Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA REVISTA EXCECIONAL | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 06/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (CÍVEL) | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : |
I- De acordo com o n.º 4 do artigo 672.º do CPC “[a] decisão referida no número anterior, sumariamente fundamentada, é definitiva, não sendo suscetível de reclamação ou recurso”. II- Não há qualquer oposição entre o Acórdão da formação e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça invocado como Acórdão fundamento, porquanto aquele não se pronunciou sobre a qualificação da relação contratual entre a Autora e os Réus, sendo o objeto da decisão limitado à verificação ou não dos pressupostos especiais da revista excecional, previstos no artigo 672.º n.º 1 do CPC, ao contrário deste último em que tal qualificação foi precisamente o objeto da decisão. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 15885/20.6T8PRT.P1.S2-A Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, AA, Autora no presente processo em que são Réus BB, Dharma MR Gestão e Imóveis, S.A., Condomínio 1 do Parque ..., Condomínio 2 e Condomínio 3, veio reclamar para a Conferência do despacho do Relator que não admitiu o recurso para uniformização de jurisprudência por si interposto, ao abrigo dos artigos 688.º e ss. do Código do Processo Civil (doravante designado CPC), do Acórdão proferido a 10-01-2024 pela Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do CPC junto desta Secção Social. O teor do despacho ora objeto de Reclamação foi o seguinte: “A Recorrente veio invocar que o Acórdão recorrido estaria em contradição com outro Acórdão, a saber, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-11-2021, processo n.º 2608/19.1T8OAZ.P1.S1. Nos termos da lei, a contradição para relevar teria que dizer respeito a um Acórdão proferido sobre a mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação. O Acórdão recorrido é um Acórdão da Formação que face a uma revista excecional se pronunciou no sentido de não existir qualquer contradição com o Acórdão (então, como agora) invocado como fundamento, a saber o referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-11-2021 proferido no processo n.º 2608/19.1T8OAZ.P1.S1. No Acórdão recorrido afirmou-se o seguinte: “No seu recurso de revista excecional a Autora, como já foi referido, invoca uma alegada contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n.º 2608/19.1T8OAZ.P1.S1, no qual se decidiu, designadamente, que “[s]e a presunção da existência de um contrato de trabalho deve assentar nas características concretas descritas no artigo 12, n.º1 do Código do Trabalho, também a elisão dessa presunção – a prova em contrário – deve ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas, sem que, no caso, se tenham apurado os factos necessários para ilidir a referida presunção legal, cujo ónus da prova pertencia à Ré, por força do art.º 350 do Código Civil”. Cabe ao Recorrente, na revista excecional fundada na contradição de Acórdãos, “indicar os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada”. No seu recurso – mais precisamente nos números 6, 37, 47 e 48, Conclusões B, K, L, M – a Autora sustenta que a elisão da presunção do artigo 12.º do Código do Trabalho não se terá baseado no caso dos autos na realidade fáctica, mas sim em considerações genéricas, já que não haveria factos provados que permitissem tal elisão. Afirma-se, assim, na Conclusão M: “[A] verdade é que os factos provados não configuram qualquer contraprova dos indícios provados sobre o modo de prestação da atividade da Recorrente aos Recorridos, que indiciam, de modo claro, a existência de uma relação jurídica de subordinação, e deste modo não podia o Tribunal ignorar que a Recorrente prestou tais trabalhos de limpeza de umaforma constantee regulardurantecerca de 9 anos, em benefício dos Recorridos e na sequência da afetação ou distribuição do respetivo trabalho pelos Recorridos, em local e com equipamento e instrumentos de trabalho pertencentes e fornecidos pelos Recorridos, durante todos dias úteis e os meses do ano, contra o recebimento de um montante pecuniário fixo e determinado pela entidade empregadora”. Importa, pois, verificar, como é que o Acórdão recorrido fundamentou a elisão da presunção. No Acórdão recorrido pode ler-se a seguinte transcrição da sentença: “Por fim, a aqui demandante em sede de depoimento de parte confirmou que foi gerente da empresa P... . .......... e que fazia limpezas nestes condomínios desde 2009 até ao seu encerramento de atividade; após o encerramento daquela pessoa coletiva a A. disse que continuou ali a fazer as limpezas, pedindo ajuda a outras pessoas para esta atividade, confirmando ainda os valores que lhe foram sendo liquidados pela atividade prestada. Admitiu ainda a A. que não efetuava quaisquer contribuições para a Segurança Social, nem apresentava qualquer declaração de rendimentos para efeitos fiscais, admitindo ainda que era ela quem pagava a remuneração à pessoa que ali se deslocava para fazer a limpeza dos vidros, tendo ali permanecido nestes termos até que o R. BB lhe comunicou que ia prescindir