Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5241/17.9T8CBR.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: TÉCNICO OFICIAL DE CONTAS
RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
CONHECIMENTO PREJUDICADO
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 04/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA, ORDENANDO-SE A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Era obrigação estatutária do réu, na qualidade de contabilista certificado, cumprir os deveres funcionais que ao contabilista certificado se impõem, organizar, planificar, coordenar e executar a contabilidade da autora, com autonomia (técnica), idoneidade, integridade e assumindo a responsabilidade por a contabilidade não se apresentar de forma regular e com cumprimento defeituoso das normas contabilísticas e fiscais.

II - Um contabilista certificado não pode dissociar-se da sua autonomia técnica e deixar de orientar a sua atuação pelos princípios da integridade, idoneidade, independência, responsabilidade, competência, que no exercício da profissão deve respeitar.

III - Para que da atuação negligente não resultasse responsabilidade civil para o réu contabilista certificado deveria, este, provar que agiu de forma integra, idónea e responsável e que foram os autores que não quiseram acatar as orientações de planificação, organização e coordenação que na execução da contabilidade lhes indicava.

IV - Tendo o réu contabilista acompanhado a inscrição da sociedade autora no serviço de finanças para início de atividade, desde esse momento deveria aconselhar o modo de, cumprindo as obrigações fiscais, a autora obtivesse contas mais favoráveis.

V - O Contabilista Certificado na relação com a entidade a que presta serviços tem o dever de desempenhar conscienciosa e diligentemente as suas funções, pois que o cliente ao contratá-lo espera dele competência e diligência no exercício das respetivas funções.

VI - Cabe à Relação, e não ao STJ, conhecer das questões cujo julgamento a 2ª Instância considerara prejudicado pela solução dada ao litígio, mas em relação às quais, mercê de alteração introduzida no acórdão recorrido pelo STJ, tenha renascido o interesse e a necessidade de julgamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.



Pratikloft, Investimentos Agrícolas e Imobiliários Lda e AA instauraram ação declarativa de condenação em processo comum, contra Litoral Office Contabilidade e Empresas Lda. e BB,

Sendo chamadas as seguradoras, Lusitânia - Companhia de Seguros S.A. e Ageas Portugal -Companhia de Seguros S.A.

Invocam, em resumo, os autores:

- O 2º Autor contratou, em Maio de 2010, os serviços da 1ª Ré, com vista à elaboração da contabilidade da 1ªAutora. No âmbito dos serviços de contabilidade contratados era obrigação da ora 1ª R., e assim, na pessoa do 2º R., a elaboração de toda a contabilidade da Autora, procedendo à elaboração de documentos contabilísticos, à entrega das declarações fiscais e ao aconselhamento fiscal adequado.

- A Autora encontrava-se enquadrada no regime normal trimestral do IVA, desde 2010.06.01, pela atividade principal de construção de edifícios, CAE 41.200 e as secundárias: compra e venda de bens imobiliários - CAE 68.100, Cultura de outros frutos em árvores e arbustos – CAE 01.252 e Olivicultura - CAE 01.261.

- Desde o início da sua atividade, a Autora apenas e só desenvolveu atividade de construção do edifício habitacional sito em Urb. Quinta ..., ..., imóvel pertencente à sociedade, facto este que era do pleno e integral conhecimento dos RR.;

- A empreitada da obra foi adjudicada à construtora - C..., Lda.;

- No decorrer da construção dos referidos imóveis e pelos trabalhos que foram sendo prestados, a construtora C..., Lda., iniciou a emissão das respetivas faturas à Autora;

- Aquando da emissão das primeiras faturas pela construtora, a 1ª R., na pessoa do 2.º R., deu instruções ao gerente da Autora para que informasse aquela sociedade - empreiteira - de que as faturas deveriam ser emitidas com o “IVA a ser liquidado pelo adquirente”, o que este fez.

- Em conformidade não consta a taxa legal em vigor nem o montante de IVA que seria devido. A Autora deu cumprimento à entrega das declarações trimestrais de IVA relativamente ao quarto trimestre de 2011, aos quatro trimestres de 2012 e ao primeiro trimestre de 2013.

- Por indicação do seu contabilista não procedeu ao pagamento de IVA. Nas declarações trimestrais entregues pela A., submetidas pelos RR., não constava o IVA a liquidar, mas sim o IVA a reembolsar, tornando-se assim, erradamente, a Autora credora de IVA. Os RR. procederam ao pedido de reembolso de IVA referente ao ano de 2010 e de 2011 (1º ao 3ºtrimestre), num total de € 5.000,00 (cinco mil euros), o que foi deferido pela Autoridade Tributária. Posteriormente, e em referência ao primeiro trimestre de 2013, os RR. Procederam ao pedido de reembolso de IVA, num total de € 7.200,00. Em função deste último pedido de reembolso, foi desencadeada inspeção tributária considerando a Autoridade Tributária que o IVA deduzido não podia ser aceite e que a Autora deduziu IVA indevidamente.

- Na sequência desta inspeção tributária foi instaurado à Autora um processo de contraordenação, dando lugar aos autos de execução n.º ...64, no qual foi peticionado pela AT, o valor de € 26.534,65 a título de coima e custas processuais que o Autor pagou. No caso, as instruções dadas pelo réu foram erradas, sendo que o IVA não deveria ser a liquidar pelo adquirente, isto é, não deveria ter existido inversão do sujeito passivo. Os Réus incorreram em diversos erros:

- Ao informarem a Autora que nas faturas emitidas pela construtora não devia constar o IVA, devendo constara informação “IVA devido pelo adquirente”, faturas que depois aceitaram em consonância com as instruções dadas; - Não entregaram o IVA devido ao Estado –como seria, porventura, a consequência de emissão de faturas com “IVA devido pelo adquirente”;- Procederam à (indevida) dedução do IVA e efetuaram o (indevido) pedido de reembolso do mesmo. A Autora, deduziu IVA indevidamente num total de € 87.608,75.

O pagamento atempado dos valores de IVA teria impedido o acumular deste montante.

De forma a regularizar a situação, a Autora procedeu ao pagamento, em 25.02.2014, do montante de € 87.608,75, ao que acresceu os juros, custas e despesas e encargos administrativos, totalizando o valor € 89.203,91. A Autora liquidou ainda, de igual modo à AT, o montante de € 1.087,35 (mil e oitenta e sete euros e trinta e cinco cêntimos), a título de outros encargos administrativos. Resulta de toda a atuação dos RR. o claro incumprimento de todos os princípios e das normas orientadoras da sua atuação, particularmente o especial dever de informação sobre a forma como as obrigações fiscais devem ser cumpridas, resultando desse incumprimento a sua responsabilidade civil.

Da conduta dos Réus resultaram diversos danos para os Autores:

Desde logo a necessidade de pagamento das quantias supra referenciadas.

Após ter verificado os erros grosseiros do contabilista, a Autora teve de contratar os serviços de advogado, para acompanhar os processos fiscais, sendo que a título de honorários para o acompanhamento dos processos, despendeu o montante de € 1.500,00.

De forma a assegurar o cumprimento das obrigações fiscais, a Autora foi obrigada a contratar os serviços de um revisor oficial de contas, tendo despendido a título de despesas pela prestação destes serviços, o montante de € 1.000,00 (mil euros).

A Autora, teve que suportar todas as despesas relativas a transporte e deslocações do 2.º A. à repartição de finanças de ..., Direção de Finanças, advogados, técnicos, etc, despesas que ascendem a € 500,00.

Face à situação criada pelo erro grosseiro dos RR., a Autora entrou em dívida para com a Autoridade Tributária e a Banca. Teve de proceder à venda de imediato de uma das frações, a fração C, sendo que o lucro que deveria advir da venda da fração não existiu, porquanto as verbas foram canalizadas para o pagamento do IVA devido ao Estado.

A diminuição das garantias bancárias e a ameaça do avanço dos processos fiscais e consequentes penhoras pela AT, contribuiu para um agravamento notório da postura comercial do banco ..., entidade financiadora da construção, ficando a Autora sem margem para negociações ou reestruturação da dívida.

Na sequência do incumprimento da Autora para com o Banco ..., foram instauradas no ano de 2016 duas ações executivas contra os autores, no valor total de € 258.467,59 €,sendo os juros remuneratórios de€ 1.403,09 e os juros de mora de € 9.864,50.

No decurso dos autos de execução n.º 1175/16.... foram penhoradas cinco frações do imóvel, propriedade da Autora. Atendendo ao risco de venda das frações em hasta pública, a Autora viu-se na contingência de diligenciar imediatamente pela venda dos imóveis, através de imobiliária. Pelos serviços prestados e comissões cobradas pela mediadora imobiliária ..., a Autora teve de pagar a quantia de € 18.000,00.

Com as despesas e honorários devidos ao Agente de Execução no âmbito dos processos que lhe foram instaurados pelo banco ..., a Autora teve de liquidar a quantia de€ 7.088,53.

No âmbito dos processos executivos 1175/16.... e 1176/16...., o 2.ºA teve de contratar serviços de advocacia, sendo que a título de honorários nos referidos processos, pagou ao Mandatário constituído um total de € 2.269,00. As fracções, dada a urgência na sua venda, foram vendidas abaixo do seu preço de mercado.

A fração C foi vendida por 120.000 €, sendo o seu valor de venda atual de cerca de€ 178.900,00 e o seu valor de venda imediata de € 150.212,04.

A fração A foi vendida pelo valor de € 74.210,00€, estando avaliada em€ 103.400,00;Afracção B foi vendida pelo valor de € 65.380,00, estando avaliada em€ 92.200,00;Afracção D foi vendida pelo valor de € 73.320,00 estando avaliada em€ 103.100,00;Afracção E foi vendida pelo valor de € 65.750,00,estando avaliada em€ 93.000,00;AFracção F foi vendida pelo valor de € 116.680,00 estando avaliada em € 178.900,00.

Assim, o montante global de diferença entre o valor patrimonial, pelo qual foram vendidas as cinco frações, e o valor de venda de mercado soma um total de € 234.160,00. A conduta dos RR. abalou o prestígio e a boa imagem comercial da Autora, sobretudo junto da Autoridade Tributária e Banca, perdendo prestígio, o que se traduziu no afastamento de potenciais clientes e consequente frustração de negócios, vendo a Autora vedado o recurso ao crédito.

A título de indemnização pelos danos não patrimoniais/morais sofridos pela 1ª Autora, peticiona-se a quantia de € 10.000,00. Em resultado da frustração de expectativas que tinha de assegurara sua segurança financeira e da família e do esvanecer de um projeto de vida, o 2.º A. iniciou um quadro depressivo, tendo de recorrer a ajuda médica O 2º Autor sofreu danos não patrimoniais que se estimam em valor não inferior a 15.000,00 (quinze mil euros).

Conclui formulando o seguinte pedido:

Serem os RR. condenados ao pagamento dos seguintes montantes:

i)€158.451,03 (cento e cinquenta e oito mil quatrocentos e cinquenta e um euros e três cêntimos)à ora A., Pratikloft –Investimentos Agrícolas e Imobiliários, Lda., a título de danos emergentes;

ii)€ 234.160,00 (duzentos e trinta e quatro mil cento e sessenta euros) à ora A., Pratikloft – Investimentos Agrícolas e Imobiliários, Lda, a título de lucros cessantes;

iii)€10.000,00 € (dez mil euros) à ora A., Pratikloft–Investimentos Agrícolas e Imobiliários, Lda, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais/morais;

iv)€ 15.000,00 (quinze mil euros) ao ora A., AA, a título de danos não patrimoniais/morais, tudo num total de € 417.611,03 (quatrocentos e dezassete mil seiscentos e onze euros e três cêntimos).

Os Réus contestaram invocando em resumo:

Que é falso que o 2º réu, se tenha obrigado perante a Autora a proceder a qualquer tipo de aconselhamento fiscal ou que tenha assessorado o 2º autor na constituição da sociedade;

O que os réus se obrigaram a realizar foi a contabilidade da 1ª autora com base nos documentos e informações que lhe fossem fornecidas pelos legais representantes desta, classificando-os e lançando-os de acordo com as normas de contabilidade e relato financeiro vigentes, apresentando as declarações fiscais exigíveis em sede de IVA e Imposto sobre o Rendimento (IRC);

Que o objeto social da 1ª autora é muito amplo e permitia a realização de inúmeras atividades comerciais não seria possível aos réus saber, em concreto, qual ou quais destas atividades a empresa exercia;

Logo após a constituição da 1ª autora, esta adquiriu três veículos automóveis a crédito, no valor de € 123.500,00 pressupondo os réus que os mesmos seriam para uso no desenvolvimento das atividades previstas no objeto social da empresa e levariam admissão de funcionários para o efeito, uma vez que até essa data a empresa não tinha qualquer funcionário admitido ao seu serviço e apenas tinha um gerente.

O 2º autor, após a constituição da 1ª autora não informou os réus de qual seria, em concreto a atividade da sociedade, limitando-se a dizer que a sociedade iria desenvolver projetos de investimento na área agrícola.

Os contactos entre os réus e os autores foram sempre esporádicos, limitando-se o 2º autor a trazer documentos referentes a despesas efetuadas pela 1ª autora para que fossem lançados na contabilidade. A primeira vez que os réus tiveram conhecimento de que a 1ª autora estava a construir um edifício foi no final do ano de 2012, quando o 2º autor lhe fez chegar uma fatura da C..., Lda., sem que lhe indicasse a finalidade da construção.

Os autores nunca informaram os réus de que o prédio era constituído por nove frações. O 2º réu apenas teve conhecimento de que o prédio se destinava a ser vendido quando numa reunião realizada na Direção de Finanças ..., em Junho de 2013, os Inspetores Tributários confrontaram o 2º autor e o 2º réu com tal facto.

Os autores nunca entregaram aos réus qualquer documento relativo à obra que estavam a realizar, designadamente, o projeto, a licença de construção ou o contrato de empreitada.

Nunca os autores forneceram aos réus cópia do contrato de empréstimo, sendo que os lançamentos relativos ao crédito concedido que foram plasmados na contabilidade foram efetuados com base em extratos bancários da 1ªautora que lhe eram fornecidos pelo 2º autor.

É totalmente falso que a 1ª ré, na pessoa do 2º réu alguma vez tenha dado instruções ao 2º autor ou à sua gerência para que informasse a empreiteira de que as faturas deveriam ser emitidas com a menção “IVA a ser liquidado pelo adquirente”.

Só em Novembro de 2012, os Réus tiveram conhecimento de diversas faturas emitidas pela C... em 2011 e em Setembro de 2012, tendo sido necessário proceder a uma declaração de substituição em sede de IVA, incluindo os valores titulados nessas faturas.

