Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MANUEL CAPELO | ||
Descritores: | PROPRIEDADE INDUSTRIAL MEDICAMENTOS GENÉRICOS PATENTE NULIDADE TRIBUNAL ARBITRAL COMPETÊNCIA MATERIAL LEI INTERPRETATIVA EXCEÇÃO PERENTÓRIA INCONSTITUCIONALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 12/09/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL) | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | Face à natureza interpretativa do artigo 4º do DL nº 110/2018, de 10 de dezembro, na parte em que adita o novo nº 3 ao artigo 3º da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, deverá concluir-se que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer, por via de exceção, da invalidade (do facto constitutivo) da patente, “com meros efeitos inter partes". | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório Bristol-Myers Squibb Holdings Ireland e a Bristol-Myers Squibb Farmacêutica Portuguesa S.A., propuseram ação arbitral contra a sociedade Sandoz Farmacêutica, Lda., com vista à defesa dos direitos de propriedade industrial que, nos termos, nomeadamente, do artigo 101.°do Código de Propriedade Industrial, emergem da patente europeia n° 17 11481, da patente europeia n° 1610780 e da patente europeia n° 1885339, respeitantes a medicamentos genéricos contendo Dasatinib como substância ativa, incluindo, designadamente, os referentes aos pedidos de Autorização de Introdução no Mercado (AIM), cujos pedidos foram requeridos pela Sandoz Farmacêutica, Lda., em 1 de Março de 2017 e publicados pelo INFARMED em 12 de Abril de 2017. O Tribunal Arbitral foi declarado instalado em 22 de Janeiro de 2018, data em que foi aprovado o Regulamento de Arbitragem. Na ação arbitral, foram formulados como pedidos que a demandada Sandoz Farmacêutica, Lda, seja condenada a: a) abster-se de, em território Português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer (por meio de participação em concurso ou outro) os medicamentos que são objeto dos pedidos de AIM identificadas no artigo 91º da Petição Inicial, enquanto a EP ‘780 se mantiver em vigor; b) abster-se de, em território Português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer (por meio de participação em concurso ou outro) os medicamentos genéricos identificados no artigo 91 da petição inicial ou quaisquer outros medicamentos contendo dasatinib como substância activa, enquanto a EP ‘780 se mantiver em vigor, sem que: i. os folheto informativo e resumo das características do medicamento dos medicamentos em causa sejam expurgados de quaisquer referências ao tratamento oral de leucemia mielógena crónica (CML); ii. escreva a todas as autoridades relevantes no campo da saúde, designadamente o INFARMED, a ACSS, a SPMS e os hospitais em Portugal, para informar que quaisquer medicamentos contendo dasatinib como substância activa que possa fornecer não são indicados nem devem ser utilizados no tratamento oral de CML; iii. garantam que o seu departamento de vendas se abstenha de promover ou oferecer para venda quaisquer medicamentos contendo dasatinib como substância activa para o tratamento oral de leucemia mielógena crónica (CML) e que deixe claro, por escrito, em relação a todos os compradores ou potenciais compradores, que os seus medicamentos contendo dasatinib como substância activa não podem ser utilizados no tratamento oral de ML; iv. quando participe num procedimento de contratação pública para medicamentos contendo dasatinib como substância activa e forneça medicamentos contendo dasatinib como substância activa, informe as autoridades relevantes no campo da saúde, designadamente o INFARMED, a ACSS, a SPMS que esses medicamentos não estão indicados e não podem ser utilizados no tratamento oral de CML e que só podem ser comprados e utilizados para suprir as necessidades relativas ao tratamento de outras indicações terapêuticas que não o tratamento oral de leucemia mielógena crónica (CML); v. quando os medicamentos contendo dasatinib como substância activa sejam adquiridos através de procedimento de contratação pública para serem usados no tratamento oral de CML, assegure que qualquer proposta que faça no âmbito desse procedimento refira expressamente que os medicamentos contendo dasatinib como substância activa não são indicados para o tratamento oral de CML e só podem ser utilizados no tratamento de outras indicações terapêuticas que não o tratamento oral de CML; vi. mantenha um registo escrito rigoroso de todas as vendas que faça de medicamentos contendo dasatinib como substância activa por referência individualizada a procedimento e contratação pública, hospital e empresa de serviços de cuidados domiciliários. Para sustentar estes pedidos foi invocado que a 1ª demandante é titular da EP nº 1 610 780 que se refere, inter alia, ao desatinib e que o direito de patente é um direito fundamental como decorre do disposto no artigo 101º do Código da Propriedade Industrial. A Sandoz pretende comercializar medicamentos Genéricos Desatinib Sandoz em território português, o que constituirá uma violação dos direitos da BMS decorrente da EP ‘780, uma vez que consistirão numa utilização comercial ilegal de intervenções protegidas pela patente, nos termos dos artigos 101º, nºs 1 e 2 do CPI. Na sua Contestação a Sandoz Bristol veio invocar, nomeadamente, a nulidade da EP 1610780, por carecer de actividade inventiva e pelo seu objecto não preencher os requisitos do CPE em virtude de não descrever a invenção de forma suficientemente clara e completa. A Bristol – Meyers Squibb Holdings Ireland apresentou resposta às excepções, tendo pugnado que o tribunal: a) proferisse imediatamente uma decisão parcial, condenando a Demandada nos pedidos formulados na petição inicial, ao abrigo do artigo 3º, nº2, da Lei nº 62/2011; ou, caso assim não se entendesse que o tribunal b) se julgasse incompetente para conhecer da validade das reivindicações 1 e 7 (e bem assim de qualquer uma) da EP ‘780, julgando procedente os pedidos a) e b) formulados na petição inicial; e/ou, caso