Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | MARIA LAURA LEONARDO | ||
Descritores: | ACÇÃO DE ANULAÇÃO INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS DE CCT LEGITIMIDADE ACTIVA SINDICATO | ||
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Nº do Documento: | SJ200706060046084 | ||
Data do Acordão: | 06/06/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I – A legitimidade, enquanto pressuposto processual positivo, define-se através da titularidade do interesse em litígio, interesse este que tem que ser directo, actual e inerente ao próprio objecto da acção. II – Sempre que a lei faça uma indicação concreta das pessoas legitimadas para defender um determinado interesse jurídico, como sucede com o art. 4.º do CPT/99, essa indicação não pode deixar de ser tomada em conta. III – Em face do art. 4.º do CPT/99, não tem legitimidade para intentar uma acção de anulação de um CCT (demandando as associações sindical e patronal subscritoras do mesmo) uma associação sindical que não outorgou no CCT impugnado. IV – Também na perspectiva do art. 5.º do CPT/99 – quer na vertente de legitimidade directa, quer na de legitimidade indirecta – falece ao autor/sindicato legitimidade para intentar tal acção na medida em que, face aos termos em que a estruturou, o interesse jurídico directo e actual que lhe está subjacente não é a defesa de interesses colectivos dos trabalhadores, mas a defesa das regras de concorrência entre empresas, o que não cabe nas suas atribuições. * * Sumário elaborado pelo Relator. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: I – Empresa-A - Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas, propôs acção de anulação de contratação colectiva, com a tramitação constante dos artºs 183º e segs do CPT contra Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada e Empresa-B - Sindicato dos Profissionais de Escritório, Comércio, Indústria, Turismo, Serviços e Correlativos, das Ilhas de São Miguel e Santa Maria pedindo que seja anulado o CCT celebrado entre os réus para o Sector de Prestação de Serviços de Segurança Privada, publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, IV Série, nº 4, de 18 de Abril de 2002, por claramente ofender os princípios da concorrência. Alegou, para tanto, o seguinte: 1 - É uma associação sindical que representa em todo o território nacional, entre outros trabalhadores, os trabalhadores do sector de segurança e vigilância privadas; 2. No Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, IV Série, nº 4 de 18 de Abril de 2002, foi publicado o CCT celebrado entre os réus para o Sector de Prestação de Serviços de Segurança Privada (doc. nº 1, junto com a petição inicial); 3. Aquela CCT tem o âmbito de aplicação às empresas que se dediquem à actividade de prestação de serviços de segurança privada que se encontrem filiadas na ré Câmara de Comércio e ainda aos trabalhadores filiados na ré Empresa-B - cláusula 1ª daquele CCT; 4. Na Região Autónoma dos Açores existem três empresas que se dedicam à actividade de prestação de serviços no sector da segurança privada, a saber: (i) Empresa-C, com sede na Avª Príncipe do Mónaco, ... 9500-237 Ponta Delgada; (ii) Empresa-D, com sede na Avª 24 de Julho, ..., 1350 Lisboa; (iii) Empresa-E, com sede na R. ..., 9700-376 Arrifes; 5. Aquele CCT teria assim teoricamente como destinatários aquelas três empresas e os trabalhadores ao seu serviço filiados no réu Empresa-B; 6. E por força do princípio da igualdade salarial e do regime aplicável às relações periódicas de trabalho que emanam do artº 14º do DL 519-C1/79, aquele CCT tende a ser aplicado a todos os trabalhadores ao serviço daquelas três empresas; 7. O autor vem celebrando, desde 1975 com as empresas de segurança privada e, a partir de Janeiro de 1991, com as respectivas associações patronais do sector da segurança privada, convenções colectivas de trabalho de âmbito nacional e que têm sido objecto de Portarias de Extensão a todo o território do continente; 8. O último daqueles CCT foi publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, nº 5, de 8 de Fevereiro de 2001, tendo a respectiva Portaria de Extensão a todo o território do continente sido publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 26 de 15 de Julho de 2001 (doc. nº 2, junto com a petição inicial); 9. Este último CCT de que se juntou uma edição (doc. nº 3, junto com a petição inicial), tem