A C..., Lda. para efetuar a empreitada, teve acesso ao projeto, bem assim como a todo o licenciamento emitido pela Câmara Municipal ... para a realização da obra, pois sem isso não poderia ter realizado a obra, nem sequer dado orçamento para a realização da mesma. Tinha, pois, conhecimento, desde o primeiro momento, que a 1ª autora exercia uma atividade que não conferia direito à dedução em sede de IVA, pelo que nunca poderia ter emitido à 1ª autora faturas com a menção “IVA devido pelo adquirente”.

Tendo em consideração que a 1ª autora era um sujeito passivo de IVA, enquadrado como tal junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) e atento a que o imóvel se destinava ao exercício de uma atividade sujeita a IVA, e tendo as faturas sido emitidas com a menção “IVA devido pelo adquirente” a classificação contabilística que lhe foi aposta pelo 2º reu é a correta, ou seja, liquidou e deduziu o IVA.

Os réus, em Dezembro de 2012, depois de estarem na posse das faturas emitidas pela C... e de forma a efetuar o seu correto enquadramento fiscal, pediram esclarecimentos ao 2º autor sobre o destino a dar à construção.

Tendo o 2º autor informado os réus de que o prédio era um imóvel de investimento e que pretendia no futuro nele exercer uma atividade de alojamento local ou outra similar, ou seja, uma atividade sujeita a IVA. Foi com base nesta informação prestada pelo 2º autor que as faturas emitidas pela C..., Lda., foram levadas inicialmente à conta 62 (Subcontratação), tendo-se posteriormente procedido à sua reclassificação contabilística para a conta 45 (ativos fixos em curso), conforme aliás consta das declarações entregues junto da Administração Tributária, designadamente da declaração IES.

Assim, o enquadramento das faturas e da demais documentação da 1ª autora foi corretamente efetuado pois foi liquidado e deduzido IVA por o prédio se destinar, futuramente, a exercer uma atividade sujeita a IVA. O reembolso de IVA no valor de €5.000,00 e € 7.200,00 não foi relativo a IVA constante nas faturas emitidas pela C..., mas sim relativo a outros ativos fixos e a bens e serviços, que, atento o objeto social da 1ª autora e o seu enquadramento fiscal, poderiam ser deduzidos.

Os pedidos de reembolso foram feitos após várias insistências do 2º Autor nesse sentido.

Os Réus desconhecem se os documentos juntos relativos ao processo de execução fiscal têm como origem o processo de contraordenação levantado pela Administração Tributária em consequência da inspeção Tributária de que foi alvo, bem como desconhecem se essa quantia foi efetivamente paga. As declarações apresentadas em20/06/2013, não totalizam a quantia de €87.608,75 como erradamente indicamos autores, mas sim de €80.500,00 e correspondem ao IVA à taxa de 23% sobre o valor das faturas emitidas pela C..., Lda.

Desconhecemos réus a que título foi paga a quantia de € 293,79 e o mesmo sucedendo relativamente ao valor de €1,087,35constante do documento junto sob o nº 35 com a petição inicial;

Aquantia de € 89.203,91 alegada pelos Autores é referente ao valor do IVA devido pela 1ªautora ao Estado Português enquanto sujeito passivo de IVA, pelo que o seu pagamento não configura qualquer prejuízo.

Os Réus desconhecem as despesas relativas a honorários de advogados, despesas com ROC deslocações ou honorários pagos a agente de execução.

Os autores, por motivos que os réus desconhecem, alteraram o prazo de vencimento do empréstimo que haviam contraído em 14/02/2011 reduzindo-o de 531 meses para 55 meses, transformado um empréstimo de longo prazo em empréstimo de curto prazo, o que certamente não os beneficiaria, pois o valor da prestação a pagar à mutuante teria de ser substancialmente maior.

Desconhece-se se os valores peticionados na ação executiva foram, efetivamente, pagos. A fração C foi vendida a CC que é a filha do 2º autor e dos sócios da 1º autora, não se sabendo se o dinheiro proveniente da venda chegou ou não a dar entrada nos cofres societários da 1ª Autora. A avaliação desta fração foi feita em Outubro de 2015 e a venda foi efetuada a 24 de Fevereiro de 2014, altura em que o mercado estava em recessão, pelo que não é possível comparar o seu valor na altura da venda e da avaliação. Não foi pelo facto de a 1ª autora ter sido obrigada a pagar o IVA que causou à 1ª autora os prejuízos que, infundadamente, alega, designadamente os que se referem à venda das frações, mas sim a crise generalizada ao nível do imobiliário que ocorreu no nosso país nos anos de 2011 a 2014, que fez definhar o valor da propriedade da 1ª autora.

Os autores omitem que no ano de 2014, para além da venda da fração C, pelo alegado preço de 120.000,00 à filha do 2º autor, venderam também as frações “G” pelo preço de 130.000,00 e “I” pelo preçode€150.000,00ambasem04/04/2014 e, em 10/07/2014, venderam a fração “H” pelo preço de €120.000,00, ou seja tiveram um encaixe financeiro de €520.000,00, valor que lhe permitiria amortizar, quase na íntegra o empréstimo contraído. Os réus desconhecem se os valores das frações “A” “B”, “D”, “E” e “F” foram efetivamente pagos como consta do contrato de compra e venda e se foram depositados na sua totalidade na conta bancária da 1ª autora.

Até 30/03/2012 a responsabilidade civil pelos atos praticados pelo 2º réu BB no exercício da sua profissão de contabilista estavam transferidos para a Companhia de Seguros Lusitânia S.A. Sendo que entre 01/04/2012 e 30/03/2015 a responsabilidade civil pelos atos praticados pelo 2º réu BB no exercício da sua profissão de contabilista estavam transferidos para a AXA Portugal Companhia de Seguros S.A. atualmente denominada de Ageas Portugal –Companhia de Seguros S.A. Concluíram pedindo que a ação seja considerada improcedente e não provada e consequentemente serem os Réus absolvidos dos pedidos contra si formulados.

Mais requer o segundo réu BB a intervenção principal, como suas associadas, das seguradoras Companhia de Seguros Lusitânia S.A. e da Ageas Portugal - Companhia de Seguros SA Os Réus requereram ainda a intervenção principal como sua associada da sociedade C..., Lda.

Admitido o chamamento das Seguradoras e indeferido o chamamento da C... vieram as chamadas contestar a ação alegando, em resumo:

A) No que se refere à Ageas Portugal, Companhia de Seguros: - O contrato celebrado produziu os seus efeitos entre 1 de Abril de 2012 e 31 de Março de 2015;

- Garante as reclamações formuladas ao Segurado ou diretamente ao Segurador, durante o período de vigência do contrato, ou se desconhecidos das partes, nos 12 meses subsequentes ao seu termo, relativamente a erros, atos ou omissões geradores da responsabilidade ocorridos no período da apólice.

A interveniente apenas teve conhecimento dos factos descritos nos autos com a sua citação, desconhecendo se os danos cujo ressarcimento se pretende foram reclamados diretamente ao 2º Réu. Os danos não patrimoniais, as despesas referentes a honorários profissionais e os prejuízos decorrentes da frustração de ganhos e benefícios estão excluídos do âmbito do seguro.

A interveniente apenas responde dentro do limite do capital seguro de 50.000 €, sendo o segurado responsável pelo pagamento da franquia contratual de 10% do valor de indemnização, no mínimo de 150 € por sinistro. Os factos alegados na petição inicial ocorridos até 31 de Março de 2012 não estão garantidos pela apólice de seguro que deu lugar ao chamamento do interveniente.

Conclui pedido a procedência das exceções com a consequente absolvição da interveniente ou, se assim não se entender a improcedência da ação.

B) No que se refere à Lusitânia –Companhia de Seguros, SA:

- O contrato teve início em 27/03/2004 e terminou em 27/03/2012;

- Os danos reclamados encontram-se excluídos da cobertura, em face do que se encontra estabelecido nos arts. 4º e 5º das condições gerais.

- No ponto 1 das condições particulares refere-se que a garantia da apólice está limitada aos erros, atos ou omissões geradoras de responsabilidade ocorridas após a data de início do contrato e antes do respetivo termo, reclamados até ao período de 4 anos subsequentes ao termo do contrato, desde que o facto gerador dos danos tenha ocorrido antes do referido termo.

- Na altura da citação, ocorrida a 26/01/2018, já estava ultrapassado o referido prazo de 4 anos. - Impugna matéria alegada na p.i. que desconhece.

- A apólice vigora com o limite máximo de indemnização por sinistro e anuidade de 50.000,00 € e ainda com uma franquia contratual a cargo do segurado no montante de 10% dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de 500 €. Conclui pedido a procedência da exceção com a consequente absolvição da interveniente ou, se assim não se entender a improcedência da ação. Quanto aos articulados apresentados pelas intervenientes, o Réu BB pronunciou--se pela forma seguinte:

A) No que se refere ao articulado da Ageas Portugal: - A autora reclamou junto do segurado, o ora corréu BB, a intenção de apuramento de responsabilidades, por carta remetida a 18/12/2013. O documento junto com o nº 5 com a contestação (carta remetida ao ilustre mandatário da Autora) é demonstrativo disso mesmo pois foi remetida a 15/07/2015, data em que ainda decorria o período de 12 meses subsequentes ao termo do contrato de seguro com a corré Ageas. O Réu BB já juntou aos autos, o seu cartão profissional.

B) No que se refere ao articulado da Lusitânia: - Na cláusula 1 é utilizado de forma generaliza o termo “reclamadas”, pelo que a reclamação também pode ser efetuada ao segurado, o que aconteceu, como já se alegou. - O sinistro está garantido pelas coberturas da apólice como resulta do ponto 3 das condições particulares da apólice.

Também no exercício do contraditório quanto aos articulados apresentados pelas intervenientes vieram os Autores expor o seguinte: A reclamação foi apresentada no período de 12 meses referido pela interveniente Ageas; Não há dúvidas da qualidade de técnico oficial de contas do ora réu. No mais, impugna, por desconhecimento, o conteúdo dos acordos celebrados.

No que se refere à Lusitânia, jamais se poderá aceitar o limite temporal de quatro anos subsequentes ao termo do contrato, interpretando que a reclamação teria de ser efetuada perante a companhia de seguros, pois que a mesma pode também ser feita perante o segurado. Conclui pedindo a improcedência das exceções e a condenação das intervenientes conforme as suas responsabilidades.

Procedeu-se à realização de audiência prévia com elaboração de despacho saneador e fixação dos temas de prova.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.

Foi proferida decisão com o seguinte teor:

Por todo o exposto:

A –Julgo improcedente por não provada a presente acção, absolvendo os Réus e Chamadas dos pedidos contra eles deduzidos.

Custas pelos AA. Registe e notifique.

Para os fins tidos por convenientes, remeta cópia da presente decisão à Ordem dos Contabilistas Certificados.”

Inconformados com esta decisão dela apelaram os Autores Pratikloft e AA, sendo deliberado e a final proferido acórdão do seguinte teor:

Decisão:

Por todo o exposto acordam os Juízes que compõem este Tribunal em julgar improcedente a apelação e em consequência confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes - art. 527º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil”.

*

Inconformados com o decidido pela Relação, interpõem recurso de Revista para este STJ os mesmos autores, e formulam as seguintes conclusões:

“A. No que se refere à espécie de recurso em causa, sempre se terá de afirmar que, considerando as matérias em causa - da efectiva violação de normais legais, regras tributárias e de competências e princípios deontológicos por parte dos Réus no exercício de funções e se aquela se revela, ou não, geradora de responsabilidade contratual e/ou extracontratual dos Réus perante os Autores, para além da responsabilidade deontológica/disciplinar -a relevância das mesmas, quer para os presentes autos, quer para uma boa e futura aplicação do Direito, deve o recurso ser admitido nos precisos termos do artigo 672º, nºs 1 e 2, alíneas a)do CPC.

B. Na verdade, o que se encontra em causa no caso sub judice é o facto de que pese embora da douta sentença resulte provada a efetiva violação de normais legais, regras tributárias e de competências e princípios deontológicos por parte dos Réus perante os Autores no exercício de funções, pese embora resulte do acórdão recorrido que o aconselhamento fiscal é uma obrigação legal do contabilista pelo que não tendo sido excluída sempre se deverá ter como incluída no âmbito do acordado, e pese embora resulte do acórdão recorrido que os RR. deduziram indevidamente o IVA, certo é que o douto Tribunal recorrido entendeu, no entanto, que tais condutas por parte dos RR. não são geradoras de qualquer responsabilidade civil - contratual e/ou extracontratual - perante os Autores, mas tão somente geradoras de responsabilidade deontológica/ disciplinar.

C. O que não se compreende, nem se aceita.

D. Com efeito, no âmbito dos presentes autos, entendeu o tribunal recorrido da Relação ... que “Apesar de não ter resultado provado que tivesse sido expressamente acordado do aconselhamento fiscal entre as partes, tal aconselhamento nos termos do disposto no art. 6º - 2 a), do Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (Anexo I ao D.L nº310/2009, de 26 de Outubro) é uma obrigação legal do contabilista pelo que não tendo sido excluída sempre se deverá ter como incluída no âmbito do acordado.” (vide página 80 do acórdão recorrido do TR..., numeração nossa)

E. Isto é: na dúvida, e na falta de menção expressa, o aconselhamento fiscal dos RR. perante os AA. estaria sempre incluído nos serviços a prestar/prestados.

F. No entanto, o mesmo tribunal vem depois declarar que “não obstante os procedimentos fiscais posteriores efectuados pelos Réus que configuram violação de deveres deontológicos não ficou provado o incumprimento do contrato gera o direito a uma indemnização”, pelo que “independentemente da violação de normas legais que ocorreu, não poderão os Réus serem responsabilizados perante os Autores”.

G. Ora, se o aconselhamento fiscal estava afinal incluído nos serviços prestados pelos RR., e se resulta que os mesmos violaram esse aconselhamento fiscal e cometeram uma série de erros, de entre os quais o terem procedido à dedução indevida de IVA – liquidando e deduzindo em simultâneo o IVA, de forma indevida – não se compreende, nem se aceita a não assunção de qualquer responsabilidade civil, e em especial de natureza contratual, dos RR. perante os AA..

H. Não se compreende, nem se vislumbra, s.m.o., qual o salto lógico que conduz o tribunal recorrido a decidir pela desresponsabilização total dos Réus perante os Autores em sede contratual e/ou extracontratual, imputando às condutas dos Réus tão somente uma responsabilidade de natureza deontológica/disciplinar!

I. A violação de normas legais, fiscais e de regras e princípios deontológicos no exercício de funções não é, também ela, geradora de responsabilidade contratual, atento o facto de tal violação ter decorrido precisamente no âmbito de uma prestação de serviços, com prejuízo concreto para o contratante (aqui AA.)?

J. É precisamente esta a questão que se pretende que seja apreciada por este douto Tribunal ad quem para uma melhor aplicação futura do Direito e, bem assim, da extensão da responsabilidade nas suas diferentes vertentes – seja ela civil, criminal, contratual, extracontratual ou disciplinar.