assim não se entendesse (na parte abrangida pelos pedidos formulados em (i), (ii) julgasse as excepções deduzidas pela Demandada totalmente improcedentes. No dia 11/06/2019, o Tribunal Arbitral proferiu decisão, nos termos da qual: 1 - julgou improcedente o pedido de suspensão da instância arbitral que havia sido requerida pela demandada Sandoz; 2. desatendeu a pretensão da demandante Bristol no sentido de ser imediatamente proferida decisão de mérito condenando a demandada nos pedidos formulados na petição inicial sob as alíneas a) e b), relacionados com a EP 1 610 780 e 3. declarou o tribunal arbitral competente “para conhecer dos vícios invocados pela demandada na sua contestação quanto à EP 780”. A demandante Bristol – Myers Squibb Holdings Ireland Unlimited Company Janssen interpôs recurso daquela decisão, requerendo que o despacho proferido em 11/06/2019 fosse revogado e substituído por decisão que: a) Declarasse a incompetência do Tribunal para conhecer incidentalmente da validade da EP ‘780 com efeitos inter partes e b) aplicasse imediatamente a cominação prevista no artigo 3º, nº2, da Lei nº 62/2011: i. Condenando a demandada nos pedidos a) e b) formulados na petição inicial ou, caso assim não se entendesse ii. Condenando a demandada no pedido a) formulado na petição inicial. No dia 04/10/2019, o Tribunal Arbitral proferiu despacho de não admissibilidade do recurso interposto pela demandante, despacho essa relativamente ao qual aquela apresentou reclamação. Após conflito sobre a competência para apreciar o objecto da reclamação, foi decidido que competia à relatora conhecer da reclamação, a qual foi julgada parcialmente procedente, tendo o despacho reclamado sido substituído, na parte em que não admitiu o recurso relativamente à decisão que julgou o tribunal arbitral competente para apreciar a validade da EP ‘780 com efeitos inter partes, por outro que admitiu o recurso de tal decisão, como apelação. Decidindo a Apelação o Tribunal da Relação negou provimento ao recurso mantendo a impugnada decisão proferida na ação arbitral em 11 de Junho de 2019, na qual o Tribunal Arbitral se julgou competente para conhecer e decidir sobre a invalidade da EP’ 1 610 780. Inconformados com esta decisão dela interpôs Revista a sociedade BRISTOL-MYERS SQUIBB HOLDINGS IRELAND UNLIMITED COMPANY, concluindo que 1. O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação que que confirmou a decisão vertida no Despacho n.º 2 do Tribunal Arbitral, decidindo no sentido de negar provimento ao recurso interposto pela BMS e, em consequência, manter a impugnada decisão proferida na ação arbitral, na qual o Tribunal Arbitral se julgou competente para conhecer e decidir sobre a invalidade da EP ‘780; 2. O presente recurso foi interposto ao abrigo do disposto do artigo 671.º, n.º 2, alínea a), que remete para os casos do art.º 629.º n.º 2 do CPC. Em particular, o presente recurso de revista é admissível quer nos termos da alínea a) do artigo 629.º n.º 2 do CPC, quer nos termos da sua alínea d) 3. Versando o presente recurso unicamente sobre a competência dos tribunais arbitrais necessários para apreciar e conhecer a questão da validade da EP ‘780, é evidente que o que está em causa é a delimitação da competência material, devendo o presente recurso ser admitido nos termos e para os efeitos do artigo 671.º, n.º 2, alínea a) e 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC. 4. Quanto ao preenchimento da alínea d) do número 2 do artigo 629º do CPC, o Acórdão Recorrido está em contradição com um outro Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça no dia 26 de fevereiro de 2018, no âmbito do processo n.º 227/18.9YRLSB.S1, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o qual já transitou em julgado (Acórdão-Fundamento). 5. DA NATUREZA INTERPRETATIVA DO NOVO ARTIGO 3.º, N.º 3: Contrariamente ao decidido na Decisão Recorrida, o novo artigo 3.º, n.º 3 não tem natureza interpretativa, e, consequentemente, não pode fundar a competência do Tribunais Arbitral (necessário) para apreciar a validade de patentes com meros efeitos inter partes nos processos já pendentes. 6. Em primeiro lugar, e contrariamente ao pugnado no Acórdão Recorrido, não estão reunidos os pressupostos de que depende a qualificação do novo artigo 3.º, n.º 3 da Lei 62/2011 como norma interpretativa. 7. Para que os tribunais pudessem ter consagrado a solução que, segundo o Supremo Tribunal de Justiça, teria vindo a ser acolhida no novo artigo 3.º, n.º 3 (i.e., para que o segundo pressuposto de que depende a qualificação de uma norma como tendo natureza interpretativa) seria necessário que esse preceito se aplicasse a um cenário que lhe pré- existisse. Porém, a Lei 62/2011, na sua versão original, não regulou, em momento algum, a competência dos tribunais arbitrais (então necessários) para apreciar a validade de patentes/CCPs com efeitos meramente inter partes, pelo que não havia qualquer lei do nosso ordenamento jurídico que carecesse de interpretação. 8. Por outro lado, não se pode considerar que o novo artigo 3.º, n.º 3 da Lei 62/2011 tenha vindo regular um ponto da lei interpretativa acerca do qual se levantavam dúvidas na doutrina e na jurisprudência na medida em que ele surge apenas no contexto de uma reforma legislativa que visou revogar integralmente o sistema de arbitragem necessária até então vigente e consagrar em sua substituição um novo sistema de tutela de direitos de propriedade industrial. 9. Assim, o novo artigo 3.º, n.º 3 tem o seu âmbito de aplicação restringido ao processo arbitral voluntário, como decorre inequivocamente do artigo 2.º, n.º 3 da Lei 62/2011 na sua redação atual e o que é realçado se se percorrer todas as alterações introduzidas pelo DL 110/2018. 10. O novo artigo 3.º, n.