Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01A3321
Nº Convencional: JSTJ00042901
Relator: GARCIA MARQUES
Descritores: CLÁUSULA DE IRRESPONSABILIDADE
Nº do Documento: SJ200203190033211
Data do Acordão: 03/19/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 9384/00
Data: 02/13/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG.
Doutrina: Anot. de António Pinto Monteiro. - RLJA. 138, nº 3956 (Mai./Jun. 2009)
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 799 N1 ARTIGO 800 N2 ARTIGO 809.
DL 446/85 DE 1985/10/25 ARTIGO 18 A B C D.
DL 298/92 DE 1992/12/31 ARTIGO 73 ARTIGO 76.
Sumário : I - A cláusula limitativa da responsabilidade destina-se a restringir ou a limitar - seja quanto aos pressupostos da responsabilidade seja quanto ao montante da indemnização - antecipadamente, de modo vário, a responsabilidade em que, sem ela , incorreria o devedor.
II - Não constitui renúncia ao direito de indemnização nem ofensa à ordem pública a cláusula de irresponsabilidade por simples culpa leva do devedor ou dos seus auxiliares, pelo que é válida.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
A A, intentou contra o B, a presente acção, na qual pediu a condenação do Réu no pagamento da quantia de 10768468 escudos, correspondente à soma do capital de 8698663 escudos e dos juros vencidos até 19-07-89, no valor de 2069805 escudos, mais juros vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal.
À referida acção foram apensados, por despacho de fls. 307, verso, os seguintes processos:
- nº 5145, da 1ª Secção, 4º Juízo Cível de Lisboa (apenso D, movido pela Autora contra o Banco C);
- nº 6301, da 3ª Secção, 4º Juízo Cível de Lisboa (apenso F, movido pela Autora contra a D);
- nº 1077, da 1ª Secção do 5º Juízo Cível de Lisboa (apenso B, movido pela Autora contra o E);
- nº 1070, da 2ª Secção do 5º Juízo Cível de Lisboa (apenso A, movido pela Autora contra o Banco F);
- nº 426/89, da 2ª Secção do 6º Juízo Cível de Lisboa (apenso E, movido pela Autora contra o Banco G);
- nº 5137, da 1ª Secção do 6º Juízo Cível de Lisboa (apenso C, movido pela Autora contra o Banco H).
Através do despacho de fls. 334 foi ordenada a apensação dos seguintes processos:
- nº 2611, da 3ª Secção do 3º Juízo Cível de Lisboa (apenso G, movido pela Autora contra o Banco I, SA);
- nº 6102, da 2ª Secção do 4º Juízo Cível de Lisboa (apenso I, movido pela Autora contra a J);
- nº 1069, da 3ª Secção do 5º Juízo Cível de Lisboa (apenso H, movido pela Autora contra o L).
Seguindo, assim, a acção contra: (a) o Banco C, que a Autora pede seja condenado a pagar-lhe a quantia de 34609875 escudos, correspondente ao somatório do capital de esc. 27957517 escudos e juros vencidos até 19 de Julho de 1989, no montante de 6652358 escudos e juros vincendos até ao integral pagamento à taxa legal que, na altura, se computava nos 15% ao ano; (b) a D, que a Autora pede seja condenado a pagar-lhe a quantia de 33374528 escudos, correspondente ao somatório do capital de 26959616 escudos e juros vencidos até 19 de Julho de 1989, no montante de 6414912 escudos e juros vincendos até ao integral pagamento à taxa legal que, na altura, se computava nos 15% ao ano; (c) o Banco E, que a Autora pede seja condenado a pagar-lhe a quantia de 10709423 escudos, correspondente ao somatório do capital de 8650967 escudos e juros vencidos até 19 de Julho de 1989, no montante de 6652358 escudos e juros vincendos até ao integral pagamento à taxa legal que, na altura, se computava nos 15% ao ano; (d) o Banco F, que a Autora pede seja condenado a pagar-lhe a quantia de 8701424 escudos, correspondente ao somatório do capital de 7028925 escudos e juros vencidos até 19 de Julho de 1989, no montante de 1672499 escudos e juros vincendos até ao integral pagamento à taxa legal que, na altura, se computava nos 15% ao ano; (e) o Banco G, que a Autora pede seja condenado a pagar-lhe a quantia de 7977443 escudos, correspondente ao somatório do capital de 6444100 escudos e juros vencidos até 19 de Julho de 1989, no montante de esc. 1533343 escudos e juros vincendos até ao integral pagamento à taxa legal que, na altura, se computava nos 15% ao ano; (f) o Banco H, que a Autora pede seja condenado a pagar-lhe a quantia de 13405512 escudos, correspondente ao somatório do capital de 10850543 escudos e juros vencidos até 19 de Julho de 1989, no montante de 2554969 escudos e juros vincendos até ao integral pagamento à taxa legal que, na altura, se computava nos 15% ao ano; (g) o Banco I, SA, que a Autora pede seja condenado a pagar-lhe a quantia de 13710315 escudos, correspondente ao somatório do capital de 11078736 escudos e juros vencidos até 19 de Julho de 1989, no montante de 2631579 escudos e juros vincendos até ao integral pagamento à taxa legal que, na altura, se computava nos 15% ao ano; (h) a J, que a Autora pede seja condenado a pagar-lhe a quantia de 16357729 escudos, correspondente ao somatório do capital de 13213613 escudos e juros vencidos até 19 de Julho de 1989, no montante de 3144116 escudos e juros vincendos até ao integral pagamento à taxa legal que, na altura, se computava nos 15% ao ano; (i) e o Banco L, que a Autora pede seja condenado a pagar-lhe a quantia de 19067334 escudos, correspondente ao somatório do capital de 15402405 escudos e juros vencidos até 19 de Julho de 1989, no montante de 3664929 escudos e juros vincendos até ao integral pagamento à taxa legal que, na altura, se computava nos 15% ao ano.

Para tanto, a Autora alegou, em síntese, que celebrou com os RR. contrato de prestação de serviços na modalidade de mandato oneroso, nos termos do qual estes se obrigaram a proceder ao pagamento de ordens de pagamento por aqueles emitidas, ao respectivo portador (produtor de cereais comprados pela A.) que, para tanto, se deveria identificar com o respectivo B. I. e cartão de produtor, tendo os RR. faltado ao cumprimento das obrigações que para si daí advinham na sequência do que procederam ao pagamento de falsas ordens de pagamento, sendo, por isso, responsáveis pelos prejuízos sofridos pela A.
Todos os RR. impugnaram parte da factualidade narrada nas P.I., sustentando a improcedência das acções e a sua absolvição dos pedidos. Alegaram, para tanto, terem observado rigorosamente todos os procedimentos a que estavam contratualmente obrigadas pelo protocolo de acordo. As ordens de pagamento não apresentavam sinais evidentes de viciação. Foi a A. que não aceitou novos e mais seguros procedimentos, propostos pelos RR., mostrando-se disposta a correr os riscos.
Proferidos despachos saneadores relativamente ao processo principal e aos apensos C e E, que foram objecto de reclamações atempadamente decididas, teve lugar a audiência de julgamento e foi proferido acórdão de fixação da matéria de facto, sem dedução de reclamações.
Em 14 de Setembro de 1999, foi proferida sentença em 1ª instância (cfr. fls. 1264 a 1334), que decidiu nos seguintes termos:
a) condenar o Réu Banco E, a pagar à autora o montante de 2308842 escudos (...), acrescido de juros moratórios, à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados desde 20 de Dezembro de 1987 até ao integral pagamento;
b) condenar a D, a pagar á A. o montante de 911385 escudos (...),acrescido de juros moratórios, à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados desde 20 de Dezembro de 1987 até ao integral pagamento;
c) condenar o Banco I, a pagar à A. o montante de 2810120 escudos (...), acrescido de juros moratórios, à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados desde 20 de Dezembro de 1987 até ao integral pagamento;
d) absolver todos os Réus de pedido do restante peticionado.

Inconformados, recorreram a Autora (fls. 1338) e o Réu Banco E.
No entanto, por acórdão de 13-02-2001, proferido com um voto de vencido, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu julgar improcedente os recursos, confirmando a sentença recorrida - fls. 1461 a 15004.
Continuando inconformada, traz o Ministério Público, em representação da Autora (1) Na sequência da publicação do Decreto-Lei nº 572-A/99, de 29 de Dezembro (posteriormente alterado pelo D.L. nº 123/2000, de 5 de Julho), que determinou e regulou a dissolução da A, foram, em 26-06-2000, aprovadas e registadas as contas finais da sua liquidação, o que determinou a extinção da respectiva personalidade jurídica. Transferiram-se, assim, para o Estado, sem necessidade de habilitação, os direitos e obrigações que eram da A, pelo que o respectivo patrocínio passou a caber ao Ministério Público, como representante em juízo do Estado - cfr. fls. 1448 e 1508.), a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:
1- A cláusula de exclusão da responsabilidade constante do ponto 2.4.2. do Protocolo celebrado entre a A. e os RR. e transcrita a fls. 1500 não é válida, pelo que devem os RR. ser responsabilizados nos termos gerais.
2- Por um lado, tal cláusula é nula, por imposição do disposto no artigo 18º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, que rege sobre cláusulas contratuais gerais e que proíbe a exclusão da responsabilidade em caso de dolo ou de culpa grave.
3- É nula ainda, no caso concreto, por força do disposto no DL nº 298/93, de 31-12 (2) Trata-se do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, e não do Decreto-Lei nº 298/93, como sistematicamente consta das mais diversas peças dos presentes autos.), que estabelece o regime jurídico das instituições de crédito e, designadamente, dos seus artigos 73º e 76º que estatuem sobre a competência técnica e o critério de diligência de actuação das mesmas e dos seus funcionários e cujo nível de exigibilidade é mais elevado do que o do comum bom pai de família devido ao carácter profissional dos autores do ilícito, no caso, os RR.
4- Assim, o douto acórdão recorrido deveria ter declarado a nulidade da cláusula 2.4.2. do Protocolo celebrado entre A. e RR., por contrária à Lei.
5- O contrato celebrado entre a A. e os RR. é um contrato de prestação de serviços, na modalidade de mandato oneroso especial, regendo-se pelos artigos 1154º, 1157º, 1158º e 1159º, nº 2, do CC.
6 - As ordens de pagamento genuínas emitidas pela Autora (A) eram facilmente identificáveis pelas características dos documentos que as titulavam e pelos elementos de segurança que as mesmas continham.
7- Tais características, relativas ao tipo de impressão de caracteres na linha óptica, de desenhos impressos na frente e verso, de espessura, toque, cor, tom e sonoridade do papel utilizado, eram do perfeito conhecimento dos RR., aos quais a A. remetera grande quantidade de exemplares genuínos, em número suficiente para serem distribuídos pelas sedes, dependências e agências bancárias e serem utilizados, para comparação, por todos os funcionários das instituições bancárias.
8- Apesar disso, os RR. pagaram as ordens de pagamento falsificadas que não possuíam as características e elementos de segurança próprios das genuínas emitidas pela A., à qual causaram graves danos.
9- Ou seja, enquanto a A. cumpriu com todas as obrigações contratuais, os RR., pelo contrário, violaram-nas, pagando falsas ordens de pagamento sem cuidarem de verificar, por comparação e controle, da sua genuinidade, como podiam e deviam fazer.
10- Ora, sendo os RR. contraentes profissionais e atenta a sua experiência e conhecimento, deveriam ter actuado com a diligência que lhes é exigível, isto é, aquela que teria "um bom pai de família com idênticas qualificações, o que significa forçosamente um grau de atenção, conhecimento, zelo e ponderação diverso daquele que teria um inexperiente naquele tipo de negócios e privado das qualificações de que um profissional dispõe" (Abílio Neto, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1999, pág. 442).
11- Porém, ao invés, os RR. actuaram com negligência grosseira, pagando falsas ordens de pagamento sem cuidarem de verificar, por comparação e controle, da sua genuinidade.
12- Ou seja, os RR - contraentes profissionais, repete-se- violaram, com culpa grave, o contrato celebrado com a A.
13- Ao decidir da forma como decidiu, o douto acórdão do TRL, ora recorrido, violou o disposto no art. 18º do DL 446/85, de 25-10, nos arts. 73º e 76 do DL 298/93, de 31-12, bem como nos arts. 798, 799, 800, 1159, n. 2 (com referência aos arts. 1154, 1157 e 1158) e 1161, todos do Código Civil.
14- Pelo que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se e condenando-se os RR. no pedido.
Contra-alegaram os RR. Banco C, (fls. 1571 a 1576), D (fls. 1579 a 1587) e X - que incorporou os Bancos F, S.A. e Banco G, S. A. - (fls. 1567 a 1574) (3) A partir de fls. 1599 ocorreu um lapso de paginação, tendo-se passado dessa folha para fls. 1560.), tendo todos eles pugnado pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II
Não tendo sido impugnada nem havendo lugar a qualquer alteração da matéria de facto, nos termos do artigo 713º, nº 6, e 726º do CPC, remete-se a descrição da mesma para o acórdão recorrido (onde se desenvolve ao longo das folhas 1464 a 1489), sem prejuízo da reprodução de um número, ainda assim, extenso de pontos de facto, considerados particularmente relevantes em face da economia da presente revista.
Merecem especial realce os seguintes pontos da extensa factualidade dada como assente:
- A Autora, entre outras actividades, dedica-se à comercialização de cereais, revendendo à indústria as produções de cereais que comprou à grande maioria de produtores nacionais - al. A) da especificação;
- Para o efeito de proceder à liquidação dos cereais que comprou aos produtores nacionais, a Autora instituiu um sistema de pagamento através das chamadas ordens de pagamento - al. B) da especificação;
- As ordens de pagamento a que se alude em B) são títulos emitidos pela Autora a favor de cada um dos produtores, para pagamento do preço dos cereais comprados pela A. a cada um deles, contendo uma ordem dirigida a uma instituição bancária para que pague ao seu beneficiário o respectivo valor - al. C) da especificação;
- Os documentos que titulam as ordens de pagamento referidas em B) obedecem à normalização oficialmente aprovada para o cheque, nomeadamente no que respeita ao seu formato, papel (qualidade, gramagem e linha óptica) - al. D) da especificação;
- As ordens de pagamento a que se alude em B) foram emitidas por via informática, sempre que a A. tivesse de proceder a qualquer pagamento a produtores de cereais, promovendo a A. a entrega das mesmas, directamente aos seus beneficiários - al. E) da especificação;
- Nas ordens de pagamento a que se alude em B) constam obrigatoriamente os seguintes elementos: nome do beneficiário e número do seu cartão de produtor; data de validade; total a pagar; linha óptica, em caracteres OCRB, completamente impressa - al. F) da especificação;
- A A., nas ordens de pagamento, indica sempre a secção regional e o celeiro em que o cereal foi recebido, o número do modelo que titula a entrega e o ano da colheita - al. G) da especificação;
- Nas ordens de pagamento que a A. emite vai contida a referência de que o destinatário, para receber o respectivo valor da instituição de crédito, deverá fazer-se identificar pelo bilhete de identidade e pelo cartão de produtor - al. H) da especificação;
- O cartão de produtor é um documento emitido pela A. a favor de quem demonstrar ser produtor de cereais - al. I) da especificação;
- Nas ordens de pagamento existe também um espaço destinado à aposição da assinatura do seu beneficiário, bem como um espaço destinado á anotação, pela instituição de crédito pagadora, do número, data e entidade emissora do bilhete de identidade do beneficiário - al. J) da especificação;
- Na frente do impresso da ordem de pagamento, e na zona de impressão da linha óptica, constam os dizeres: "É favor não escrever nem carimbar neste espaço", constando os mesmos dizeres no verso do impresso e na mesma zona, verso que, no mais, se encontra sem qualquer outro preenchimento - al. L) da especificação;
- Como elemento adicional de segurança, o papel das ordens de pagamento apresenta vários desenhos, a cores, impressos em fundo, de flores e de espigas de cereais, quer na frente quer no verso - al. M) da especificação;
- Na posse da ordem de pagamento, e para obter a sua cobrança, o próprio beneficiário, e só ele, dirige-se à instituição de crédito domiciliária para recebimento do seu valor em numerário ou para crédito em conta - al. N) da especificação;
- Em ordem a assegurar o funcionamento do sistema de pagamento das ordens, a A. estabeleceu com diversas instituições de crédito um contrato que foi designado por "Protocolo de Acordo entre as Instituições de Crédito e a A - Empresa Pública de Abastecimento de Cereais, para efeitos de pagamento aos fornecedores/produtores de cereais", nos termos dos documentos juntos de folhas 17 a 21, inclusive, do processo principal e apensos A, B, C, D e I e folhas 20 a 24 do apenso G - al. O) da especificação;
- Em várias datas, entre 21-07-1987 e 26-11-1987, os Réus procederam, em vários balcões, ao pagamento, em dinheiro, de vários documentos como se de "ordens de pagamento" emitidas pela A se tratasse (...)- als. P) da especificação do processo principal, R) do apenso "C" e U) do apenso "E";
- Os Réus tinham conhecimento das características das ordens de pagamento emitidas pela Autora por esta lhes ter comunicado ao acordarem o sistema de pagamento - al. R) da especificação;
- A A. enviou aos RR.: Banco B; Banco E; Banco D; Banco I e J espécimes dos impressos das ordens de pagamento que iria utilizar e suas características de impressão - al. S) da especificação;
- O envio aos ditos RR. das espécies referidas foi feito em quantidades suficientes para informação, quer dos serviços centrais destes RR., quer das suas agências e dependências - al. T) da especificação;
- A Autora enviou aos RR e estes receberam as cartas e documentos abaixo mencionados a pedir o reembolso a cada um dos RR. (...) - als. U) da especificação do processo principal e X) do apenso "C" e documentos de folhas 38 e 39 do apenso "E";
- O contrato a que se alude em "O" foi alterado em 21-07-1987 nos termos dos aditamentos, todos de teor igual, que constam de folhas 22 e 23 verso do processo principal e dos apensos "A", "B", "D" e "I", de folhas 21 a 22 verso do apenso "H", de folhas 23 e 24 verso do apenso "F" e de folhas 25 e 26 verso do apenso "G"- resposta ao quesito 1º do processo principal;
- O contrato de 1 de Julho de 1985, com as alterações introduzidas pelo aditamento de 21 de Julho de 1987, regulou o sistema de pagamento aos fornecedores/produtores de cereais nacionais na campanha cerealífera de 1987/1988- resposta ao quesito 2º do processo principal;
- Designadamente durante o período em que ocorreram os factos a que se alude na petição inicial- resposta ao quesito 3º do processo principal;
- A referida campanha cerealífera de 1987/1988 teve início em 1/7/1987 e termo em 30/6/1988- resposta ao quesito 4º do processo principal;
- Só os RR. Banco F, Banco E, Banco C, D; Banco L e J deram o seu acordo às alterações ao contrato de 1-7-1985, subscrevendo os aditamentos referidos no quesito 1º- resposta ao quesito 5º do processo principal;
- A Autora não emitiu qualquer das "ordens de pagamento" juntas com a petição inicial e a que se faz referência na descrição mencionada em P) ao indicar os documentos e folhas do processo principal e apensos- resposta ao quesito 6º do processo principal;
- A Autora nunca emitiu os "cartões de produtor" referidos em P)- resposta ao quesito 9º do processo principal;
- Os "Bilhetes de Identidade" referidos em P) eram completamente forjados -- resposta ao quesito 10º do processo principal;
- Não existindo os indivíduos identificados e descritos no quesito 7º -- resposta ao quesito 11º do processo principal;
- As pessoas que se apresentaram aos balcões dos Réus para receber os valores citados em P) não tinham os nomes a que se alude nos quesitos 7º e 11º -- resposta ao quesito 12º do processo principal;
- O papel utilizado nos documentos referidos no quesito 6º não apresentava diferenças significativas em qualidade e gramagem com o tipo aprovado para os cheques normalizados, a que obedecem as ordens de pagamento emitidas pela A.- resposta ao quesito 13º do processo principal;
- O tom ou a tonalidade da cor de papel utilizado nos documentos referidos no quesito 6º era diferente, relativamente às ordens de pagamento que a A. emite- resposta ao quesito 14º do processo principal;
- Era pouco significativa a diferença entre a espessura e o toque ou a sonoridade do papel utilizado nos documentos referidos no quesito 6ºe o das ordens de pagamento que a A. emite - resposta ao quesito 15º do processo principal;
- A impressão de fundo dos documentos a que se alude no quesito 6º não era tão nítida e precisa como a das ordens de pagamento emitidas pela A., apresentando zonas empastadas e de reduzida definição- resposta ao quesito 16º do processo principal;
- Enquanto o preenchimento dos elementos variáveis de cada ordem de pagamento e relativas ao caso específico de cada beneficiário é feita pela Autora através de meios informáticos, os documentos referidos no quesito 6º apresentavam esse preenchimento feito em caracteres apostos por máquina de escrever eléctrica- resposta ao quesito 17º do processo principal;
- De entre os caracteres e nas ordens de pagamento genuínas, os da linha óptica são impressos informaticamente em caracteres OCR B, como todos os demais, enquanto nos documentos referidos no quesito 6º eles se apresentavam impressos por máquina de escrever- resposta ao quesito 18º do processo principal;
- Nas ordens de pagamento genuínas, os caracteres da linha óptica são impressos dentro dos espaços definidos pelos quadrados a negro do cabeçalho identificador dessa linha- resposta ao quesito 19º do processo principal;
- Não apresentam impressão de fundo no verso as ordens de pagamento pagas no Banco E, e referidas na alínea P) 3, do apenso "B", folhas 27, 28 e 29, cujos originais se encontram no IV volume, respectivamente a folhas 806 (Nº 920), 805 (Nº 918) e 805 (Nº 919); a ordem de pagamento paga pela D, referida na alínea P) 7, apenso "F", d), folhas 40, cujo original se encontra no IV volume, folhas 796 (Nº 900); e a ordem de pagamento paga pelo Banco I, referida na alínea P 8, apenso "G" d), folhas 40, cujo original se encontra no IV volume, folhas 774 (Nº 857) - resposta ao quesito 20º do processo principal;
- Só a diferença existente no verso das ordens de pagamento referidas na resposta ao quesito 20º e o verso das ordens de pagamento que a Autora emite era facilmente detectável - resposta ao quesito 21º do processo principal;
- Os RR. Banco E, Banco D e Banco I, não verificaram a diferença existente entre as ordens de pagamento referidas na resposta ao quesito 20º e as ordens de pagamento que a A. emite - resposta ao quesito 22º do processo principal;
- Os "Cartões de Produtor" referidos em P) não correspondiam a qualquer produtor de cereais inscrito na Autora - resposta ao quesito 25º do processo principal;
- No que respeita às "ordens de pagamento" referidas em P), os balcões dos RR. verificaram se a ordem de pagamento estava nele domiciliada - resposta ao quesito 27º do processo principal;
- E se havia sido ultrapassada a data da sua validade - resposta ao quesito 28º do processo principal;
- E identificaram os beneficiários pelo B.I.- resposta ao quesito 29º do processo principal;
- E escreveram os elementos de identificação nos locais previstos na ordem de pagamento - resposta ao quesito 30º do processo principal;
- E verificaram a concordância entre os nomes e os números constantes dos cartões de produtor com os que figuram na ordem de pagamento - resposta ao quesito 31º do processo principal;
- Nas ordens de pagamento pagas pelos Réus, a que se alude em P), o papel apresentava, na frente e no verso, desenhos de flores e espigas de cereais, impressos em fundo, com excepção do que se refere no quesito 20º - resposta ao quesito 34º do processo principal;
- A Autora nunca forneceu aos Réus listagens dos beneficiários das "ordens de pagamento" ou de titulares de "cartão de produtor" - resposta ao quesito 35º do processo principal;
- Os caracteres da linha óptica foram preenchidos dentro dos espaços próprios - resposta ao quesito 39º do processo principal;
- Os RR. submeteram a leitura óptica as ordens de pagamento referidas em P), tendo sido rejeitadas apenas algumas delas - resposta ao quesito 40º do processo principal;
- Para além dos Réus referidos em S) e T), a Autora também enviou aos RR. Banco F e Banco L, espécimes das ordens de pagamento que iria utilizar - resposta ao quesito 43º do processo principal;
- Posteriormente, difundiram pelos seus serviços fotocópias dos espécimes referidos na resposta ao quesito 43º - resposta ao quesito 45º do processo principal;
- A A. enviou ao R. Banco H, espécimes dos impressos das ordens de pagamento que iria utilizar e suas características de impressão- alínea U) da especificação do apenso "C";
- O envio desses espécimes foi feito em quantidades suficientes para informação, quer dos serviços centrais do Banco H, quer de todas as suas agências e dependências- alínea V) da especificação do apenso "C";
- O Réu Banco G, tinha conhecimento das características das "ordens de pagamento" referidas no "Protocolo" mencionado em Q) da especificação do apenso "E" e tinha conhecimento das espécies mencionadas na resposta ao quesito 22º do questionário do apenso "E"- resposta ao quesito 21º do questionário do apenso "E";
- A A. enviou ao R. Banco G, um espécime dos impressos das ordens de pagamento que iria utilizar - resposta ao quesito 22º do questionário do apenso "E";
- Nos cheques autênticos normalizados e emitidos pelas instituições bancárias ocorrem por vezes algumas diferenças de tom ou tonalidade- resposta ao quesito 46º do questionário do apenso "E".
III
Questão de método:
Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas- e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras- artigo 660º, nº 2, também do C.P.C.
Assim, são fundamentalmente as seguintes as questões suscitadas na presente revista:
a) saber se é nula a cláusula limitativa da responsabilidade constante do ponto 2.4.2. do Protocolo celebrado entre a Autora e os Réus;
b) saber se os RR., ao pagarem as "ordens de pagamento" não emitidas pela Autora, violaram o dever de diligência a que estavam obrigados.
Vejamos, pois.
1- A aludida cláusula 2.4.2 do Protocolo celebrado entre a A. e os RR. tem a seguinte redacção:
"A Autora A, responde pelas importâncias pagas a beneficiários que usem de má fé no recebimento, salvo se a Ordem de Pagamento apresentar sinais evidentes de viciação"- cfr. fls. 20.
O tratamento da questão impõe uma prévia abordagem de natureza teórica.
1.1. - Segundo António Pinto Monteiro, pode definir-se cláusula limitativa da responsabilidade "como aquela que é destinada a restringir ou a limitar antecipadamente, de modo vário, a responsabilidade em que, sem ela, incorreria o devedor. Essa limitação pode dizer respeito, designadamente, aos fundamentos ou pressupostos da responsabilidade ou ao montante da indemnização".
Interessa-nos, neste momento, a cláusula limitativa dos fundamentos da responsabilidade. Sobre ela escreve o referido Autor:
"No primeiro caso, acordam as partes, por exemplo, que o devedor só responderá se agir com dolo ou com culpa grave. Restringe-se a responsabilidade a uma culpa qualificada. O que significa que esta cláusula limitativa constitui, ao mesmo tempo, uma cláusula de exclusão por culpa leve, visto que o alcance da mesma é exonerar o devedor sempre que o incumprimento não lhe seja imputável a título de dolo ou culpa grave" (4) Cfr. "Cláusula Penal e Indemnização", Almedina, 1990, págs. 235 e seguintes. Veja-se também, do mesmo Autor, sobre o mesmo tema, "Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil", Coimbra, 1985, págs. 104 e segs, maxime, págs. 106 e 107.).
1.2.- Sob a epígrafe "Renúncia do credor aos seus direitos", o artigo 809º do Código Civil, diploma a que pertencerão os normativos que se venham a indicar sem menção da origem, estabelece o seguinte:
É nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no nº 2 do artigo 800.
Debruçando-se sobre a previsão do artigo 809, Pinto Monteiro manifesta o entendimento de que "a ratio desta norma parece implicar que só deverão considerar-se proibidas as cláusulas de exclusão que abranjam o não cumprimento doloso, ficando salvaguardada, em princípio, a possibilidade de as partes convencionarem validamente a exclusão da responsabilidade por culpa leve, visto que esta cláusula não desfigurará o sentido jurídico da obrigação nem impedirá a exigibilidade do direito de crédito" (5) Cfr. "Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil", pág. 217.).
Importa, porém, desvendar o sentido útil da ressalva estabelecida na parte final do referido artigo 809.
Na verdade, o artigo 800, epigrafado "Actos dos representantes legais ou auxiliares", depois de, no nº 1, prescrever que "o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor", dispõe, no nº 2, o seguinte:
A responsabilidade pode ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública.
Terá a voluntas legislatoris pretendido invalidar qualquer cláusula de irresponsabilidade, independentemente do grau de culpa do devedor, quando reportada a actos directamente praticados por este, permitindo, ao invés, essa mesma cláusula quando se trate da responsabilidade do devedor pelos actos dos seus auxiliares?
Na verdade, em conformidade com o entendimento que tem vindo a fazer carreira entre nós, o artigo 809º não admitiria qualquer cláusula de exclusão, independentemente do grau de culpa do devedor; pelo contrário, no artigo 800, n. 2, essa cláusula seria permitida, seja qual for o grau de culpa dos auxiliares.
Como observa António Pinto Monteiro, cuja lição temos vindo a acompanhar, "a conjugação entre os artigos 809 e 800, nº 2, tal como vem sendo feita, conduziria, assim, parece-nos, a uma estranha conclusão: o credor abdicaria da - renunciaria à - tutela indemnizatória que poderia fazer valer perante o devedor, exonerando-o por completo, ficando assim praticamente indefeso perante graves violações contratuais devidas a auxiliares, só destes podendo exigir indemnização. O que implicaria, como já dissemos, permitir o artigo 800, n. 2, uma eliminação da responsabilidade bien plus radical, quoique plus subtil, pouco coerente com a severidade do artigo 809º" (6) Ibidem, págs. 294 e 295.).
O caminho para uma correcta interpretação tem que ser outro.
Segundo o citado Autor, "ao exceptuar-se «o disposto no nº 2 do artigo 800», pode ter-se pretendido uma de três soluções: não admitir pura e simplesmente a cláusula de exclusão, permitindo-a, ao invés, tratando-se da responsabilidade por actos de auxiliares, mesmo em caso de dolo destes- doutrina comum; proibir a cláusula de exclusão em caso de dolo ou culpa grave do devedor, permitindo-a, no entanto, sem estes limites, tratando-se de actos dos auxiliares- doutrina correspondente à solução do anteprojecto; finalmente, a posição que nos parece preferível, na linha da anterior, mas com uma correcção essencial - a cláusula de irresponsabilidade estará sempre sujeita àqueles limites (dolo e culpa grave), excepto, eventualmente, se se reportar aos actos de auxiliares autónomos que o devedor utilize no cumprimento da obrigação" (7) Cfr. loc. cit. na nota anterior, págs. 296 e 297.).
Numa palavra: o artigo 809º estabelecerá a disciplina da cláusula de exclusão da responsabilidade do devedor, tanto por actos próprios, como por actos dos auxiliares dependentes, rectius, dos seus agentes; o artigo 800º, nº 2, abrangerá auxiliares autónomos, isto é, actos de terceiros, pelos quais o devedor seria responsável, nos termos do nº 1, não fora a cláusula de irresponsabilidade. Cláusula que, no primeiro caso, não será válida, havendo dolo ou culpa grave do devedor ou dos seus agentes, não sendo a sua validade prejudicada, contudo, no segundo caso, pelo dolo ou culpa grave dos auxiliares (terceiros) do devedor, desde que haja acordo prévio do credor (8) Ibidem, pág. 299.).
Foi este o entendimento acolhido pelo acórdão recorrido e que também merece o nosso acolhimento.
Fica, assim, ressalvada a validade das cláusulas de irresponsabilidade por simples culpa leve do devedor ou dos seus auxiliares, não só porque, em tais casos, não se estará perante uma renúncia ao direito de indemnização (cuja proibição resulta do artigo 809º), mas também porque, de tais cláusulas não resultará qualquer ofensa de ordem pública, limite expressamente referido pelo nº 2 do artigo 800º, in fine.
Seguindo este entendimento, importará agora apurar se, no caso sub judice, estamos perante um caso de dolo ou de culpa grave, ou tão somente de simples culpa leve por parte dos devedores ou dos seus auxiliares.
Antes, porém, importará conceder alguma atenção aos argumentos invocados nas 2ª e 3ª conclusões da Recorrente, supra enunciadas.
1.3.- Lê-se na conclusão 2ª:
Por um lado, tal cláusula é nula, por imposição do disposto no artigo 18º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, que rege sobre cláusulas contratuais gerais e que proíbe a exclusão da responsabilidade em caso de dolo ou de culpa grave.
O argumento não merece, porém e salvo o devido respeito, acolhimento, uma vez que, desde logo, não faz sentido, in casu, fazer apelo à "lei das cláusulas contratuais gerais". Com efeito, o referido regime não tem aplicação directa no caso dos autos, uma vez que aqui se trata de um contrato de mandato celebrado entre a Autora e os RR. com ampla liberdade de estipulação, não se estando, de modo algum, perante "um conjunto de proposições pré-elaboradas que proponentes ou destinatários se limitam a propor ou a aceitar" (9) Cfr. Menezes Cordeiro, "Manual de Direito Bancário", Almedina, Coimbra, 1998, pág. 413.).
No caso dos autos, as partes afastaram a presunção legal de culpa do devedor (artigo 799º, nº 1), quanto aos montantes pagos relativos a ordens de pagamento que não apresentassem "sinais evidentes de viciação". Só neste caso a responsabilidade pelo pagamento ficaria a cargo dos devedores. E apenas a exclusão deste tipo de responsabilidade - existindo culpa grave ou grosseira - poderia afectar interesse de ordem pública - artigo 800, n. 2.
Acresce que, quando o falado "Protocolo de Acordo" de fls. 17 e seguintes dos autos foi celebrado - em 1 de Julho de 1985 -, ainda não tinha sido sequer publicado o Decreto-Lei nº 446/85 (de 25 de Outubro).
É certo que as proibições constantes das alíneas a), b), c) e d) do artigo 18º do Decreto-Lei nº 446/85 atingem, na generalidade, as chamadas cláusulas de exclusão ou limitação da responsabilidade, cuja admissibilidade e extensão a doutrina discute perante os já falados normativos do Código Civil. Como observam dois Autores, em anotação ao referido normativo, "não competia ao legislador, de forma alguma, a propósito da disciplina do tráfico negocial de massas, intervir numa controvérsia que pertence à ciência do direito. Por isso, independentemente de saber se duplica, reforça, especifica ou contraria o regime geral, confinou-se a fixar as regras mais adequadas, em seu critério, para prevenir abusos através da utilização de cláusulas contratuais gerais" (10) Cfr. Mário Júlio de Almeida e Costa e António Menezes Cordeiro, "Cláusulas Contratuais Gerais", Reimpressão, Almedina, Coimbra, 1991, pág.43.).
Tendo o contrato consubstanciado no "Protocolo de Acordo" sido modelado em função das necessidades específicas da Autora e das concretas obrigações que os RR. aceitaram livremente assumir, cumpre concluir que o apelo à normação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais é manifestamente infundado, pelo que o que importava era apurar da validade ou não da cláusula de distribuição da responsabilidade constante do Protocolo, em face das normas aplicáveis do Código Civil.
O que já foi feito.
1.4.- Lê-se na conclusão 3ª, a propósito da referida cláusula 2.4.2. do Protocolo:
É nula ainda, no caso concreto, por força do disposto no DL nº 298/92, de 31-12, que estabelece o regime jurídico das instituições de crédito e, designadamente, dos seus artigos 73º e 76º que estatuem sobre a competência técnica e o critério de diligência de actuação das mesmas e dos seus funcionários e cujo nível de exigibilidade é mais elevado do que o do comum bom pai de família devido ao carácter profissional dos autores do ilícito, no caso, os RR.
É, salvo o devido respeito, manifestamente deslocada a referência aos citados normativos do Decreto-Lei nº 298/92.
Com efeito, o que de tais normativos se poderá retirar em favor da tese da Recorrente é a exigência de um maior grau de competência, eficácia e rigor no cumprimento das obrigações contratualmente assumidas por parte dos Réus, atenta a sua qualidade de "contraentes profissionais". Todavia, tal matéria insere-se no âmbito de apreciação da segunda questão supra enunciada, isto é, da questão de saber se os RR., ao pagarem as "ordens de pagamento" não emitidas pela Autora, violaram o dever de diligência a que estavam obrigados. Será, pois, a propósito da apreciação de tal matéria, a que se passará a proceder, que se terão em atenção as exigências alegadamente decorrentes dos citados artigos 73º e 76º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro.
Ou seja, da eventual violação do dever de especial cuidado por parte dos RR. decorreria fundamento bastante para a procedência do recurso, mas tal fundamento jamais radicaria na nulidade da cláusula 2.4.2. do "Protocolo", cuja apreciação sempre se situaria a montante da questão relativa ao cumprimento - ou não - do dever de diligência a que está obrigado o devedor, mesmo tratando-se de "devedor profissional".

Resulta do exposto a improcedência das quatro primeiras conclusões apresentadas pela Recorrente.
Assim, e concordando-se com as instâncias, conclui-se pela validade da cláusula 2.4.2. do protocolo em referência, na medida em que da mesma resulta que sobre o devedor recai o dever de indemnizar em situações de dolo ou culpa grave - quando as ordens de pagamento apresentem "sinais evidentes de viciação" -, pelo que a referida cláusula não exclui, nesses casos de dolo ou culpa grave, a responsabilidade do devedor.

2 - Termos em que importa prosseguir, passando à apreciação da questão relativa à aplicabilidade da referida cláusula.
Entendeu a sentença da 1ª instância, entendimento que mereceu a concordância do Tribunal da Relação, que grande parte das "ordens de pagamento" em causa nos presentes autos foram movimentadas pelos RR. com a "prudência e a aptidão exigíveis".
Mais consideraram as instâncias que apenas em relação às "ordens de pagamento" constantes da resposta ao quesito 20º (11) Era o seguinte o teor do quesito 20º: "Alguns dos documentos referidos no quesito 6º nem sequer se apresentavam impressos no verso, não ostentando impressão de fundo?" (cfr. fls. 359, vs.). Recorde-se que a resposta ao referido quesito 20º do processo principal foi a seguinte: "Não apresentam impressão de fundo no verso as ordens de pagamento pagas no Crédito Predial Português e referidas na alínea P) 3, do apenso "B", folhas 27, 28 e 29, cujos originais se encontram no IV volume, respectivamente a folhas 806 (Nº 920), 805 (Nº 918) e 805 (Nº 919); a ordem de pagamento paga pela D, referida na alínea P) 7, apenso "F", d), folhas 40, cujo original se encontra no IV volume, folhas 796 (Nº 900); e a ordem de pagamento paga pelo Banco I, referida na alínea P) 8, apenso "G" d), folhas 40, cujo original se encontra no IV volume, folhas 774 (Nº 857)" (cfr. fls. 1085, vs.)) do processo principal, atentas as significativas diferenças de impressão que apresentavam em relação ás genuínas, tinha ocorrido da parte dos RR. Banco E, D e Banco I, na medida em que não as detectaram, tendo procedido ao seu pagamento, culpa grave que cabe no âmbito da referida cláusula 2.4.2. Daí que, nessa medida, os aludidos Réus tenham sido condenados- cfr. alíneas a), b) e c) da conclusão da sentença de 14 de Setembro de 1999, a fls. 1333.
Mais uma vez estamos de acordo com o entendimento sustentado quer na 1ª instância, quer na Relação.
Tenha-se presente que, como resulta da resposta ao quesito 21º, só a diferença existente no verso das ordens de pagamento referidas na resposta ao quesito 20º e o verso das ordens de pagamento que a Autora emite era facilmente detectável (12) Era o seguinte o teor do quesito 21ª: "As diferenças referidas nos quesitos 13º e 20º eram facilmente visíveis, patentes e evidentes, nomeadamente, para os RR. e seus funcionários que procederam aos pagamentos referidos em P?". Por sua vez, o quesito 13º tinha o seguinte conteúdo: "O papel utilizado nos documentos referidos no quesito 6º não apresentava a qualidade nem gramagem do tipo aprovado para os cheques normalizados, a que obedecem as verdadeiras ordens de pagamento emitidas pela A.?").
Na verdade, em relação a todas as restantes "ordens de pagamento", atentos os elementos constantes da matéria de facto já acima enunciadas, entendemos que a responsabilidade pelos respectivos montantes cabe à Autora nos termos do clausulado na primeira parte do ponto 2.4.2. do protocolo.

2.1. - É certo que, da referida matéria, alguns factos poderiam ser eventualmente utilizados com vista à defesa do entendimento da Recorrente, isto é, da tese acerca da existência de um incumprimento resultante de culpa grave por parte dos RR.
É, designadamente, o caso dos factos que se passam a reproduzir:
- O tom ou a tonalidade da cor de papel utilizado nos documentos referidos no quesito 6º era diferente, relativamente às ordens de pagamento que a A. emite - resposta ao quesito 14º do processo principal;
- A impressão de fundo dos documentos a que se alude no quesito 6º não era tão nítida e precisa como a das ordens de pagamento emitidas pela A., apresentando zonas empastadas e de reduzida definição- resposta ao quesito 16º do processo principal;
- A A. enviou aos RR. espécimes dos impressos das ordens de pagamento que iria utilizar e suas características de impressão - al. S) da especificação, tendo tal envio sido feito em quantidades suficientes para informação, quer dos serviços centrais destes RR., quer das suas agências e dependências.

O certo, porém, é que são em muito maior número e de natureza bem mais impressiva os factos que apontam para a conclusão da inexistência de culpa grave por parte dos RR.
Assim, e sem pretensões de exaustividade, podem apontar-se os seguintes:
- O papel utilizado nos documentos referidos no quesito 6º não apresentava diferenças significativas em qualidade e gramagem com o tipo aprovado para os cheques normalizados, a que obedecem as ordens de pagamento emitidas pela A.- resposta ao quesito 13º do processo principal;
- Era pouco significativa a diferença entre a espessura e o toque ou a sonoridade do papel utilizado nos documentos referidos no quesito 6ºe o das ordens de pagamento que a A. emite - resposta ao quesito 15º do processo principal;
- Só a diferença existente no verso das ordens de pagamento referidas na resposta ao quesito 20º e o verso das ordens de pagamento que a Autora emite era facilmente detectável - resposta ao quesito 21º do processo principal. Recorde-se, adicionalmente, que, nas "ordens de pagamento" a que se alude em P) - e que os RR. pagaram - o papel apresentava, na frente e no verso, desenhos de flores e espigas de cereais, impressos em fundo, com excepção do que se refere no quesito 20º - resposta ao quesito 34º.
- No que respeita às "ordens de pagamento" referidas em P), os balcões dos RR. verificaram se a ordem de pagamento estava nele domiciliada - resposta ao quesito 27º do processo principal;
- E se havia sido ultrapassada a data da sua validade - resposta ao quesito 28º do processo principal;
- E identificaram os beneficiários pelo B.I.- resposta ao quesito 29º do processo principal;
- E escreveram os elementos de identificação nos locais previstos na ordem de pagamento - resposta ao quesito 30º do processo principal;
- E verificaram a concordância entre os nomes e os números constantes dos cartões de produtor com os que figuram na ordem de pagamento - resposta ao quesito 31º do processo principal;
- Os caracteres da linha óptica foram preenchidos dentro dos espaços próprios - resposta ao quesito 39º do processo principal;
- Os RR. submeteram a leitura óptica as ordens de pagamento referidas em P), tendo sido rejeitadas apenas algumas delas - resposta ao quesito 40º do processo principal.

2.2. - Justificam-se duas observações adicionais.
A primeira para salientar que, conforme resulta dos factos enunciados, os RR. cumpriram os requisitos estabelecidos no ponto 2.2.2. do Protocolo- cfr. a cláusula 2.4.1., na versão dada pelo Aditamento ao Protocolo datado de 21 de Julho de 1987 (cfr. fls. 22) e, bem assim, a cláusula 2.2.2., a fls. 18 dos presentes autos (13) Estabelece, por um lado, o ponto 2.4.1. que "são da exclusiva responsabilidade das IC´s a quem são apresentadas as Ordens de Pagamento, os pagamentos que não observem os requisitos estabelecidos em 2.2.2. Por sua vez, o ponto 2.2.2. prescreve o seguinte: "No acto de liquidação da Ordem de Pagamento, o balcão da IC deve proceder como segue: (a) Verificar se a Ordem de pagamento está domiciliada na sua IC; (b) Verificar se não foi ultrapassada a data de validade; (c) Identificar o beneficiário pelo Bilhete de Identidade, ou outros meios em uso na IC, inscrevendo os elementos de identificação nos locais previstos na Ordem de Pagamento; (d) Verificar a concordância entre o nome e o número constantes do Cartão de Produtor com os que figuram na Ordem de Pagamento; (e) Apor em todas as Ordens de Pagamento, liquidadas em numerário, ou por crédito em conta, carimbo identificador do Banco/Balcão".).
A segunda para dizer que acresce, com bastante relevo e interesse, que «a Autora nunca forneceu aos Réus listagens dos beneficiários das "ordens de pagamento" ou de titulares de "cartão de produtor"» - resposta ao quesito 35º do processo principal. Facto que não podia deixar de dificultar gravemente a adopção de procedimentos mais rigorosos de controlo e de segurança por parte dos RR., no concernente à identificação dos beneficiários das pretensas ordens de pagamento.
2.3.- Mas não se justificará trazer à ribalta o carácter profissional dos RR., autores dos pagamentos, do que decorre a configuração de um grau de exigência forçosamente superior ao que é próprio do cumprimento por parte do contraente não profissional?
É essa a tese do Recorrente, conforme resulta das conclusões 10ª a 12ª, do seguinte teor:
- Ora, sendo os RR. contraentes profissionais e atenta a sua experiência e conhecimento, deveriam ter actuado com a diligência que lhes é exigível, isto é, aquela que teria "um bom pai de família com idênticas qualificações, o que significa forçosamente um grau de atenção, conhecimento, zelo e ponderação diverso daquele que teria um inexperiente naquele tipo de negócios e privado das qualificações de que um profissional dispõe" (Abílio Neto, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1999, pág. 442).
- Porém, ao invés, os RR. actuaram com negligência grosseira, pagando falsas ordens de pagamento sem cuidarem de verificar, por comparação e controle, da sua genuinidade.
- Ou seja, os RR - contraentes profissionais, repete-se- violaram, com culpa grave, o contrato celebrado com a A.
É justamente nesta sede que faz sentido esgrimir com a previsão do artigo 73º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, diploma que aprovou o regime geral das Instituições de Crédito. E fala-se apenas do artigo 73º, uma vez que só este normativo pode, com pertinência, ser chamado à colação, uma vez que estabelece o dever de competência técnica, reportando-se o outro normativo citado pelo Recorrente (o artigo 76º) aos administradores e chefias bancárias e não simplesmente aos empregados bancários.
O certo, porém, é que não pode confundir-se competência técnica bancária com competência pericial ou de polícia científica, que, de acordo com a factualidade provada, teria sido necessária para detectar as irregularidades, fraudes e falsificações utilizadas. Ora, tal competência demanda formação específica, meios adequados e tempo para a realização dos exames periciais necessários, inscrevendo-se na área funcional própria das instituições policiais responsáveis pela realização da investigação criminal.
No que se refere à competência técnica, a não ser que se aceitasse que todos os empregados bancários que efectuaram os pagamentos- e foram, inevitavelmente, muitos - são tecnicamente incompetentes, importará concluir que não lhes era, em rigor, exigível a detecção das desconformidades apresentadas pelas "ordens de pagamento", entendendo-se, pois, inexistir, nesses casos, dolo ou negligência grave.
Refira-se ainda, em apoio desta ilação, o facto dado como assente, segundo o qual "nos cheques autênticos normalizados e emitidos pelas instituições bancárias ocorrem por vezes algumas diferenças de tom ou tonalidade" (resposta ao quesito 46º do questionário do apenso "E").
Improcedem, assim, as demais conclusões oferecidas pelo Recorrente, não tendo ocorrido a violação das disposições legais nelas mencionadas.
Termos em que se nega a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 19 de Março de 2002.
Garcia Marques,
Ferreira Ramos,
Lemos Triunfante.