Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01A1002
Nº Convencional: JSTJ00041123
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
FORMA
Nº do Documento: SJ200105030010021
Data do Acordão: 05/03/2001
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 219 ARTIGO 364.
DL 178/86 DE 1986/07/03 ARTIGO 1 N1 N2 ARTIGO 4 ARTIGO 9.
DL 118/93 DE 1993/04/13.
Sumário : I - O contrato de agência é consensual.
II - Por razões de segurança, ligadas à protecção dos contraentes, atribui-se a qualquer deles o direito de exigir do outro a assinatura de um documento com o conteúdo do contrato e de eventuais aditamentos ou modificações.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A intentou no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa (7.º Juízo), em 4 de Março de 1998, acção com processo ordinário contra B, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 10000000 escudos, acrescida de juros de mora desde a citação, montante esse resultante de adiantamentos de verbas feitos pela autora à ré no âmbito de um contrato de agência, que foi resolvido por incumprimento da demandada.
Contestou a ré no sentido da improcedência da acção.
Saneado e condensado o processo, realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção procedente.
Inconformada, apelou a ré.
O Tribunal da Relação de Lisboa, pelo acórdão de fls. 122 e segs., datado de 7 de Novembro de 2000, negando provimento ao recurso, confirmou aquela sentença.
Ainda não conformada, a ré interpôs o presente recurso de revista, em cuja alegação formula as conclusões seguintes:
1.ª - A lei exige a redução a escrito do contrato de agência;
2.ª - As estipulações posteriores ao contrato inicial devem revestir a mesma forma: documento escrito, subscrito pelas partes;
3.ª - No caso dos autos, as estipulações posteriores ao contrato, invocadas pela recorrida para fundamentar o seu pedido, não foram reduzidas a escrito;
4.ª - Consequentemente, para prova da factualidade contida em tal quesito não foi oferecida pela recorrida o tipo de prova exigível;
5.ª - Razão por que não se podia considerar como provada;
6.ª - O Tribunal recorrido, em consequência, devia ter alterado a resposta dada àquele quesito, julgando não provada tal factualidade;
7.ª - Decidindo diversamente, foi violado o disposto nos artigos 364º do Código Civil, 655º e 712 n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil e 4º e 9º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho.
Contra-alegando, a recorrida pugna pela manutenção do julgado.
Cumpre decidir.
Vejamos os factos considerados provados pela Relação:

1. A autora dedica-se à edição e comercialização, incluindo a importação e exportação, de publicações periódicas e não periódicas, tais como livros, fascículos e outros produtos editoriais;
2. No âmbito da sua actividade, a autora celebrou, em 15 de Julho de 1994, com a ré um contrato de agência;
3. De acordo com a relação contratual estabelecida, a ré vinculava-se para com a autora a proceder à promoção e intermediação na venda de produtos editoriais da autora, com o objectivo de angariar clientes;
4. A actividade da ré seria realizada em exclusividade;
5. Uma vez angariados pela ré, a autora facturaria os seus produtos editoriais directamente aos clientes, pelo que a autora não efectuava, a título de publicações compradas, qualquer pagamento à ré, enquanto agente;
6. A título de contrapartida pelo trabalho desenvolvido, a ré teria direito a uma comissão sobre o preço de base de cada "Programa de Venda", definida pelas partes, a qual seria aumentada em 1996;
7. Nos termos do contrato referido em 2, não foram previstos, inicialmente, quaisquer adiantamentos a realizar por conta das comissões a pagar à agente;
8. A autora havia estabelecido relação contratual idêntica com a sociedade C, que faz parte do grupo e tinha relações societárias com a ré;
9. A título de comissões a que a ré teria direito, esta emitiu as seguintes facturas:
6/95 - 31 de Agosto de 1995 - 6770556 escudos
6/96 - 30 de Abril de 1996 - 4561596 escudos
7/96 - 31 de Maio de 1996 - 5870007 escudos
9/96 - 28 de Junho de 1996 - 3634020 escudos
8/96 - 31 de Julho de 1996 - 3469635 escudos
10/96 - 30 de Agosto de 1996 - 4702932 escudos;
10. A autora procedeu ao pagamento integral das facturas emitidas pela ré B;
11. Por carta de 13 de Outubro de 1997, constante de fls. 12, a autora comunicou à ré a rescisão do contrato referido em 2;
12. A ré foi citada para a acção em 15 de Abril de 1998;
13. Durante a vigência do contrato referido em 2, as partes acordaram em que a autora entregasse à ré adiantamentos de verbas por conta de comissões que esta viria a receber, dando-se periodicamente o acerto entre o que a ré receberia, a título de comissões, e o que haveria de restituir à autora, a título dos adiantamentos já realizados;
14. A autora procedeu aos adiantamentos à ré dos valores de 1000000 escudos em 4 de Setembro de 1995, 3000000 escudos, em 30 de Abril de 1996, 1000000 escudos, em 30 de Maio de 1996, 2000000 escudos, em 27 de Julho de 1996, 1000000 escudos, em 30 de Julho de 1996 e 2000000 escudos, em 29 de Agosto de 1996;
15. Desses valores, a autora nada recebeu da ré.
Postos os factos, entremos na apreciação do recurso.
Constitui jurisprudência dominante que o Supremo não pode censurar o não uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712º do Código de Processo Civil (cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 2 de Fevereiro de 1993, 14 de Junho de 1995 e 18 de Novembro 1997, Col. Jur. Ano I, tomo 1.º, págs. 117, ano III, tomo 2.º, págs. 127 e Rev. Leg. Jur. ano 132.º, pág. 76, respectivamente).
Por outro lado, a decisão da 2.ª instância quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722º, como dispõe o artigo 729º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Nos termos do referido artigo 722º, n.º 2, do Código de Processo Civil o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Em causa no presente recurso está apenas uma questão: a existência do contrato de agência só pode provar-se por documento escrito e só por essa forma podem ser provadas as suas ulteriores estipulações?
Entendemos que a resposta é negativa.
Como se sabe, a regra é a liberdade de forma. A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir - artigo 219º do Código Civil.
A agência foi elevada à categoria de contrato típico pelo Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril.
O artigo 1º do referido diploma legal, depois de no n.º 1 indicar a noção de contrato de agência, preceitua no seu n.º 2 que "qualquer das partes tem o direito, a que não pode renunciar, de exigir da outra um documento assinado que indique o conteúdo do contrato e de posteriores aditamentos ou modificações".
Resulta deste normativo que a lei não exige a forma escrita para a celebração do contrato de agência, dando apenas a qualquer das partes o direito de exigir da outra um documento assinado com a indicação do conteúdo do contrato e de posteriores estipulações, contrato esse que estará previamente celebrado.
Como se diz no acórdão recorrido, citando o Professor Pinto Monteiro, Contrato de Agência, págs. 43, "a doutrina desta norma (n.º 2 do artigo 1º) não altera a natureza consensual do contrato, nos termos gerais do artigo 219º do Código Civil. Por razões de segurança, ligadas à protecção dos contraentes atribui-se a qualquer deles o direito de exigir do outro a assinatura de um documento com o conteúdo do contrato e de eventuais aditamentos ou modificações".
Não estando o contrato de agência sujeito a qualquer forma, o mesmo se passa com os seus aditamentos.
E dos artigos 4º e 9º do mencionado Decreto-Lei n.º 178/86, com a redacção dada àquele pelo Decreto-Lei n.º 118/93, também não resulta que o contrato de agência tenha natureza formal, pois tais preceitos regulam apenas o direito de exclusivo a favor do agente e a obrigação de o agente não exercer, após a cessação do contrato, actividades que estejam em consonância com as da outra parte.
Nada se provando sobre a questão da concorrência, a exclusividade da actividade da ré, alegada no artigo 4º da petição inicial, foi por ela confessada no artigo 1º da contestação, o que substitui a prova documental, nos termos do n.º 2 do artigo 364º do Código Civil.
Não havendo, como não há, disposição expressa de lei a exigir a forma escrita para a validade do contrato de agência, nenhuma censura pode ser dirigida ao acórdão recorrido por não alterar a matéria de facto.
Improcedendo as conclusões da respectiva alegação, o recurso está votado ao insucesso.
Termos em que se nega a revista.
Custas pela recorrente.


Lisboa, 3 de Maio de 2001
Tomé de Carvalho,
Silva Paixão,
Silva Graça.

7º Juízo Cível de Lisboa - Proc. 219/98 - 3ª Secção.
T. Relação Lisboa - Proc. 4067/00 - 1ª Secção.