º 3 é uma norma manifestamente inovadora e sem precedente no nosso ordenamento jurídico e para que pudesse ser considerada como lei interpretativa (por natureza), seria necessário que o legislador tivesse (i) mantido o regime de arbitragem necessária instituído pela Lei 62/2011, na sua versão original e (ii) consagrado que no processo arbitral [NECESSÁRIO] poderia ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes – o que, manifestamente, não fez. 11. Salvo o devido respeito, o Supremo Tribunal de Justiça não cuidou de analisar devidamente o DL 110/2018 e não atentou ao respetivo iter legislativo, o qual revela que o legislador pretendeu que o novo artigo 3.º, n.º 3 tenha o seu âmbito de aplicação restringido ao processo arbitral voluntário e que as alterações à Lei 62/2011, de 12 de dezembro apenas se apliquem aos litígios instaurados após a respetiva entrada em vigor. 12. Se o legislador pretendesse afastar a regra do artigo 38.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, teria certamente expressamente previsto. E ao não o ter feito, deixou claro que pretendeu que as alterações introduzidas à Lei 62/2011 vigorassem apenas para o futuro. 13. Resulta inequivocamente da Lei de Autorização Legislativa n.º 65/2018, de 30 de novembro que o legislador pretendeu proceder a uma alteração substancial e material do mesmo, através da “substituição” integral do regime de arbitragem. A utilização dos vocábulos “alterar” e “prever”, aliados à vontade expressa do legislador em “substituir” o regime arbitral, revela, de forma cristalina, que o legislador não pretendeu “clarificar” a possibilidade de poder ser invocada e conhecida a invalidade das patentes com mero efeito inter partes nos processos arbitrais necessários, visando, antes e tão-só, “prever” um verdadeiro novo sistema de tutela de direitos de propriedade industrial e passar a contemplar a possibilidade de os tribunais arbitrais voluntários conhecerem da validade de direitos de propriedade industrial com eficácia meramente inter partes. 14. Assim, o legislador tornou claro que decidiu consagrar, de forma inovadora e sem precedentes, um novo sistema de tutela de direitos de propriedade industrial que passa pelo recurso à arbitragem voluntária ou ao Tribunal da Propriedade Intelectual. 15. Ademais, o legislador cuidou de pensar (e positivar) regras relativas à vigência e à entrada em vigor das alterações levadas a cabo pelo DL 110/2018 – veja-se, a este respeito, o artigo 16.º do referido Decreto-Lei -, nada tendo dito quanto à aplicabilidade e eficácia do DL 110/2018. 16. Ao decidir de modo diverso no Acórdão Recorrido, o Tribunal da Relação de ... violou o disposto no artigo 9.º, 12.º e 13.º do Código Civil e ainda o artigo 38.º da Lei da Organização e do Sistema Judiciário. 17. DA INCOMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ARBITRAIS PARA CONHECER DA VALIDADE DE DIREITOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL COM MEROS EFEITOS INTER PARTES: Os tribunais arbitrais, necessários ou voluntários, estão impedidos de conhecer da validade de direitos de propriedade industrial com efeitos meramente inter partes, por vários motivos. 18. Em primeiro lugar, a inarbitrabilidade da invalidade dos direitos de propriedade industrial por tribunais arbitrais prende-se, desde logo, com a natureza absoluta dos direitos em causa. 19. A invalidade de direitos de propriedade industrial, enquanto direitos absolutos, só pode ser declarada por via principal e com efeitos erga omnes, nos termos do disposto no artigo 34.º do CPI e do artigo 111.º, n.º 1, alínea c) da Lei da Organização do Sistema Judiciário. 20. Um dos princípios basilares que preside à proteção da propriedade industrial encontra-se plasmado no artigo 4.º, n.º 2 do CPI, que estabelece que a concessão de direitos de propriedade industrial implica a presunção jurídica (“juris tantum”) dos requisitos da sua concessão. 21. Enquanto o TPI não declarar nula ou anular uma patente, por decisão transitada em julgado, nenhuma outra autoridade (outros tribunais judiciais e administrativos, tribunais arbitrais, administração pública, etc.) se poderá pronunciar sobre a sua invalidade, quer por via de reconvenção quer pela da exceção, funcionando em toda a sua plenitude a presunção de validade decorrente do artigo 4.º, n.º 2 do CPI 22. Admitir a declaração de invalidade desse direito, com meros efeitos inter partes, seria negar a natureza erga omnes do mesmo, ou seja, permitir-se-ia a invalidação subjetivamente parcial da patente, a qual passaria a ser inválida apenas em relação às partes demandadas na ação arbitral, continuando a ser válidos e oponíveis contra todos os outros interessados. Tal geraria a prolação de decisões contraditórias, considerando uns tribunais a sua invalidade e outros negando-a. 23. Em segundo lugar, a inarbitrabilidade da invalidade dos direitos de propriedade industrial por tribunais arbitrais prende-se com a solenidade associada ao procedimento administrativo de concessão de direitos de propriedade industrial, pois, considerando a natureza absoluta dos direitos privativos que resultam da patente, encontram-se adstritos a averbamento e inscrição no título todos e quaisquer factos que limitem, modifiquem ou extingam esses direitos. 24. O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: Não se ignora, no entanto, que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a constitucionalidade da denegação da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a validade de uma patente, com efeitos inter partes, muito embora tal Acórdão não tenha força obrigatória geral. 25. O Tribunal Constitucional só apreciou a problemática da violação do processo equitativo do ponto de vista do direito de defesa dos demandados nas ações arbitrais, centrada na questão da proporcionalidade da solução jurisprudencial em análise e os efeitos – constitucionais – emergentes da solução encontrada em resposta a essa problemática para os demandantes titulares de patentes foram totalmente desconsiderados. 26. As premissas que fundamentaram o entendimento do Tribunal são erradas, o que comprometeu a exatidão do juízo de inconstitucionalidade que proferiu, como a ponderação exigida pelo artigo 18.º, n.º 2 da CRP só foi feita a metade. 