Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | PEREIRA MADEIRA | ||
| Descritores: | JUIZ DIFAMAÇÃO CONSUMAÇÃO TRIBUNAL DA RELAÇÃO CONFLITO DE COMPETÊNCIA COMPETÊNCIA TERRITORIAL NOTÍCIA DO CRIME | ||
| Nº do Documento: | SJ20070712022885 | ||
| Data do Acordão: | 07/12/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA | ||
| Decisão: | DECLARADO COMPETENTE O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | ||
| Sumário : | I - Num processo originado em denúncia por crime de difamação agravada, em que é assistente um juiz de direito, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que, sendo, como no caso, o crime cometido por meio de remessa das imputações por via postal, “o crime se consuma com a emissão da participação que pode vir a motivar o crime a que os autos se reportam” e “considerando que os factos e emissão das exposições ocorreram em …. o Tribunal competente é o da Relação de Évora”. II - Por decisão também já transitada em julgado, este Tribunal declinou a competência, julgando competente o Tribunal da Relação de Lisboa. III - Segundo o Prof. Faria e Costa (Comentário Conimbricense, pág. 609), os elementos do tipo de difamação estruturam-se em dois grandes segmentos: - um, o segmento da ofensa propriamente dita, que pode ser concretizado por quem quer que seja, através da, a) imputação de facto ofensivo da honra de outrem, b) por meio de formulação de um juízo de igual modo lesivo da honra de uma pessoa ou ainda, c) pela reprodução daquela imputação ou juízo; - o outro segmento, o segmento do rodeio ou do enviesamento, exige que as condutas anteriormente descritas se não façam directamente ao ofendido, mas se levem a cabo dirigindo-se a terceiros. IV - Este crime também é punido quando cometido por escrito (art. 182.º do CP) e, em qualquer caso, o crime consuma-se logo que “chegue ao conhecimento de uma pessoa diversa do ofendido, pessoa que tenha conhecimento da natureza ofensiva da expressão” (Luís Osório, Notas ao Código Penal Português, Vol. III, pág. 321). V - No caso, não se sabe se o documento escrito com menções alegadamente ofensivas do magistrado queixoso foi enviado por via postal, se entregue em mão na sede do Conselho Superior da Magistratura. VI - A ter sido esta hipótese, o crime consumou-se em Lisboa, assim sendo o caso da competência da respectiva Relação. VII - A ter sido a primeira hipótese, também a consumação se verificou na capital pois foi aí que a carta foi aberta em primeiro lugar e as imputações ofensivas foram conhecidas por terceiros – cf. Ac. deste Supremo Tribunal de 05-06-97, Proc. n.º 2/97 - 3.ª, segundo o qual “os crimes de difamação e de injúrias consumam-se no momento e no lugar em que tiverem sido imputados os factos ofensivos, formuladores dos juízos difamatórios ou proferidas por escrito as palavras injuriosas em causa. Sendo os crimes cometidos através de carta, só se consumam quando esta for recebida pelo terceiro ou pelo ofendido que dela tomou conhecimento”. VIII - Só assim não seria ou não seria necessariamente, se a carta com o conteúdo alegadamente ofensivo, antes de atingir o destino – o CSM –, por qualquer motivo, tivesse sido aberta por outrem, pois, em tal hipótese seria porventura aí, no lugar onde esse outrem dela se inteirasse, que o crime se teria ou poderia ter consumado. IX - Nada indica que essa circunstância anormal tenha acontecido, pelo que também por aqui se conclui que o eventual crime se terá consumado em Lisboa. X - Em todo o caso, sempre seria aqui que o caso deveria ser judicialmente conhecido, acaso ficassem dúvidas sobre o local onde o conteúdo da também eventual carta foi primeiramente conhecido, já que foi em Lisboa, nomeadamente no Tribunal da Relação, que primeiro houve notícia do alegado crime, pelo menos dos factos em que assenta a queixa – art. 21.º do CPP. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Num processo originado em denúncia por crime de difamação que lhe foi endereçado e em que é assistente e requerente de abertura de instrução um juiz de direito, o Tribunal da Relação de Lisboa pela pena do juiz desembargador a quem tal processo foi distribuído decidiu, com trânsito em julgado, que, sendo, como no caso, o crime cometido por meio de remessa das imputações por via postal, «o crime se consuma com a emissão da participação que pode vir a motivar o crime a que os autos se reportam». Assim, «considerando que os factos e emissão das exposições ocorreram em Portimão, nos termos dos arts. 19.º, n.º 1, e 12.º, n.º 2, al. a), ambos do CPP, o Tribunal da Relação competente para conhecimento dos presentes autos é o Tribunal da Relação de Évora e não o Tribunal da Relação de Lisboa». Já o Tribunal da Relação de Évora, em conferência, por decisão igualmente transitada em julgado, declinou aquela competência julgando competente para o efeito o Tribunal da Relação de Lisboa. Surgiu assim uma situação de impasse processual no mínimo equivalente a um conflito negativo de competência, que urge superar. Na sequência do processado, apenas o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto apresentou alegação escrita onde aceita a posição assumida pela Relação de Évora, e, assim, é seu parecer radicar a competência para caso na Relação de Lisboa. Dos autos não consta explicitamente se a participação tida por difamatória contra o juiz foi remetida por via postal ou apresentada directamente – em todo o caso, por escrito – junto do Conselho Superior da Magistratura, que, como é facto notório tem a sua sede na capital. 