antecessora do recorrente em relação a ela.
A recorrida ... SA não podia ignorar o interesse da antecessora do recorrente, nem mesmo o de ... SA, porque a celebração do contrato de locação financeira dependia da celebração dos contratos de seguro caução, em que este garantissem o pagamento das rendas relativas ao primeiro dos referidos contratos.
Perante o clausulado geral e particular dos contratos de seguro-caução, considerando que dos últimos consta ser ... SA a tomadora do seguro, sem qualquer referência expressa a sê-lo por conta, e a antecessora do recorrente a beneficiária, a par dos outros elementos a que acima se fez referência, um declaratário normal colocado na posição da ... SA ou da própria antecessora do recorrente, concluiria que os contratos de seguro-caução em causa garantiam à última o pagamento das rendas que devia receber da primeira.
A circunstância de terem sido celebrados dois contratos de seguro-caução, um relativo a cada um dos veículos automóveis locados, no confronto de um único contrato de locação financeira cujo objecto imediato os abrangeu, não tem a virtualidade de alterar o sentido interpretativo a que se chegou.
Conclui-se, por isso, no sentido de que os contratos de seguro-caução em causa abrangem o incumprimento da obrigação de pagamento das prestações pecuniárias relativas ao contrato de locação financeira celebrado entre ... SA e a antecessora do recorrente.

6.
Atentemos agora na sub-questão de saber se os contratos de seguro-caução em causa excluem ou não a obrigação de pagamento de ... SA decorrente do contrato que celebrou com a antecessora do recorrente.
Na espécie coexistem três obrigações conexas, designadamente a da ... SA perante a antecessora do recorrente derivada do contrato de locação financeira e face a ... SA no que concerne ao pagamento do prémio, e da última relativa à cobertura do risco de incumprimento por ... SA da obrigação derivada do primeiro dos referidos contratos.
... SA surge em relação à recorrida como principal pagadora, por virtude do incumprimento do contrato base de locação financeira, e as recorrentes ... SA e ... SA, em relação à antecessora do recorrente, como principais pagadoras face ao incumprimento por ... SA do contrato de locação financeira.
Nesta fase patológica de incumprimento do contrato de locação financeira ... SA, por um lado, ... SA e ... SA, por outro, respondem perante o recorrente pela mesma prestação de ressarcimento, conformada embora pelo limite derivado do contrato de seguro que traça a diversidade da fonte obrigacional.
Dir-se-á que ... SA e ... SA e ... SA todas devedoras principais, respondem pelo mesmo núcleo prestacional e de fonte obrigacional diversa, a responsabilidade da primeira fundada no incumprimento próprio contrato de locação financeira e a das últimas baseada no incumprimento daquele contrato pela primeira e no contrato de seguro caução.
Por isso, ao invés do que a recorrente ... SA alegou, a circunstância de funcionar, na espécie, a garantia derivada dos contratos de seguro-caução, da responsabilidade das recorridas, não a exonera, no confronto do recorrente, da sua responsabilidade contratual derivada do incumprimento do contrato de locação financeira.

7.
Vejamos agora a sub-questão de saber se o recorrente tem ou não direito a exigir
a condenação de ... SA a entregar-lhe os veículos automóveis objecto mediato do contrato celebrado entre a última e a antecessora do primeiro.
Apesar de os veículos automóveis objecto mediato do contrato de locação financeira terem sido entregues à antecessora do recorrente no âmbito de um procedimento cautelar, AA, BB e ... SA foram condenados a entregá-los ao recorrente.
No acórdão recorrido, por seu turno, expressou-se que se mantinha a condenação da ... SA na entrega dos veículos automóveis ao recorrente.
Resulta da matéria de facto provada, por um lado, que a antecessora do recorrente resolveu o contrato de locação financeira celebrado entre ela e ... SA, e, por outro, que a aquisição dos veículos automóveis em causa está inscrita a seu favor e que estiveram a ser utilizados, um por AA e o outro por BB.
E, por outro, que, entretanto, em procedimento cautelar, foram os referidos veículos apreendidos e entregues à antecessora do recorrente.
A antecessora do recorrente e ... SA acordaram, esta por aceitação do clausulado geral, particular e especial do contrato de locação financeira, que a resolução deste implicaria a obrigação da última de restituição à primeira dos veículos automóveis.
Portanto, resolvido que foi o contrato de locação financeira, à luz do convencionado e de harmonia com o disposto no artigo 405º, nº 1, do Código Civil, tinha a antecessora do recorrente direito de exigir a ... SA a restituição dos referidos veículos automóveis.
Com efeito, o direito de propriedade sobre os mencionados veículos automóveis inscrevia-se na titularidade da antecessora do recorrente, sendo que ... SA era em relação aos mesmos mera detentora ou possuidora em nome alheio.
A circunstância de os referidos veículos automóveis haverem sido entregues à antecessora do recorrente no âmbito de um procedimento cautelar não obsta à condenação de ... SA na respectiva entrega.
Com efeito, a função dos procedimentos cautelares é meramente instrumental em relação ao que for decidido na acção principal (artigo 383º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Não procede, por isso, a alegação da recorrente ... SA no sentido de não estar vinculada à condenação nadevolução dos veículos automóveis em causa.