27. O Tribunal Constitucional só apreciou a problemática da violação do processo equitativo do ponto de vista do direito de defesa dos demandados nas ações arbitrais, centrada na questão da proporcionalidade da solução jurisprudencial em análise, ignorando por completo as consequências que advirão de tal entendimento para os titulares de patentes – estas sim, verdadeiramente irreversíveis. 28. O direito de defesa das empresas de medicamentos genéricos nas ações arbitrais não fica (nem ficará) em nada limitado, nem tão-pouco aniquilado, pelo facto de terem de propor uma ação de nulidade (caso queiram ver anulado o direito de patente contra si invocado) para obter o efeito invalidante, com efeitos erga omnes. 29. Escapou a este Tribunal Constitucional a circunstância de que o que esses interesses visam proteger é o próprio direito de patente, e que o direito constitucionalmente protegido que a solução em análise visa salvaguardar é o conteúdo essencial do direito de patente, diretamente protegido pela Constituição por força do artigo 42.º ou do artigo 62.º. 30. A interpretação feita pelo Tribunal Constitucional veio admitir uma solução que legitima a violação do conteúdo essencial de um direito enquadrável na categoria dos direitos, liberdades e garantias, por força do artigo 42.º da CRP (ou, pelo menos, de um direito com natureza a eles análoga, por força do artigo 62.º da CRP), sendo, pois, materialmente inconstitucional por colidir com o artigo 18.º, nºs 2 e 3 da CRP. 31. Tanto assim o é que o Tribunal Constitucional já reconheceu que a sua posição anteriormente sufragada poderia ser revista e modificada (vide Decisão Sumária n.º 160/2018, Acórdão n.º 539/2018 e Acórdão n.º 157/2019). E fê-lo muito bem, porquanto é absolutamente evidente a inconstitucionalidade do novo artigo 3.º, n.º 3, conquanto que a nova redação não altera o facto de qualquer declaração de invalidade de um direito de propriedade industrial com efeitos inter partes é inconstitucional. 32. Em desconsideração do Tribunal Constitucional, o entendimento maioritário jurisprudencial, em concreto pelo Tribunal da Relação de Lisboa – Acórdãos de 13.02.2014 (Processo n.º 1053/13.7YRLSB-229), de 11.09.2014 (Processo n.º 775/14.0YRLSB.L130), de 13.01.2015 (Processo n.º 1356/13.0YRLSB.L1-731), de 21.05.2015 (Processo n.º 1465/14.9YRLSB-632), de 04.02.2016 (Processo n.º 138/15.0YRLSB.L1-833), de 16.11.2016 (Processo n.º1053/16.5YRLSB.L1-234), de 21.06.2018 (Processo n.º 227/18.9YRLSB.L1-235), de 07.02.2019 (Processo n.º 2552/18.0YRLSB.L1-236), 02.05.2019 (Processo n.º 1956/18.2YRLSB-6) – e pelo Supremo Tribunal de Justiça, bem como doutrinário vai no sentido de que os Tribunais Arbitrais Necessários não têm competência para conhecer da validade de direitos de propriedade industrial, mesmo que limitada a uma mera eficácia inter partes. 33. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 3.º, N.º 3 DA LEI N.º 62/2011: a solução plasmada no novo artigo 3.º, n.º 3 veio admitir uma solução que legitima a violação do conteúdo essencial de um direito enquadrável na categoria dos direitos, liberdades e garantias, por força do artigo 42.º da CRP (ou, pelo menos, de um direito com natureza a eles análoga, por força do artigo 62.º da Constituição), sendo, pois, materialmente inconstitucional por colidir com o artigo 18.º, nºs 2 e 3 da CRP. 34. Esta nova disposição legal não altera o facto de qualquer declaração de invalidade de um direito de propriedade industrial com efeitos inter partes, ocorra ela num processo arbitral necessário ou voluntário ou até inclusivamente num processo judicial, ser inconstitucional: a inconstitucionalidade radica na eficácia inter partes de tal declaração. 35. O novo artigo 3.º, n.º 3 é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 42.º, 62.º e 18.º, nºs 2 e 3 da CRP, e representando uma solução, em violação do artigo 13.º da Lei Fundamental, inconstitucionalidade essa que se deixa, desde já, arguida para todos os efeitos legais. 36. Encontra-se pendente no Tribunal Constitucional um recurso interposto por uma outra empresa de originadores (Proc.78/20) que visa a declaração de inconstitucionalidade do art.º 3.º n.º 3 da Lei n.º 62/2011, no qual se espera que o Tribunal Constitucional venha demarcar-se da posição levada a cabo no Acórdão n.º 251/2017 pondo fim a uma controvérsia que, tanto do ponto de vista do direito infraconstitucional, e até considerando os interesses constitucionais em presença, deverá convergir num único desfecho admissível: o de que qualquer declaração de invalidade de um direito de patentes com efeitos inter partes é inconstitucional.” Conclui pedindo a procedência do recurso e que seja revogado o Acórdão Recorrido, substituindo tal decisão por outra que declare a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer incidentalmente da validade da EP ‘780 com efeitos inter partes. Nas contra-alegações a recorrida a improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida. Proferido despacho pelo relator que admitiu a revista nos termos do art. 629 nº2 do CPC foi determinada a notificação das partes para se pronunciarem sobre a suspensão da instância por se encontrar pendente recurso de uniformização de jurisprudência sobre a questão suscitada. Decretada a suspensão da instância veio esta a ser levantada e ordenado o prosseguimento dos autos uma vez que a instância do recurso de uniformização de jurisprudência foi julgada extinta. Colhidos os vistos, cumpre decidir. … … O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil. O conhecimento das questões a resolver, delimitadas pelas alegações, importa em saber se face à alteração da lei 62/11 pelo DL 110/2018, que deu nova redação ao art. 3º nº2 daquele diploma, deverá concluir-se que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer, por via de exceção, da invalidade (do facto constitutivo) da patente, “com meros efeitos inter partes”. A questão enunciada como objeto de recurso - a da admissibilidade, no âmbito do procedimento