a vigência de 1 de Janeiro de 2001 a 31 de Dezembro de 2002, como consta da sua cláusula 2ª; 10. E, para além de vigorar em todo o território do continente por força da Portaria de Extensão já citada, vigora também na Região Autónoma da Madeira, por ter sido objecto de Portaria de Extensão publicada naquela Região Autónoma; 11. E é aplicável em todo o território nacional às empresas filiadas nas Associações subscritoras por força do âmbito nacional definido na sua cláusula 1ª, como é o caso da Empresa-C, já referida; 12. Quer isto dizer que a Empresa-C, na Região Autónoma dos Açores, está vinculada também à aplicação deste CCT em que o autor é outorgante; 13. O mesmo acontece com a Empresa-D; 14. CCT que a Empresa-E está também obrigada a cumprir na Região Autónoma da Madeira, onde também exerce a actividade por força da Portaria de Extensão já mencionada; 15. De onde se concluía que o CCT impugnado só tem aplicação à Empresa-E na actividade que esta exerce na Região Autónoma dos Açores, ficando esta empresa, ao abrigo deste CCT, a ser a única empresa em todo o território nacional que tem condições específicas para o exercício da actividade da prestação de serviços em todo o território nacional; 16. E sucede que, comparando as tabelas salariais e outras cláusulas de expressão pecuniária, se verifica que o CCT agora impugnado tem custos salariais e de massa salarial muito inferiores aos que são aplicáveis por força do CCT de âmbito nacional; 17. Na verdade, enquanto este CTT tem tabelas salariais nas categorias profissionais que vão de Vigilante a Supervisor e cujos valores, no ano de 2002, vão de 534,71 euros a 704,30 euros, no CCT impugnado aqueles valores vão de 437,00 euros a 594,00 euros; 18. No que toca ao subsídio de alimentação, o CCT de âmbito nacional prevê, na sua cláusula 27-A, o valor diário de 4,65 euros enquanto o CCT impugnado estabelece o valor de 4,49 euros - cláusula 17ª; 19. Os vigilantes com funções de rondista de distrito têm no CCT de âmbito nacional um acréscimo de retribuição mensal de 99,26 euros (ver parte final da tabela salarial), enquanto que no CCT impugnado aquele acréscimo é somente de 49,88 euros -cláusula 21ª; 20. O CCT impugnado não prevê qualquer acréscimo de retribuição quando os vigilantes se encontram no desempenho de funções de chefe de grupo, escalador ou transporte de valores, como sucede no CCT de âmbito nacional; 21. Em suma, através do CCT impugnado a Empresa-E na Região Autónoma dos Açores, obtém um regime de custos com mão de obra a preços inferiores aos das empresas concorrentes, as quais têm que exercer a sua actividade na mesma Região Autónoma em condições concorrenciais desfavoráveis; 22. O acordo consubstanciado no CCT impugnado viola, por isso, o artº 2º-1, alíneas a), b, d) e e), do DL 371/93 e o artº 85º, nº 1, alíneas a) e d) do Tratado da União Europeia; 23. E, estabelecendo condições concorrenciais em benefício da Empresa-E em condições manifestamente mais favoráveis, viola as regras impostas à concorrência; 24. Deve, por isso, ser anulado o CCT impugnado; 25. Não tendo o autor outros meios procedimentais ao seu alcance para anular os efeitos ilícitos daquele CCT, uma vez que as partes, possuindo já um CCT se recusam a negociar e a existência do CCT impugnado impede a publicação de um PRT que suprima aquela recusa; 26. Nos termos do artº 89º do Tratado da União Europeia, o autor irá suscitar a violação das regras de concorrência perante a respectiva Comissão. Ambos os réus alegaram, invocando a incompetência do Tribunal em razão da matéria e a ilegitimidade do autor. No mais, pugnaram pela improcedência da acção. O autor respondeu, refutando as invocadas excepções. No saneador, as excepções – de incompetência e ilegitimidade - foram julgadas improcedentes. Considerando que a Lei (DL nº 371/93 e artº 85º do Tratado da União Europeia) apenas assumia como capazes de práticas restritivas da concorrência as empresas - e não os sindicatos, partidos políticos, pessoas colectivas de utilidade pública, associações –, sendo que o fundamento da acção era, justamente, a violação das regras de concorrência, o tribunal julgou igualmente a acção improcedente e, em consequência, absolveu os réus do pedido. Autor e réus interpuseram recurso, aquele a título principal (apelação), estes subordinadamente (agravos). O Tribunal da Relação concedeu provimento aos agravos interpostos pelos