K. Ora, s.m.o., sempre terá de se considerar como de particular relevância jurídica tal questão e, assim, ser admitido o presente recurso para uma boa aplicação do Direito enquanto recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 672º, nº 1 alínea a) e nº 2 alínea a) do CPC, considerando a matéria em causa, melhor explanada infra, contribuindo a apreciação da mesma para uma boa aplicação do Direito.

L. Nos presentes autos foi proferida sentença, em primeira instância, em Julho de 2020, sendo que a pretensão dos ora Recorrentes, então AA., foi declarada improcedente.

M. Por discordar da decisão proferida, quer de direito, quer de facto, os ora Recorrentes apresentaram recurso de apelação para o Tribunal da Relação .... Consequentemente, decidiu o Tribunal da Relação julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

N. Contudo, discordam os ora Recorrentes da decisão proferida, vindo deste modo recorrer da mesma, colocando em crise, precisamente, a decisão do douto Tribunal no sentido de que pese embora da douta sentença e do acórdão recorrido resulte provada a efectiva violação de normais legais, regras tributárias e de competências e princípios deontológicos por parte dos Réus perante os Autores no exercício de funções, pese embora resulte do acórdão recorrido que o aconselhamento fiscal é uma obrigação legal do contabilista pelo que não tendo sido excluída sempre se deverá ter como incluída no âmbito do acordado, e pese embora resulte do acórdão recorrido que os RR. deduziram indevidamente o IVA, certo é que o douto Tribunal recorrido entendeu, no entanto, que tais condutas por parte dos RR. não são geradoras de qualquer responsabilidade civil - contratual e/ou extracontratual - perante os Autores, mas tão somente geradoras de eventual responsabilidade disciplinar/deontológica!

O. E é este o cerne objecto do recurso que ora se apresenta, relacionada com a dualidade: violação de normas legais, regras tributárias, competências e princípios deontológicos no exercício de funções VS. responsabilidade civil contratual e/ou extracontratual ou meramente disciplinar.

P. E, desde já, não podemos deixar de discordar, e em toda a linha, da asserção apresentada seja no corpo do mui douto acórdão quando se refere ao facto de “independentemente da violação de normais legais que ocorreu, não poderão os Réus serem responsabilizados perante os Autores”.

Q. Entendem os Recorrentes que, se resulta provado que os Réus efectivamente cometeram erros grosseiros enquanto se encontravam a prestar serviços de contabilidade para os Autores, violando abertamente normas legais, regras tributárias e competências e princípios deontológicos, tendo liquidado e depois deduzido IVA que bem sabiam não poder deduzir – o que acarretou sérios prejuízos para os Autores, então, por maioria de razão, deverão os Réus serem responsabilizados perante os Autores, seja a título de responsabilidade profissional civil contratual ou, ainda, extracontratual, porquanto a prática do facto existe!

R. Assim, a presente questão deve ser apreciada pela instância superior, mostrando-se claramente necessária para uma melhor aplicação do direito vigente e da interpretação das normas substantivas e processuais aplicáveis ao caso.

S. Em causa está, não apenas uma busca de uma melhor aplicação do direito processual, mas deriva daqui, isso sim, uma melhor aplicação do direito material com uma sempre tentativa de que o princípio da justiça material seja alcançado.

T. Resulta dos autos e do douto acórdão recorrido que “entre Autores e Réus foi celebrado um contrato de prestação de serviços (…) estão em causa serviços de contabilidade a prestar pelos Réus aos Autores” (vide página 79 do acórdão do TR...), pelo que “são aplicáveis as normas previstas no Código Deontológico dos Contabilistas certificados constantes do decreto-lei n.º 310/2009, de 26 de Outubro” (vide página 79 do acórdão do TR...).

U. Ademais, resulta do acórdão recorrido que “apesar de não ter resultado provado que tivesse sido expressamente acordado do aconselhamento fiscal entre as partes, tal aconselhamento nos termos do disposto no art. 6º - 2 a), do Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (Anexo I ao D.L nº310/2009, de 26 de Outubro) é uma obrigação legal do contabilista pelo que não tendo sido excluída sempre se deverá ter como incluída no âmbito do acordado.” (vide página 80 do acórdão do TR...).

V. Isto é, outra conclusão não se pode tirar que não aquela de que o aconselhamento fiscal estava afinal incluído na prestação de serviços que os RR. prestaram aos AA., ainda que o mesmo não estivesse sujeito a forma escrita!

W. O que bem se compreende, considerando que no caso em específico a matéria relativa ao tratamento do IVA na construção civil é uma matéria extremamente específica, e que exige um conhecimento extremamente aprofundado e cirúrgico na área em causa.

X. Ora, conforme resultou da matéria provada e surge mencionado no acórdão recorrido do TR...:

i. “a sociedade Autora, foi constituída com intenção de ser construído um prédio que se destinava ou a ser revendido ou a ser arrendado” (vide página 81 do acórdão do TR...);

ii. o regime fiscal aplicável no que respeita ao tratamento do IVA dependeria sempre “do fim a que se destinavam as fracções do prédio pertencente à Autora e construído pela C...” (vide página 83 do acórdão do TR...);

iii.“resultou provado que os AA. destinavam essas fracções ou ao arrendamento ou à venda” (vide página 83 do acórdão do TR...);

iv. “Tais fins excluem a regra da reversão do sujeito passivo, nos termos dos art.s 29º, nº 9 e 30º, nº 9, do CIVA. Assim, e dado que as fracções se destinavam a fins isentos de imposto, não se aplicava à Autora Pratikloft, sua proprietária, as regras da reversão do sujeito passivo.” (vide página 83 do acórdão do TR...);

v. “resulta da matéria provada que em todas as facturas emitidas pela C... constava a menção de “IVA pelo adquirente”, isto é, foi aplicado a essas facturas, o regime de reversão de sujeito passivo, o que implicou ter sido o IVA liquidado pelo Réu e pressupondo-se que esse IVA liquidado seria depois deduzido, por a actividade desenvolvida ser uma operação que conferia o direito à dedução total ou parcial do imposto, nos termos do art 2º j) do CIVA, pressuposto que [COMO VIMOS], como não se verificava.” (vide página 83 do acórdão do TR...);

vi. “Tendo recebido as facturas, o Réu procedeu à liquidação do imposto relativo a essas facturas (correspondente ao IVA devido - 23% do valor da factura)), (…) Ao mesmo tempo que liquidou o imposto procedeu à sua dedução (…) Não podia ter assim procedido porque o fim a que se destinava o imóvel – venda ou arrendamento - são actividades isentas de IVA, pelo que não geram IVA que possa ser dedutível”;

vii.Tal como vem referido na sentença recorrida “resulta assim claro que o tratamento contabilístico dado às facturas emitidas pela C... originaria que o IVA liquidado e devido nunca chegaria a ser entregue ao Estado, com natural prejuízo do erário público” (vide página 83 do acórdão do TR...);

viii. Isto é, o Réu deduziu indevidamente o IVA daquelas facturas, pese embora o próprio Réu tivesse a obrigação de saber que tal IVA não podia nunca ser deduzido mas apenas liquidado, porquanto resultou provado que os Réus sabiam efectivamente qual o fim e qual o destino a que se destinavam as fracções (um fim isento de IVA e, por isso, não passível de dedução);

ix. “Existiu um erro contabilístico, dado que o réu tendo conhecimento do fim a que se destinavam as fracções, procedeu a um enquadramento fiscal errado das facturas recebidas da C....” (vide página 84 do acórdão do TR...);

Y. Dedução essa de IVA operada pelos Réus que não podia, nem devia ter ocorrido. Pois que com esta dedução indevida o Estado não receberia qualquer montante a título de IVA, com “natural prejuízo do erário público”. (vide página 83 do acórdão do TR...)

Z. Sendo certo que era obrigação do contabilista – aqui Réus nos presentes autos - deter este conhecimento e agir em conformidade com os normativos legais e fiscais. O que não sucedeu!

AA. Ora, esquecendo até a forma como as facturas da C... foram emitidas, e esquecendo até sobre quem recai a responsabilidade pela sua emissão, certo é que, chegadas aquelas facturas às mãos dos Réus, estes nunca deviam ter deduzido o IVA daquelas facturas!

BB. Até porque resulta dos autos que os Réus sabiam que o fim daquelas fracções era um fim isento de IVA!

CC. Pelo que se os Réus se tivessem abstido de deduzir o IVA, limitando-se a liquidá-lo apenas, os Autores não teriam tido todos os problemas e prejuízos patrimoniais e não patrimoniais que se seguiram!

DD. Pelo que se questiona se esta dedução indevida do IVA por parte dos Réus – que configura um erro contabilístico dos Réus - não acarreta, ela própria, qualquer responsabilidade contratual perante os Autores! Sendo a resposta óbvia: claro que sim.

EE. Ocorreu, pois, uma violação grosseira dos serviços contratados entre AA. e RR., ocorrendo, pois, um claro incumprimento contratual por parte dos RR.!

FF. E este incumprimento –fruto dos erros contabilísticos grosseiros dos RR. – tem necessariamente que encontrar respaldo na figura da responsabilidade civil contratual - e porventura até extracontratual - e não apenas na figura da responsabilidade disciplinar/deontológica!

GG. Os RR. sabiam que as fracções que estavam a ser construídas pelos AA. se destinavam a fins isentos de IVA (e tanto sabiam que o Tribunal considerou tal facto como provado), pelo que sabiam – ou deviam saber -que não podiam proceder à dedução de IVA das facturas!

HH. No entanto, e ainda assim, os RR. deduziram um IVA que sabiam não poder deduzir! E tal acção é violadora não apenas de deveres e princípios deontológicos, e de normas fiscais, mas também do próprio contrato de prestação de serviços firmado entre as partes e das obrigações que o mesmo acarreta, de entre os quais o próprio aconselhamento fiscal!

II. No entanto, e pese embora resulta provado que os Réus detinham todo aquele conhecimento, pese embora o acórdão recorrido reconheça que os Réus cometeram diversos erros grosseiros no exercício das suas funções, certo é que esse mesmo acórdão recorrido entende daqui não ter resultado qualquer responsabilidade civil perante os Réus, o que não se compreende, nem se aceita e representa um total contrassenso!

JJ. Contrassenso esse que resulta reflectido, de forma cristalina, na seguinte afirmação do TR...: “Existiu um erro contabilístico, dado que o réu tendo conhecimento do fim a que se destinavam as fracções, procedeu a um enquadramento fiscal errado das facturas recebidas da C....”

KK. Como se tal não fosse suficiente, é o próprio tribunal recorrido que prontamente declara a existência de, pelo menos, um segundo erro crasso e grave cometido pelos Réus: “Da análise da matéria provada, e tal como se afirmou na decisão recorrida, verifica-se ainda um outro erro. (…) E, não obstante não tenha ficado provado que fosse da iniciativa do Réu a decisão sobre o enquadramento fiscal da sociedade, ficou provado que o Réu, apesar da variedade do objecto social, conhecia a actividade concreta desenvolvida pelas Autoras, e sabia que o prédio se destinava à venda ou ao arrendamento. Assim, ao não aplicar as regras tributárias aplicáveis às facturas recebidas, infringiu as suas competências e ainda os princípios deontológicos gerais enunciados no artº3º do diploma supra citado.”

LL. Aliás, o acórdão recorrido vai mais longe e estatui expressamente que: “Tal como refere a sentença recorrida e foi pormenorizadamente explicado os Réus violaram diversas normas quer de natureza deontológica quer de natureza fiscal.”

MM. No entanto, e conforme já supramencionado, conclui o acórdão recorrido que tais erros/violações efectivamente cometidas pelos Réus não acarretam a responsabilização dos Réus perante os Autores, porquanto os Autores não lograram “provar que os Réus tivessem qualquer intervenção” nos dois erros que– segundo os tribunais recorridos – estiveram na origem de toda a actividade contabilística apreciada nos autos e que são os seguintes:

a. As declarações prestadas quanto ao objecto social da empresa e que deram origem aos respectivos CAE;

b. A forma como foram preenchidas as facturas emitidas pela C..., relativamente ao regime de IVA aplicável.

NN. Concluindo o acórdão recorrido que “Assim, para responsabilização dos Réus, perante os Autores, não se verifica o primeiro pressuposto, ou seja, a prática do facto.”

OO. Ora, não podem os AA. se não discordar destas conclusões emanadas pelo tribunal recorrido, pelos motivos já supra aduzidos.

PP. Isto é, independentemente do facto de ter ou não existido qualquer intervenção por parte dos RR. no que respeita quer às declarações prestadas quanto ao objecto social da empresa, quer quanto à forma como foram preenchidas as facturas emitidas pela C..., independentemente de tudo isso, certo é que resulta provado nos autos, e tal é reconhecido pelo tribunal recorrido, que os Réus conheciam qual a actividade concretamente desenvolvida pela Autora, e que os Réus sabiam que as fracções em construção se destinavam a fins isentos de IVA, pelo que os Réus sabiam, de igual modo, que não podiam nunca proceder à dedução do IVA daquelas facturas, porquanto a Autora estava isenta de IVA atenta a finalidade a que as fracções se destinavam e que era do pleno e integral conhecimento dos Réus!

QQ. Assim sendo, ao terem decidido proceder à dedução do IVA daquelas facturas, os Réus violaram não apenas princípios e deveres deontológicos, não apenas normas fiscais, como violaram também o contratado entre as partes, o qual incluía naturalmente o bom e correcto aconselhamento fiscal – e que não tendo sido expressamente excluído, sempre terá de se considerar incluído – e, ainda, uma actuação conforme as normas e princípios legais e fiscais!

RR. Em parte nenhuma resulta dos autos, ou sequer das declarações do Réu, que o mesmo procedeu à dedução do IVA a pedido dos Autores (o que não se compreenderia porquanto o Autor não é contabilista, como não detém qualquer formação na área da contabilidade) ou por ter sido coagido pelos Autores!

SS. Pelo contrário, foi o próprio Réu que admitiu, em plena audiência de discussão e julgamento, que “na dúvida, deduzo”.

TT. Remetemos, pois, para as declarações pelo Réu BB, quando inquirido, na sessão de dia 02-03-2020, gravadas em suporte digital 20200302100725_3749633_2870422, cuja transcrição tem início a 03:21:42 e fim a 03:21:49, em que a instâncias da Mma. Juiz de Direito, o Réu admite que independentemente da actividade da empresa e da finalidade da construção, o Réu entendeu, e entende, que, ao invés de questionar primeiramente os Autores ou, segundo o princípio da prudência, de se abster de deduzir o IVA até obter esclarecimentos acerca da actividade em concreto da empresa, na dúvida decide deduzir o IVA, independentemente das consequências fiscais que tal pudesse acarretar para o seu cliente, como acarretou no presente caso concreto – e cujos valores se reclamam.

UU. E não obstante o Réu admitir que todas as deduções do IVA que efectuou, enquanto contabilista certificado da Autora, foram efectuadas com base na dúvida, deduções essas que acarretaram um prejuízo desmesurado aos Autores (patrimonial e não patrimonial), mesmo assim e sem quaisquer razões ou provas para tal, o tribunal a quo entendeu que estes actos dos Réus não acarretavam qualquer incumprimento contratual, nem sequer qualquer responsabilidade contratual ou extracontratual perante os Autores.

VV. Não usou, pois, o julgador de todas as regras de experiência e de senso comum, e, s.d.r., conforme deveria, nem fez uma apreciação racional e crítica de toda a prova, optando por não abordar os motivos que levaram o Tribunal a quo a ignorar toda a prova concreta produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e que impunha decisão diversa da recorrida!

WW. Resulta completamente contraditório que o tribunal a quo conclua, como concluiu, que os Réus efectivamente cometeram erros grosseiros a nível contabilístico, mas, no entanto, decidam que tais erros grosseiros de cariz contabilístico configurem apenas violações de deveres deontológicos e fiscais, mas não violações de deveres contratuais ou porventura contratuais atento o cometimento de erros e violações de normas legais!

XX. Como se transcreve da douta Sentença: “Assim, ao não aplicar as regras tributárias aplicáveis às facturas recebidas, infringiu grosseiramente as suas competências e ainda os princípios deontológicos gerais, isto é a obrigação de pautar a sua conduta pelos princípios da integridade, idoneidade, independência, responsabilidade, competência.”

YY. Perguntamos nós: estes princípios da integridade, idoneidade, independência, responsabilidade, competência, e ainda os da confiança e os da boa-fé não configuram também eles verdadeiros princípios e deveres contratuais que as partes, sobretudo o profissional contratado, deverão observar aquando da sua actuação? Claro que sim!

ZZ. É, pois, impossível dissociar o indissociável: tais princípios encerram em si tanto a natureza de deveres deontológicos, fiscais, MAS TAMBÉM CONTRATUAIS!

AAA. Ora, o artigo 798º do Código Civil estatui que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.

BBB. Conforme vem enunciado no acórdão recorrido: “Para que recaia sobre o devedor a obrigação de indemnizar, como se depreende da leitura deste normativo, vários pressupostos se devem reunir para o efeito: O facto objectivo do não cumprimento, a ilicitude, a culpa que se presume, o prejuízo sofrido pelo credor, o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo.” (vide página 85 do acórdão do TR...)

CCC. Concluindo o acórdão recorrido que “para a responsabilização dos Réus, perante os Autores, não se verifica o primeiro pressuposto, ou seja, a prática do facto” (vide página 86 do acórdão do TR...)

DDD. No entanto, e perante o manifesto erro cometido pelos Réus ao procederem à dedução indevida de IVA das facturas da C..., questionamos se tal não preenche, afinal, o primeiro pressuposto para a sua responsabilização perante os Autores?

EEE.Ou seja: se o próprio tribunal recorrido reconhece que os Réus deduziram indevidamente o IVA, bem sabendo que não o podiam ter feito, e se resulta das declarações prestadas pelo próprio Réu que este decidiu deduzir o IVA, independentemente do enquadramento fiscal da Autora, então não estará aqui preenchido aquele primeiro requisito da prática do facto? S.m.o., claro que sim!

FFF. Isto é, para além de eventual responsabilidade no campo disciplinar, resulta evidente a responsabilidade civil dos RR. perante os AA., seja contratual, seja extracontratual!

GGG. Pelo que quanto à questão dos prejuízos causados aos AA., os mesmos deverão resultar provados, considerando que foi o acto de deduzir indevidamente o IVA que esteve efectivamente na origem do descalabro financeiro dos Autores e que originou todo este efeito multiplicador e que envolveu serviço de finanças, bancos, acções inspectivas, acções executivas, penhoras, vendas forçadas, quebra de prestígio dos AA. e os problemas de saúde do Autor.

HHH. Repita-se que se os RR. se tivessem abstido de deduzir o IVA, então o descalabro financeiro dos AA. nunca teria ocorrido, nem teria tido o efeito multiplicador que mais tarde se veio a constatar.

III. Ademais, sempre se dirá que tal abstenção por parte dos RR. De não deduzir o IVA, face aos fins isentos da construção daquelas fracções, configura não apenas um dever jurídico como também um verdadeiro dever acessório nos termos do artigo 762º, nº 2 do Código Civil cuja inobservância origina o cumprimento defeituoso da obrigação, obrigando o devedor à reparação dos danos causados ao abrigo do artigo 798º do Código Civil [vide acórdão doSupremo Tribunal deJustiça de2011-12-15, processo nº 2802/07....], em consonância também com o artigo 6º do Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.

JJJ. Resulta daqui que a actuação do Réu acarreta não apenas responsabilidade disciplinar, mas uma verdadeira e objectiva responsabilidade civil contratual, porquanto era ele o verdadeiro responsável legal pela regularidade técnica da empresa na área contabilística e na área fiscal, competindo ao Réu zelar pela regularidade da contabilidade da Autora, e responsabilizando-se por ela com inteiro acatamento das normas legais em vigor, exercendo a sua responsabilidade simultaneamente no interesse do cliente – aqui Autores – e no interesse geral – aqui Estado!

KKK. Pelo que ao ter procedido como procedeu, e ao ter deduzido o IVA indevidamente, o Réu violou os seus deveres não só deontológicos, como também contratuais e extracontratuais perante os AA.

LLL. Assim, não colhe o argumento de que não se verifica a prática do facto para responsabilização dos Réus, porquanto resulta claro que cabia ao Réu, sabendo que as fracções se destinavam a fins isentos, se abster de deduzir o IVA das facturas, independentemente de resultar ou não provado se o Réu teve ou não intervenção na forma como foram preenchidas as facturas e independentemente de resultar ou não provado se o Réu teve intervenção na declaração de início de actividade da Autora!

MMM. Na verdade, este erro da dedução indevida do IVA vale por si só, é auto-suficiente e não depende de quaisquer actuações prévias: o Réu detinha todo o conhecimento e toda a informação necessária para saber que não podia nunca proceder à dedução do IVA daquelas facturas, no entanto deduziu na mesma!

NNN.E essa dedução indevida é manifestamente causa adequada dos prejuízos ocasionados, no sentido visado pelo artigo 563º do Código Civil:

“A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”

OOO.A responsabilidade civil dos Réus perante os AA., ora recorrentes, é, pois, total, seja em sede contratual, seja extracontratual e não obstante a responsabilidade disciplinar que possa também existir.

PPP. Assim, em suma, considerando todo o supra exposto, deverá ser recebido e considerado procedente o presente recurso de revista excepcional e, em consequência, ser revogado o acórdão ora recorrido, considerando ter sido proferida uma má decisão face à questão jurídica que aqui se coloca, substituindo-se aquele acórdão recorrido por outro que condene os Réus, e as Chamadas, no inicialmente peticionado.

Nestes termos e nos melhores de direito,

E sempre com o douto suprimento de V. Exas, Exmos. Conselheiros,

Deverá ser recebido e considerado procedente o presente recurso de revista excepcional e, em consequência, ser revogado o acórdão ora recorrido, considerando ter sido proferida uma má decisão face à questão jurídica que aqui se coloca, substituindo-se aquele acórdão recorrido por outro que condene os Réus, e as Chamadas, no inicialmente peticionado.

Decidindo nesta conformidade, será feita a costumada JUSTIÇA!”.

Foi apresenta resposta pela recorrida Lusitânia - Companhia de Seguros S.A., na qual pede a rejeição do recurso.

Foi apresenta resposta pela recorrida Ageas Portugal -Companhia de Seguros S.A., na qual conclui: “Termos em que, sem necessidade de mais considerandos, deve ser julgado inadmissível o presente recurso de revista, caso assim se não entenda, sempre deve ser negado provimento ao recurso interposto com todas as consequências legais”.

Foi apresenta resposta pelos recorridos BB e Litoral Office – Contabilidade e Empresas Lda, que concluem:

Termos em que deve o recurso de revista excepcional apresentado pelos recorrentes ser julgado inadmissível, com as legais consequências.

Caso assim não se entenda então deve ser negado provimento ao recurso interposto, com as legais consequências”.

*

O recurso foi admitido pela Formação a que se refere o nº 3 do art. 672º, do CPC.

É referido pela Formação no acórdão que produziu: “No caso dos autos, estamos no âmbito de uma pretensão indemnizatória fundada em alegada responsabilidade civil contratual e/ou extracontratual no âmbito do exercício da atividade profissional contabilística de Técnicos Oficiais de Contas, regulada, além do mais, pelo Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas e pelo Código Deontológico dos Contabilistas certificados, constantes, respetivamente, dos Anexos 1 e II ao Decreto-Lei n.° 310/2009, de 26-10, que alterou o Decreto-Lei n.° 452/99, de 5-11.

A questão em apreço consiste em saber se e em que medida é que o cometimento de erros contabilísticos e a falta de aconselhamento fiscal adequado imputados ao R., na qualidade de técnico oficial de contas certificado, na elaboração da contabilidade e na entrega das declarações fiscais de uma sociedade dedicada à construção civil (a 2.ª A.), com violação de normas tributárias, em sede de IVA, ou de regras e princípios deontológicos, importa responsabilidade civil contratual ou extracontratual pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados aos destinatários dessa prestação de serviço”.

Cumpre apreciar e decidir.

*

Nas Instâncias foram julgados como provados e não provados, os seguintes factos:

“De Facto:

- Factos Provados:

1 - A Autora é uma sociedade comercial, constituída ao 31 de Maio de 2010, e que tem o seguinte objecto social:

- construção de edifícios residenciais não residenciais, compreendendo a construção de todos os tipos de edifícios residenciais (edifícios de habitação unifamiliar multifamiliar) e não residenciais (edifícios cobertos para a produção industrial, hospitais, escolas, edifícios para escritórios, hotéis armazéns, edifícios comerciais, restaurantes, edifícios dos aeroportos, edifícios para desportos em locais cobertos, piscinas cobertas, garagens edifícios para fins religiosos e outros), executados por contra própria ou em regime de empreitada ou subempreitada, de parte ou de todo o processo de construção.

- ampliação, reparação, transformação e restauro de edifícios, assim como a montagem de edifícios pré-fabricados, compra e venda de bens imobiliários (possuídos pelo próprio), nomeadamente, edifícios residenciais e não residenciais e de terrenos. Inclui actividade de subdivisão de terrenos em lotes sem introdução de melhoramentos, - cerealicultura (excepto arroz), culturas de outros frutos em árvore e arbustos e olivicultura. Cultura de produtos hortícolas, raízes e tubérculos, cultura de flores e de plantas ornamentais e outras culturas temporárias. Cultura de especiarias, plantas aromáticas, medicinais e farmacêuticas. Culturas de plantas destinadas à preparação de bebidas. Viticultura. Culturas de leguminosas secas e sementes oleaginosas. Culturas de frutos de casca rija. Cultura de pomóideas e prunóideas. Cultura de citrinos. Cultura de frutos tropicais e sub-tropicais.

2 - A 1ª R. é uma sociedade por quotas que se dedica a actividades de contabilidade, auditoria, e consultoria fiscal.

3 - O 2º R. é sócio e gerente da 1ª R. e exerce a profissão de técnico oficial de contas, profissão actualmente designada por contabilista certificado.

4 - No exercício da sua actividade, o 2.º A. contratou, em Maio de 2010, os serviços da 1ª R., com vista à elaboração da contabilidade da Autora.

5 - No âmbito dos serviços de contabilidade contratados, era obrigação da ora 1ª R., e assim, na pessoa do 2º R., a elaboração de toda a contabilidade da Autora, procedendo à elaboração de documentos contabilísticos, à entrega das declarações fiscais

6 - Desde o ano de 2010 até Dezembro de 2013, era a 1ª R., na pessoa do 2º R. quem organizava e coordenava a execução da contabilidade da Autora.

7 - Autora, em contrapartida, em regime de contrato comummente designado de contrato de avença, pagava aos RR. a execução dos serviços prestados.

8 - A Autora encontrava-se enquadrada no regime normal trimestral do IVA, desde 2010.06.01, pela actividade principal de construção de edifícios, CAE 41.200 e as secundárias: compra e venda de bens imobiliários –CAE 68.100, Cultura de outros frutos em árvores e arbustos –CAE 01.252 e Olivicultura - CAE 01.261.

9 –O Réu participou na constituição da sociedade, autora, acompanhando o 2º autor e sua mulher no acto de constituição da 1º autora, ocorrido a 31/05/2010 e acompanhando a inscrição da sociedade no serviço de finanças para início de actividade.

10 - Desde o início da sua actividade, a Autora não exerceu qualquer outra actividade, que não fosse a construção do edifício habitacional sito em Urb. Quinta ..., ..., imóvel pertencente à sociedade.

11 - Esse edifício era constituído por nove fracções, que se destinavam à venda ou ao arrendamento, uma vez que o prédio se encontrava edificado em zona próxima a várias instituições do ensino superior.

12 - A sociedade aqui Autora foi constituída especificamente para a construção do edifício habitacional supra referido.

13 - Factos estes que eram do pleno e integral conhecimento do 2º Réu.

14 - Para a construção do referido prédio a Autora, contraiu um empréstimo bancário junto da entidade ... no montante de € 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros).

15 - Nesse mesmo contrato de mútuo, o identificado AA ora 2.º A., e o cônjuge, prestaram o seu aval.

16 - No seguimento dos contactos, com empresas do ramo da construção civil, a empreitada da obra acabou por ser adjudicada à construtora - C..., Lda.

17 – A Autora informou a construtora C..., Lda. que as facturas deveriam ser emitidas com o “IVA a liquidar pelo adquirente”.

18 - A construtora C..., emitiu as seguintes facturas: a) Factura n.º...4, com data de 29/04/2011, no valor de € 70.000,00, b) Factura n.º...6, com data de 31/05/2011,no valor de € 70.000,00, c) Factura n.º...9, com data de 12/08/2011, no valor de € 80.000,00, d) Factura n.º...5, com data de 29/09/2012, no valor de €70.000,00, e) Factura n.º...5, com data de 27/12/2012, no valor de € 25.000,00, f) Factura n.º..., com data de 28/02/2013, valor de € 35.000,00, g) Factura n.º...1, com data de 03/05/2013, no valor de € 35.000,00, todas com a informação de “IVA devido pelo adquirente.

19 - Em conformidade não consta a taxa legal em vigor nem o montante de IVA que seria devido.

20 - A Autora procedeu à entrega das declarações trimestrais de IVA relativamente ao quarto trimestre de 2011, aos quatro trimestres de 2012 e ao primeiro trimestre de 2013.

21 - A Autora não procedeu ao pagamento de IVA em função dos serviços que lhe foram sendo prestados na construção.

22 - Assim, nas declarações trimestrais entregues pela A., submetidas pelos RR., não constava o IVA a liquidar, mas sim o IVA a reembolsar.

23 - Os RR. procederam ao pedido de reembolso de IVA referente ao ano de 2010 e de 2011 (1º ao 3º trimestre), num total de € 5.000,00 (cinco mil euros).

24 - Posteriormente, e em referência ao primeiro trimestre de 2013, os RR. procederam ao pedido de reembolso de IVA, num total de € 7.200,00

25 - Tendo a Autoridade Tributária procedido ao reembolso do valor de 5000 €, tendo o pagamento sido “. . . deferido automaticamente e pago ao sujeito passivo . . . “

26 - Em função dos pedidos de reembolso, foram desencadeadas duas Inspecções Tributárias que correrem sob as seguintes ordens de serviço:

a) ... que se iniciou em 13/09/2013 tendo por objecto o pedido de reembolso de IVA efectuado no segundo trimestre de 2011 (5.000,00)

b) ... ...53 que se iniciou em 06/06/2013, tendo por objecto o pedido de reembolso de IVA efectuado no primeiro trimestre de 2013(€7.200,00)Considerando a Autoridade Tributária que o IVA deduzido não poderia ser aceite e que a Autora deduzira IVA indevidamente.

27 –No decurso das inspecções considerou-se que o valor de IVA deduzido respeitava à construção do referido prédio habitacional pertencente à Autora.

28 - Em sede de inspecção, concluiu-se que a Autora deduzira, o IVA, nos seguintes valores: -Ano 2010:€ 1.633,76;-Ano 2011:€ 3.476,81 num total de € 5.110,57, o que ocasionou o pedido de reembolso de 5000,00 €

29 - Nos períodos 11-09T a 13-03T, a Autora deduziu, os seguintes valores de IVA: -11-12T= € 50.774,63; -12-03T= € 994,43;-12-06T= €176,74;-12-09T= €386,19;-12-12T= €22.258,46;-13-03T= € 13.018,30, num total de € 87.608,75 (oitenta e sete mil seiscentos e oito euros e setenta e cinco cêntimos), o que originou um crédito de imposto de 7246,92 € e o pedido de reembolso de 7.200,00 €

30 - Para correcção dos erros as Autoras procederam à entrega, em 20.06.2013, de declarações periódicas de substituição para os referidos períodos, com o fim de, do ponto de vista declarativo, a situação ser regularizada, sendo eliminados os valores de IVA dedutível.

31 - A Autora a fim de regularizar a situação descrita procedeu ao pagamento, em 25.02.2014, do montante de € 88.910,12 €, quantia devida a título de capital, juros, custas e despesas e encargos administrativos, que assim se discrimina: - € 52.790,50;- € 23.113,00;- € 8.819,07;- € 4.187,55;

32 - Foi instaurado à Autora, um processo de contra-ordenação, (n.º ...64) e no qual foi peticionado pela AT, o valor de € 26.534,65 (vinte e seis mil quinhentos e trinta e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos), a título de coimas, juros e custas.

33 – A Autora liquidou à AT o montante de € 1.087,35 (mil e oitenta e sete euros e trinta e cinco a título de outros encargos administrativos, no âmbito do processo fiscal n.º ...86, bem como o montante de 239,79 €, [valor corrigido pela Relação para 293,79€] no âmbito do processo ...99.

34 - De modo a liquidar o valor do IVA em dívida à AT, a Autora, no ano de 2014, procedeu à venda da fracção C, situada no rés-do-chão, frente direito (RC/FD), identificada pela letra “C”, destinada a habitação, com valor patrimonial de € 117.630,00, pelo preço de €120.000,00 (cento evinte mil euros), venda que foi efectuada a CC, filha do 2º autor e dos sócios da 1º autora.

35 - Na sequência do incumprimento da Autora para com o Banco ..., foram instauradas no ano de 2016 duas acções executivas contra a 1.º A. e o 2.º A e cônjuge, que correram sob os n.º s 1175/16.... e 1176/16...., na Secção de Execução da Comarca ... da Comarca .... 36 - A quantia exequenda peticionada pelo banco ... ascendeu a € 258.467,59, sendo que o montante de capital em dívida cifrava-seem€247.200,00, sendo os juros remuneratórios de € 1.403,09 e os juros de mora de € 9.864,50.

37 - No decurso dos autos de execução n.º 1175/16.... foram penhoradas cinco fracções do imóvel propriedade da Autora designadamente as fracções autónomas descritas sob os n.ºs: 5225-A; 5225-B; 5225-D; 5225-E e 5225-F

38 - Por sua vez, foram igualmente penhoradas pela Autoridade Tributária as fracções autónomas descritas sob os n.ºs 5225-B e 5225-E.

39 - Para pagamento do valor peticionado pela instituição bancária nos processos executivos e liquidação dos valores em dívida para com a Autoridade Tributária, e considerando o risco iminente de se proceder à venda judicial das fracções, a Autora foi obrigada a proceder à venda imediata de património, designadamente das seguintes cinco fracções, pelo seu valor patrimonial:

a) Fracção autónoma, descrita sob o n.º 5225-A na ... Conservatória do Registo Predial ..., e inscrita na matriz sob o n.º...25 da União de freguesias ... e Ribeira ..., com valor patrimonial de € 74.210,00.

b) Fracção autónoma, descrita sob o n.º...25-B na ... Conservatória do Registo Predial ..., e inscrita na matriz sob o n.º...25 da União de freguesias ... e Ribeira ..., com valor patrimonial de € 65.380,00.

c) Fracção autónoma, descrita sob o n.º...25-D na ... Conservatória do Registo Predial ..., e inscrita na matriz sob o n.º...25 da União de freguesias ... e Ribeira ..., com valor patrimonial de € 73.320,00.

d) Fracção autónoma, descrita sob o n.º...25-E na ... Conservatória do Registo Predial ..., e inscrita na matriz sob o n.º...25 da União de freguesias ... e Ribeira ..., com valor patrimonial de € 65.750,00.

e) Fracção autónoma, descrita sob o n.º...25-F na ... Conservatória do Registo Predial ..., e inscrita na matriz sob o n.º...25 da União de freguesias ... e Ribeira ..., com valor patrimonial de € 116.680,00.

40 - A venda das facções descritas sob os n.sº 5225- A; 5225-B; 5225-D; 5225-E; 5225-F, concretizou-se em 11.10.2016, através da mediadora imobiliária.

41 - Na avaliação feita pelo banco ..., a 27/10/2015, as referidas fracções foram avaliadas nos seguintes valores:

a) Fracção descrita sob o n.º 5225-A T1:€ 103.400,00; b) Fracção descrita sob o n.º 5225-B T1:€ 92.200,00;

c) Fracção descrita sob o n.º 5225-DT1:€103.100,00;d) Fracção descrita sob o n.º...25-E T1:€ 93.000,00; e) Fracção descrita sob o n.º 5225-F T2: € 178.900,00.

42 - O 2.º A. já exercera (alteração feita pela Relação, em substituição de “sempre exerceu”) actividade no ramo imobiliário, e com o devido tempo poderia vender os imóveis ao preço de mercado, pois mantinha contactos com vários agentes do mesmo ramo de actividade.

43 - Pelos serviços prestados e comissões cobradas pela mediadora imobiliária ..., a Autora teve de pagar a quantia de € 18.000,00

44 - Com as despesas e honorários devidos ao Agente de Execução no âmbito dos processos que lhe foram instaurados pelo banco ..., a Autora teve de liquidar a quantia de€ 7.088,53 (sete mil e oitenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos)

45- No âmbito dos processos executivos 1175/16.... e 1176/16...., o 2.ºA teve de contratar serviços de advocacia, sendo que a título de honorários nos referidos processos, pagou ao Mandatário constituído, o montante de 1544,00 €

46 - O 2º autor aquando da constituição da sociedade (ora 1º autora) não era gerente da mesma, mas apenas sócio, sendo que gerência pertencia de forma exclusiva a CC, filha do 2º autor.

47 - O 2º autor apenas passou a ser gerente da 1ª autora em 17/09/2013 sendo que, nessa mesma data, a referida filha do autor renunciou à gerência da 1ª autora

48 - Logo após a constituição da 1ª autora, esta adquiriu três veículos automóveis a crédito, sendo que, relativamente a dois, através da celebração de contratos de aluguer de longa duração, sendo o valor total da operação de €123.500,00

49 - Os contactos entre os réus e os autores foram sempre esporádicos, limitando-se o 2º autor a trazer documentos referentes a despesas efectuadas pela 1ª autora para que fossem lançados na contabilidade, o que acontecia uma ou no máximo duas vezes por trimestre.

50 - Os autores nunca entregaram aos réus o projecto, a licença de construção ou o contrato de empreitada da obra que estavam a construir.

51 - Relativamente ao empréstimo concedido à 1ª autora pelo ..., nunca os autores forneceram aos réus cópia do contrato de empréstimo, sendo que só com a presente acção é que os réus tiveram conhecimento do clausulado e demais condições constantes no contrato de crédito celebrado pela 1ª autora com o ....

52 - Os lançamentos relativos ao crédito concedido que foram plasmados na contabilidade foram efectuados com base em extratos bancários da 1º autora que lhe eram fornecidos pelo 2º autor.

53- A primeira factura emitida pela C... referente à construção do dito prédio só em Novembro de 2012 é que chegou ao conhecimento dos réus.

54 - O único contacto que os réus estabeleceram com a sociedade C..., Lda. ocorreu em Finais de Novembro de 2012.

55 –Nessa data, os autores entregaram aos réus a factura nº 29 de 12/08/2011 no valor de €80.000,00. 56 - O aparecimento tardio dita factura levou os réus a entrarem em contacto com a C..., Lda. para que esta lhe fornecesse o extrato de conta corrente entre esta e a 1ª autora, de forma a verificar se existiam outras facturas já emitidas por esta sociedade à 1ª autora.

57 - Tal extrato de conta veio-lhe a ser remetido, via correio electrónico, no dia 22- 11-2012, sendo que nessa data a C..., Lda. já havia emitido à 1ª autora quatro facturas, a saber:

- factura nº...4 de 29/04/2011 no valor de €70.000,00 - factura nº ...6 de 31/05/2011, no valor de €70.000,00 - factura nº29de 12/08/2011 no valor de €80.000,00 - factura nº ...5 de 29/09/2012, no valor de €70.000,00.

58 - Na sequência do extracto de conta enviado pela C..., os réus entraram imediatamente em contacto telefónico e depois através de correio electrónico, com o 2º réu para que este lhe fizesse chegar as facturas em falta relativas ao ano de 2011 que lhe haviam sido entregues por aquela sociedade.

59 - As declarações de IVA de segundo e terceiros trimestres de 2011 foram entregues pelos réus dentro do prazo, mas sem que fizessem qualquer menção ao valor das facturas nºs ...4, ...6 e ...9 emitidas pela C..., Lda., pois os autores nunca lhe tinham dado conhecimento delas.

60 - Em 15/12/2012, foi apresentada uma declaração de substituição de IVA, onde foram englobados a totalidade do valor das facturas emitidas pela C..., Lda. no ano de 2011 (220.000,00).

61 - Quando foi requerido o reembolso de IVA no valor de €5.000,00 os réus não tinham conhecimento das facturas que já haviam sido emitidas pela C..., Lda.

62 - Numa reunião realizada na Direcção de Finanças ..., em Junho de 2013, 2º autor assumiu perante os inspectores que o prédio se destinava a ser vendido.

63 - No ano de 2014, para além da venda da fracção C, pelo alegado preço de 120.000,00 à filha do 2º autor, venderam também as frações “G” pelo preço de 130.000,00 e“I” pelo preço de €150.000,00 ambas em 04/04/2014 e em 10/07/2014 venderam a fracção “H” pelo preço de €120.000,00

64 - A 1ª autora quando em 20/08/2016 contratou com a sociedade imobiliária para lhe promover a venda das fracções indicou que o preço pretendido pelas mesmas era de €526.000,00.

65 - O aqui 2.º A. sempre se dedicou à actividade comercial/empresarial e o seu percurso no ramo empresarial sempre foi marcado pelo sucesso, boa imagem e credibilidade e o imóvel construído pelo 2.º A tivesse o intuito de assegurar a sua segurança financeira e da sua família

66 - Fruto dos problemas descritos de 26 a 45 da matéria provada o 2.º A. iniciou um quadro depressivo que lhe dificulta a tomada qualquer decisão no âmbito profissional, sem a ajuda de aconselhamento e acompanhamento, não consegue dormir, sem a ajuda de fármacos e deixou de conduzir, por não se sentir capacitado para tal, perdeu a auto-estima e a alegria de viver.

67 - Desde a ocorrência dos factos descritos supra, o 2.º A, teve de recorrer a ajuda médica especializada na área da psiquiatria, tendo iniciado um tratamento com medicação anti-depressiva, sendo seguido em consultas de psicologia e psiquiatria.

68 - Até 30/03/2012 a responsabilidade civil pelos actos praticados pelo 2º réu BB no exercício da sua profissão de contabilista estavam transferidos para a Companhia de Seguros Lusitânia S.A. NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., pela apólice nº ...01.

69 - Nos termos do ponto destinado ao âmbito temporal, das condições particulares “A garantia da apólice está limitada aos erros, actos ou omissões geradoras de responsabilidade ocorridas após a data de início do contrato e antes do respectivo termo, reclamadas até ao período de 4 (quatro) anos subsequentes ao termo do contrato, desde que o facto gerador dos danos tenha ocorrido antes do referido termo.

70 - Nos termos do ponto destinado aos limites de responsabilidade das condições particulares o limite máximo de indemnização por sinistro e anuidade é de 50.000 € por aderente, sendo que, por cada sinistro abrangido pela apólice, fica a cargo do segurado, uma franquia correspondente a 10% do valor da indemnização, no mínimo, 49,88 €

71 - Entre 01/04/2012 e 30/03/2015 a responsabilidade civil pelos actos praticados pelo 2º réu BB no exercício da sua profissão de contabilista estavam transferidos para a AXA Portugal Companhia de Seguros S.A. actualmente denominada de Ageas Portugal –Companhia de Seguros S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ... – ..., pela apólice nº ...84

72 - Nos termos das condições particulares da apólice: - É tomador de seguro a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas e Segurados os Técnicos Oficiais de Contas, no exercício efectivo da profissão, inscritos na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas;

73 - Nos termos do art. 3º das condições gerais o contrato garante danos patrimoniais e não patrimoniais exclusivamente decorrentes de lesões patrimoniais e não patrimoniais exclusivamente decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, de harmonia com o estipulado nestas Condições Gerais, nas Condições Especiais e particulares, sem prejuízo das exclusões previstas nos artigos seguintes.