8.
Atentemos, ora, sobre se a recorrente, ao exigir de ... SA a entrega dos veículos automóveis, agiu ou não sob abuso do direito.
... SA alegou ter celebrado contratos de seguro-caução para assegurar o pagamento das rendas devidas à antecessora do recorrente, ter-se esta vinculado à não resolução do contrato de locação financeira e a accionar unicamente o seguro-caução, e que, fazendo o contrário, frustrou as suas expectativas.
É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (artigo 334º do Código Civil).
O abuso do direito pressupõe, antes do mais, a existência do direito na titularidade de quem o exerce, e só é susceptível de funcionar em casos excepcionais, isto é, quando a atitude do titular do direito se manifeste em comportamento ofensivo do nosso sentido ético-jurídico, clamorosamente oposta aos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica e nas relações entre os contraentes.
Agir de boa fé para efeitos do instituto em análise é ter uma conduta honesta e conscienciosa e uma linha de correcção e probidade em termos de não prejudicar os interesses da contraparte e de não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderá tolerar.
Por seu turno, os bons costumes, a que o artigo 334º do Código Civil se reporta, são regras de convivência que, num dado ambiente e momento, as pessoas correctas e honestas aceitam comummente.
No caso de direitos de crédito, como ocorre no caso vertente, o fim económico do direito a que aquele normativo se reporta é a satisfação do interesse do credor mediante a realização da prestação por parte do devedor (artigo 397º do Código Civil).
Uma das vertentes do abuso do direito é o venire contra factum proprium, isto é, a chamada conduta contraditória no confronto com o princípio da tutela da confiança, o qual é de considerar violado por quem exerce o direito, por exemplo quando a parte contra quem é exercido, com base em convincente conduta positiva ou negativa daquele, confiou em que tal exercício não ocorresse e programou em conformidade a sua acção.
Foi clausulado no contrato de locação financeira que o incumprimento da obrigação de pagamento das rendas por parte de ... SA era susceptível de implicar a sua resolução, a implementar pela antecessora do recorrente, a indemnização e a devolução dos veículos automóveis por parte da primeira.
Há dois contratos de seguro caução tendentes a cobrir o risco de omissão de pagamento das rendas vencidas e vincendas por parte de ... SA, mas ... SA negou à antecessora do recorrente a indemnização com fundamento no facto de eles não cobrirem essa vertente do sinistro.
Está evidenciado pelos factos provados que ... SA incumpriu a sua obrigação de pagamento das rendas e que esse incumprimento esteve na origem da resolução do contrato de locação financeira por parte da antecessora do recorrente.
Não estão provados os factos que a este propósito ... SA invocou nesta sede de recurso, designadamente o mencionado compromisso de não resolução do contrato de locação financeira.
Ao invés, conforme já se referiu, foi convencionada entre as partes a mencionada resolução contratual e não estão provados factos reveladores de excessiva vantagem da recorrida no quadro da contratação envolvente.
Face ao clausulado do contrato de locação financeira, só seria razoável supor a confiança de ... SA em que a antecessora do recorrente não resolveria o contrato de locação financeira e de que lhe não exigiria a devolução do veículo automóvel locado se ela cumprisse pontualmente a obrigação de pagamento das rendas.
Mas assim não procedeu, pelo que não era razoável que confiasse em que a antecessora do recorrente não resolveria o contrato de locação financeira, tanto mais que a recorrida ... SA lhe negou a indemnização baseada nos contratos de seguro-caução.
Perante este quadro, a conclusão é no sentido de que o accionamento de ... SA pela antecessora do recorrente, nos termos em que o fez se não traduziu em qualquer das vertentes de abuso de direito, antes se tendo consubstanciado em mero exercício legítimo do seu direito de crédito.

9.
Vejamos agora o âmbito quantitativo da obrigação das recorridas, no confronto do recorrente, decorrente dos contratos de seguro-caução celebrados entre ... SA e ... SA.
As recorridas alegaram, para a hipótese de se decidir no sentido de os contratos de seguro-caução cobrirem o incumprimento de ... SA do contrato de locação financeira, importava que se decidisse se a extensão dessa cobertura abrangia ou não o pagamento das rendas ou a indemnização decorrente da resolução do contrato de locação financeira.
No recurso de apelação, as recorridas alegaram que o pedido subsidiário nas vertentes mencionadas sob c) e d) estava fora do objecto da garantia, acrescentando que tal era reforçado pela circunstância de os lucros cessantes não serem abrangidos pelo contratos de seguro-caução.
O referido pedido teve por objecto o valor correspondente a uma renda vincenda e a quantia de 48 479$ relativa aos juros vencidos até 30 de Outubro de 1995 sobre o capital em dívida mencionado na alínea anterior e os vincendos até integral pagamento.
Resolvido o contrato de locação financeira, ... SA ficou vinculada à restituição à antecessora do recorrente os veículos automóveis, a pagar-lhe as rendas vencidas e não pagas e juros de mora e a indemnização por perdas e danos sofridos, bem como a quantia equivalente a um quinto da renda ainda não vencida na data da resolução mais o valor residual.
Certo é, por um lado, que o contrato de seguro caução é insusceptível de cobrir obrigações de indemnização por lucros cessantes ou danos não patrimoniais (artigo 12º do Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio).
E, por outro, que uma coisa são as rendas vencidas, pagas ou não, até à comunicação da declaração de resolução do contrato de locação financeira, e outra, essencialmente diversa, a indemnização pelo dano contratual negativo decorrente dessa resolução, a que se reporta o artigo 801º, n.º 2, do Código Civil.
E isso independentemente da forma como a indemnização foi convencionada, isto é, por referência à soma das rendas vencidas e não pagas, do valor das rendas vincendas e do valor residual, ou por via de cláusula penal correspondente a certa percentagem sobre o valor da soma das rendas vencidas e não pagas, das rendas vincendas e do valor residual.
Resulta efectivamente dos factos provados que o antecessor do recorrente resolveu o contrato de locação financeira celebrado com ... SA na sequência do incumprimento por esta da obrigação de pagamento de rendas no valor de € 8 230,04.
Mas no tribunal da primeira instância considerou-se que a esse valor devia ser adicionada a quantia de € 695, 51 a título de indemnização.
Todavia, os contratos de seguro-caução só abrangem as rendas vencidas e não pagas, e, consequentemente, excluída está a indemnização decorrente da resolução do contrato de locação financeira.
Em consequência, procede nesta parte a pretensão das recorridas, devendo reduzir-se o montante que por elas deve ser pago para o mencionada quantia de € 8 230,04.
No que concerne aos juros de mora, que não estão em causa no recurso, nada há a alterar.

10.
Atentemos, finalmente, na síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
É aplicável à acção e aos recursos a versão do Código de Processo Civil anterior à reforma da lei processual que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997.
A antecessora do recorrente e ... SA celebraram um contrato de locação financeira cujo objecto mediato foi constituído por dois veículos automóveis que a última destinou à actividade de aluguer de longa duração.
Em conexão com o referido contrato de locação financeira, ... SA e ... SA celebraram dois contratos de seguro-caução cuja garantia envolve o incumprimento pela primeira do primeiro dos referidos contratos.
Os contratos de seguro-caução não excluem a obrigação de pagamento por parte de ... SA decorrente do contrato de locação financeira no confronto com a antecessora do recorrente.
A antecessora do recorrente não agiu sob abuso do direito ao exigir a condenação de ... SA na entrega dos veículos automóveis objecto mediato do contrato de locação financeira.
O recorrente tem direito a exigir a condenação de ... SA na entrega dos veículos automóveis objecto mediato do contrato celebrado entre a última e a antecessora do primeiro.
Os contratos de seguro-caução não cobrem a vertente indemnizatória decorrente da resolução pela antecessora do recorrente do contrato de locação financeira por incumprimento de ... SA.
Não foi infringida pela Relação qualquer das normas jurídicas invocadas por ... SA, improcedendo o recurso que interpôs, e procede parcialmente o recurso interposto pelo Banco ... SA.
Vencidos ... SA totalmente, e ... SA e ... SA por um lado, e o Banco ... SA, por outro, parcialmente, são responsáveis pelo pagamento das custas, incluindo as da acção e do recurso de apelação, na proporção do vencimento (artigo 446º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Mas como ... SA é beneficiária do apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária, tendo em conta o disposto nos artigos 15º, alínea a), 37º, nº 1 e 54º, nºs 1 a 3, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para que seja condenada no pagamento das referidas custas, porque dele está dispensada.

IV
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto por ... – Comércio de Automóveis SA e parcialmente procedente o recurso interposto pelo Banco ... SA, revoga-se nesta parte o acórdão recorrido, condenam-se a Companhia de
Seguros ... SA e a Companhia de Seguros ... SA a pagar ao ... SA, na proporção de três quintos e de dois quintos, respectivamente, a quantia de oito mil duzentos e trinta euros, acrescidos de juros nos termos fixados no tribunal da primeira instância.
No que concerne ao recurso interposto pelo Banco ... SA, condena-se este e as Companhias de Seguros ... SA e ... SA no pagamento das custas respectivas, incluindo as da acção e do recurso de apelação, na proporção do vencimento.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Abril de 2007

Salvador da Costa (relator)
Ferreira de Sousa
Armindo Luís