do seu trabalho”. E, posteriormente, afirma-se, igualmente, o seguinte, a respeito da elisão da presunção: “[C]oncordamos, também, tratando-se aliás de aspeto determinante, com a afirmação de que no caso o exercício da atividade era desenvolvido pela Autora, diretamente ou contratando outras pessoas, ocorrendo uma total ausência de poder disciplinar dos Réus quer sobre a Autora quer sobre os colaboradores que a própria contratava e a quem pagava as respetivas remunerações. Como, também, que não demonstrou a Autora que tivesse de dar cumprimento a qualquer horário de trabalho, podendo assim dizer-se, como na sentença, que, sendo o objetivo pretendido apenas o de manter os espaços comuns dos edifícios limpos e em boas condições, seria incumbência da Autora determinar a frequência com que ali se deslocava e o tempo despendido na execução destas tarefas. Por último, quanto à liberdade que a Autora teria de exercer a sua atividade noutros edifícios, o que é demonstrativo da sua liberdade, enquanto prestadora de serviços de escolher as entidades para quem os executava, sendo apresentado aliás um orçamento à administração dos condomínios com um valor pela atividade na sua totalidade e não pela disponibilidade do trabalho da Autora”. Como decorre, com clareza, destes excertos a elisão da presunção baseou-se nos factos dados como provados e não, de todo, em “hipóteses ou informações genéricas”: a Autora começou a realizar a sua atividade laboral ao abrigo de um contrato de prestação de serviços com uma sociedade de que a Autora chegou a ser gerente e após a dissolução da referida sociedade – não constando sequer da matéria de facto dada como provada que os clientes tenham tido conhecimento desse facto – a prestação continuou a realizar-se nos mesmos moldes (facto 21). Como o Acórdão recorrido refere – e não se trata de considerações genéricas – não foi provada a existência de qualquer horário de trabalho e no seu próprio depoimento de parte a Autora reconhece expressamente que pedia ajuda a outras pessoas para o exercício dessa atividade, pessoas que ela própria remunerava (como sucedia pelo menos com a pessoa encarregada da limpeza dos vidros). Em suma, a Autora não agia como trabalhadora subordinada, mas sim como prestadora de serviços, quando não mesmo como empresária. Por conseguinte, há que concluir que a elisão da presunção se baseou nos factos dados como provados no processo e não em quaisquer considerações ou hipóteses genéricas, não havendo qualquer contradição com o Acórdão fundamento.” Face ao exposto há que apreciar se o presente recurso de uniformização de jurisprudência poderá ser admitido. Em primeiro lugar, refira-se que, como já se disse, o Acórdão recorrido é um Acórdão da Formação no âmbito de uma revista excecional e o n.º 4 do artigo 672.º do CPC afirma expressamente que “[a] decisão referida no número anterior, sumariamente fundamentada, é definitiva, não sendo suscetível de reclamação ou recurso”. E o que o Recorrente pretende, sob a invocação de um recurso para uniformização de jurisprudência, é que se volte a decidir quanto à alegada contradição, em clara violação do artigo 672.º n.º 4 do CPC. Acresce que o Acórdão recorrido, sendo um Acórdão da Formação, não se pronunciou, em rigor, sobre a mesma questão jurídica do Acórdão fundamento. O Acórdão fundamento decidiu da qualificação jurídica de uma relação contratual como sendo ou não um contrato de trabalho e para fazer essa qualificação considerou ilidida a presunção de laboralidade, atendendo aos factos concretos apurados nesses autos. O Acórdão da Formação pronunciou-se apenas sobre a alegada contradição quanto à elisão da presunção e decidiu que a mesma não existe, porque também neste caso se atendeu aos factos provados para ilidir a presunção. Assim, quer em razão do artigo 672.º n.º 4 do CPC, quer por não estarem reunidos os pressupostos do artigo 688.º n.º 1 do CPC, já que Acórdão recorrido e Acórdão fundamento não foram proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito, não se admite o presente recurso para uniformização de jurisprudência. Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário”. Porquanto o teor da Reclamação não acrescenta qualquer novo argumento relativamente ao recurso interposto, a Conferência manifesta a sua concordância com o teor do despacho objeto da presente Reclamação e rejeita a admissibilidade do recurso de uniformização de jurisprudência pelas razões já aduzidas: - Em primeiro lugar, o presente recurso violaria o disposto no artigo 672.º n.º 4 do CPC; - Em segundo lugar, não há qualquer oposição entre o Acórdão da formação e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-11-2021 porquanto aquele não se pronunciou sobre a qualificação da relação contratual entre a Autora e os Réus, sendo o objeto da decisão limitado à verificação ou não dos pressupostos especiais da revista excecional, previstos no artigo 672.º n.º 1 do CPC, ao contrário deste último em que tal qualificação foi precisamente o objeto da decisão. Decisão: Rejeitada a Reclamação Custas pela Reclamante sem prejuízo do apoio judiciário Lisboa, 5 de junho de 2024 Júlio Gomes (Relator) Mário Belo Morgado Ramalho Pinto |