réus e, julgando o autor parte ilegítima, absolveu os réus da instância, não tomando conhecimento da apelação. Irresignado, o autor interpôs recurso, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1ª) - O recorrido veio impugnar o CCT da Vigilância celebrado entre o Empresa-B e a Câmara de Comércio recorrente alegando violação das normas da concorrência uma vez que, através daquele CCT se vinham estabelecer condições mais desfavoráveis para os trabalhadores do sector, condições essas que só seriam aplicáveis à Empresa-E no âmbito de aplicação daquele CCT na Região Autónoma dos Açores, já que as restantes empresas existentes naquela região autónoma estavam uma delas obrigada à aplicação do CCT da Vigilância de âmbito nacional e a outra cumpria já aquele CCT de âmbito nacional, a exemplo do que sucedia em todos as outras regiões do país; 2ª) - A legitimidade do autor decorre do facto de o mesmo ser um Sindicato que têm no seu âmbito a representação dos trabalhadores do sector da Vigilância e, obviamente, ter interesse legitimo em evitar que através do CCT em causa se criem situações de privilégio de uma empresa em prejuízo dos trabalhadores incluídos no seu âmbito de representação; 3ª) - Legitimidade que decorre inequivocamente dos artºs 5° do Código de Processo de Trabalho e 56° da Constituição e que não se reconduz aos interesses sócio-profissionais dos trabalhadores que representa; 4ª) - O acórdão recorrido, ao decidir que o autor era parte ilegítima por não ter sido parte na celebração do CCT impugnado, não apreciando por essa razão o recurso de apelação que o autor interpusera da decisão de 1ª instância, violou por essa razão os artºs 5° do Código de Processo de Trabalho e o artº 56° da Constituição; 5ª) - A decisão de 1ª instância que reconheceu a legitimidade do autor deve pois manter-se por conforme com o direito aplicável, revogando-se o acórdão recorrido e determinando-se a apreciação do recurso de apelação interposto da decisão de 1ª instância. Nas contra-alegações, os réus pugnaram em defesa do acórdão recorrido. No seu douto parecer, a Exmª Magistrada do Mº Pº pronuncia-se no sentido de ser negado provimento ao recurso. Não houve resposta. II - Questões Saber se o autor tem legitimidade para a acção. III - Factos 3.1 – Dados como provados pelas instâncias: 1. O autor é uma associação sindical que representa em todo o território nacional, entre outros trabalhadores, os trabalhadores do sector de segurança e vigilância privados. 2. No Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, IV Série, nº 4, de 18 de Abril de 2002, foi publicada a Convenção Colectiva de Trabalho celebrado entre os RR para o sector de prestação de serviços de segurança privada. 3. Aquela CCT tem o âmbito de aplicação às empresas que se dediquem à actividade de prestação de serviços de segurança privada que se encontrem filiadas na R. Câmara do Comércio e ainda os trabalhadores filiados na R. Empresa-B. 4. Na Região Autónoma dos Açores existem três empresas que se dedicam à actividade no sector de segurança privada: (a) Empresa-C- Serviços, Tecnologia e Segurança, S.A, com sede em Ponta Delgada; (b) Empresa-D, com sede em Lisboa; (c) Empresa-E, Lda, com sede em Ponta Delgada. 5. O autor vem celebrando desde 1975 com as empresas de segurança privada e, a partir de Janeiro de 1991, com as respectivas associações patronais do sector de segurança privada convenções colectivas de trabalho de âmbito nacional e que têm sido objecto de Portarias de Extensão a todo o território do continente. 6. O último daqueles CCT foi publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, nº 5, de 8 de Fevereiro de 2001, tendo a respectiva Portaria de Extensão a todo o território do continente sido publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 26 de 15 de Junho de 2001. 7. Este último CCT tem vigência de 1 de Janeiro de 2001 a 31 de Dezembro de 2002. 8. Além de vigorar em todo o território do continente, por força da referida P.E., vigora também na Região Autónoma da Madeira por ter sido objecto de P.E. publicada nesta Região Autónoma. 9. É aplicável em todo o território nacional às empresas filiadas nas Associações subscritoras, como é o caso da Empresa-C. 10. A convenção colectiva de trabalho indicada no nº 2, por força das suas cláusulas de expressão pecuniária (tabelas salariais, subsídio de alimentação, etc.) tem custos salariais e de massa salarial inferiores aos que constam da convenção colectiva de trabalho referida no nº 6. 