decorrente perante o tribunal arbitral necessário, previsto no artigo 2º da Lei 62/11, de ser arguida como exceção perentória a nulidade da patente do medicamento, cabendo a esse tribunal arbitral competência para se pronunciar incidentalmente sobre a matéria da exceção, ficando os efeitos da decisão proferida restringidos apenas ao processo (eficácia inter partes) – teve resposta no acórdão recorrido que, revogando a decisão do tribunal arbitral necessário, entendeu que não assiste competência a esse tribunal para conhecer da questão da invalidade da patente deduzida pelas demandadas por via de defesa por exceção perentória. A Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, instituiu a arbitragem necessária para os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos (artigo 2º) - O DL 110/2018, de 10 de Dezembro, que aprovou o novo Código da Propriedade Intelectual viria, entretanto, a revogar o regime de arbitragem necessária, criando uma nova forma resolução deste tipo de litígios e alterando substancialmente os artigos 2º e 3º da Lei 62/2011. Da exposição de motivos consta, nessa parte, o seguinte: ”Finalmente, reconhecendo que o circunstancialismo que levou à aprovação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, que criou um regime de composição dos litígios emergentes dos direitos de propriedade industrial quando estavam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, foi ultrapassado e se mostram reunidas as condições para revisitar esta matéria, opta-se por revogar o regime de arbitragem necessária então criado, deixando às partes a opção entre o recurso a arbitragem voluntária ou ao tribunal judicial competente”. O actual artigo 3º passa a prever, no n.º 3, a possibilidade de ser invocada e reconhecida, no processo arbitral voluntário, a invalidade da patente com meros efeitos inter partes. Como o art. 35º nº 1 do CPI preceitua que “A declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial” esta exigência implica que, por a invalidade da patente registada resultar de decisão judicial, a respetiva nulidade ou anulação, só podem ser decretadas, com eficácia erga omnes, pelo TPI, ao qual se mostra atribuída, desde a sua criação, uma reserva de competência material exclusiva sobre este tema não sendo, consequentemente, admissível que o interessado/requerido deduza pedido reconvencional sobre a invocada matéria da nulidade da patente, em termos de alargar o objecto do processo a esta questão, deixando-a definida com força de caso julgado material - vd. ac STJ de 17-10-2019 no proc. 2552/18.0YRLSB.S1 desta mesma secção -. Todavia, se existe unanimidade quanto ao que acabámos de referir, existe já debate na doutrina e jurisprudência quanto à possibilidade de em processo pendente perante o tribunal arbitral necessário, ser invocada, a título de estrito meio de defesa, como mera exceção perentória, a referida nulidade da patente, cabendo então ao tribunal arbitral apreciá-la, mediante decisão cuja eficácia permaneceria confinada exclusivamente ao processo em causa, não produzindo a decisão proferida, mesmo nos casos em que julgasse demonstrada a invocada nulidade da patente, os típicos efeitos de caso julgado material. Tomando posição nesse debate o ac. STJ de 14.12.2016, pronunciou-se no sentido de o tribunal arbitral necessário previsto na Lei 62/2011 ser incompetente para apreciar, ainda que por via da dedução de mera exceção perentória, cujos efeitos ficariam circunscritos ao processo, a questão da nulidade da patente do medicamento em causa, por tal matéria estar reservada à competência exclusiva do TPI – no proc. nº 1248/14.6YRLSB.S1, in www.dgsi.pt/jstj - sustentando que essa inviabilidade (de a ré suscitar incidentalmente, naquele processo, a exceção perentória de nulidade do direito patenteado) tinha por justificação de proporcionalidade e adequação, a natureza da relação controvertida, o carácter constitutivo do ato de reconhecimento dos direitos de propriedade industrial e as razões de interesse público e de congruência do sistema que levaram a reservar o conhecimento de tais vícios apenas ao TPI. O Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 251/2017 de 24.05.2017 julgou, no entanto, “inconstitucional a norma interpretativamente extraível do artigo 2º da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro e artigos 35º nº 1 e 101º nº 2 do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo da Lei nº 62/2011, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes”. Em adverso, entendeu que a interpretação sustentada pelo citado acórdão do STJ de 14.12.2016 era inconstitucional por prejudicar “de modo desproporcionado o direito à defesa do requerente de AIM”, violando deste modo o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, em conjugação com o artigo 18º nº 2, também da Lei Fundamental. A doutrina reflete igualmente esta discordância contando-se do lado dos que defendem a possibilidade de conhecimento pelo tribunal arbitral, Remédio Marques (A Arbitrabilidade da Excepção de Invalidade da Patente no Quadro da Lei nº 62/2011, in Revista de Direito Intelectual, nº2/2014, pag. 215), Dário Moura Vicente (O regime Especial de Resolução de Conflitos em Matéria de Patentes, in ROA, Ano 72, pag. 981) e José Alberto Vieira ( A competência do Tribunal Arbitral Necessário para Apreciar a Excepção de Invalidade da Patente Registada, in Revista de Direito Intelectual, , nº2/2015, pag. 195), estando em oposição a estes, e defendendo a incompetência do tribunal arbitral Manuel Oehen Mendes (Breves Considerações sobre a Incompetência dos Tribunais Arbitrais Portugueses Para Apreciarem a Questão da Invalidade das Patentes e dos Certificados Complementares de Protecção para Medicamentos, in Estudos de Direito Intelectual em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão, pag. 927) e Evaristo Mendes (Arbitragem Necessária. Invalidade de Patente, Direito a uma Tutela Jurisdicional Efectiva e Questões Conexas, in Propriedades Intelectuais, 2015, nº 3, p.103.” Depois do acórdão do Tribunal Constitucional nº 251/2017, a jurisprudência deste STJ ainda retomou o entendimento constante do ac. de 14.12.2016 - vd. ac. de 22.03.2018 proc. nº 1053/16.5YRLSB.S1.S1 e o 12/02/2019, no proc.861/16.1YRLSB.L1.S1, in dgsi.pt – mas em momento mais recente, o já citado ac. de ac STJ de 17-10-2019 e ainda os de 14.03.2019 - no proc. 582/18.0YRLSB.S1 desta secção, in dgsi.pt - e o de 17/12/2019 - no proc. 1956/18.2YRLSB.S1 - pronunciaram-se com o argumento novo, aportado pelo art. 4º do Decreto-Lei nº 110/2018, de 10 de Dezembro, na parte em que adita o novo nº 3 ao artigo 3º da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, afirmando que esse segmento normativo tem natureza interpretativa por nele se ter aditado que “No processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes” Estabelece o art. 13° do Código Civil, que “A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza”, e em explicação do preceito Pires de Lima e Antunes Varela, (in Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, pág. 62) enunciam que deve considerar-se lei interpretativa aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência pelos seus próprios meios poderia ter chegado. Com formulação coincidente o STJ entende que o critério da qualificação de uma lei como interpretativa depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: primeiro o de “a lei (nova) regular um ponto de direito acerca do qual se levantam dúvidas e controvérsias na doutrina e jurisprudência” e o segundo, em “a lei (nova) consagrar uma solução que a jurisprudência pudesse tirar do texto da lei anterior, sem intervenção do legislador” – ver por todos o ac. Cf. acórdão do STJ de 9.9.2008, Processo n.º 08P1856, in www.dgsi.pt/jstj. A integração da lei interpretativa na interpretada determina que aquela retroaja “ (…) os seus efeitos até à entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada” - Pires de Lima e Antunes Varela, op. loc. cit. - , apenas se salvaguardando os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza, tendo acuidade a anotação de Baptista Machado, de que “a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e a situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA [lei antiga] com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas”. A razão do primeiro requisito exigido reside em a solução do direito anterior, da lei antiga, “ser controvertida ou, pelo menos, incerta” e, a do segundo, em que a solução da lei nova se situe dentro dos quadros da controvérsia ou da incerteza, de forma a que “o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei” - Introdução ao direito e ao discurso legitimador, Livraria Almedina, Coimbra, 1982, pág. 246 e 247 e ainda os acs. do STJ de de 8.2. 2018, no processo n.º 1092/16.6T8LMG.C1.S1, in dgsi.pt. A contraversão da questão da competência do Tribunal Arbitral para conhecer da invalidade (do facto constitutivo) da patente era reconhecida na doutrina citada anteriormente e foi também sinalizada por Evaristo Mendes - “Patentes de medicamentos. Arbitragem necessária. Comentário de jurisprudência. Súmula da Lei nº 62/2011”, in: Propriedades Intelectuais, n.º 4 — 2015, págs. 26-40 – a par da jurisprudência onde, no ac. de 22-3-2019 – no proc. 1053/16.5YRLSB.S1.S1, in dgsi – se referia que no âmbito da Lei 62/2011 anterior à alteração de 2018 se tinham desenvolvido duas correntes na doutrina e na jurisprudência, uma permissiva, no sentido da competência, e outra, restritiva, defendendo a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer da invalidade (do facto constitutivo) da patente. Veja-se aliás que também nos Tribunais da Relação a polémica existia podendo ver-se por exemplo os acs. da RL de 07/05/2000, Proc. nº 772/19.9YRLSB-6 e de 05/07/2018, Proc. nº 582/18.0YRLSB-6, de 21/06/2018, Proc. nº 2384/17.2Y RLSB.L1-8; de 10/04/2018, Proc. nº 861.16.1YRLSB.L1-1; de 19/09/2017, Proc. nº 409/17.0YRLSB.L1-7, todos defendendo a competência do tribunal arbitral. Neste quadro de discussão, a solução da lei nova acolhendo a posição permissiva e admitindo a competência do Tribunal Arbitral para conhecer a invalidade (do facto constitutivo) da patente, com meros efeitos inter partes, coloca-se dentro da controvérsia ou da incerteza que era já possível extrair-se dos limites interpretativos, designadamente dentro dos impostos a uma interpretação conforme à Constituição, como o Tribunal Constitucional realizou no acórdão 251/2017 citado. Não se esquece que a recorrente argumenta nas suas conclusões de recurso que o Tribunal Constitucional já reconheceu que a posição anteriormente sufragada (no ac. 251/17) poderia ser revista e modificada porém, essa declaração tem um itinerário particular que é o de a decisão sumária 160/2018 ter replicado a decisão do ac. 251/17, tendo sido em reclamação a esta decisão e por ter sido aceite a reclamação (através do acórdão 539/2018) que o acórdão n.º 157/2019 julgando a reclamação deliberou “ a) deferir o requerimento de arguição de nulidade, por falta de fundamentação, do Acórdão n.º 539/2018, e, em consequência, dar sem efeito a ordem de notificação para alegações; b) sanar a falta de fundamentação, mediante o presente acórdão, proferido como seu complemento; c) determinar que, após trânsito do presente acórdão, o processo seja concluso ao relator, para a prolação do despacho a que alude o artigo 78.º A, n.º 5, da LTC” O Tribunal Constitucional, não obstante a decisão do ac. 251/17 que a relatora da decisão sumária 160/2018 repetiu, não estava impedido de decidir de novo essa mesma questão tendo sido por isso que, reconhecendo o vício da falta de fundamentação deferiu a reclamação e deliberou no sentido de a questão de mérito vir a ser proferida em posterior acórdão. Só que as considerações expendidas nessa decisão do TC afirmando que a questão se encontra em aberto a novas decisões não inutiliza a decisão já tirada por acórdão (o 251/17) nem que se revejam nele fundamentos de reconhecimento de exegese interpretativa e decisória que, por se adotarem, se citem. Registe-se que posteriormente, como que ilustrando a diversidade interpretativa no âmbito da versão original da Lei 62/2011, o TC em 22-01-2021, proferiu o Ac. nº 51/2021 - https://www.tribunalconstitucional. pt/tc/acordaos/ 20210051 . html - no qual decidiu “Não julgar inconstitucional a norma interpretativamente extraível do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro (na redação original) e artigos 35.º, n.º 1, e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de março, na redação resultante da republicação pela Lei n.º 16/2008, de 1 de abril, e das alterações introduzidas ao artigo 35.º pelo Decreto-Lei n.º 143/2008, de 25 de julho), ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes». Como se definiu nesse recurso como objeto “Tal como enunciada no requerimento de interposição, a questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso cinge-se à «questão de saber se a norma interpretativamente extraível do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011 de 12 de Dezembro e artigos 35.º, n.º 1 e 101.º, n.º 2 do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes, viola o princípio [da] proibição da indefesa previsto nas disposições conjugadas dos artigos 20.º e 18.º, n.º 2, da Constituição.” Nessa delimitação de objeto, o enfoque foi colocado na amplitude do processo arbitragem necessária instituída pela Lei n.º 62/2011 - na sua primitiva versão - no sentido de saber se o legislador poderia ter excluído a possibilidade de invocação, a título de exceção perentória, da invalidade da patente em que se funda o direito de propriedade industrial oposto ao requerente de AIM, sem desse modo pôr em causa em causa, de forma desproporcionada, o direito deste a uma tutela jurisdicional efetiva. A resposta a esta questão situada no confronto entre os direitos de propriedade industrial derivados de patentes sobre medicamentos de referência e a tutela da liberdade de iniciativa económica dos requerentes de AIM que pretendem introduzir no mercado medicamentos genéricos - não tendo a Constituição definida a relação de hierarquia entre os direitos fundamentais contrapostos – foi o que impôs a indagação restrita de verificar se as soluções jurídico-processuais escolhidas pelo legislador de 2011 se mantêm adequadas a tutelar jurisdicionalmente os direitos e interesses em confronto. Assim, no sentido exposto, a questão do presente recurso não reporta tanto à inconstitucionalidade - com fundamento na violação do direito de propriedade (artigo 62.º da Constituição) e da liberdade de criação cultural (artigo 42.º da Constituição) - de qualquer solução de direito infraconstitucional em oposição àquela que foi concretamente aplicada nos autos, dizendo antes respeito ao peso relativo daqueles direitos enquanto elemento do juízo de ponderação para que convoca a sujeição da solução legislativa concretamente impugnada a um controlo de constitucionalidade baseado no princípio da proibição do excesso. No segmento em que qualifica a norma em apreço como uma norma restritiva do direito fundamental de acesso à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, tutelado pelo artigo 20.º, n.º 1 e n.º 4 da Constituição, repetindo como anteriormente, o juízo formulado no Acórdão n.º 251/2017 deve ser integralmente reafirmado. Sendo reconhecido ao réu o direito a defender-se por impugnação e por exceção na ação em que é demandado (cf. o n.º 2 do artigo 571.º do Código de Processo Civil), a circunstância de os requerentes de AIM apenas poderem arguir a invalidade da patente mediante a instauração de uma ação junto de outro tribunal que não o tribunal em que necessariamente são julgados os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, coloca-os, de facto, numa posição de desvantagem processual, que não pode ser assimilada a um mero condicionamento do seu direito de defesa. Como se decidiu no ac. do STJ desta mesma secção no proc. 772/19.9YRLSB.S1-A - ainda não publicado - “a divergência relativamente ao julgamento realizado no mencionado aresto situa-se no plano confrontação da norma sindicada com o princípio da proibição do excesso, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. Senão vejamos. Tratando-se de aferir a adequação, a necessidade e, em especial, a estrita proporcionalidade da opção de excluir a possibilidade de invocação pelo requerente de AIM, no âmbito do processo que corre perante o tribunal arbitral necessário, da nulidade da patente a título de meio de defesa, como mera exceção perentória, a premissa de que deverá partir-se é a de que, fora do âmbito próprio da lei processual penal, o legislador dispõe de uma ampla margem de conformação na definição das soluções e dos mecanismos processuais que devem reger a atuação procedimental das partes. Dentro da sua margem própria de atuação, o legislador pode, assim, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento. Isso não significa, claro está, que «as soluções adotadas sejam imunes a um controle de constitucionalidade que verifique, nomeadamente, se esses ónus são funcionalmente adequados aos fins do processo, ou se as cominações ou preclusões que decorram do seu incumprimento se revelam totalmente desproporcionadas perante a gravidade e relevância da falta» (Acórdão n.º 620/2013). O que significa é que, justamente por nos situarmos num domínio em que a discricionariedade legislativa é ampla, só existirá violação do princípio da proibição do excesso perante a convicção clara de que a medida em causa é, em si mesma, inócua, indiferente ou até negativa, relativamente ao fim visado (caso em que será inadequada); ou de que existem meios adequados alternativos, mas menos onerosos para alcançar o dito fim (caso em que a medida será desnecessária); de que o ganho de interesse público inerente ao fim visado não justifica nem compensa a carga coativa imposta, isto é, que a relação entre os custos e os benefícios da medida é uma relação desequilibrada (caso em que a medida será desproporcionada) (cf., a propósito da aplicação do triplo teste, Acórdão n.º 194/2017).»”. É significativo que no ac. do TC nº 51/2021 de 22-01-2021, em voto de vencido se tenha deixado expresso que a alteração da Lei em 2018, eliminando o sistema de arbitragem necessária e admitindo expressamente a possibilidade de no processo arbitral ser invocada reconhecendo-se a invalidade da patente com meros efeitos inter partes é argumento essencial para que entendamos como se sublinhou naquele voto que “se o legislador passou a admitir a defesa por exceção, com fundamento na invalidade da patente, mesmo no quadro de um sistema de arbitragem voluntária, parece-me evidente que reconheceu não existir nenhuma incompatibilidade entre o processo arbitral e a defesa por exceção. O argumento contrário – da necessidade da restrição − só seria plausível se o novo regime determinasse que, sendo agora facultativo o recurso à arbitragem, o requerente de AIM só pode discutir em juízo a validade da patente se recusar a opção pela arbitragem, porque é indispensável que a decisão sobre esta matéria se revista da eficácia erga omnes reservada às decisões do TPI. Ora, o legislador fez o inverso, passando a permitir precisamente aquilo que no Acórdão se presume ser incompatível com o interesse público prosseguido pela norma aplicada nos autos. Não nego obviamente que «o legislador dispõe de uma ampla margem de conformação na definição das soluções e dos mecanismos processuais que devem reger a atuação procedimental nas partes». Mas nem o mais ligeiro dos escrutínios judiciais resiste a uma evidência de que a restrição é desnecessária, manifestada no facto de o legislador ter alterado o regime de modo a consagrar uma solução alternativa menos lesiva, cuja plausível inexistência ou impraticabilidade é conditio sine qua non de um juízo de não inconstitucionalidade.” A discussão aberta no TC certificou a diversidade interpretativa permitida pelos arts. 2º da Lei n.º 62/2011 e 35.º, nº 1, e 101.º, nº 2, do Código da Propriedade Industrial e, propendendo nós para o acolhimento do firmado no ac. ac. 251/17, a verdade é que depois da entrada em vigor do DL 110/2018 de 10 de dezembro, o argumento decisivo para a solução nos autos é, como antes afirmámos, o de a lei nova ser interpretativa e, como expressamente se refere no já citado ac. do STJ de 14-3-2019 “O raciocínio poderá ser reforçado pela circunstância de a competência do tribunal arbitral para conhecer a questão da invalidade ser mais justificada em face da lei antiga que em face da lei nova, em face daquela outra lei em que a arbitragem era necessária, que em face desta, a lei nova, em que a arbitragem deixa de ser necessária e passa a ser (só) voluntária.” Não se poderá opor ao entendimento de ser a lei nova interpretativa que não havia regra no ordenamento que carecesse de ser interpretada uma vez que estava em causa a tramitação prevista no procedimento arbitral necessário e, nesse âmbito, o cabimento de, em defesa por exceção (perentória), se poder suscitar a invalidade da patente no confronto das regras da Lei nº 62/2011 e do Código da Propriedade Industrial com os princípios constitucionais. Como se deixou observado, o princípio do contraditório pressupondo, em regra, a admissibilidade e conhecimento da defesa por impugnação e exceção na mesma ação e importando verificar se os fins prosseguidos eram constitucionalmente fundados e se a restrição em apreço se apresentava como uma solução equilibrada e razoável à luz do princípio da proporcionalidade, foi a doutrina e a jurisprudência discutindo na interpretação a realizar respondendo parte delas que a norma objeto de julgamento se revelava excessiva, prejudicando de modo desproporcionado o direito à defesa do requerente de AIM. Assim, face a tão diversa interpretação, até pelo TC, não pode minimamente afirmar-se que a norma não carecesse de ser interpretada. De igual, o protesto de o art. 3º nº3 da Lei 62/2011 (na redação do DL 110/2018) ao permitir a declaração de invalidade de um direito de propriedade industrial com efeitos inter partes, estar ferido de inconstitucionalidade, independentemente de tal declaração se realizar em processo arbitral necessário, voluntário ou num processo judicial, é tão só devolver o argumentário ao regime anterior à alteração da Lei. Se o legislador dentro dos poderes que lhe assistem entendeu fixar expressamente, a admissibilidade da invocação da invalidade da patente com meros efeitos inter partes, tomando posição por uma das interpretações que era realizada, isso apenas reforça a segurança para que se possa afirmar a lei alterada como interpretativa, remetendo-se o juízo da constitucionalidade para a fundamentação do citado Ac. do Tribunal Constitucional nº 251/2017, que considerou conforme a Constituição a adoção de uma regra como aquela que veio a ter expressão de texto no novo nº 3 do art. 3º da Lei 62/2011. Entendemos, assim, que por o art. 4.º do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro, na parte em que adita o novo n.º 3 ao art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, ter natureza de lei interpretativa, o Tribunal Arbitral é competente para conhecer, por via de exceção, da invalidade (do facto constitutivo) da patente, “com meros efeitos inter partes”, improcedendo a revista. … … Síntese conclusiva: - Face à natureza interpretativa do artigo 4º do DL nº 110/2018, de 10 de dezembro, na parte em que adita o novo nº 3 ao artigo 3º da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, deverá concluir-se que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer, por via de exceção, da invalidade (do facto constitutivo) da patente, “com meros efeitos inter partes. … … Decisão Pelo exposto acorda-se em julgar improcedente a revista e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 9 de Dezembro 2021 Relator: Cons. Manuel Capelo 1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva 2º adjunto: Sr.ª Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza |