Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLIVEIRA MENDES | ||
Descritores: | INCIDENTE NULIDADE ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ACLARAÇÃO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE CONSTITUCIONALIDADE DEMORA ABUSIVA APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL TRASLADO | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | ACLARAÇÃO | ||
Decisão: | INDEFERIDA A ARGUIÇÃO DE NULIDADE | ||
Área Temática: | DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS. DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO DAS NORMAS DE PROCESSO CIVIL - ACTOS PROCESSUAIS / NULIDADES - SENTENÇA. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 669.º, N.º2, ALS. A) E B), 720.º, N.ºS 1 A 3. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º, 118.º, N.º1, 380.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.°, N.º 1. | ||
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Sumário : | I - A lei adjectiva penal em matéria de nulidades instituiu o princípio da legalidade, princípio segundo o qual a violação das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei – n.° 1 do art. 118.° do CPP. A interpretação que o STJ adoptou relativamente à norma do art. 380.° do CPP, segundo a qual são inaplicáveis em processo penal as als. a) e b) do n.º 2 do art. 669.º do CPC, como é por demais evidente, não constituiu violação da lei processual penal expressamente cominada com a sanção da nulidade, consabido que em parte alguma do Código se estabelece qualquer sanção para a interpretação em causa. III -O incidente de arguição de nulidade de acórdão aclaratório destina-se somente à arguição de nulidades da decisão, não sendo o meio processual adequado para a denúncia ou invocação de inconstitucionalidades, sendo certo que o meio próprio para esse efeito é o recurso. IV -O requerimento de arguição de nulidade formulado pelo demandado mais não revela que o claro propósito de protelar a execução da decisão condenatória contra si proferida, eximindo-se ao seu cumprimento. Deste modo, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 a 3 do art. 720.° do CPC, aplicável ex vi art. 4.° do CPP, considerando-se manifestamente infundado o presente incidente de arguição de nulidade, há que determinar o seu processamento em separado, extraindo-se para o efeito o respectivo traslado. | ||
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Decisão Texto Integral: |
* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O demandando AA, com os sinais dos autos, após haver requerido a aclaração e a reforma de acórdão proferido por este Supremo Tribunal que negou provimento ao recurso por si interposto de decisão do Tribunal da Relação de Évora que o condenou a pagar à herança indivisa por óbito de BB a importância de € 90.350,00, acrescida de juros legais sobre a quantia de € 69.950,00, vem agora arguir a nulidade do acórdão aclaratório proferido, sendo do seguinte teor o requerimento apresentado:
«O douto acórdão reclamado entendeu não ser aplicável no domínio do processo penal, o regime das alíneas a) e b) do n° 2 do artigo 669° do Código de Processo Civil, entendimento esse que impede a reforma da decisão irrecorrível, mesmo quando, citando, "por manifesto lapso do juiz, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, bem com quando constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida".
Pois bem: com ressalva do devido respeito, semelhante interpretação taxativa da norma do artigo 380° do Cod. Proc. Penal, e da norma do seu art. 4º, em termos de excluir a aplicação daqueles preceitos do processo civil no processo penal, é materialmente inconstitucional, pois que viola o princípio constitucional do direito de defesa consagrado no art. 32°, n° 1, da Constituição da República, segundo o qual "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso". A expressão "incluindo o recurso" foi aditada na Quarta Revisão Constitucional, pela Lei Constitucional n° 1/97, de 20 de Setembro. A interpretação preconizada pelo douto acórdão reclamado, na medida em que limita o âmbito e a amplitude do recurso, por confronto com o regime do processo civil, cuja aplicação recusa, viola manifestamente, ressalvado sempre o devido respeito, esse segmento normativo, introduzido pela 4a Revisão Constitucional. Não faz sentido que um erro de qualificação jurídica dos factos, em processo civil, possa ser corrigido, por via da reforma da sentença, nos termos previstos pelo art. 669°, n° 2, do Cod. Proc. Civil - enquanto que um erro da mesma natureza, em processo penal, podendo ser determinante de uma condenação indevida, não poderia ser reparado, o que redundaria em flagrante desrespeito, não só das garantias de defesa, mas também do favor rei, que é um princípio estruturante do processo criminal, e tem de considerar-se contemplado no espectro abrangente do art. 32°, n° 1, da Constituição da República. Para mais, no caso vertente, não há dúvida de que foi infringida jurisprudência obrigatória, porque não vale dizer-se, ressalvado sempre o devido respeito, que no caso dos autos se trata de responsabilidade civil extracontratual, e não de responsabilidade civil contratual, quando o facto só foi possível a coberto de um contrato, em cujo regime terá, portanto, de ser enquadrado: um contrato de depósito bancário. Pouco importa que o artº 380° do Cod. Proc. Penal limite praticamente a correcção da sentença às hipóteses análogas previstas, para o processo civil, nos arts. 667° e 668° do Cod. Proc. Civil. Se o legislador do Código de Processo Penal não previu os casos de erro de qualificação ou de desconsideração de documentos, em termos de, em qualquer dessas situações, poder resultar uma modificação essencial do decidido - então só pode entender-se, para se salvaguardar a observância das normas e princípios constitucionais, que se trata de uma lacuna, a suprir como manda o art. 4º do Cod. Proc. Penal, mediante aplicação das normas do processo civil - que, no caso, não se vê que não sejam compatíveis com o processo penal. Com o devido respeito - volta-se a dizer - se se pensar um bocadinho e se atentar, principalmente, na Lei e no Direito, num patamar acima da mera exegese gramatical, faz algum sentido que se admita como possível a correcção de um pequeno lapso não essencial e, ao mesmo tempo, e ao invés, se não aceite a possibilidade de se corrigir um erro essencial? Em processo-crime? A jurisprudência desse Alto Tribunal e alguma doutrina entendem que está muito bem assim? Não parece que esteja, e já lá vai o tempo da autoridade magistral... Apresentem-se argumentos lógicos, de lógica jurídica, e não apenas de gramática pura, que demonstrem a bondade e a sustentabilidade de semelhante interpretação e, sobretudo, argumentos que demonstrem ser ela conforme com as normas e princípios constitucionais que o Recorrente entende terem sido violados. Na verdade, salvo o devido respeito, parece imperioso que o Tribunal possa lançar mão do único meio legal ao seu alcance que lhe permitirá rectificar o erro de qualificação jurídica em que, salvo o devido respeito, o douto acórdão que decidiu o recurso claramente incorreu. É que esse erro só pode ter, de entre as possíveis, uma única explicação: foi um lapso, motivado por simples inconsideração, sendo certo que errare humanam est - pois que, se assim não tivesse sido, como foi, restaria uma de duas hipóteses, qualquer delas, inconcebível: ou uma crassa ignorância dos princípios básicos do instituto da responsabilidade civil, o que seria motivo de reprovação em qualquer Faculdade de Direito, e é, por conseguinte, algo de impensável; ou um deliberado propósito de decidir contra a Lei, o que é igualmente inadmissível, até porque implicaria denegação de justiça e prevaricação, não tendo acolhimento, no nosso sistema jurídico, a orientação metodológica preconizada pela Escola do Direito Livre, de Gnaeus Flavius».
O demandado AA, em completo do requerimento apresentado, requereu a junção aos autos de cópia de acórdão deste Supremo Tribunal prolatado em 10 de Dezembro de 1996 no processo n.º 553/96, tendo alegado o seguinte:
«- estando ainda em tempo, e em complemento do requerimento anteriormente apresentado, de arguição da nulidade do douto acórdão cujo esclarecimentos se pedira, - para tornar perfeitamente claro que só por lapso pode ter sido possível que nestes autos se tivesse considerado que os factos não integram responsabilidade civil contratual, se não que responsabilidade extracontratual. - R. a V. Exª se digne mandar juntar aos autos o documento que ao presente vai anexo, que é a reprodução, obtida a partir do sítio na Internet da "Colectânea de Jurisprudência", do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Dezembro de 1996, proferido no processo n° 553/96, da Secção Criminal, no qual se decidiu, justamente, que a absolvição do arguido acusado da prática do crime de abuso de confiança será determinante do arquivamento dos autos, por se tratar de responsabilidade civil contratual.
Com efeito, é da natureza do crime de abuso de confiança a existência de uma relação contratual, no âmbito da qual ocorra, por parte do arguido, apropriação ilegítima de coisa que lhe tenha sido entre sue por título não translativo de propriedade, sendo esse elemento, da entrega, essencial para configurar o tipo legal do crime de abuso de confiança, pelo qual se distingue do furto, como bem assinala MAIA GONAÇALVES na Anotação 2 ao artigo 205° do Código Penal, no seu "Código Penal Português" (12ª ed., Coimbra, 1998, Livraria Almedina, pág. 635).
Como é que pode haver entrega de uma coisa, sem que exista uma relação contratual entre quem a entrega e quem a recebe? Logo, e concluindo, sendo inconstitucional a interpretação normativa em que se fundamentou o douto acórdão reclamado, é ainda possível, e justifica-se plenamente, que seja reparado o óbvio lapso cometido». É do seguinte teor a resposta apresentada pelos demandantes CC e DD:
«sobre a nulidade arguida pelo AA que roubou a queixosa, faz 9 anos: 1 - A queixosa já morreu; 2 - O AA já não durará muito; e 3 - Os herdeiros da queixosa correm o risco de morrerem também sem verem a cor do dinheiro da queixosa que o AA, confessadamente meteu ao bolso (dele, AA). Será esse objectivo que determina as reclamações e os recursos e as arguições de nulidades inexistentes pelo AA (que até duma Habilitação recorreu). 4 - O AA tem um advogado talentoso, mas não tem razão. 5 - E, no que se refere ao Acórdão deste Supremo Tribunal de que foi junta cópia pelo arguido, terá que dizer-se que o seu ilustre patrono leu apressadamente esse douto Acórdão, porque não há a menor semelhança entre o caso dos autos e o daquele douto Acórdão - em que o arguido não actuou em nome próprio e não meteu ao bolso os dinheiros de ninguém. 6 - Sendo que o AA não pode comparar-se ao Catilina - longe disso - e que o signatário não se chama Cícero, ocorre, não obstante, o seguinte desabafo: - Quousque tandem, AA, abutere patientia nostra?». Colhidos os vistos, cumpre decidir. * O demandado AA vem arguir a nulidade de acórdão aclaratório proferido na sequência de incidente por si deduzido no qual requereu a aclaração e reforma de acórdão deste Supremo Tribunal que negou provimento ao recurso por si interposto de decisão do Tribunal da Relação de Évora que o condenou a pagar à herança indivisa por óbito de BB a importância de € 90.350,00, acrescida de juros legais sobre a quantia de € 69.950,00. Alega o demandado, em síntese, que o acórdão aclaratório é nulo por haver interpretado taxativamente a norma do artigo 380°, do Código de Processo Penal, bem como a norma do seu artigo 4º, em termos de excluir a aplicação das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 669° do Código de Processo Civil no processo penal, interpretação que, a seu ver, é materialmente inconstitucional, por violar o princípio constitucional do direito de defesa consagrado no artigo 32°, nº 1, da Constituição da República, segundo o qual o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Decidindo, dir-se-á. A lei adjectiva penal em matéria de nulidades instituiu o princípio da legalidade, princípio segundo o qual a violação das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei – n.º 1 do artigo 118º do Código de Processo Penal. A interpretação que este Supremo Tribunal adoptou relativamente à norma do artigo 380º, do Código de Processo Penal, segundo a qual são inaplicáveis em processo penal as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil, como é por demais evidente, não constituiu violação da lei processual penal expressamente cominada com a sanção da nulidade, consabido que em parte alguma do Código se estabelece qualquer sanção para a interpretação em causa. Improcede pois a arguição de nulidade apresentada pelo demandado AA. Quanto à invocada inconstitucionalidade da interpretação assumida por este Supremo Tribunal, consignado se deixa que o incidente ora apresentado pelo demandado AA se destina, tão só, à arguição de nulidades da decisão, não sendo por isso o meio processual adequado para a denúncia ou invocação de inconstitucionalidades, sendo certo que o meio próprio de denúncia ou arguição de inconstitucionalidade das decisões é o recurso. * O requerimento de arguição de nulidade formulado pelo demandado AA, mais não revela que o claro propósito de protelar a execução da decisão condenatória contra si proferida, eximindo-se ao seu cumprimento. Com efeito, o requerimento apresentado pelo demandado AA revela-se desprovido de qualquer fundamento, para além de que, como já se deixou consignado, o meio próprio de arguição de inconstitucionalidade das decisões é o recurso. Deste modo, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 720º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4º, do Código de Processo Penal, considerando-se manifestamente infundado o presente incidente de arguição de nulidade, há que determinar o seu processamento em separado, extraindo-se traslado que incluirá o acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Évora, a motivação do recurso interposto pelo demandado, bem como todo o processado neste Supremo Tribunal, incluindo o presente acórdão, que já será notificado nesse traslado, prosseguindo os autos na 1ª instância, para onde serão enviados. * Termos em que se acorda indeferir a arguição de nulidade e ordenar que o respectivo incidente siga em separado, remetendo-se os autos à 1ª instância, para aí prosseguirem. Custas pelo requerente, fixando em 3 UC a taxa de justiça. * Oliveira Mendes (Relator) Maia Costa
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