3.2 – Há, ainda, que ter em conta a matéria alegada na petição inicial e que acima se transcreve. IV - Apreciando 1. Relativamente à questão da legitimidade, as instâncias tiveram posições divergentes. O Tribunal de Trabalho de Ponta Delgada considerou que o autor era parte legítima, face ao disposto no artº 5º-1 do CPT. Isto porque nesta acção se discute a validade de uma convenção colectiva que se aplica a trabalhadores do sector de segurança e vigilância privadas, que é a área de actividade laboral dos trabalhadores que o autor representa. Nessa medida entendeu que existia coincidência entre o objecto da acção e os interesses específicos de uma determinada área que cabia ao autor defender. Conhecendo do mérito, acabou por julgar a acção improcedente e absolver os réus do pedido. Por seu turno, o Tribunal da Relação julgou o autor parte ilegítima e absolveu os réus da instância. Eis a sua fundamentação: - existindo norma específica respeitante à acção de anulação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho (maxime da totalidade da convenção) – artº 4º do CPT -, a legitimidade das partes terá de ser aferida de acordo com este preceito; - assim, só podem estar em juízo, em acções desta natureza, para além das respectivas entidades outorgantes, os trabalhadores e as entidades patronais interessados; - no caso em apreço, o autor é uma associação sindical estranha à convenção colectiva cuja anulação requer; - logo, não cabendo no leque de entidades previstas na citada norma, não detém legitimidade activa para intervir na presente acção; - e porque há norma expressa, não há que recorrer ao comando do artº 5º-1 do CPT, como o fez a 1ª instância; - donde se conclui que, com o citado artº 4º, foi intenção do legislador restringir o direito de discutir a validade de um CCT (ou qualquer das suas cláusulas), no caso das associações sindicais apenas às que o outorgaram, o que não acontece no caso do autor relativamente ao CCT impugnado. - a falta de legitimidade é uma excepção dilatória que conduz à absolvição dos réus da instância (cf. artºs 493º-1-2, 494º-e) e 288º-1-d), todos do CPC, aplicáveis ex-vi do artº 1º-2- a) do CPT. O autor discorda. Insiste em que a sua legitimidade decorre do disposto no artº 5º do CPT e do artº 56º da CRP, pelo facto de ter no seu âmbito a representação dos trabalhadores do sector da vigilância e, obviamente, ter interesse legítimo em evitar que através do CCT em causa se criem situações de privilégio de uma empresa em prejuízo dos trabalhadores incluídos no seu âmbito de representação, legitimidade que não se reconduz aos interesses sócio-profissionais dos trabalhadores que representa. 2. Tudo se resume a saber se ao caso presente se aplica o disposto no artº 4º ou no artº 5º-1 do CPT. Segundo aquele preceito: «As entidade outorgantes de convenções colectivas de trabalho, bem como os trabalhadores e as entidades patronais directamente interessados, são partes legítimas nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas daquelas convenções.» Este artigo corresponde com alterações ao artº 5º do anterior CPT (de 1981). Ali estipulava-se: «As entidades outorgantes de convenções colectivas de trabalho são partes legítimas nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas daquelas convenções». Como este preceito processual era posterior ao DL nº 519-C1/79, de 29.12 (Lei dos Instrumentos de Regulamentação Colectiva – LIRC), havia quem entendesse, a coberto do princípio segundo o qual a lei nova afasta a lei antiga, que os trabalhadores tinham perdido a legitimidade para propor aquelas acções (o preceito afectado era o artº 43º deste diploma, que dispunha que [a]s associações sindicais e patronais, bem como os trabalhadores e as entidades patronais interessados, pod[ia]m propor acção de anulação perante os tribunais de trabalho, das cláusulas dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que t[ivesse]m por contrárias à lei.»). Para estes, o preceituado no artº 4º do novo CPT foi entendido como uma repristinação da norma do artº 43º da LRCT, na medida em que veio alargar a legitimidade quanto às acções de anulação e interpretação de cláusulas das convenções colectivas de trabalho – voltou a caber também aos trabalhadores e às entidades patronais directamente interessadas. No preâmbulo do DL nº 480/99, de 9 de Novembro, que aprovou o CPT vigente, destaca-se como alteração de vulto, em sede de legitimidade, a contida no citado artº 4º. Escreve-se aí: «…condensa-se num único normativo processual a disciplina da legitimidade nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, que até agora vinha sendo regulada, não só no Código, mas também no Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, diploma este com natureza de direito substantivo, circunstância que se converteu em fonte de estéreis querelas doutrinais e jurisprudenciais.” De acordo com o próprio legislador, a redacção do citado artigo 4º visou colocar no sítio próprio a disciplina dum pressuposto processual relativamente às acções de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho. Coerentemente, não levou ao Código de Trabalho preceito correspondente ao artº 43º da LRCT. Por seu turno, estatui-se no nº 1 do artº 5º: «1 - As associações sindicais e patronais são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam.» Neste nº 1, contempla-se a defesa de interesses colectivos. No nº 2, a defesa dos interesses individuais dos trabalhadores. Ali, há uma definição de legitimidade – quem pode defender em juízo aqueles interesses colectivos. Aqui, não se trata, em bom rigor, duma questão de legitimidade (esta pertence aos trabalhadores), mas de representação e substituição. Há quem fale duma legitimidade indirecta. Este artigo corresponde com alterações ao artº 6º do anterior CPT. Aí se estabelecia: “1. Os organismos sindicais e patronais são parte legítima como autores nas acções respeitantes aos interesses colectivos cuja tutela lhes esteja atribuída por lei.” No nº 2, consagrava-se a legitimidade dos organismos sindicais para, em certas situações, exercer o direito de acção em representação e substituição do trabalhador. “O conceito de interesse colectivo assenta na existência de uma pluralidade de indivíduos sujeitos aos mesmos interesses (iguais ou de igual sentido), pressupondo uma nova e diferente entidade como titular”. O interesse colectivo “não elimina, nem ofusca os interesses de cada um dos interessados, conferindo-lhe antes, uma maior força que, pela sua importância, justifica a respectiva tutela por entidade distinta” (Albino Mendes Baptista, Código de Processo do Trabalho, Anotado, pg 37). Aqueles preceitos processuais são emanações do artº 56º da nossa Lei Fundamental, que o recorrente também invoca. Aí se consagra (no nº 1) que compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam. Nos nºs 2 e 3, referem-se os direitos das associações sindicais, constitucionalmente reconhecidos (direito de participar na elaboração da legislação do trabalho, na gestão das instituições de segurança social (…) e nos processos de reestruturação da empresa especialmente no tocante a acções de formação ou quando ocorra alterações das condições de trabalho; direito de pronunciar-se sobre os planos económico sociais (…) e de fazer-se representar nos organismos de concertação social, nos termos da lei; direito de contratação colectiva). No nº 4, o preceito constitucional remete para a lei ordinária a definição das regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas, bem como à eficácia das respectivas normas. No caso presente, estamos perante uma questão de legitimidade. Enquanto pressuposto processual (pressuposto positivo), consiste numa posição da parte perante a acção. A sua existência é essencial para que o tribunal se pronuncie sobre o mérito da causa. Define-se através da titularidade do interesse em litígio. É parte legítima quem tem interesse directo em demandar ou em contradizer (artº 26º do CPC). No nº 3 deste preceito, estabelece-se um critério supletivo – titularidade da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor. De acordo com a lei, o interesse (jurídico) que justifica a legitimidade processual tem que ser directo e actual. Há-de ser inerente ao próprio objecto da acção. A legitimidade tem assim a ver com uma relação de pertença ou de titularidade do direito ou interesse que se pretende fazer valer ou defender (Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito de Trabalho, I, pg 187). Sempre que a lei faça uma indicação concreta das pessoas legitimadas para defender um determinado interesse jurídico, essa indicação não pode deixar de ser tomada em conta. É o que acontece no artº 4º do CPT. Aí se indica a quem cabe a legitimidade nas acções de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho (maxime da totalidade da convenção). Atendendo ao objecto da acção, ou seja, ao pedido (pedido de anulação do CCT celebrado entre os réus para o Sector de Prestação de Serviços de Segurança Privada, publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, IV Série, nº 4, de 18 de Abril de 2002, por claramente ofender os princípios da concorrência) e à causa de pedir, que na acção de anulação se identifica com a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido (artº 498º-4 do CPC) e que, no caso concreto, corresponde a factos violadores das regras da concorrência entre empresas (artº 2º-1 do DL nº 371/93, de 29 de Outubro, e artº 81º do Tratado de Roma, na numeração introduzida pelo Tratado de Amesterdão de 2.10.97, aprovado pela Resolução AR nº 7/99 de 19 de Fevereiro, ratificado pelo Dec. PR nº 65/99, da mesma data, e que, antes, era o artº 85º) (2), não se suscitam dúvidas quanto ao tipo de acção proposta: acção de anulação da referida convenção colectiva de trabalho. De resto, assim a qualificou o próprio autor. Por outro lado, temos como sujeitos processuais: do lado activo, uma associação sindical que representa em todo o território nacional, entre outros trabalhadores, os trabalhadores do sector de segurança e vigilância privadas, mas que não outorgou no CCT impugnado; do lado passivo, a associação patronal, Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada e a associação sindical, Empresa-B – Sindicato dos Profissionais de Escritório, Comércio, Indústria, Serviços e Correlativos das Ilhas de S. Miguel e Santa Maria – Sector de Prestação de Serviços de Segurança Privada, partes outorgantes da CCT impugnada. Estando em causa uma acção de anulação, nos termos propostos, o regime da legitimidade há-de procurar-se no citado artº 4º do CPT. E à luz deste preceito, tem que concluir-se, como fez a Relação, que o autor não é parte legítima. Apesar de não ser parte outorgante na referida convenção, poderá o autor, ainda assim, ter interesse directo em demandar? É esta questão que parece colocar o recorrente quando argumenta que actua na defesa de direitos respeitantes aos interesses colectivos dos trabalhadores que representa. A resposta tem que ser negativa. E aqui impõe-se relembrar uma vez mais o que diz Bernardo Xavier: que a legitimidade pressupõe uma relação de pertença ou de titularidade do direito ou interesse que se pretende fazer valer ou defender. Ora, face aos termos da acção, tal como foi estruturada pelo autor, quanto ao pedido e causa de pedir, o interesse jurídico directo e actual que lhe está subjacente não é a defesa de interesses colectivos dos trabalhadores, mas sim a defesa das regras da concorrência entre empresas, que não cabe nas atribuições do autor. Assim, também desta perspectiva, nunca seria caso de aplicação do citado artº 5º do CPT. Nem na vertente da legitimidade directa, nem na da legitimidade indirecta (em representação ou substituição de trabalhadores). Importa, ainda, ter presente que na CCT impugnada os trabalhadores se encontram representados por uma associação sindical, Empresa-B das Ilhas de S. Miguel e Santa Maria, que foi parte outorgante, sendo certo que tal representação, que não é posta em causa nesta acção, tem cobertura constitucional – artº 55º-1-2-a) da CRP. Acresce que o direito de contratação colectiva exercido pelo réu Empresa-B, em representação dos trabalhadores filiados, e de que resultou a CCT, cuja anulação se pretende, se mostra igualmente garantido pela Lei Fundamental (citado artº 56º-3). Por tudo isto, também não se vislumbra em que medida é que a declaração de ilegitimidade do autor para esta acção viola o disposto no citado preceito constitucional (artº 56º da CRP). Improcedem, pois, todas as conclusões do recorrente. V – Decidindo Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente/autor. Lisboa, 6 de Junho de 2007 Maria Laura Leonardo (Relator) Sousa Peixoto Sousa Grandão ----------------------------------------- (1) Nº 173/06; Relª Mª Laura de C. S. Maia (Leonardo); Adjºs Conselheiros Sousa Peixoto e Sousa Grandão. (2) O Tratado de Roma (TCE) de 1957, assim como os outros Tratados, foram, sucessivamente, alterados pelo Acto Único Europeu (1986), Tratado da União Europeia (1992, Maastrich), Tratado de Amesterdão (1997), Tratado de Nice (2001) e Acto de Adesão (2003). |