Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO CLEMENTE LIMA | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS PRINCÍPIO DA ACTUALIDADE PRINCÍPIO DA ATUALIDADE PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA DETENÇÃO TERRORISMO ESPECIAL COMPLEXIDADE | ||
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Data do Acordão: | 03/28/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | INDEFERIDA A PETIÇÃO DE HABEAS CORPUS | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACTOS PROCESSUAIS / NULIDADES - PROVA / MEIOS DE PROVA / DECLARAÇÕES DO ARGUIDO, DO ASSISTENTE E DAS PARTES CIVIS - MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / MEDIDAS ADMISSÍVEIS / REVOGAÇÃO, ALTERAÇÃO E EXTINÇÃO DAS MEDIDAS. | ||
Doutrina: | - Código de Processo Penal, Comentado, Almedina, 2014, p. 909; - José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Coimbra Editora, 4.ª Edição, revista, 2007, Volume I, p. 509 e 510. | ||
Legislação Nacional: | - CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS N.º 118.º N.ºS 1 E 2, 123.º N.º 1, 141.º, 202.º, 215.º N.ºS, ALÍNEA B), 2, 3 E 4, 217.º, 254. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 04-02-2009, PROCESSO N.º 09P0325; - DE 14-05-2014, PROCESSO N.º 23/14.2YLSB.S1, IN WWW.DGSI.PT.; - DE 18-09-2014, PROCESSO N.º 70/14.4YFLSB; - DE 16-10-2014, PROCESSO N.º 2210/12.9TASTB-A.S1; - DE 08-01-2015, PROCESSO N.º 459/13.6TALMG-A.S1; - DE 30-03-2016, PROCESSO N.º 37/15.5GOBVR.S1; - DE 25-10-2018, PROCESSO N.º 78/16.5PWLSB-A.S1, IN WWW.DGSI.PT.; - DE 19-10- 2016, PROCESSO N.º 2324/14.0JAPRT-Z.S1; - DE 22-03- 2017, PROCESSO N.º 1008/14.4T9BRG-AU.S1. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - DE 21-02-2018, ACÓRDÃO N.º 1326/2017. | ||
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Sumário : | I - Dispõe o art. 215.º n.ºs 1 al. b), 2 e 3, do CPP (prazos de duração máxima da prisão preventiva), no segmento que aqui releva, que a prisão preventiva se extingue quando, em casos de terrorismo (crime que, entre os mais, vem imputado ao arguido no despacho acusatório), desde o seu início, tenham corrido dez meses sem que tenha havido decisão instrutória, prazo que é elevado para um ano e quatro meses, quando o procedimento (designadamente por aquele crime) se revelar de excepcional complexidade. II - Resulta do teor literal do art. 215.º, do CPP, que, na contagem do prazo da prisão preventiva, o dies a quo é o do seu início e não o da data da detenção cautelar prévia, dada a diversidade dos fins e regimes da detenção cautelar e da prisão preventiva, bastando, para o que ao caso importa, cotejar o disposto nos arts. 202.º, 215.º e 217.º, do CPP, com o disposto nos arts. 141.º e 254.º do mesmo CPP. III - Acresce que a própria “ratio” da imposição, constitucional e legal, de prazos máximos de duração da prisão preventiva não obriga à adição a esta, para efeitos do disposto no falado art. 215.º, do CPP, do tempo de detenção cautelar. IV - Nesse entendimento, o prazo de dez meses decorrente do disposto no art. 215.º, n.º 1 al. b) e 2, do CPP, só caducaria a 21, que não, como se pretexta, a 15-03-2019. E, em sequência, no caso, tomando o princípio da actualidade - no sentido de que, para o provimento do habeas corpus, é necessário que a ilegalidade da prisão seja actual -, reportando tal ilegalidade ao momento da formulação do pedido (desconsiderando o entendimento de que a ilegalidade deve reportar-se ao momento em que é necessário apreciar o pedido), formulado a 19-03-2019, sempre o peticionado haveria de julgar-se improcedente. V - Mas mesmo admitindo o entendimento do peticionante no sentido de que o prazo de prisão preventiva se iniciou com a detenção do mesmo, a declaração de especial complexidade do processo amplia, por mais seis meses, tal seja, até 15-08-2019, o prazo máximo da prisão preventiva. VI - A elevação do referido prazo, decorre, directa e imediatamente, do disposto no n.º 3 do mesmo art. 215.º, do CPP, por força da declaração da referida excepcional complexidade do processo, independentemente da validade processual e mesmo do trânsito em julgado dessa declaração. VII - No sentido de que a apreciação, no âmbito da providência de “habeas corpus”, da validade do despacho que declarou a especial complexidade do processo, não cabe nos poderes cognitivos do STJ. VIII - Releva ainda a decisão levada no acórdão, do TC, de 21-02- 2018 (n.º 1326/2017), no sentido de «não julgar inconstitucional a interpretação, extraída da conjugação dos artigos 118.º n.ºs 1 e 2, 123.º n.º 1 e 215.º, n.ºs 3 e 4, todos do Código de Processo Penal, conducente ao sentido de que constitui mera irregularidade a não audição do arguido sobre o requerimento do Ministério Público tendente à declaração da especial complexidade do procedimento, em momento prévio à prolação do despacho judicial que defira esse requerimento, procedendo a tal declaração». | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I
1. Nos autos de instrução em referência, o arguido, AA – [---], submetido a prisão preventiva por despacho judicial de 21 de Maio de 2018, situação que veio a ser confirmada, designadamente, por despacho de 11 de Fevereiro de 2019, no Estabelecimento Prisional de ... –, requereu, a 19 de Março de 2019, providência de habeas corpus.
2. Nos seguintes termos: «I.a) – RAZÃO DA PROVIDÊNCIA 1º Pretende o ARGUIDO demonstrar que está preso preventivamente além dos prazos fixados pela lei. 2º Pois, no entendimento da DEFESA, não se lhe aplica a especial complexidade, devido aos dois requerimentos que apresentou a alegar a nulidade/irregularidade do decretamento da mesma. 3º Nos termos dos números 2 e 1, alínea b), do artigo 215º do Código de Processo Penal, o prazo máximo são DEZ MESES, quando é aberta a fase de instrução, o que foi no presente processo. 4º E o ARGUIDO está preso preventivamente desde 15 de maio de 2018 e, sendo hoje dia 18 de março de 2019, já decorreram DEZ MESES E TRÊS DIAS. I.b) – LOCALIZAÇÃO DO ARGUIDO 5º O ARGUIDO encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de ---, sendo o preso com o número 235. I.c) – INÍCIO DA CONTAGEM DA PRISÃO PREVENTIVA 6º No passado dia 15 de maio de 2018, o ARGUIDO foi detido e presente ao Juiz de Instrução Criminal do ... para 1ª Interrogatório. 7º O ARGUIDO permaneceu detido, pernoitando numa esquadra na Margem Sul. 8º O 1º Interrogatório durou até ao dia 21 de maio de 2018. 9º No dia 21 de maio de 2018, pelas 20 horas e 50 minutos, decorrente do 1ºInterrogatório, foi aplicada ao ARGUIDO a medida de coação de prisão preventiva ao ARGUIDO. 10º A detenção manteve-se ininterruptamente. 11º A prisão preventiva foi aplicada porquanto, no entendimento do Juízo de Instrução Criminal do ..., existirem fortes indícios que o ARGUIDO, no 15 de maio de 2018, pelas 17h00, na Academia do ---, em ---, em coautoria material, ter praticado: a) um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido no artigo 191º do Código Penal; b) vinte crimes de ameaça agravada, previsto e punido nos artigos 153º, nº1, e 155º, nº1, alínea a), ambos do Código Penal, c) doze crimes ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido nos artigos 143º, nº1 e 145º, nº1, nº2, com referência à alínea h) do nº2, do artigo 132º (se praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum); d) vinte crimes de sequestro, previsto e punido no artigo 158º, nº1, do Código Penal, e) dois crimes de dano com violência, previsto e punido no artigo 212º, nº1, e 214º, nº 1, alínea a), todos do Código Penal, f) um crime de detenção de arma proibida agravada, previsto e punido nos artigos 86º, nº1, alínea d) e 89º, por referência ao artigo 2º, nº 5, alínea af) e q) e 91º, nº1, alínea a) e nº 2 da Lei nº 5/2006, de 23.2, um crime de incêndio florestal, previsto e punido no artigo 274º, nº1, Código Penal; e g) um crime terrorismo, previsto e punido no artigo 4º, nº1, por referência ao artigo 2º, nº1, alínea a), da Lei nº 52/2003, de 22.08, com a redação dada pela Lei nº 60/2015, de 24.06 12º O ARGUIDO foi conduzido ao Estabelecimento Prisional de ---, onde permanece preso preventivamente até à presente data. 13º Para suportar o presente entendimento, enuncia-se que: “A detenção que for seguida do decretamento de prisão preventiva conta como início da execução desta medida, uma vez que a privação de liberdade ocorre desde aquele primeiro momento”, conforme refere Costa, Eduardo Maia, no Comentário do CPP, 2016 – 2ª Edição Revista, p. 618. 14º Logo, o primeiro dia de contagem do prazo de prisão preventiva deverá ser o dia 15 de maio de 2018 (termo inicial do prazo). I.d) – FACTOS QUE SUSTENTAM NÃO EXISTIR ESPECIAL COMPLEXIDADE 15º No dia 7 de novembro de 2018, o Ministério Público requereu a declaração de especial complexidade do inquérito ao JIC do ... (Que de resto é uma faculdade conferida ao Ministério Público, nos termos do artigo 215. Nº 4 do CPP). 16º Neste mesmo dia 7 de novembro de 2018, no decurso do requerimento do Ministério Público, o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal do Tribunal do ... (JIC do ...), declara a especial complexidade do procedimento (despacho foi emitido no mesmo dia que o Ministério Público requereu a especial complexidade). Por sua vez, 17º No dia 8 de novembro de 2018, por certidão de notificação no Estabelecimento Prisional de ---, o ARGUIDO foi notificado do despacho que declarou a especial complexidade do presente procedimento (ou seja, o despacho de 7 de novembro de 2018 emitido pelo JIC do ...). 18º Também neste dia 8 de novembro de 2018, ao final da tarde, deslocou- -se um Guarda da GNR ao escritório do mandatário do ARGUIDO, sito na Avenida dos Bombeiros Voluntários,..., para efetuar uma notificação. 19º O mandatário do ARGUIDO foi unicamente notificado do requerimento apresentado pelo Ministério Público, a pedir que seja declarada a especial complexidade do inquérito. 20º Nesta notificação, não constava qualquer menção, efetuada pelo JIC do ..., a conferir um qualquer prazo para se manifestar relativamente ao pedido do Ministério Público. 21º Assim como, não constava o despacho de 7 de novembro de 2018 a declarar a especial complexidade, que fora enviado ao ARGUIDO. 22º No dia 12 de novembro de 2018, o ARGUIDO enviou por correio registado um requerimento onde arguiu a nulidade/irregularidade por falta de audição antes de ser declarada a especial complexidade do procedimento (DOC. nº1). 23º No dia 15 de novembro de 2018, o Ministério Público deduziu a acusação, dentro do prazo de seis meses, antes de se esgotar o prazo duração máxima de prisão preventiva (artigo 215º, nº 1, alínea a) e nº2, do CPP). 24º Portanto, o inquérito terminou no dia 15 de novembro de 2018. 25º Volvido cerca de um mês, mais precisamente no dia 13 de dezembro de 2018 o ARGUIDO é notificado, do despacho do JIC do ..., datado de 6 de dezembro de 2018, constando do mesmo, para o que os fins que por agora nos interessam, que: “De acordo com o disposto no artigo 215, nº3, do CPP, os prazos de duração da medida de coação de prisão preventiva são elevados quando o procedimento for por um dos crimes referidos no nº2 do mesmo artigo e “se revelar de excecional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime” O Ministério Público veio requerer a declaração de excecional complexidade do presente procedimento alegando, não só que a quantidade de arguidos o justifica – estando identificados, por ora, quarenta e três arguidos – mas também pelo facto de ser de grande complexidade a análise dos elementos de prova e a deslocalização dos atos necessários. Também a fls. 10.659 e 10.1660, veio o arguido BB, alegando o número (44) arguidos, a quantidade, diversidade e gravidade dos crimes que lhes são imputados, a grande dimensão da acusação e dos elementos de prova a analisar, que são traduzidos num muito elevado volume de informação e complexidade do objeto do processo, requerer a declaração de especial complexidade do processo, a fim de ser alargado, ao abrigo do disposto no artigo 107º, nº6, do CPP, o prazo para requerer a abertura da instrução. A declaração de especial complexidade do procedimento não se reporta exclusivamente à fase de inquérito, nem tem que ser requerida ou determinada naquela fase processual, tendo como objetivo o alargamento dos prazos da prisão preventiva até ao trânsito em julgado da decisão de condenação. O que se passa é que a decisão de conferir ao procedimento aquela especial complexidade é, normalmente, requerida em inquérito (tal como foi) e são referidas, então, as circunstâncias relevantes para a elevação dos prazos da prisão preventiva, logo desde essa primeira fase processual, tal não implicando que, ainda que aquelas circunstâncias deixem de se verificar no final do inquérito, se deixe de verificar, também, a especial complexidade do procedimento nas fases seguintes. Pese embora, nem sequer tenham sido alegados fundamentos aplicáveis a estas subsequentes fases. Não é o caso, porque, como acima de deixou dito, inclusivamente um dos arguidos requereu, também, a declaração de especial complexidade do procedimento a fim de ver elevado o prazo para requerer a abertura da fase de instrução, o que, pese, embora os arguidos não tenham legitimidade para requerer especial complexidade do procedimento nos termos do disposto no artigo 215º. Nº3 e 4, mas apenas nos termos do artigo 107º, nº6, do CPP, para que a mesma seja deferida, necessário é que se verifiquem os pressupostos do disposto no já referido artigo 215º, nº3, do CPP. Ou seja, só se se verificarem os pressupostos para a declaração de especial complexidade do procedimento nos termos do artigo 215º, nº3, do CPP, se poderá elevar o prazo para a abertura de instrução previsto no artigo 107º, nº6, do CPP. Caem, deste modo, por terra, os argumentos esgrimidos pelo arguido ..., no requerimento de fls. 9.127 a 9.133, pelos arguidos CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, LL, MM e NN, no requerimento de fls.9.136 a 9.138, pelo arguido OO, no requerimento de fls. 9.156 a 9.160, pelos arguidos PP e QQ, no requerimento de fls. 9.819 a 9.820, pelos arguidos RR e SS, no requerimento de fls. 9.822, pelo arguido TT, nos requerimentos de fls. 10.001 e 10.002 e 10.024 na 10.035 e pelo arguido UU, no requerimento de fls.10.004. Assim, porque os crimes em investigação se encontram previstos no nº2 do artigo 215º, do CPP e porque, cumulativamente, o número de arguidos e de suspeitos é elevado e se verifica um alto nível de organização do crime, sendo ainda muito elevado o volume de informação e a complexidade do objeto do processo, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 215º, do CPP, declaro a especial complexidade do presente procedimento. Notifique.” 26º O JIC do ..., salvo melhor opinião, voltou a desrespeitar o preceituado no nº4 do artigo 215º do Código de Processo Penal, pelo facto de NÃO ter, novamente, ouvido o ARGUIDO. 27º Assim, pugnando pelo que já havia firmado, acrescentando as considerações que em relação ao despacho de 6 de dezembro de 2018 se impunham, o ARGUIDO arguiu novamente a nulidade/irregularidade, através de requerimento que seguiu por carta registada ainda no dia 13 de dezembro de 2018 (DOC nº2). 28º Posto isto, passado cerca de mês e meio, 29º Por despacho de 24 de janeiro de 2019, notificado ao ARGUIDO no dia 31 de janeiro de 2019, disse o JIC do ... que improcede a suscitada nulidade da declaração de especial complexidade do processo, referindo o seguinte: “Vem o arguido OO arguir a nulidade do despacho de declaração de especial complexidade do processo, alegando que não foi notificado do mesmo. A notificação de conteúdo de acto ou de despacho pode ser efectuada na pessoa do defensor do arguido – art.ç 113º, nº10 do CPP. No requerimento em causa, é o próprio que confirma que o despacho em causa foi notificado ao seu Defensor em 07.11.2018 e verifica-se que, decorrido o prazo respetivo, nada disse o arguido quanto à questão. Assim, mostra-se o arguido devidamente notificado do requerimento do Ministério Público onde é requerida a especial complexidade do processo na data referida, nada tendo oposto, pelo que improcede a nulidade suscitada.” 30º Faça-se apenas a seguinte correção, quanto ao texto deste despacho, notificado ao ARGUIDO em 29 de janeiro de 2019, para fins de precisão da informação, a data em que o Defensor foi notificado foi o dia 8.11.2018 e não 7.11.2018 (constante do penúltimo parágrafo do despacho e certamente tratou-se de um lapso de escrita do JIC do ...). 31º No dia 4 de março de 2019, o ARGUIDO interpõe recurso do despacho 24 de janeiro de 2019, que considera improcede a suscitada nulidade da declaração de especial complexidade do processo, tendo o recurso sido admitido por despacho de 8 de março de 2019. I.d.1) – FALTA DE AUDIÇÃO DO ARGUIDO (1ª SITUAÇÃO) 32º As duas notificações de 8 de novembro de 2018, uma feita ao ARGUIDO e a outra ao seu mandatário, são um contrassenso ao direito a ser ouvido antes de se declarar a especial complexidade do processo. 33º Tanto mais quando, uma dessas notificações é o JIC do ... a declarar a especial complexidade do processo: é a DECISÃO. 34º Na verdade, o JIC do ... deveria ter notificado o ARGUIDO para se pronunciar sobre o pedido da especial complexidade do processo, conferindo um prazo de 10 dias (prazo regra) para o efeito. 35º E, só depois, deveria ter emitido ou não a declaração de especial complexidade do procedimento/inquérito. 36º Não pode ser considerada como “oportunidade de o arguido ser ouvido” sobre uma possível decisão/despacho, quando o JIC já tomou a decisão propriamente dita. 37º E, mais grave ainda, já a comunicou ao arguido. 38º Isso foi o que se verificou nos presentes autos… 39º No dia 7 de novembro de 2018, um dia antes as notificações, o JIC do ... já tinha proferido a decisão. 40º O ARGUIDO foi simultaneamente notificado do despacho que declarou a especial complexidade do procedimento e, através do seu mandatário, do pedido do Ministério Público para que fosse declarada a especial complexidade. 41º A sequência que se impunha seria: 1) o JIC do ... notificava o ARGUIDO do pedido do Ministério Público para ser declarada a especial complexidade; 2) aguardava o decurso do prazo de 10 dias; 3) só depois, proferia o respetivo despacho; e 4) terminava notificando o arguido da decisão. 42º Como nada disto foi respeitado, no entendimento da DEFESA, andou bem o ARGUIDO quando, por requerimento de 12 de novembro de 2018 arguiu a nulidade/irregularidade, por ter sido violado o preceituado no nº4 do artigo 215º, do CPP. 43º Quando resulta desta disposição legal que, a especial complexidade “apenas pode ser declarada durante a 1ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.” 44º O JIC do ... tomou a decisão no mesmo dia que recebeu o requerimento do Ministério Público. 45º Estes atos são ambos do dia 7 de novembro de 2018. 46º E, conforme suprarreferido, notificou simultaneamente o ARGUIDO do despacho que declarou a especial complexidade do procedimento e, através do seu mandatário, do pedido do Ministério Público para que fosse declarada a especial complexidade, no dia 8 de novembro de 2018. I.d).1.a) – DOS EFEITOS (NULIDADE/IRREGULARIDADE) 47º Conforme referido, perante a notificação simultânea ocorrida a 8 de novembro de 2018, o ARGUIDO arguiu a nulidade/irregularidade das notificações efetuadas. 48º Entende o ARGUIDO, salvo melhor opinião, que a notificação do despacho do JIC do ... que declarou a especial complexidade – ou mesmo até, o despacho que declarou a especial complexidade no mesmo dia que o Ministério Público efetuou o pedido (7 de novembro de 2018) – sem a audição do ARGUIDO, deverá ser qualificado como uma nulidade, nos termos da alínea d) nº2 do artigo 120º do CPP. 49º Cujos efeitos estão descritos no nº1 do artigo 122º do CPP, tornando “inválido o ato em que se verificarem, bem como o que dele dependerem e aquelas puderem afetar”. 50º Ou seja, é inválido o despacho que declarou a especial complexidade no dia 7 de novembro de 2018, e são inválidas as notificações efetuadas ao ARGUIDO e mandatário no dia 8 de novembro de 2018. 51º Na verdade, permanecia unicamente válido o requerimento do Ministério Público a solicitar que fosse declarada a especial complexidade do procedimento, que ficaria dependente de nova notificação ao ARGUIDO. 52º Mas ainda, caso não se entenda que estamos perante uma nulidade, o que só por dever de patrocínio se equaciona, deverá ser qualificada como irregularidade, que o ARGUIDO também invocou dentro do prazo legal (3 dias), portanto apresentada em tempo, nos termos do artigo123º do CPP. 53º As consequências legais descritas neste preceito, implicam igualmente a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar, sendo também declarado inválido o despacho que declarou a especial complexidade e as notificações efetuadas a 8 de novembro de 2018. I.d).2) – FALTA DE AUDIÇÃO DO ARGUIDO (2ª SITUAÇÃO) 54º Posteriormente, no dia 13 de dezembro de 2018 o ARGUIDO é notificado, do despacho do JIC do ..., datado de 6 de dezembro de 2018, constando, para o que os fins que por agora nos interessam, que: “De acordo com o disposto no artigo 215, nº3, do CPP, os prazos de duração da medida de coação de prisão preventiva são elevados quando o procedimento for por um dos crimes referidos no nº2 do mesmo artigo e “se revelar de excecional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime” O Ministério Público veio requerer a declaração de excecional complexidade do presente procedimento alegando, não só que a quantidade de arguidos o justifica – estando identificados, por ora, quarenta e três arguidos – mas também pelo facto de ser de grande complexidade a análise dos elementos de prova e a deslocalização dos atos necessários. Também a fls. 10.659 e 10.1660, veio o arguido BB, alegando o número (44) arguidos, a quantidade, diversidade e gravidade dos crimes que lhes são imputados, a grande dimensão da acusação e dos elementos de prova a analisar, que são traduzidos num muito elevado volume de informação e complexidade do objeto do processo, requerer a declaração de especial complexidade do processo, a fim de ser alargado, ao abrigo do disposto no artigo 107º, nº6, do CPP, o prazo para requerer a abertura da instrução. A declaração de especial complexidade do procedimento não se reporta exclusivamente à fase de inquérito, nem tem que ser requerida ou determinada naquela fase processual, tendo como objetivo o alargamento dos prazos da prisão preventiva até ao trânsito em julgado da decisão de condenação. O que se passa é que a decisão de conferir ao procedimento aquela especial complexidade é, normalmente, requerida em inquérito (tal como foi) e são referidas, então, as circunstâncias relevantes para a elevação dos prazos da prisão preventiva, logo desde essa primeira fase processual, tal não implicando que, ainda que aquelas circunstâncias deixem de se verificar no final do inquérito, se deixe de verificar, também, a especial complexidade do procedimento nas fases seguintes. Pese embora, nem sequer tenham sido alegados fundamentos aplicáveis a estas subsequentes fases. Não é o caso, porque, como acima de deixou dito, inclusivamente um dos arguidos requereu, também, a declaração de especial complexidade do procedimento a fim de ver elevado o prazo para requerer a abertura da fase de instrução, o que, pese, embora os arguidos não tenham legitimidade para requerer especial complexidade do procedimento nos termos do disposto no artigo 215º. Nº3 e 4, mas apenas nos termos do artigo 107º, nº6, do CPP, para que a mesma seja deferida, necessário é que se verifiquem os pressupostos do disposto no já referido artigo 215º, nº3, do CPP. Ou seja, só se se verificarem os pressupostos para a declaração de especial complexidade do procedimento nos termos do artigo 215º, nº3, do CPP, se poderá elevar o prazo para a abertura de instrução previsto no artigo 107º, nº6, do CPP. Caem, deste modo, por terra, os argumentos esgrimidos pelo arguido , no requerimento de fls. 9.127 a 9.133, pelos arguidos CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, LL, MM e NN, no requerimento de fls.9.136 a 9.138, pelo arguido OO, no requerimento de fls. 9.156 a 9.160, pelos arguidos PP e QQ, no requerimento de fls. 9.819 a 9.820, pelos arguidos RR e SS, no requerimento de fls. 9.822, pelo arguido TT, nos requerimentos de fls. 10.001 e 10.002 e 10.024 na 10.035 e pelo arguido UU, no requerimento de fls.10.004. Assim, porque os crimes em investigação se encontram previstos no nº2 do artigo 215º, do CPP e porque, cumulativamente, o número de arguidos e de suspeitos é elevado e se verifica um alto nível de organização do crime, sendo ainda muito elevado o volume de informação e a complexidade do objeto do processo, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 215º, do CPP, declaro a especial complexidade do presente procedimento. Notifique.” 55º Ora, quanto a este despacho cumpre referir: 1) O JIC do ... volta a referir o pedido do Ministério Público, na fase de inquérito, quando o inquérito havia terminado a 15 de novembro de 2018, para que fosse declarada a especial complexidade; 2) O JIC do ... declara novamente a especial complexidade sem ouvir o ARGUIDO. 56º Quanto ao requerimento do Ministério Público, salvo melhor entendimento, a DEFESA considera que deixou de fazer qualquer sentido justificativo o mesmo sustentar qualquer decisão, quando o Ministério Público deduziu a acusação no dia 15 de novembro de 2018 (dentro do prazo de seis meses). 57º Quando o requerimento do Ministério Público foi todo fundamentado na suposta escassez temporal da fase de inquérito, porque se aproximavam o termo do prazo de duração máxima de prisão preventiva (artigo 215º, nº 1, alínea a) e nº2, do CPP). 58º Ainda assim, o Ministério Público conseguiu deduzir a acusação, dentro do prazo de seis meses. 59º Este facto, na perspetiva da DEFESA, é demonstrativo que o Ministério Público não necessitava que fosse declarada a especial complexidade durante o inquérito. 60º Independentemente disso, a verdade é que o requerimento do Ministério Público ficou vazio de conteúdo e, como tal, sem efeito por inutilidade. 61º E isto assim é, porque o requerimento dirigia-se especificamente à fase de inquérito que, entretanto, terminou. 62º Portanto, no entendimento da Defesa não mais o JIC do ... poderia “utilizar” o requerimento/pedido do Ministério Público para fundamentar a declaração de especial complexidade. 63º O que em abono da verdade se diga que nem precisava, visto que nos termos do artigo 215º nº4 do CPP, o JIC do ... o poderia declarar por despacho fundamentado… 64º Que não fez… 65º MAS SEMPRE DEPOIS DE OUVIDO O ARGUIDO! 66º E aqui reside nova nulidade/irregularidade, o JIC do ... voltou a declarar a especial complexidade do processo sem ter dado NOVAMENTE oportunidade ao ARGUIDO para se pronunciar. 67º A única notificação ocorrida para o ARGUIDO se pronunciar é inválida, de acordo com o suprarreferido, e não houve mais qualquer notificação do ARGUIDO para se pronunciar quanto à hipotética declaração de especial complexidade. 68º Assim, por requerimento de 13 de dezembro de 2018, o ARGUIDO voltou a arguir a nulidade/irregularidade do ato, pela omissão de audição do arguido, nos termos do nº4, do artigo 215º do CPP. 69º Pois, mais uma vez, o ARGUIDO deveria ter sido notificado para ser ouvido e não o foi. 70º E o JIC do ... voltou, pela segunda vez, a declarada a especial complexidade do processo sem dar oportunidade ao ARGUIDO para se pronunciar. 71º Pela segunda vez e em desacordo com as regras definidas na Lei Processual Penal, quanto a esta matéria. I.d).2.a) – DOS EFEITOS (NULIDADE/IRREGULARIDADE) 72º Ora, desta feita, o JIC do ... limitou-se simplesmente a declarar a especial complexidade do processo. 73º Não foi efetuada qualquer notificação ao ARGUIDO para se pronunciar relativamente à possibilidade de ser emitido o despacho de declaração da especial complexidade do processo. 74º A falta de notificação do ARGUIDO para se pronunciar consubstancia uma nulidade, alegada em tempo, com os efeitos previstos no artigo 122º do CPP, sendo de declarar inválido o despacho de 6 de dezembro de 2018, bem como o que dele depender. 75º Ainda que seja considerada uma irregularidade, foi desrespeitado o preceituado no artigo 123º do CPP, tendo sido alegada dentro do prazo de 3 dias seguintes, devendo ser admitida a alegação. 76º Sendo que as consequências legais descritas neste preceito, implicam igualmente a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar, sendo declarado inválido o despacho que declarou a especial complexidade. I.d).3) – DESPACHO DO JIC DO ... DE 24 DE JANEIRO DE 2019, NOTIFICADO AO ARGUIDO EM 31 DE JANEIRO DE 2019 77º Dita este despacho: “Vem o arguido OO arguir a nulidade do despacho de declaração de especial complexidade do processo, alegando que não foi notificado do mesmo. A notificação de conteúdo de acto ou de despacho pode ser efectuada na pessoa do defensor do arguido – art.º 113º, nº10 do CPP. No requerimento em causa, é o próprio que confirma que o despacho em causa foi notificado ao seu Defensor em 07.11.2018 e verifica-se que, decorrido o prazo respetivo, nada disse o arguido quanto à questão. Assim, mostra-se o arguido devidamente notificado do requerimento do Ministério Público onde é requerida a especial complexidade do processo na data referida, nada tendo oposto, pelo que improcede a nulidade suscitada.” 78º Antes de mais, o mandatário do ARGUIDO foi notificado do requerimento do Ministério Público a pedir a especial complexidade no passado dia 8 de novembro de 2018. 79º Esta notificação terá de ser considerada inválida por força da arguição da nulidade/irregularidade apresentada no dia 12 de novembro de 2018. 80º Considerada inválida, esta notificação é tida como não existente, não produzindo qualquer efeito, assim como a notificação do despacho a declarar a especial complexidade, ocorrido no mesmo dia. 81º Além do mais, conforme suprarreferido nos pontos I.d)1.a) e I.d.2.a), não cabia ao ARGUIDO dizer fosse o que fosse perante as notificações de 8 de novembro de 2018, atendendo a que as mesmas assentavam num despacho nulo emitido no dia anterior pelo JIC do .... 82º Ao ARGUIDO caberia, como o fez, arguir a nulidade. 83º Mantendo a DEFESA a tese exposta no ponto e que se escusa repetir, sob pena de se tornar demasiado exaustivo. 84º Portanto, deverão ser, diversamente ao referido pelo JIC do ..., consideradas procedentes as nulidades/irregularidades suscitadas, revogando-se o despacho de que agora se recorre. 85º Visto que, o despacho do JIC do ... viola o disposto no nº4, do artigo 215, 118º, 120º nº2, alínea d), 122º e/ou123º, todos do CPP e artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. 86º Sendo que, conforme se referiu, no dia 4 de março de 2019, o ARGUIDO interpôs recurso do despacho 24 de janeiro de 2019, que considera improcede a suscitada nulidade da declaração de especial complexidade do processo, tendo o recurso sido admitido por despacho de 8 de março de 2019. I.e) – A PRISÃO PREVENTIVA ILEGAL 87º O primeiro dia de contagem do prazo de prisão preventiva do ARGUIDO foi o dia 15 de maio de 2018 (termo inicial do prazo). 88º O ARGUIDO nunca foi corretamente notificado para se pronunciar sobre a especial complexidade, logo a mesma não se aplica ao mesmo. 89º Estabelece o artigo 215º, nº1, alínea b), articulado com o seu nº2 do Código de Processo Penal, que a prisão preventiva se extingue quando, desde o seu início, tiverem decorrido 10 meses sem que tenha sido proferida decisão instrutória. 90º Assim sendo, contando o seu último dia legal de prisão preventiva no dia 15 de março de 2019. 91º Ao dia da apresentação da presente providência de Habeas Corpus, estão volvidos DEZ MESES E TRÊS DIAS. 92º Mais TRÊS DIAS do que é legalmente permitido. 93º Portanto, o ARGUIDO está em prisão ilegal, por que a mesma se manter para além dos prazos fixados por lei, nos termos do número 2, alínea c) do artigo 222º do Código de Processo Penal. 94º Conforme se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de Fevereiro de 2005 “No âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe, porém, julgar e decidir sobre a natureza dos atos processuais e sobre a discussão que possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo), mas tem de se aceitar o efeito que os diversos atos produzam num determinado momento, retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados”. 95º O direito à liberdade é um direito fundamental previsto no artigo 9º da DUDH e no artigo 27.º, nº 1 da CRP. 96º Do exposto resulta que o ARGUIDO se encontra privado da sua liberdade há mais de 6 meses, razão pela qual ficou em situação de prisão preventiva ilegal a 16 de novembro de 2018. 97º Pelo que, deverá ser restituído à liberdade. 98º Em respeito ao preceituado nos artigos 215, nº 1, alínea b) e 2, 217º, todos do Código de Processo Penal e artigo 31º da CRP. REQUERE-SE a concessão imediata da Providência de Habeas Corpus em razão de prisão ilegal, restituindo-se de imediato o ARGUIDO à liberdade.»
3. Perante tal requerimento, o Mm.º Juiz do Tribunal de 1.ª instância informou [artigo 223.º n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP)] nos seguintes termos: «Habeas Corpus de fls. 12691 a 12711: Vem o arguido AA requerer a providência de habeas corpus por prisão ilegal, ao abrigo do disposto no Artigo 222°, n.° 2, al. c) do Código de Processo Penal. O arguido foi detido no dia 15.05.2018, pelas 18:00 horas (cf. fls. 172) e apresentado a primeiro interrogatório judicial no dia 16.05.2018, tendo o interrogatório iniciado pelas 19:07 horas (cf. fls. 758). Por despacho proferido em 21.05.2018, no seguimento do primeiro interrogatório judicial a fls. 797 e ss., foi aplicada ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, ao abrigo do disposto nos artigos 191° a 193°, 196°, 202, n.° 1, al. a) e b), e 204°, alíneas a) a c), todos do Código de Processo Penal. Em 12.06.2018, o arguido veio interpor recurso do despacho que aplicou a prisão preventiva, tendo sido negado provimento ao mesmo por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de acordo com a decisão proferida no apenso “G". Foi reapreciada a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva, através do despacho de fls. 5732 a 5734, datado de 09.08.2018, no qual foi decidido manter a medida de prisão preventiva aplicada. Voltou a ser reapreciada a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva, através do despacho de fls. 8489 a 8492, datado de 07.11.2018, no qual foi decidido manter a medida de prisão preventiva aplicada. Em 15.11.2018, foi proferido despacho de acusação contra o arguido, que consta a fls. 9491 e ss., no qual a Digna Magistrada do Ministério Público titular do inquérito promove, em virtude de não se terem alterado os pressupostos que determinaram a aplicação da medida de prisão preventiva ao arguido, a manutenção daquela medida. Na sequência da acusação deduzida e nos termos do disposto no art.° 213°, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, em 16.11.2018 foi reapreciada, e mantida a aplicação, ao arguido, da medida de coacção de prisão preventiva, constando do despacho de fls. 9803 e ss., por resultarem inalterados os pressupostos, de facto e de direito, que determinaram a aplicação, ao arguido, daquela medida, atendendo à gravidade dos factos que lhe são imputados e à ressonância, social da sua comissão, que foram considerados demonstrativos da continuação da existência dos perigos de fuga, de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, de continuação da actividade criminosa e de grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas, tal como já havia sido evidenciado, tanto no despacho proferido em sede de Io interrogatório judicial, despacho este confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, como nos de reapreciação daquela medida acima referidos, encontrando-se tais factos, naquele momento, fortalecidos pelo facto de já ter sido deduzida acusação contra o arguido. Consta ainda daquele despacho que se mostram preenchidos os pressupostos previstos, tanto no art.° 202°, n.º 1 al. a) e b), como no art.° 204°, al. a), b) e c), ambos do Código de Processo Penal. A última revisão da medida de coacção foi realizada em 11.2.2019, conforme despacho proferido a fls.11957 a 11960, tendo sido mantida a prisão preventiva. Em 7.11.2018 o Ministério Público requereu a declaração de especial complexidade dos presentes autos, como se alcança de fls.8485 a 8488. Foi proferido despacho declarando a mesma, em 7.11.2018 (fls.8492), o qual veio a ser alterado pelo despacho proferido em 6.12.2018-cf. Fls.10661 a 10665. O arguido interpôs recurso de tal despacho, a fls.12559 a 12581, o qual foi admitido por despacho de 8.3.2019, proferido a fls.12598, com efeito meramente devolutivo. A fase de instrução foi declarada aberta por despacho proferido em 24.1.2019 e constante de fls.11664 a 11691».
4. Foram colhidos os vistos e ouvidos o Ministério Público e a Defesa, nos termos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 223.º, do CPP.
II
5. Nos termos prevenidos nos n.os 1 e 2 do artigo 27.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), sob a epígrafe direito à liberdade e à segurança, (i) «todos têm direito à liberdade e à segurança» e (ii), «ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão».
6. O n.º 1 do artigo 31.º, da CRP, epigrafado de habeas corpus, prescreve que «haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal».
7. O n.º 2 do artigo 222.º, do CPP, epigrafado de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, determina que, relativamente a pessoa presa, o pedido «deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) ser sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.»
8. A providência de habeas corpus configura incidente que visa assegurar o direito à liberdade constitucionalmente garantido (artigos 27.º n.º 1 e 31.º n.º 1, da CRP), com o sentido de pôr termo, cerce, às situações de prisão ilegal, designadamente motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial [artigo 222.º n.os 1 e 2, alíneas b) a c), do CPP], por isso que apenas pode ser utilizada para impugnar estes precisos casos de prisão ilegal.
9. O habeas corpus, processualmente configurado como uma providência excepcional, não constitui um recurso sobre actos de um processo, designadamente sobre actos através dos quais é ordenada e mantida a privação de liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, estes sim, os meios ordinários e adequados de impugnação das decisões judiciais.
10. A providência de habeas corpus não comporta decisão sobre a regularidade de actos processuais com dimensão e sequelas processuais específicas, não configura um sobre-recurso de actos processuais, valendo apenas no sentido de determinar se, para além de tais dimensão e sequelas, os actos processuais levados no processo produzem consequência que possa acolher-se na previsão do citado n.º 2 do artigo 222.º, do CPP.
11. Vale dizer que, diante dos citados preceitos, a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem sedimentado a interpretação de que a providência de habeas corpus não cuida da reanálise do caso, antes almejando a constatação de uma ilegalidade patente, em forma de erro grosseiro ou de manifesto abuso de poder.
12. Ainda assim, porém, sem excluir a possibilidade do uso da providência (extraordinária) em alternativa ao recurso ordinário, desde e quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal – neste sentido, José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, na «Constituição da República Portuguesa – Anotada», Coimbra Editora, 4.ª edição, revista, 2007, volume I, pp. 509/510, nota V ao artigo 31.º, e, por mais impressivos e recentes, os acórdãos, deste Tribunal, de 14 de Maio de 2014 (processo 23/14.2YLSB.S1) e de 25 de Outubro de 2018 (processo 78/16.5PWLSB-A.S1), como os mais, citado e citandos, disponível em www.dgsi.pt.
13. Como se sublinha, na anotação 4 ao artigo 222.º, do CPP (em «Código de Processo Penal – Comentado», Almedina, 2014, pág. 909), «o que importa é que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro directamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correcção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas que não estão compreendidas no âmbito da providência de habeas corpus, e que só podem ser discutidas em recurso ordinário».
14. No caso, o requerente pretexta, tendo por referência a alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º, do CPP, «que está preso preventivamente além dos prazos fixados pela lei».
15. E assim, segundo alega, e muito em síntese: (i) na medida em que está preso preventivamente desde 15 de Maio de 2018, tendo decorrido já 10 meses e 3 dias sobre o prazo máximo de 10 meses para a prisão preventiva, tal como previsto nos n.os 1 alínea b) e 2, do artigo 215.º, do CPP; (ii) não foi ouvido, precedendo as decisões (irregulares ou nulas e, ademais, irregularmente comunicadas ao requerente), que, a requerimento do Ministério Público, determinaram a especial complexidade do processo e reiteraram a legalidade do deciso (despachos de 7 de Novembro de 2018, de 6 de Dezembro de 2018, e de 24 de Janeiro de 2019).
16. Transcorre dos elementos certificados neste apenso: (i) o arguido foi detido a 15 de Maio de 2018, vindo a ser apresentado, para primeiro interrogatório judicial a 16 de Maio de 2018, data em que o mesmo interrogatório teve início; (ii) Na sequência de tal interrogatório, por despacho de 21 de Maio de 2018, o arguido veio a ser submetido à medida de coacção de prisão preventiva, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º a 193.º, 196.º, 201.º n.º 1 alíneas a) e b) e 204.º alíneas a) e c), do CPP; (iii) a 12 de Junho de 2018, o arguido interpôs recurso daquele despacho, recurso que veio a ser julgado improcedente por acórdão, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Outubro de 2018; (iv) a medida coactiva aplicada ao arguido foi sucessivamente reapreciada e confirmada, por despachos de 9 de Agosto de 2018 e de 7 de Novembro de 2018; (v) a 7 de Novembro de 2018, o Ministério Público requereu a declaração de especial complexidade do processo; (vi) por despacho de 7 de Novembro de 2018, foi declarada a especial complexidade do processo; (vii) a 15 de Novembro de 2018 foi proferida acusação contra o arguido; (viii) por despacho de 16 de Novembro de 2018, foi reapreciada e mantida a medida de coacção de prisão preventiva a que o arguido se encontrava submetido, dando por preenchidos os pressupostos previstos nos artigos 202.º n.º 1 alíneas a) e b), e 204.º alíneas a), b) e c), do CPP; (ix) por despacho de 6 de Dezembro de 2018, foi reiterada a especial complexidade do processo, ao abrigo do disposto nos n.os 2 e 4 do artigo 215.º, do CPP – o arguido interpôs recurso deste despacho, recurso que foi admitido, com efeito devolutivo, por despacho de 8 de Março de 2019; (x) a fase de instrução foi declarada aberta por despacho de 24 de Janeiro de 2019; (xi) o Mm.º Juiz de instrução, por despacho de 24 de Janeiro de 2019 (a fls. 11669), pronunciou-se sobre os requerimentos do arguido (de fls. 10779 e 11539), nos seguintes termos: «Vem o arguido AA arguir a nulidade do despacho de declaração de especial complexidade do processo, alegando que não foi notificado do mesmo. A notificação de conteúdo de acto ou de despacho pode ser efectuada na pessoa do defensor do arguido – art. 113.º n.º 10, do CPP. No requerimento em causa, é o próprio arguido que confirma que o despacho em causa foi notificado ao seu Defensor em 07.11.2018 e verifica-se que, decorrido o prazo respectivo, nada disse o arguido quanto à questão. Assim, mostra-se o arguido devidamente notificado do requerimento do Ministério Público onde é requerida a especial complexidade do processo na data referida, nada tendo oposto, pelo que improcede a nulidade suscitada.» (xii) a medida de prisão preventiva foi revista e mantida por despacho de 11 de Fevereiro de 2019.
17. O punto nodens da providência requerida está no excesso da prisão preventiva para além do prazo de 10 meses previsto nos n.os 1 alínea b) e 2, do artigo 215.º do CPP.
18. Dispõe o artigo 215.º n.os 1 alínea b), 2 e 3, do CPP (prazos de duração máxima da prisão preventiva), no segmento que aqui releva, que a prisão preventiva se extingue quando, em casos de terrorismo (crime que, entre os mais, vem imputado ao arguido no despacho acusatório, a fls. 9610), desde o seu início, tenham corrido dez meses sem que tenha havido decisão instrutória, prazo que é elevado para um ano e quatro meses, quando o procedimento (designadamente por aquele crime) se revelar de excepcional complexidade.
19. O arguido foi detido a 15 de Maio de 2018 e veio a ser submetido a prisão preventiva por decisão de 21 de Maio de 2018.
20. Tomando a data da detenção como o terminus a quo do prazo de duração máxima da prisão preventiva, o referido prazo de dez meses, contado desde 15 de Maio de 2018, ter-se-ia esgotado a 15 de Março de 2019.
21. Sem embargo, nos termos do disposto no artigo 215.º, do CPP, a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido (…).
22. Decorre, com clareza, do teor literal do referido preceito, que, na contagem do prazo da prisão preventiva, o dies a quo é o do seu início e não o da data da detenção cautelar prévia.
23. Não pode deixar de reconhecer-se a diversidade dos fins e regimes da detenção cautelar e da prisão preventiva, bastando, para o que ao caso importa, cotejar o disposto nos artigos 202.º, 215.º e 217.º, do CPP, com o disposto nos artigos 141.º e 254.º do mesmo Código.
24. Acresce que a própria ratio da imposição, constitucional e legal, de prazos máximos de duração da prisão preventiva não obriga à adição a esta, para efeitos do disposto no falado artigo 215.º, do CPP, do tempo de detenção cautelar.
25. Ademais, importa não confundir com tais finalidades e razão de ser, aquelas que presidem ao desconto de medidas processuais, designadamente do tempo de detenção e de prisão preventiva, no cumprimento da pena de prisão aplicada ao arguido, conforme o disposto no artigo 80.º n.º 1, do Código Penal.
26. Neste entendimento, o prazo de dez meses decorrente do disposto no artigo 215.º n.os 1 alínea b) e 2, do CPP, só caducaria a 21, que não, como se pretexta, a 15 de Março de 2019.
27. E, em sequência, no caso, tomando o princípio da actualidade – no sentido de que, para o provimento do habeas corpus, é necessário que a ilegalidade da prisão seja actual –, reportando tal ilegalidade ao momento da formulação do pedido (desconsiderando o entendimento de que a ilegalidade deve reportar-se ao momento em que é necessário apreciar o pedido), formulado a 19 de Março de 2019, sempre o peticionado haveria de julgar-se improcedente – veja-se, a respeito, por todos, o acórdão, deste Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 2016 (processo 2324/14.0JAPRT-Z.S1).
28. Sem embargo, tomando mesmo o dies a quo do prazo de duração máxima da prisão preventiva como aquele da detenção do arguido, vejamos.
29. A declaração de especial complexidade do processo amplia, por mais seis meses, tal seja, até 15 de Agosto de 2019, o prazo máximo da prisão preventiva.
30. O arguido faz tese de que o despacho que declarou a especial complexidade do processo é inválido, do passo em que foi proferido sem a sua prévia audição, e que lhe foi irregularmente comunicado, por isso que, no seu dizer, a prisão preventiva a que se encontra submetido desde 15 de Maio de 2018 se extinguiu a 15 de Março de 2019.
31. No caso, como decorre do transcrito, a excepcional complexidade do processo foi declarada, por despachos judiciais de 7 de Novembro e de 6 de Dezembro de 2018, por isso que muito antes do esgotamento do prazo previsto nos n.os 1 alínea b) e 2 do artigo 215.º, do CPP.
32. A elevação do referido prazo, decorre, directa e imediatamente, do disposto no n.º 3 do mesmo artigo 215.º, do CPP, por força da declaração da referida excepcional complexidade do processo, independentemente da validade processual e mesmo do trânsito em julgado dessa declaração.
33. Como se sublinha no acórdão, deste Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Outubro de 2014 (processo 2210/12.9TASTB-A.S1), «Em caso de procedimento por crime do nº 2 do artº 215º, o que a lei exige, para a elevação dos prazos máximos de prisão preventiva nos termos do nº 3, é somente decisão de 1ª instância declarando a excepcional complexidade, independentemente de dela ter ou não sido interposto recurso, de ter ou não transitado em julgado. Como é próprio das decisões sobre a aplicação de medidas destinadas a satisfazer exigências cautelares do processo penal. Essas decisões operam de imediato. De outro modo, perderiam o seu efeito útil, deixando de acautelar os interesses que visavam acautelar. É assim com a decisão que declara a excepcional complexidade do procedimento como é com as demais decisões previstas no artº 215º que determinam prazos máximos de prisão preventiva. Todas produzem efeitos desde a sua prolação. E não é diferente, pela mesma razão, o que se passa com a decisão que aplica medidas de coacção, designadamente a prisão preventiva: é de execução imediata (assim, acórdão do STJ de 18/09/2014, proc. 70/14.4YFLSB, 5ª secção).»
34. No sentido de que a apreciação, no âmbito da providência de habeas corpus, da validade do despacho que declarou a especial complexidade do processo, não cabe nos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça, decidiram, para além dos citados, também os acórdãos, deste Tribunal, de 4 de Fevereiro de 2009 (processo 09P0325), de 8 de Janeiro de 2015 (processo 459/13.6TALMG-A.S1), de 30 de Março de 2016 (processo 37/15.5GOBVR.S1), de 22 de Março de 2017 (processo 1008/14.4T9BRG-AU.S1).
35. Releva ainda a decisão levada no acórdão, do Tribunal Constitucional, de 21 de Fevereiro de 2018 (n.º 1326/2017), no sentido de «não julgar inconstitucional a interpretação, extraída da conjugação dos artigos 118.º n.os 1 e 2, 123.º n.º 1 e 215.º n.os 3 e 4, todos do Código de Processo Penal, conducente ao sentido de que constitui mera irregularidade a não audição do arguido sobre o requerimento do Ministério Público tendente à declaração da especial complexidade do procedimento, em momento prévio à prolação do despacho judicial que defira esse requerimento, procedendo a tal declaração».
36. Ademais, no caso e do passo em que o requerente não deixou de (poder e de) sindicar as decisões que declararam a especial complexidade do processo, arguindo a sua invalidade, e a invalidade mesmo da comunicação de tais decisões, não se vislumbra que os direitos de defesa do arguido tenham sido comprimidos ao ponto de se poder figurar uma lesão insuportável dos direitos de defesa prevenidos, maxime, nos artigos 18.º, 20.º n.os 4 e 5 e 32.º n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, e, assim, de se poder afirmar verificada uma prisão ostensivamente ilegal, fruto de abuso de poder.
37. Daí que haja de considerar-se infundado o pedido de habeas corpus formulado pelo arguido.
III
38. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) indeferir a petição de habeas corpus, por falta de fundamento; (b) condenar o recorrente nas custas, com a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Março de 2019
António Clemente Lima (relator) Isabel São Marcos |