74 - Nos termos do artº 1 n.º 1 e 2 a) e b) da condições especial 26, o Segurador garante a responsabilidade civil do Segurado inerente ao exercício da actividade de contabilistas e técnicos oficiais de contas, especificada na proposta do contrato por actos ou omissões praticados pelo Segurado e seus funcionários, garantindo também a responsabilidade civil do segurado decorrente de falta profissional tendo a sua origem em erro, omissão, negligência ou inexactidão cometidos pelo Segurado ou por pessoas por quem seja civilmente responsável na execução de tarefas atinentes à actividade segura

75 - O art. 4º das condições particulares estabelece que para além do que se expressa nas Condições Gerais da Apólice e na Condição Especial 26, o âmbito de cobertura da mesma compreende:

a) As indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, em consequência de danos patrimoniais causados a clientes e/ou terceiros, desde que resultem de actos ou omissões cometidos no exercício da actividade de Técnico Oficial de Contas;

b) As indemnizações legalmente exigíveis as segurado decorrentes do pagamento de coimas, fianças, taxas administrativas e juros compensatórios ou de mora (de natureza não penal), aplicados aos seus clientes, em consequência de erro profissional do Segurado.

76 - Nos termos da cláusula 6.1 das condições particulares: “O presente contrato garante as reclamações formuladas ao Segurado, ou directamente ao Segurador, durante o período de vigência do contrato, ou se desconhecidos das partes durante a vigência do contrato nos ...2 (doze) meses subsequentes ao seu termo, relativamente a erros, actos ou omissões geradoras de responsabilidade ocorridos no período da apólice.

77 - Nos termos da cláusula 7 das condições particulares o limite de indemnização é de 50.000 € por Técnico Oficial de Contas aderente/sinistro e ano com o limite agregado anual de €1.000.000.

78 - Nos termos da cláusula 8 por cada sinistro abrangido pela apólice, fica a cargo do Segurado uma franquia correspondente a 10% do valor da indemnização no mínimo de €150 por sinistro.

79 - Nos termos do art.5º) das Condições Gerais do Contrato de Seguro “o presente contrato não garante a responsabilidade civil emergente de perdas indirectas de qualquer natureza, lucros cessantes e paralisação

80 - Nos termos do art. 2º n.º 1 d) da Condição Especial 26 ficam excluídos da garantia desta condição especial, os danos decorrentes de acções intentadas contra o Segurado referentes a despesas e honorários profissionais.

81 - Nos termos do art. 2º n.º 2 f) da Condição Especial 26 “Em derrogação integral das exclusões relativas previstas no art. 5º das Condições Gerais do Contrato, e salvo convenção expressa em contrário nas Condições Particulares fica excluída da garantia desta condição especial, a responsabilidade civil emergente de danos patrimoniais puros (Pure Financial Loss), ou reclamações baseadas em perdas financeiras puras, ou seja os danos que não resultem directamente da lesão material e/ou corporal sofrida

82 - O artº 5 das condições particulares prevê exclusões para além das exclusões referidas nas Condições Gerais e Condição Especial 26.

83 - O 2º Réu está inscrito na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.

84 - Por carta datada de 18 de Dezembro de 2013 a Autora comunicou à Ré Litoral Office“que se entende existir responsabilidade de V. Exas, no desenvolvimento de toda a actividade contabilística respeitante ao IVA, pondo em causa, nomeadamente, os arts. 51º e 54º dos Estatutos da O TOC e os artigos 3, 5, 11 e 15º do Código Deontológico do O TOC. Resta apenas solicitar a V. Exas a devida tomada de posição quanto à responsabilidade, que desde há algum tempo vos tem sido apresentada, de forma a serem implementadas todas as medidas e a actuação já ponderada e equacionada”.

85 –Foi enviada pelos réus carta ao ilustre mandatário dos Autores, a 15/07/2015, com o seguinte teor: “Assunto: V/carta datada de 25/06/2015. Exmo. Senhor Dr. Acusamos a recepção da carta em epígrafe sobre a qual nos oferece dizer o seguinte:

1 –Rejeitamos liminarmente as responsabilidades que a s/ cliente pretende imputar a esta empresa.

2 –Na verdade, todo o enquadramento fiscal, designadamente em sede de IVA sempre foi do total conhecimento da gerência da sociedade Pratikloft e foi efectuado de acordo com as informações e documentação que tínhamos em nosso poder e que foram fornecidas pela sua cliente.

3 –Desconhecemos qualquer coima que tenha sido aplicada à sua cliente, pois tal processo não é, nem nunca foi, do nosso conhecimento.

4 –Desconhecemos também se foi ou não exercida alguma defesa no processo de contra-ordenação.

5 – No entanto, independentemente da tramitação do processo de contra-ordenação a que somos totalmente alheios, reiteramos que o enquadramento fiscal em sede de IVA da sociedade sempre foi do perfeito e integral conhecimento da gerência da Pratikloft, sendo que foi a cliente de V. Exa que acordou com a AT a alteração que esta propôs/impôs.

6 – Em face do exposto esta sociedade não é de forma alguma responsável pelos prejuízos alegadamente sofridos pela cliente de V. Exa., reiterando o que já foi dito nos pontos 7, 8 e 9 da carta que lhe remetemos em 08/1/2014”.

- Factos Não Provados:

A) Fizesse parte do âmbito dos serviços expressamente contratados entre Autores e Réus proceder ao aconselhamento fiscal adequado.

B) Fosse o Réu que procedesse à inscrição da sociedade nas Finanças.

C) Os factos descritos em 14 e 15 fossem do inteiro conhecimento dos RR

D) Aquando da emissão das primeiras facturas pela construtora, a 1ª R., na pessoa do 2.º R., desse instruções ao gerente da Autora para que informasse aquela sociedade – empreiteira - de que as facturas deveriam ser emitidas com o “IVA a ser liquidado pelo adquirente”.

E) O facto descrito em 17 fosse feito pela Autora seguindo as instruções dadas pelos RR..

F) O ora A., AA, não tenha quaisquer conhecimentos contabilísticos ou fiscais, desconhecendo em absoluto as regras que devem ser observadas na emissão das facturas quando tal emissão obedece a regras especiais.

G) O fato descrito em 21 ocorresse, considerando o enquadramento em sede de IVA, entendido como tecnicamente aplicável pelos RR e por indicação do 2º Réu.

H) Em Abril de 2011, aquando da emissão da primeira factura, o 2.º A questionasse os RR. sobre o enquadramento da Autora em regime de IVA, tendo sido informado que as facturas da construtora deveriam ter a indicação “IVA liquidado pelo adquirente”.

I) Aquando do recebimento da primeira factura, o 2.º A ainda chegasse –novamente - a questionar os RR. acerca do motivo pelo qual o IVA não constava das facturas.

J) Os RR. explicassem ao 2.º A. que o IVA não era devido e que iriam proceder ao pedido de reembolso, explicações que os AA. aceitaram porque dadas pelo técnico oficial de contas.

K) Os montantes de 293,79 pago também a 25.02.2014 e o montante de 1087,35 € se refiram à dívida de IVA descrita em 31.

L) Fosse decorrente da falta de entrega atempada do IVA que fosse instaurado à Autora, um processo de contra-ordenação, (n.º ...64) e no qual foi peticionado pela AT, o valor de € 26.534,65 (vinte e seis mil quinhentos e trinta e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos), a título de coimas, juros e custas.

M) A coima referida em 32 fosse paga.

N) A Autora tivesse de contratar os serviços de advogado, para acompanhar os processos fiscais, sendo que a título de honorários para o acompanhamento dos processos, despendesse o montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).

O) No âmbito dos processos referidos em 45 o 2.ºA pagasse ao Mandatário constituído, o montante de € 666,00 66, € 123000,00(cento e vinte e três euros)e € 1.480,00, no total de € 2.269,00 (dois mil duzentos e sessenta e nove euros).

P) De forma a assegurar o cumprimento das obrigações fiscais, a Autora fosse obrigada a contratar os serviços de um revisor oficial de contas, tendo despendido a título de despesas pela prestação destes serviços, o montante de € 1.000,00 (mil euros).

Q) A Autora, tivesse que suportar todas as despesas relativas a transporte e deslocações do 2.º A à repartição de finanças de ..., ..., advogados, técnicos, etc, despesas que ascendem a € 500,00 (quinhentos euros).

R) Fossem os factos descritos de 26) a 34) que contribuíssem para um agravamento notório da postura comercial do banco ..., entidade financiadora da construção e fosse por causa desses factos que a Autora ficasse sem margem para negociações ou reestruturação da dívida perante o banco.

S) O Banco ..., perante a diminuição das suas garantias, a partir do ano de 2014 começasse a exigir à Autora o pagamento de capital e não só de juros como tinha sucedido até aquela data.

T) Por causa dessa diminuição de garantias, a taxa de juros do mútuo aumentasse e o valor do expurgo dos imóveis aumentasse e passasse a ser definido caso a caso, ao contrário do que até aí acontecia.

U)A fracção identificada pela letra “C”, seja de tipologia T4, com garagem na cave, identificada pelas letras CC,

V) Conforme avaliação realizada pelo banco ..., em 27.10.2015, as fracções do referido prédio de características T4 tivessem como valor de venda actual cerca de € 178.900,00 e como valor de venda imediata € 150.212,04, sendo que esse fosse o valor da fracção C).

X) Fosse mercê dos erros do Réu que a Autora entrasse em ruptura financeira e jamais conseguisse negociar o crédito e/ou os prazos e/ou obter quaisquer outros financiamentos junto do Banco ....

Z) - As despesas que a 1ª autora apresentava fossem relativas a despesa correntes, como telecomunicações, energia e activos da empresa.

AA) O 2º autor, após a constituição da 1ª autora não informasse os réus de qual seria, em concreto a actividade da sociedade, limitando-se a dizer que a sociedade iria desenvolver projectos de investimento na área agrícola.

BB) A primeira vez que os réus tiveram conhecimento de que a 1ª autora estava a construir um edifício fosse no final do ano de 2012, na altura referida em 53.

CC) O 2º réu apenas tivesse conhecimento de que o prédio se destinava a ser vendido na reunião referida em 62 e, mais tarde, quando o 2º autor, sem dar conhecimento aos réus, procedeu à participação do prédio com nove fracções à administração fiscal.

DD) Os réus, em Dezembro de 2012, depois de estarem na posse das facturas emitidas pela C... e de forma a efectuar o seu correcto enquadramento fiscal, pedissem esclarecimentos ao 2º autor sobre o destino a dar à construção.

EE) Tendo o 2º autor informado os réus de que o prédio era um imóvel de investimento e que pretendia no futuro nele exercer uma actividade de alojamento local ou outra similar.

FF) Sempre que os réus solicitaram informação sobre as despesas que a sociedade ia efectuando o 2º autor os informasse de que eram despesas correntes da sociedade.

GG)Os reembolsos de IVA no valor de €5.000,00 e de 7200,00 € fossem relativos a outros activos fixos e a bens e serviços.

HH) O autor pressionasse, por diversas vezes, os réus para requerem a devolução do IVA.

II) A conduta dos RR. abalasse o prestígio e a boa imagem comercial das Autoras, principalmente, perante a Autoridade Tributária e a banca, o que se traduzisse no afastamento de potenciais clientes e consequente frustração de negócios, afectando irremediavelmente os negócios futuros.

JJ) Fosse por causa da conduta dos Réus que a autora visse vedado o recurso ao crédito e que as fracções identificadas em 34 e 39 tivessem de ser vendidas a preços muito abaixo de qualquer margem de lucro”.


*


No acórdão da Relação foi alterada a matéria de facto, nos seguintes termos:

Face ao exposto mantém-se inalterada a matéria de facto constante da sentença recorrida (Factos Provados e Não Provados), com excepção da rectificação do erro de escrita constante do ponto 33 e da alteração da expressão “sempre exerceu“ no ponto 42, mas sem influência na decisão”.


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Conhecendo:

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações – artigo 635º do Código de Processo Civil – as questões a decidir respeitam, conforme acórdão da Formação:

-A alegada responsabilidade civil contratual e/ou extracontratual no âmbito do exercício da atividade profissional contabilística de Técnicos Oficiais de Contas, regulada, além do mais, pelo Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas e pelo Código Deontológico dos Contabilistas certificados, constantes, respetivamente, dos Anexos I e II ao Decreto-Lei n.° 310/2009, de 26-10, que alterou o Decreto-Lei n.° 452/99, de 5-11.

- Saber se e em que medida é que o cometimento de erros contabilísticos e a falta de aconselhamento fiscal adequado imputados ao R., na qualidade de técnico oficial de contas certificado, na elaboração da contabilidade e na entrega das declarações fiscais de uma sociedade dedicada à construção civil (a 2.ª A.), com violação de normas tributárias, em sede de IVA, ou de regras e princípios deontológicos, importa responsabilidade civil contratual ou extracontratual pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados aos destinatários dessa prestação de serviço.

Diz o acórdão recorrido: “Existiu um erro contabilístico, dado que o réu tendo conhecimento do fim a que se destinavam as fracções, procedeu a um enquadramento fiscal errado das facturas recebidas da C....

Da análise da matéria provada, e tal como se afirmou na decisão recorrida, verifica-se ainda um outro erro.

Resultou provado que desde o início a Autora não exerceu qualquer outra actividade, que não fosse a construção do edifício habitacional sito em Urb. Quinta ..., ..., constituído por nove fracções, que se destinavam, à venda ou ao arrendamento, actividades que não conferem direito à dedução de IVA.

(…)

Face à actividade concretamente exercida, as declarações prestadas no que se refere ao seu objecto, não correspondem à verdade.

E, não obstante não tenha ficado provado que fosse da iniciativa do Réu a decisão sobre o enquadramento fiscal da sociedade, ficou provado que o Réu, apesar da variedade do objecto social, conhecia a actividade concreta desenvolvida pelas Autoras, e sabia que o prédio se destinava à venda ou ao arrendamento.

Assim, ao não aplicar as regras tributárias aplicáveis às facturas recebidas, infringiu as suas competências e ainda os princípios deontológicos gerais enunciados no artº3º, do diploma supra citado.

Tal como refere a sentença recorrida e foi pormenorizadamente explicado os Réus violaram diversas normas quer de natureza deontológica quer de natureza fiscal.

Todavia nos presentes autos está em causa a responsabilidade dos réus perante os autores.

Segundo os autores/ recorrentes o réu violou os princípios deontológicos a que estava obrigado, designadamente os princípios já enunciados, que estariam implicitamente contidos nas obrigações contratuais de actuação em relação aos autores.

Todavia, entendemos, tal como a sentença recorrida, que para que, existisse tal incumprimento teriam os autores que provar que foi dos Réus a iniciativa de enquadrar a actividade da Autora, junto das Finanças da forma como foi, ou seja, no regime normal do IVA, com direito a dedução, e que foi da iniciativa dos Réus a instrução dada à C... quanto à forma de preencher as facturas ou seja que foi da iniciativa dos Réus a prática de tais erros iniciais e que originaram os erros posteriores.

Tal prova não foi feita pelos autores.

E assim, e não obstante, os procedimentos fiscais posteriores efetuados pelos Réus que configuram violação de deveres deontológicos não ficou provado o incumprimento do contrato que gera o direito a indemnização”.

O DL n.º 310/2009, de 26 de Outubro, que altera a denominação de Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas para Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, e alterando o art. 6º com a epígrafe “Funções”, passou a constar do mesmo, no seu nº 1:

“1 - São atribuídas aos técnicos oficiais de contas as seguintes funções:

a) Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades que possuam, ou que devam possuir, contabilidade regularmente organizada segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis ou o sistema de normalização contabilística, conforme o caso, respeitando as normas legais, os princípios contabilísticos vigentes e as orientações das entidades com competências em matéria de normalização contabilística;

b) Assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas na alínea anterior;

c) Assinar, conjuntamente com o representante legal das entidades referidas na alínea a), as respectivas demonstrações financeiras e declarações fiscais, fazendo prova da sua qualidade, nos termos e condições definidos pela Ordem, sem prejuízo da competência e das responsabilidades cometidas pela lei comercial e fiscal aos respectivos órgãos;

d) Com base nos elementos disponibilizados pelos contribuintes por cuja contabilidade sejam responsáveis, assumir a responsabilidade pela supervisão dos actos declarativos para a segurança social e para efeitos fiscais relacionados com o processamento de salários”.

E no Anexo II - Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas, dispõe o art. 3º, com a epígrafe “Princípios deontológicos gerais” que, “1 - No exercício das suas funções, os técnicos oficiais de contas devem orientar a sua actuação pelos princípios da integridade, idoneidade, independência, responsabilidade, competência, confidencialidade, equidade e lealdade profissional.

a) O princípio da integridade implica que o exercício da profissão se paute por padrões de honestidade e de boa-fé;

b) O princípio da idoneidade implica que o técnico oficial de contas aceite apenas os trabalhos que se sinta apto a desempenhar;

c) O princípio da independência implica que os técnicos oficiais de contas se mantenham equidistantes de qualquer pressão resultante dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, por forma a não comprometer a sua independência técnica;

d) O princípio da responsabilidade implica que os técnicos oficiais de contas assumam a responsabilidade pelos actos praticados no exercício das suas funções;

e) O princípio da competência implica que os técnicos oficiais de contas exerçam as suas funções de forma diligente e responsável, utilizando os conhecimentos e as técnicas divulgados, respeitando a lei, os princípios contabilísticos e os critérios éticos;

f) O princípio da confidencialidade implica que os técnicos oficiais de contas e seus colaboradores guardem sigilo profissional sobre os factos e os documentos de que tomem conhecimento, directa ou indirectamente, no exercício das suas funções;

g) O princípio da equidade implica que os técnicos oficiais de contas garantam igualdade de tratamento e de atenção a todas as entidades a quem prestam serviços, salvo o disposto em normas contratuais acordadas;

h) O princípio da lealdade implica que os técnicos oficiais de contas, nas suas relações recíprocas, procedam com correcção e civilidade, abstendo-se de qualquer ataque pessoal ou alusão depreciativa, pautando a sua conduta pelo respeito das regras da concorrência leal e pelas normas legais vigentes, por forma a dignificar a profissão”.

E dispõe o art. 5º do, com a epígrafe “Responsabilidade”.

“1 - O técnico oficial de contas é responsável por todos os actos que pratique no exercício das suas funções, incluindo os dos seus colaboradores.

2 - O recurso à colaboração de empregados ou de terceiros, mesmo no âmbito de sociedades profissionais de técnicos oficiais de contas ou de sociedades de contabilidade, não afasta a responsabilidade individual do técnico oficial de contas”.

De entre as funções dos TOC salientamos, a organização, planificação, coordenação e execução da contabilidade das entidades que a tenham, ou devam ter, organizada, assumindo a responsabilidade por a mesma se apresentar regular, sobretudo com cumprimento das normas contabilísticas e fiscais.

Também deve ser destacado o dever dos contabilistas certificados assumirem a responsabilidade pela supervisão das declarações para a segurança social, e para efeitos fiscais, conectadas com o processamento de salários.

Sem esquecer que DL n.º 452/99, de 05 de Novembro, que aprovou o estatuto supra referido refere no seu art. 3º, nº 1, que “As entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada, segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis, são obrigadas a dispor de técnico oficial de contas”.

Sendo que os TOC ou Contabilistas Certificados têm a responsabilidade de verificar, controlar e cumprir as regras contabilísticas e respetiva consonância com as fiscais.

Refere o Ac. deste STJ e desta Secção, de 14-02-2017, proferido no Proc. nº 2177/13...., que, “As expressões planificar, organizar e coordenar, devem ser lidas como estabelecer um plano (um “iter” ou caminho) programar e, finalmente, dirigir uma estratégia conjunta para melhor alcançar uma finalidade”.

E refere o Ac. da Relação ... de 13-10-2016, no Proc. 2177-13.... que, “Com o desenvolvimento das técnicas de gestão, a contabilidade já não é apenas entendida como um elemento de simples recolha e interpretação dos dados históricos de uma empresa privada, ou mesmo de um departamento da administração pública, é além disso uma técnica eficiente de gestão.

-Portanto, “executar a contabilidade”, não é apenas tudo o que tem a ver com organização e arquivo de documentos contabilísticos e fiscais, classificação de documentos e seu lançamento nos respectivos livros contabilísticos e no sistema informático e apuramento de impostos a pagar, mas também, sem dúvida, projectar e estabelecer medidas que não só assegurem que as entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento cumpram as suas obrigações em matéria de execução da contabilidade e nas suas relações com a Administração Fiscal, como sejam simultaneamente convergentes com a melhor satisfação dos interesses dessas entidades”.

E refere o Ac. deste STJ e desta Secção, de 21-06-2011, no Proc. nº 1065/06.... que, “III - Uma das principais funções do TOC é assegurar o cumprimento das boas regras contabilísticas e o cumprimento das regras fiscais, assumindo a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada.

IV - Quando um TOC informa a entidade para que presta serviço acerca de qual o regime tributário que deve ser seguido – simplificado de tributação ou regime normal assente na contabilidade organizada –, está a exercer uma actividade que se enquadra na planificação da execução da contabilidade para a qual tem competência funcional.

VI - Quando os clientes, as entidades sujeitas aos impostos, contratam um TOC esperam dele competência e diligência no exercício das respectivas funções, que passam pelo pagamento ao Estado dos impostos sobre o rendimento que têm de pagar, por uma aplicação judiciosa e consciente das normas fiscais e contabilísticas, e por deles exigirem um especial dever de informação sobre a forma como as suas obrigações fiscais devem ser cumpridas”.

No caso está provado que:

A autora é uma sociedade comercial, com atividade principal na área da construção civil.

O 2.º A. contratou, em Maio de 2010, os serviços da 1ª R., com vista à elaboração da contabilidade da Autora, e até Dezembro de 2013 a 1ª R., na pessoa do 2º R. organizou e coordenou a execução da contabilidade da Autora.

A autora, em regime de contrato de avença, pagava aos RR. a execução dos serviços prestados.

A 1ª R. é uma sociedade que se dedica a atividades de contabilidade, auditoria, e consultoria fiscal e o 2º R. é sócio e gerente da 1ª R. e exerce a profissão de técnico oficial de contas, profissão atualmente designada por contabilista certificado.

A autora encontrava-se enquadrada no regime normal trimestral do IVA, desde 2010.06.01, pela atividade principal de construção de edifícios, CAE 41.200 e as secundárias: compra e venda de bens imobiliários –CAE 68.100, Cultura de outros frutos em árvores e arbustos –CAE 01.252 e Olivicultura - CAE 01.261.

O réu participou na constituição da sociedade autora, acompanhou o 2º autor e sua mulher no ato de constituição da 1º autora, ocorrido a 31/05/2010 e acompanhou a inscrição da sociedade no serviço de finanças para início de atividade.

A autora não exerceu qualquer outra atividade, que não fosse a construção do edifício habitacional sito em Urb. Quinta ..., ..., imóvel pertencente à sociedade.

Sendo a sociedade aqui autora constituída especificamente para a construção deste imóvel, constituído por nove frações, que se destinavam à venda ou ao arrendamento, uma vez que o prédio se encontrava edificado em zona próxima a várias instituições do ensino superior.

O que era do pleno e integral conhecimento do 2º Réu.

A empreitada da obra foi adjudicada à construtora - C..., Lda., tendo esta sido informada pela autora que as faturas deveriam ser emitidas com o “IVA a liquidar pelo adquirente”.

A construtora emitiu as faturas discriminadas no ponto 18 dos factos provados, e das mesmas consta a informação de “IVA devido pelo adquirente”.

Assim, nas declarações trimestrais entregues pela A., submetidas pelos RR., não constava o IVA a liquidar, mas sim o IVA a reembolsar.

Os RR. procederam ao pedido de reembolso de IVA referente ao ano de 2010 e de 2011 (1º ao 3º trimestre), num total de € 5.000,00.

Posteriormente, e em referência ao primeiro trimestre de 2013, os RR. procederam ao pedido de reembolso de IVA, num total de € 7.200,00.

A Autoridade Tributária procedeu ao reembolso do valor de 5000 €, tendo o pagamento sido “. . . deferido automaticamente e pago ao sujeito passivo . . . “.

Em função dos pedidos de reembolso, foram desencadeadas duas Inspeções Tributárias que correrem sob as seguintes ordens de serviço:

a) ... que se iniciou em 13/09/2013 tendo por objeto o pedido de reembolso de IVA efetuado no segundo trimestre de 2011 (5.000,00)

b) ... ...53 que se iniciou em 06/06/2013, tendo por objeto o pedido de reembolso de IVA efetuado no primeiro trimestre de 2013 (€7.200,00) considerando a Autoridade Tributária que o IVA deduzido não poderia ser aceite e que a autora deduzira IVA indevidamente.

No decurso das inspeções considerou-se que o valor de IVA deduzido respeitava à construção do referido prédio habitacional pertencente à autora.

Em sede de inspeção, concluiu-se que a autora deduzira, o IVA, nos seguintes valores: -Ano 2010:€ 1.633,76;-Ano 2011:€ 3.476,81 num total de € 5.110,57, o que ocasionou o pedido de reembolso de 5000,00 €

Nos períodos 11-09T a 13-03T, a Autora deduziu, os seguintes valores de IVA: -11-12T= € 50.774,63; -12-03T= € 994,43;-12-06T= €176,74;-12-09T= €386,19;-12-12T= €22.258,46;-13-03T= € 13.018,30, num total de € 87.608,75, o que originou um crédito de imposto de 7246,92 € e o pedido de reembolso de 7.200,00 €

Para correção dos erros as autoras procederam à entrega, em 20.06.2013, de declarações periódicas de substituição para os referidos períodos, com o fim de, do ponto de vista declarativo, a situação ser regularizada, sendo eliminados os valores de IVA dedutível.

A Autora a fim de regularizar a situação descrita procedeu ao pagamento, em 25.02.2014, do montante de € 88.910,12 €, quantia devida a título de capital, juros, custase despesas e encargos administrativos, que assim se discrimina: - € 52.790,50;- € 23.113,00;- € 8.819,07;- € 4.187,55;

Foi instaurado à Autora, um processo de contra-ordenação, (n.º ...64) e no qual foi peticionado pela AT, o valor de € 26.534,65, a título de coimas, juros e custas.

A autora liquidou à AT o montante de € 1.087,35 (mil e oitenta e sete euros e trinta e cinco a título de outros encargos administrativos, no âmbito do processo fiscal n.º ...86, bem como o montante de 239,79 €, no âmbito do processo ...99.

De modo a liquidar o valor do IVA em dívida à AT, a autora, no ano de 2014, procedeu à venda da fração ..., situada no  ..., frente direito ( .../FD), identificada pela letra ..., destinada a habitação, com valor patrimonial de € 117.630,00, pelo preço de €120.000,00.

Na sequência do incumprimento da autora para com o Banco ..., foram instauradas no ano de 2016 duas ações executivas contra a 1.ª A. e o 2.º A e cônjuge.

A quantia exequenda peticionada pelo banco ... ascendeu a € 258.467,59.

No decurso dos autos de execução n.º 1175/16.... foram penhoradas cinco frações do imóvel, propriedade da Autora.

E foram penhoradas pela Autoridade Tributária as frações autónomas descritas sob os n.ºs 5225-B e 5225-E.

Os contactos entre os réus e os autores foram sempre esporádicos, limitando-se o 2º autor a trazer documentos referentes a despesas efetuadas pela 1ª autora para que fossem lançados na contabilidade, o que acontecia uma ou no máximo duas vezes por trimestre.

Os autores nunca entregaram aos réus o projeto, a licença de construção ou o contrato de empreitada da obra que estavam a construir.

Relativamente ao empréstimo concedido à 1ª autora pelo ..., nunca os autores forneceram aos réus cópia do contrato de empréstimo.

Os lançamentos relativos ao crédito concedido que foram plasmados na contabilidade foram efetuados com base em extratos bancários da 1º autora que lhe eram fornecidos pelo 2º autor.

A primeira fatura emitida pela construtora só em Novembro de 2012 é que chegou ao conhecimento dos réus.

O único contacto que os réus estabeleceram com a sociedade construtora ocorreu em finais de Novembro de 2012, mas em diligências feitas pelos réus verificou-se que nesta data a construtora já havia emitido à 1ª autora quatro faturas.

As declarações de IVA de segundo e terceiros trimestres de 2011 foram entregues pelos réus dentro do prazo, mas sem que fizessem qualquer menção ao valor das facturas nºs ...4, ...6 e ...9 emitidas pela construtora C..., Lda., pois os autores nunca lhe tinham dado conhecimento delas.

Quando foi requerido o reembolso de IVA no valor de €5.000,00 os réus não tinham conhecimento das faturas que já haviam sido emitidas pela construtora C..., Lda.

Numa reunião realizada na Direção de Finanças ..., em Junho de 2013, 2º autor assumiu perante os inspetores que o prédio se destinava a ser vendido.

Estes os factos mais relevantes para apurar da questão em análise.

Donde resulta que:

O réu participou na constituição da sociedade autora, acompanhando o 2º autor e sua mulher no ato de constituição ocorrido a 31/05/2010, e acompanhou a inscrição da sociedade no serviço de finanças para início de atividade.

E não tendo a autora exercido qualquer outra atividade, que não fosse a construção do edifício habitacional sito em Urb. Quinta ..., ..., imóvel pertencente à sociedade.

E tendo sido a sociedade autora constituída especificamente para a construção deste imóvel, constituído por nove frações, que se destinavam à venda ou ao arrendamento.