2. Cumpre decidir Está em causa o procedimento por crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, e 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. j), todos do Código Penal. Pois bem. Como resulta da lei, «é competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação» – art.º 19.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. «Se o crime estiver relacionado com áreas diversas e houver dúvidas sobre aquela em que se localiza o elemento relevante para determinação da competência territorial, é competente para dele conhecer o tribunal de qualquer das áreas, preferindo o daquela onde primeiro tiver havido notícia do crime.» «Se for desconhecida a localização do elemento relevante, é competente o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do crime.» – art.º 21.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Código. Importa assim saber onde se terá consumado o crime. Segundo o Prof. Faria e Costa(1), os elementos do tipo de difamação estruturam-se em dois grandes segmentos: um, o segmento da ofensa propriamente dita, que pode ser concretizado por quem quer que seja, através da a), imputação de facto ofensivo da honra de outrem, b) por meio de formulação de um juízo de igual modo lesivo da honra de uma pessoa ou ainda, c) pela reprodução daquela imputação ou juízo; o outro segmento, o segmento do rodeio ou do enviesamento, exige que as condutas anteriormente descritas se não façam directamente ao ofendido, mas se levem a cabo dirigindo-se a terceiros. Independentemente da questão de saber se o crime em causa é um crime de perigo ou de dano ou resultado (2) importa ter em conta que o crime também é punido quando cometido por escrito – art.º 182.º do Código Penal. Em qualquer caso, o crime consuma-se logo que «chegue ao conhecimento de uma pessoa diversa do ofendido, pessoa que tenha conhecimento da natureza ofensiva da expressão».(3). Pois bem. No caso, não se sabe se o documento escrito com menções alegadamente ofensivas do magistrado queixoso foi enviado por via postal, se entregue em mão na sede do Conselho Superior da Magistratura. A ter sido esta a hipótese, obviamente, que o crime se consumou em Lisboa, assim sendo o caso da competência da respectiva Relação. A ter sido a primeira hipótese, também a consumação se verificou na capital pois foi aí, segundo a ordem normal das coisas, que a carta foi aberta em primeiro lugar e as imputações ofensivas foram conhecidas por terceiros. Terá sido neste pressuposto que foi tirado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5/6/97 (4), proferido no recurso n.º 2/97, 3.ª secção, assim sumariado: «os crimes de difamação e de injúrias consumam-se no momento e no lugar em que tiverem sido imputados os factos ofensivos, formuladores dos juízos difamatórios ou proferidas por escrito as palavras injuriosas em causa. Sendo os crimes cometidos através de carta, só se consumam quando esta for recebida pelo terceiro ou pelo ofendido que dela tomou conhecimento». Nesta hipótese, acrescenta-se agora, só assim não seria ou não seria necessariamente, se a carta com o conteúdo alegadamente ofensivo, antes de atingir o destino – o Conselho Superior da Magistratura – por qualquer motivo, tivesse sido aberta por outrem, pois, em tal hipótese seria porventura aí, no lugar onde esse outrem dela se inteirasse, que o crime se teria ou poderia ter consumado. Porém, nada indica que essa circunstância anormal tenha acontecido, pelo que também por aqui se conclui que o eventual crime se terá consumado em Lisboa. Em todo o caso, sempre seria aqui que o caso deveria ser judicialmente conhecido, acaso ficassem dúvidas sobre o local onde o conteúdo da também eventual carta foi primeiramente conhecido, já que foi em Lisboa, nomeadamente no Tribunal da Relação, que primeiro houve notícia do alegado crime, pelo menos dos factos em que assenta a queixa – citado artigo 21.º do Código de Processo Penal. 3. Termos em que se dirime o conflito negativo de competência territorial surgido entre os dois apontados tribunais, declarando-se territorialmente competente o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos da distribuição já ali operada. Notifique (art.º 36.º, n.º 5, do CPP). Comunique a decisão ao Tribunal da Relação de Évora e ao processo ali pendente desta decisão. Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Julho de 2007 Pereira Madeira (relator) Simas Santos Santos Carvalho ________________________ (1) Cfr. Comentário Conimbricense págs. 609 (2)Sobre a questão, cfr, por todos, o trabalho do Conselheiro Oliveira Mendes, O Direito A Honra E Sua Tutela Penal, Almedina, 1996 págs. 42 e segs. (3) Cfr. Luís Osório Notas ao Código Penal Português, vol. III págs. 321, citando Erbermayer M. Allfeld e Liszt. (4) Sumário acessível em http://www.pgdlisboa.pt |