Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03S2423
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VÍTOR MESQUITA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESCISÃO PELO TRABALHADOR
AVISO PRÉVIO
DISPENSA
INDEMNIZAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
RECURSO
Nº do Documento: SJ200403180024234
Data do Acordão: 03/18/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1 - Configura uma rescisão unilateral do contrato de trabalho a comunicação feita por uma trabalhadora à sua entidade patronal, por escrito de 30/11/2000, manifestando a intenção de deixar de exercer funções a partir daquela data, solicitando fosse dispensada do período de aviso prévio, o que foi logo anuído pelos representantes da entidade patronal.
2 - Embora a Autora se apresente a colocar em crise um tal entendimento, é afinal ela própria a reconhecer que se trata de uma rescisão unilateral da sua parte, quando, ao formular o pedido principal, pede que a R. seja condenada "a reconhecer como válida a revogação da rescisão unilateral por parte da Autora ...".
3 - O aviso prévio tem como desiderato permitir ao empregador a substituição do trabalhador, protegendo a organização económica-produtiva da empresa, que poderia ficar afectada com a saída extemporânea e imediata do trabalhador.
4 - O deferimento ou indeferimento do pedido de dispensa do prazo de aviso prévio apenas releva para os efeitos previstos no art. 39º do RJCCT, aprovado pela D.L. 64-A/89, de 27/2 (pagamento à entidade empregadora da indemnização nele contemplada), e não para efeitos da determinação da data da cessação do contrato de trabalho.
5 - Tendo a Autora rescindido unilateralmente o contrato de trabalho, ao abrigo do art. 38º daquele RJCCT, não ocorreu qualquer despedimento sem justa causa, tendo necessariamente de improceder os pedidos formulados com base na ilicitude do despedimento.
6 - Tendo a Autora sido condenada na 1ª instância, como litigante de má fé, na multa de 5 Uc, condenação esta confirmada pelo acórdão da Relação, deste não é legalmente admissível recurso para o STJ, pelo que dele se não deve conhecer (arts. 24º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, 456º, nº. 3, e 678º, nº. 1, do CPC).
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

"A" veio intentar acção em processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra "B", pedindo que esta seja condenada:
"1. A reconhecer como válida a revogação da rescisão unilateral por parte da Autora, nos termos do preceituado no nº. 1 do art. 2º da Lei 38/96, dado que a mesma ocorreu antes da produção de efeitos da rescisão unilateral;
2. Subsidiariamente, a reconhecer os efeitos da nulidade e da anulabilidade da rescisão unilateral por parte da Autora, que venha a ser declarada, por força de coacção física, moral e incapacidade acidental em que a declaração da rescisão foi obtida;
3. A reconhecer a ilicitude do despedimento proferido em 31/01/2001, e, como tal, a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, ou, em alternativa, a pagar-lhe a respectiva indemnização a computar à data da sentença, e que, nesta data (20/4/01) se cifra em 1.883.090$00;
4. A pagar à Autora as retribuições vencidas e vincendas a computar à data da sentença, e que, nesta data (20/4/01) se cifram em 328.130$00;
5. A pagar à Autora as retribuições, vencidas e vincendas, a computar à data da sentença, digo, não pagas e discriminadas no artigo 43º da p.i. no valor de 683.001$00".
Atribuir à acção o valor de 2.974.221$00.

Frustrada a tentativa de conciliação, a Autora, veio através do requerimento de fls. 35 a 37, formular "alteração parcial do pedido", ao abrigo dos arts. 28º do CPTC, e 273º, nº. 1, do CPC, alegando que por erro material o montante indemnizatório peticionado não é o correcto, quer por erro na contagem do tempo de antiguidade, quer por erro do cálculo do seu montante, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de 6.433.739$00, de harmonia com o explicitado em tal requerimento, passando a acção a ter o referido valor, e juntou documento comprovativo (fls. 38) de concessão de apoio judiciário na modalidade de "dispensa do pagamento da taxa e dispensa total do pagamento dos demais encargos do processo".
A R. apresentou contestação, pedindo a improcedência da acção e a condenação da Autora como litigante de má fé, salientando que esta transferiu valores da conta contabilística referente a despesas da "B" para a sua conta pessoal, creditando-a, utilizava o cartão da conta à ordem da "B" para pagar débitos originados pelo seu cartão pessoal, falsificava documentos (p. ex. montando fotocópias) para justificar esses movimentos como sendo despesas de "B", e, apesar de não estar ainda terminado o apuramento e conciliação de contas, a Autora apropriou-se de cerca de 600.000$00 para seu proveito pessoal, causando directo prejuízo à instituição.

Tendo-se procedido a julgamento, veio ser proferida sentença (fls. 91 a 94), na qual se decidiu "julgar a acção improcedente e absolver a R. dos pedidos", mas "sem prejuízo disso", decidiu-se também "condenar a R. a pagar à Autora 361.592$00, com juros à taxa de 7%, a contar de 30/11/2000, até integral pagamento (a título dos referidos proporcionais, de férias e subsídio de férias)" e "pela má fé da Autora" foi esta condenada "na multa de 5 Ucs".
Não se conformando com esta sentença dela interpôs a Autora recurso, de apelação, para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de fls. 134 e 135, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Ainda irresignada com este acórdão, dele interpõe a Autora o presente recurso de revista, no qual, tendo apresentado alegações, formula as seguintes conclusões:
1ª- O depoimento da Autora sendo um todo, enquanto confissão, obriga a que se aceitem os demais factos e circunstâncias constantes do mesmo, pelo que a parte que dele quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os demais factos ou circunstâncias, nomeadamente que o doc. de fls. 46 lhe foi entregue sem os dizeres "diferido" e as assinaturas apostas no canto inferior direito do documento.
2ª- O documento de fls. 46 foi impugnado, pelo que o ónus da prova recai sobre a R. que o apresentou, pelo que deve dar-se como não provado.
3ª- A cópia do documento de fls. 46 assinado pela Autora, e entregue na reunião de 31/11/00, não foi impugnado, pelo que terá de ser considerado válido.
4ª- A rescisão por mútuo acordo tem de constar de documento escrito, pelo que não existindo este, não pode haver rescisão por mútuo acordo, não constando "um quase acordo" do elenco das formas de cessão da relação de trabalho.
5ª- O prescindir do aviso prévio não interfere com o vínculo laboral, apenas dispensa o trabalhador da obrigatoriedade de prestar trabalho, sem perda de retribuição.
6ª- A rescisão unilateral, ainda que não válida, o que não se espera, não foi da iniciativa da Autora, pelo que não configura o elenco das formas de cessão da relação de trabalho.
7ª- Mesmo assim, terminando o aviso prévio de 60 dias a 30 de Janeiro de 2001, válida terá de ser considerada a revogação da rescisão unilateral, nos termos da Lei 38/96.
8ª- Subsistindo o contrato de trabalho pelo prazo de aviso prévio concedido terá de reconhecer-se a ilicitude de despedimento proferido pelo recorrido, quando em 31 de Janeiro de 2001 a recorrente se apresentou para trabalhar.
9ª- O despedimento proferido pela R. em 31 de Janeiro de 2001 não integra justa causa, tendo a R. que indemnizar a Autora nos termos legais e convencionais, assim como pagar-lhe os respectivos direitos vencidos, vertidos na p.i. e sua posterior ampliação.
10ª- Foram, entre outros, violados os seguintes preceitos legais e convencionais, pela douta sentença ora sob censura:
- Arts. 360º, nº. 1, 366º, 368º, 374º, nº. 2, 394º, nº. 1, e 393º, nºs. 1 e 2, todos do C.C.:
- Arts. 2º, 3º, 8º, nº. 1, 9º, 11º, nº. 1, 13º, 12º, nº. 1, 38º, nº. 1 e 59º, nº. 1, todos do D.L. 64-A/89.
- Arts. 1º, 13º, 21º, nº. 1, al. b), e 39º, nº. 1, todos do D.L. 49408 de 24/11/69.
- Cláusulas 29º, b), 84º, nº. 1, 103º, nº. 2, 108º, nº. 1, e 114º, todas do ACTV para as Instituições de Crédito Agrícola Mútuo, publicado no BTE, nº. 35, de 22/9/1992.
- O art. 2º da Lei 38/96 de 31 de Agosto.

11ª- A conduta da A. não integra o preceituado no art. 456º do CPC, não sendo de manter a condenação como litigante de má fé.
Pede seja julgado procedente o recurso, "e, em consequência, alterada a douta sentença proferida, e em sua substituição proferido douto acórdão que julgando procedente a pretensão da A. declara a subsistência da relação de trabalho até ao termo do prazo de aviso prévio concedido, e a inexistência de justa causa quanto ao despedimento proferido pela recorrida em 31 de Janeiro de 2001, condenando-a a pagar à Autora a respectiva indemnização por despedimento nos termos do IRC aplicável e os demais direitos que se mostram devidos, com custas, procuradoria e juros, julgando-se improcedente, por não provada a condenação da Autora como litigante de má fé.

A R. não apresentou contra-alegações.
No seu douto "parecer", de fls. 221 e 222, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta opina no sentido de a revista dever ser negada.
Colhidos os "vistos" legais cumpre apreciar e decidir.

Enquadramento Fáctico:
As instâncias deram como assente a seguinte factualidade:
1. A Autora foi admitida ao serviço da "B" em 02/12/1985, a fim de lhe prestar trabalho subordinado, contra remuneração, sob as suas ordens e direcção.
2. Ao serviço da antecessora da R. e da R. se manteve a Autora, ininterruptamente.
3. Enquanto ao serviço, encontrava-se a Autora categorizada em Administrativa de nível 7, computando-se a sua remuneração base e diuturnidades no valor mensal de 171.190$00, a que acrescia uma compensação regular, periódica e mensal de 1.447$00 por dia útil e um subsídio de alimentação de 1.400$00 por dia útil.
4. Competia à Autora proceder à contabilidade da R., efectuando e assinando os balanços, digo, balancetes, IRS, IRC, mapas de provisões, mapas de grandes riscos, conciliação de contas bancárias e processamento de salários.
5. No segundo semestre do ano 2000 a Autora tomou consciência de que praticou os seguintes factos.
5.1. A Autora utilizou o cartão de conta à ordem da "B" para pagar débitos originados pelo seu cartão pessoal.
5.2. A Autora transferiu valores da conta de despesas da "B" para a sua conta pessoal, creditando-a.
5.3. A Autora justificou esses movimentos documentalmente, por forma não totalmente apurada.
5.4. Com isto, a Autora apropriou-se de, pelo menos, 416.880$00.
6. A Autora levou estes factos ao conhecimento do Sr. C, chefe de serviços da R..
7. Algum tempo antes, já havia sido detectado na conta da R. um movimento de débito anómalo que a Autora acabou por regularizar, com o conhecimento do Sr. C.
8. Nesta altura, a Autora não deu conhecimento dos factos referidos em 5.
9. Pelo menos a Autora e o Sr. C tinham como próxima uma auditoria da Caixa Central (dada uma regularidade de 2 em dois anos), sem que se soubesse a sua data, por ser pretensão da Caixa Central aparecer sem avisar.
10. Aquando do referido em 6., o Sr. C afirmou que iria tentar minimizar a situação junto dos responsáveis.
11. No dia 30/11/2000 a Autora foi chamada a uma reunião, pela tarde, sendo certo que já antes, nesse dia, se percebia que algo de anormal se passava.
12. Nessa reunião estiveram presentes o Sr. D - Presidente da Direcção, o Sr. E - da Direcção, o Sr. F - Tesouraria, a Drª. G - Delegada da Caixa Central, e o Sr. C - Chefe de Serviços.
13. No decorrer da reunião a Autora foi posta perante a seguinte alternativa: ou lhe era instaurado um processo disciplinar e a R. participava criminalmente contra si ou aceitava demitir-se de imediato e se responsabilizava pelos actos praticados.
14. A Autora optou por se demitir.
15. A Drª. G elaborou os docs. de fls. 46 e 47, que, lidos pela Autora, foram por si assinados.
16. No doc. de fls. 46 a Autora declara:

"Venho por este meio informar V.Exas. que pretendo deixar de exercer funções na "B", para o que solicito me seja dispensado o período de aviso prévio.
Assim, é minha intenção deixar de exercer funções a partir da presente data".
17. Ainda nessa reunião os representantes da R. anuíram na dispensa do aviso prévio, já que era vontade de todos terminar a relação laboral de imediato, por não haver condições à continuação do trabalho da Autora, e foi entregue cópia à Autora dos docs. por si assinados.
18. A Autora não trabalhou mais a partir dessa data.
19. Depois disso as partes trocaram a correspondência titulada nos autos.
20. No dia 31/01/2001 a Autora apresentou-se para trabalhar, o que lhe foi recusado pelo Sr. C, na alegação de que há muito se despedira.
21. À data de 30/11/2000, a R. não pagou os proporcionais de férias e de subsídio de férias decorrentes da cessação de contrato, sem que se prove qualquer sentido especial a dar a essa atitude.

À luz das conclusões das alegações da recorrente, que delimitam o objecto do recurso - arts. 690º, nº. 1, e 684º, nº. 3, do CPC, "ex vi" art. 1º, nº. 2, a), do CPT -, são as seguintes as questões nele colocadas:
- Da alteração da matéria de facto;
- Da eficácia da rescisão, prescindindo o trabalhador de aviso prévio;
- Do despedimento sem justa causa;
- Da condenação da Autora em multa como litigante de má fé.

1ª Questão.
Se bem que o não refira expressamente, o que a Autora, ora recorrente, pretende quando invoca a sua confissão, através de depoimento de parte, como um todo, é a alteração da matéria de facto.
Esta questão havia já sido por ela suscitada no recurso de apelação para a Relação. Contudo, o acórdão recorrido, da Relação do Porto, sobre ela não se pronunciou, limitou-se a dar como reproduzida e fixada a factualidade provada na 1ª instância, para efeitos do disposto no art. 712º do C.P.Civil.
Apesar de a Relação, no acórdão recorrido, não se ter pronunciado sobre tal questão, a recorrente não deduz arguição da respectiva nulidade no presente recurso da revista.
O mesmo se passa com a contradição que diz existir entre a resposta dada ao quesito 15º (ponto 15. da matéria de facto) e parte da matéria alegada no artigo 14º da p.i. ("... já dactilografados"), que o Mmo. Juiz considera não provada.
A recorrente coloca agora o eixo da discussão sobre tais questões no âmbito do nº. 2 do art. 722º do C.P.Civil.
O STJ, funcionando estrutural e constitucionalmente como um tribunal de revista, e não como uma 3ª instância, conhece, em princípio, unicamente, de matéria de direito, por força do disposto no art. 26º da LOFTJ, aprovada pela Lei 3/99, de 13 de Janeiro, no art. 87º, nº. 2, do CPT, e nos arts. 721º e 722º do CPC, cabendo-lhe aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais provados pelo tribunal recorrido.
O STJ só interfere na matéria de facto no estrito condicionalismo previsto no nº. 3 do art. 729º, e nº. 2 do art. 722º, "ex vi" do nº. 2 do art. 729º, todos do CPC.
Segundo o nº. 3 do art. 729º o STJ tem o poder de ampliar a matéria de facto para corrigir as omissões de julgamento e as obscuridades resultantes de contradições insanáveis de matéria de facto, impeditivas da aplicação do regime jurídico adequado, ordenando a baixa de processo à 2ª instância para ampliar a decisão de facto em ordem a esta constituir base suficiente para a decisão de direito.
Nos termos do preceituado no nº. 2 do art. 722º, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, nem o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, ou seja, salvo havendo erros sobre regras de direito probatório material que ocorram no acórdão da Relação, na sentença, ou até nas respostas à base instrutória (vide p. ex. Acs. do STJ, 4ª Sec., de 12/3/2003, Proc. 2238/02, de 26/02/2003, Proc. 1128/02, de 30/01/2002, Proc. 1191/01).
Perante este quadro normativo o critério para determinar a admissibilidade ou inadmissibilidade do controlo pelo STJ dos poderes conferidos à Relação pelo art. 712º do CPC não deve depender do sentido da decisão da Relação (fazer uso ou não desses poderes), mas antes do fundamento da impugnação, tendo como parâmetro a competência do tribunal de revista sobre a matéria de direito, circunscrita à violação da lei: se a critica à decisão da Relação tem por base a alegação de erro de direito, o STJ poderá dela conhecer; se essa crítica respeita à apreciação da prova e à fixação da matéria de facto, sem qualquer alegação de violação das regras de direito, o STJ, como tribunal de revista, não pode dela conhecer.
Assim, porque a possibilidade de o STJ decidir em matéria de facto se confina ao domínio da prova vinculada, reconduzindo-se afinal à análise de questões verdadeiramente jurídicas, o recurso de revista não pode ter por objecto o erro na apreciação das provas.
Este ocorre quando, no apuramento da matéria de facto relevante, os meios de prova são indevida ou deficientemente valorados pelas instâncias (vide, por ex. Ac. do STJ de 08/5/2003, Revista 639/02, 7ª Sec.).
O STJ não pode conhecer do recurso da decisão da Relação proferida ao abrigo do disposto no art. 712º do CPC, por o mesmo se situar no domínio da matéria de facto, insindicável pelo Supremo, solução esta expressamente consagrada pelo D.L. 375-A/99, de 20/9, que acrescentou o nº. 6 ao art. 712º do CPC, nele estabelecendo a inadmissibilidade de recurso para o STJ das decisões da Relação sobre a matéria de facto previstas nos números anteriores daquele artigo.
Como quer que seja, a recorrente faz apelo ao nº. 2 do art. 722º do CPC, no sentido de este STJ apreciar as duas aludidas questões que, na sua perspectiva, poderiam conduzir à alteração da matéria de facto.
É óbvio, porém, que a pretensa contradição entre a resposta dada ao quesito 15º (ponto 15 da matéria de facto) e parte da matéria alegada no artigo 14º da p.i. ("... já dactilografadas") não cai na previsão daquele preceito legal.

Diferente posição deve ser assumida no tocante à confissão.
Esta pode ser judicial ou extrajudicial (nº. 1 do art. 355º da C.C.).
A confissão judicial pode ser espontânea ou provocada (art. 356º do C.C.).
A confissão espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual, ou em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte pessoalmente, ou por procurador especialmente autorizado (nº. 1).
A confissão provocada pode ser feita em depoimento de parte ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal (nº. 2).
No caso dos autos encontramo-nos perante uma confissão provocada, feita em depoimento de parte, requerido pela R..
Importa, no entanto, precisar que o depoimento de parte é uma figura distinta da confissão, constituindo aquele um dos meios de obter esta (A. Varela, Manual Proc. Civil, 1985, 534). E pode haver depoimento de parte sem existir confissão, pois "pode o depoimento de parte levar os juízes à convicção da realidade de um facto desfavorável ao depoente, mas sem que a declaração por ele prestada tenha revestido a forma de uma declaração confessória" (A. Varela, ob. cit., 539, e no mesmo sentido R. Bastos, Notas ao C.P.Civil, III, 117).
Dispõe, por outro lado, o art. 360º do C.C. (respeitante à indivisibilidade da confissão) que se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada de narração de, factos, digo, de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se se provar a sua inexactidão.
O depoimento de parte da Autora consta da acta de audiência de discussão e julgamento, a fls. 90 e 91.
É certo que nesse depoimento se refere que "a cópia do doc. de fls. 46 foi-lhe entregue sem os dizeres "diferido" e sem as assinaturas, tudo aposto no canto inferior direito de fls. 46".
Mas como tal afirmação, por si, não assume a relevância que a Autora dela pretende extrair, no sentido de que o documento de fls. 46 "deve dar-se como não provado".
Com efeito, a Autora não põe em causa que as declarações por ela feitas nesse documento não correspondem à verdade (vide ponto 16.), como não coloca em crise a factualidade apurada e constante do ponto 17., de que "ainda nessa reunião os representantes da R. anuíram na dispensa do aviso prévio, já que era vontade de todos terminar a relação laboral de imediato, por não haver condições à continuação do trabalho da Autora ...".
E como se alcança da "Motivação dos factos", a fls. 93, os constantes dos pontos 16. e 17. não tiveram como suporte o depoimento da Autora.
Daí que não se vislumbra fundamento legal para alterar a matéria de facto.

2ª Questão.
As instâncias consideraram que a declaração exarada pela Autora no documento de fls. 46, constante do ponto 16. da matéria de facto, configura uma verdadeira rescisão imediata e unilateral do contrato de trabalho, por parte da trabalhadora, à luz do disposto no art. 38º, nº. 1, do D.L. 64-A/89, de 27/2. Acentuando-se no acórdão recorrido que, nos termos do art. 2º, nº. 1, da Lei 38/96, de 31/8, a mesma, por não ter a assinatura reconhecida notarialmente apenas era susceptível de revogação pela Autora até ao segundo dia útil seguinte a 30/11/00, ou seja, até ao dia 5 de Dezembro de 2000, sendo, pois, intempestiva e ineficaz a revogação tratada pela carta datada de 13/12/2000, recebida a 14 seguinte.
Não se vislumbram fundamentos válidos para nos afastarmos de um tal entendimento, tendo em atenção a factualidade apurada.
A denúncia (rescisão) é um acto unilateral receptivo; para ser eficaz basta que a declaração do interessado nela seja dirigida e levada ao conhecimento do seu destinatário.
Foi isso que ocorreu no caso dos autos.
A Autora parece querer pôr em crise um tal entendimento. Acrescentaremos, paradoxalmente.
Na verdade, bastará atentar no pedido principal formulado pela Autora, na p.i., para se avaliar da contradição em que ela incorre.
Pede que a R. seja condenada:
"A reconhecer como válida a revogação da rescisão unilateral por parte da Autora, nos termos do preceituado no nº. 1 do art. 2º da Lei 38/96, dado que a mesma ocorreu antes da produção de efeitos da rescisão unilateral". Em suma, é a própria Autora a reconhecer que se trata de uma rescisão unilateral da sua parte, prevista no art. 3º, nº. 2, d), do RJCCT, aprovado pelo D.L. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, obedecendo aos requisitos constantes no nº. 1 do art. 38º deste mesmo diploma legal.
Sustenta a recorrente que o prescindir do aviso prévio não interfere com o vínculo laboral, apenas dispensa o trabalhador da obrigatoriedade de prestar trabalho, sem perda de retribuição.
O aviso prévio tem como desiderato permitir ao empregador a substituição do trabalhador, protegendo a organização económico-produtiva da empresa, que poderia ficar afectada com a saída extemporânea e imediata do trabalhador.
No caso "sub judice" tal não se verifica.
A Autora, em 30/11/2000, comunicou à R. a rescisão unilateral do seu contrato de trabalho, solicitando fosse dispensada do período do aviso prévio, manifestando a sua intenção de deixar de exercer funções a partir daquela data, o que foi logo anuído pelos representantes da R..
Além do mais, e como bem observa a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto parecer, o deferimento ou indeferimento do pedido de dispensa do prazo de aviso prévio apenas releva para os efeitos previstos no art. 39º do RJCCT, aprovado pelo D.L. nº. 64-A/89, de 27/2 (pagamento à entidade empregadora da indemnização nele contemplada), e não para efeitos da determinação da data da cessação do contrato de trabalho.
E acrescenta:
"Por isso consideramos que, no caso concreto, o contrato cessou em 30/11/2000, data em que a Autora comunicou à R., em termos inequívocos, o seu propósito de desvinculação imediata.
E, sendo assim, há que concluir que a Autora, ao revogar, em 13/12/2000, a declaração de rescisão do seu contrato de trabalho, ultrapassou o prazo de dois dias úteis fixado no nº. 1 do art. 2º da Lei 38/96, de 31 de Agosto, daí que a declaração revogatória por ela emitida seja ineficaz.
Deste modo, impõe-se também concluir que a Autora rescindiu unilateralmente o seu contrato, nos termos e ao abrigo do art. 38º do RJCCT, pelo que os pedidos por ela formulados com fundamento na ilicitude do seu despedimento não podem proceder".
Tais considerações, até pelo que já se deixou dito, são por nós sufragadas.

3ª Questão.
Uma tal constatação conduz à conclusão de que não ocorreu qualquer despedimento sem justa causa, tendo necessariamente de improceder os pedidos formulados pela Autora, ora recorrente, com base na ilicitude do despedimento.

4ª Questão.
A Autora foi condenada na 1ª instância, como litigante de má fé, "na multa de 5 Uc’s".
Tal condenação foi confirmada pelo acórdão recorrido.
Dispõe o nº. 3 do art. 456º do CPC que independentemente do valor da causa e da sucumbência é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.
A actual redacção deste preceito, resultante da reforma processual operada em 1995/96, e como se alcança do seu teor, garantiu à parte, condenada como litigante de má fé, a possibilidade de recorrer, em um grau, independentemente do valor da causa e da sucumbência.
"In casu", sendo a condenação, em multa, aplicada na 1ª instância, e confirmada pela Relação, de apenas cinco Uc, tendo em atenção a alçada da Relação (art. 24º da Lei 03/99, de 13 de Janeiro) e o disposto no nº. 1 do art. 678º do CPC, o recurso é legalmente inadmissível, pelo que dele se não conhece.
Improcedem as conclusões das alegações.

Termos em que se decide negar a revista.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 18 de Março de 2004
Vítor Mesquita,
Ferreira Neto,
Fernandes Cadilha.