O que era do pleno e integral conhecimento do 2º Réu.

Era obrigação estatutária deste réu, na qualidade de contabilista certificado, cumprir os deveres funcionais que ao contabilista certificado se impõem, organizar, planificar, coordenar e executar a contabilidade da autora, com autonomia (técnica), idoneidade, integridade e assumindo a responsabilidade por a contabilidade não se apresentar de forma regular e com cumprimento defeituoso das normas contabilísticas e fiscais.

Isto apesar de os contactos entre os réus e os autores terem sido sempre esporádicos, limitando-se o 2º autor a trazer documentos referentes a despesas efetuadas pela 1ª autora para que fossem lançados na contabilidade, o que acontecia uma ou no máximo duas vezes por trimestre.

E o pedido de reembolso de IVA não pode ser requerido por um contabilista certificado sem ter conhecimento das faturas que já haviam sido emitidas pela construtora.

  E conhecendo o réu a sociedade autora desde a sua constituição e conhecendo a sua atividade única deveria um diligente contabilista certificado informar a sua cliente que as faturas emitidas pela construtora não deveriam ser emitidas com a menção “IVA a liquidar pelo adquirente”, assim como não podia pedir o reembolso do IVA e o réu pediu, em nome da autora.

A não observância dos deveres deontológicos do Contabilista Certificado, para além das consequências que possa acarretar a nível disciplinar para com a Ordem dos Contabilistas Certificados, não o isenta da responsabilidade civil que dessa inobservância possa resultar para o cliente.

Cumprindo o reu os seus deveres funcionais, acima expressos, os autores não enquadrariam a atividade da Autora junto das Finanças da forma como foi, ou seja, não enquadrariam a atividade no regime normal do IVA com direito a dedução, nem deixariam que os autores dessem instruções à construtora quanto à forma de preencher as faturas com a menção “IVA a liquidar pelo adquirente” e, mesmo a haver um erro inicial dos autores logo deveria ser detetado pelo contabilista certificado e corrigido, e não juntar ao erro inicial a prática de erros posteriores.

O erro inicial deveria ser corrigido e não ser causa de erros posteriores.

Um contabilista certificado não pode dissociar-se da sua autonomia técnica e deixar de orientar a sua atuação pelos princípios da integridade, idoneidade, independência, responsabilidade, competência, que no exercício da profissão deve respeitar.

Os autores provaram a atuação negligente do réu e que foi causa de danos sofridos por aqueles.

Para que dessa atuação negligente não resultasse responsabilidade civil para o réu contabilista certificado deveria, este, provar que agiu de forma integra, idónea e responsável e que foram os autores que não quiseram acatar as orientações de planificação, organização e coordenação que na execução da contabilidade lhes indicava.

Refere João Antunes (consultor da ordem dos técnicos oficiais de contas) em artigo publicado em https://www.occ.pt/fotos/editor2/ve_5dez.pdf (Vida Económica), com o título “A responsabilidade do profissional da contabilidade” como deveres dos contabilistas certificados: “Um dos deveres primeiros da profissão é assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal. Do ponto de vista fiscal, o profissional da contabilidade tem o de dever de apresentar as contas mais favoráveis ao cliente, aproveitando todos os benefícios fiscais ao dispor do cliente.

Nesta matéria, delicada, entram também as funções de consultoria ao sujeito passivo, não como uma opção, mas antes como uma obrigação que se encontra prevista nos Estatutos da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.

Outro dos deveres importantes da profissão é o dever de informação ao sujeito passivo/clientes de todas as alterações relevantes ocorridas, quer a nível contabilístico, quer a nível tributário”.

Onde salienta o interesse dos empresários numa contabilidade organizada e regularizada perante o fisco com “otimização” do imposto a pagar e com aproveitamento de todos os benefícios fiscais.

Tendo o réu contabilista acompanhado a inscrição da sociedade autora no serviço de finanças para início de atividade, desde esse momento deveria aconselhar o modo de, cumprindo as obrigações fiscais, a autora obtivesse contas mais favoráveis.

Sendo que a autora sempre exerceu a mesma atividade, a construção do edifício habitacional constituído por nove frações, que se destinavam à venda ou ao arrendamento, e que a sociedade autora foi constituída especificamente para a construção deste edifício habitacional, o que era do pleno e integral conhecimento do 2º Réu, contabilista certificado.

Entendemos como no Ac. deste STJ de 21-06-2011, no Proc. nº 1065/06.... que a informação para opção do regime tributário se insere na sua atividade de consultoria e, “os TOC nas relações com as entidades a que prestem serviços têm o dever de desempenhar conscienciosa e diligentemente as suas funções”, acrescentando, “quando os clientes, as entidades sujeitas aos impostos, contratam um TOC esperam dele competência e diligência no exercício das respetivas funções”.

E o disposto no art. 798º do Cód. Civil aplica-se aos contabilistas certificados quando faltem culposamente ao cumprimento da sua obrigação, tornando-se responsáveis pelos prejuízos causados à pessoa (singular ou coletiva) a quem se vincularam contratualmente a prestarem serviços de contabilidade.

Escrevem P. de Lima e A. Varela em anotação ao art. 798º do seu Código Civil anotado, vol. II, 2ª ed., revista e atualizada e citando Vaz Serra, que “a culpa pode ser definida como um comportamento reprovado por lei. A lei reprova o comportamento contrário ao cumprimento da obrigação, quando ele é devido à falta de diligência ou a dolo do devedor. Quer dizer, não se atende apenas ao comportamento externo do devedor, mas também à sua conduta interna. Saber quando procedeu o devedor diligentemente, é saber quando tomou o devedor as medidas que devia tomar”.

Assim que se verificam os pressupostos da responsabilidade civil contratual, pois que, se verifica erro ou omissão do réu que é parte no contrato de prestação de serviços de contabilidade, e consequente incumprimento do mesmo. A inobservância da obrigação que impendia sobre o contabilista certificado de tratar com zelo competência e diligência a contabilidade que lhe foi confiada, obrigação emergente do contrato de celebrado, importa responsabilidade contratual.

Referindo o acórdão recorrido que “existiu um erro contabilístico, dado que o réu tendo conhecimento do fim a que se destinavam as fracções, procedeu a um enquadramento fiscal errado das facturas recebidas” e que, “ao não aplicar as regras tributárias aplicáveis às facturas recebidas, infringiu as suas competências e ainda os princípios deontológicos gerais” e que, “os Réus violaram diversas normas quer de natureza deontológica quer de natureza fiscal”, não poderia concluir, como concluiu que não houve incumprimento porque “para que, existisse tal incumprimento teriam os autores que provar que foi dos Réus a iniciativa de enquadrar a actividade da Autora, junto das Finanças da forma como foi, ou seja, no regime normal do IVA, com direito a dedução, e que foi da iniciativa dos Réus a instrução dada à C... quanto à forma de preencher as facturas ou seja que foi da iniciativa dos Réus a prática de tais erros iniciais e que originaram os erros posteriores”.

É que, conforme já dito, o Contabilista Certificado na relação com a entidade a que presta serviços tem o dever de desempenhar conscienciosa e diligentemente as suas funções, pois que o cliente ao contrata-lo espera dele competência e diligência no exercício das respetivas funções.

Também se verifica o nexo de causalidade entre os factos praticados pelo réu contabilista e danos sofridos pelos autores, danos resultantes do incumprimento (atuação negligente no cumprimento), havendo que apurar em concreto o nexo de causalidade em relação a cada dano peticionado (de danos emergentes; a título de lucros cessantes e indemnização pelos danos não patrimoniais/morais), tendo em conta os factos apurados.

Para o que são competentes as Instâncias como se analisará de seguida.


*


Verificada a responsabilidade civil dos réus, transferida por contrato de seguro para as seguradoras chamadas, há que apurar do montante dos danos causados pela conduta dos réus.

Dispõe o art. 679º, do CPC que “são aplicáveis ao recurso de revista as disposições relativas ao julgamento da apelação, com exceção do que se estabelece nos arts. 662º e 665º e do disposto nos arts. seguintes”.

Importa essencialmente o disposto no nº 2, art. 665º, do CPC, no que respeita ao não conhecimento de questões consideradas prejudicadas pela solução dada ao litígio pela Relação.

O anterior CPC não excecionava o nº 2 da norma correspondente ao atual nº 2 do art. 665º, ou seja, o art. 726º do anterior CPC apenas excecionava (no que ora importa) da aplicação à revista a disposição relativa à apelação prevista no nº 1 do art. 715º.

Mas mesmo no domínio do anterior CPC aprovado pelo Dl. nº 44129, de 28-12-1961, havia acórdãos do STJ que decidiam no sentido que este Tribunal não tinha poderes de substituição quando a Relação no recurso de apelação não tinha conhecido de questões consideradas prejudicadas pela solução dada pelo acórdão.

Tendo conhecimento dessa divergência o legislador do CPC atual (2013) excecionou a disposição do nº 2 do art. 665º, ao referi-la expressamente no 679º, ambos do CPC.

Assim que não seguimos a posição expressa por Teixeira de Sousa no seu Blog.

No Blog do IPPC, Instituto Português de Processo Civil, comentando o Ac. do STJ de 11-07-2013, no Proc. nº 95/08.9TBAMM.P1.S1 que decidiu que “O regime prescrito no art. 731.º, n.º 2, do CPC para o suprimento da nulidade por omissão de pronúncia deve também aplicar-se no caso de o Tribunal da Relação não ter apreciado a matéria de atribuição e fixação das indemnizações, designadamente por danos não patrimoniais, face à solução que deu ao litígio, desresponsabilizando inteiramente os réus, em confirmação integral do anteriormente decidido na 1.ª Instância, que, pela mesma razão, também não a apreciara”, diz Miguel Teixeira de Sousa, “Daí ser estranho que, num caso em que a lei não justifica a devolução do processo às instâncias, o STJ tenha aplicado (extensivamente?; analogicamente?) o disposto, em matéria de nulidade do acórdão a quo, no art. 731.º, n.º 2, aCPC = art. 684.º, n.º 2, CPC para justificar essa devolução. A ratio deste preceito - que é a de permitir que a instância recorrida repare uma omissão de pronúncia cometida por ela própria - não parece poder estender-se ao caso em que essa mesma instância não aprecia uma questão (no caso em análise, a indemnização) por o seu conhecimento ter ficado prejudicado pela resposta que deu a uma outra questão (no caso, a ausência de um nexo de causalidade adequado)”. Entendimento que sustentou mais fundadamente no mesmo blog em 04/11/2014 em artigo intitulado “Recurso de revista: cassação ou substituição?”.

Entendemos que o legislador quis que as questões julgadas prejudicadas pelo Tribunal da Relação, em função do que decidiu, fossem apreciadas por esse mesmo Tribunal em caso de revogação da decisão pelo STJ.

Temos que este é o entendimento seguido pela Jurisprudência.

Por todos referimos o Ac. do Pleno das Secções Cíveis de 10-05-2018, proferido no Proc. nº 2643/12.0TBPVZ.P1.S1-A que, entendeu não se verificarem os pressupostos legais do recurso e não admitiu o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, mas no qual se refere na fundamentação que, “No caso em exame, tanto o acórdão fundamento como o recorrido confluem no entendimento de que cabe à Relação, e não ao STJ, conhecer das questões cujo julgamento a 2ª instância considerara prejudicado pela solução dada ao litígio, mas em relação às quais, mercê de alteração introduzida no acórdão recorrido pelo STJ, tenha renascido o interesse e a necessidade de julgamento”.

E o Acórdão Uniformizador nº 11/15, in D.R. n.º 183/2015, Série I de 2015-09-18, na fundamentação refere que, “Face ao estatuído na parte final do art. 679º do CPC, não é aplicável no recurso de revista a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista, para o recurso de apelação, no art. 665º, não podendo, deste modo, o STJ - não apenas, como sempre sucedeu (cfr. art. 684º), suprir a nulidade de omissão de pronúncia cometida pela Relação - mas também apreciar, pela primeira vez, questões que as instâncias deixaram de apreciar, por as terem por prejudicadas pela solução dada ao litígio”.

Sobre a questão também se pronuncia Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 426 onde refere colocar reservas à solução apontada por Teixeira de Sousa e acrescenta que, tendo em conta os antecedentes de divergência jurisprudencial no domínio do anterior CPC , “a alteração legislativa introduzida representa uma opção por uma das soluções, precisamente a de pendor mais restritivo dos poderes de substituição imediata do STJ, não relevando autonomamente para este efeito a norma do art. 682º, nº 1”.

Assim entendemos, deverem baixar os autos para serem apurados pelo Tribunal da Relação os danos dos autores resultantes da atuação dos réus.


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Sumário elaborado nos termos do art. 663º nº 7 do CPC:

I - Era obrigação estatutária do réu, na qualidade de contabilista certificado, cumprir os deveres funcionais que ao contabilista certificado se impõem, organizar, planificar, coordenar e executar a contabilidade da autora, com autonomia (técnica), idoneidade, integridade e assumindo a responsabilidade por a contabilidade não se apresentar de forma regular e com cumprimento defeituoso das normas contabilísticas e fiscais.

II - Um contabilista certificado não pode dissociar-se da sua autonomia técnica e deixar de orientar a sua atuação pelos princípios da integridade, idoneidade, independência, responsabilidade, competência, que no exercício da profissão deve respeitar.

III - Para que da atuação negligente não resultasse responsabilidade civil para o réu contabilista certificado deveria, este, provar que agiu de forma integra, idónea e responsável e que foram os autores que não quiseram acatar as orientações de planificação, organização e coordenação que na execução da contabilidade lhes indicava.

IV - Tendo o réu contabilista acompanhado a inscrição da sociedade autora no serviço de finanças para início de atividade, desde esse momento deveria aconselhar o modo de, cumprindo as obrigações fiscais, a autora obtivesse contas mais favoráveis.

V - O Contabilista Certificado na relação com a entidade a que presta serviços tem o dever de desempenhar conscienciosa e diligentemente as suas funções, pois que o cliente ao contratá-lo espera dele competência e diligência no exercício das respetivas funções.

VI - Cabe à Relação, e não ao STJ, conhecer das questões cujo julgamento a 2ª Instância considerara prejudicado pela solução dada ao litígio, mas em relação às quais, mercê de alteração introduzida no acórdão recorrido pelo STJ, tenha renascido o interesse e a necessidade de julgamento.

Decisão:

Em face do exposto acordam, no STJ e 1ª Secção, em:

Julgar procedente o recurso de revista, e revogando o acórdão recorrido:

- Decidir que a atuação negligente do réu contabilista certificado é geradora de responsabilidade civil dos réus.

- Ordenar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para que se pronuncie, em concreto, sobre os danos e indemnização peticionada pelos autores.

Custas nos termos a decidir a final.


Lisboa, 20-04-2022


Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo - Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto