Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03S1707
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA NETO
Descritores: CATEGORIA PROFISSIONAL
JUS VARIANDI
Nº do Documento: SJ200306240017074
Apenso: 2
Data do Acordão: 06/24/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1493/01
Data: 04/08/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - A entidade patronal pode atribuir aos trabalhadores outras actividades para além das que enformam a sua categoria profissional, desde que, nomeadamente, as mesmas não signifiquem uma desvalorização profissional - v. art. 22º, nº1 a 4, da LCT.
II - Representam tal desvalorização as actividades acessoriamente exercidas que se mostrem contrárias à promoção profissional, à melhoria da qualidade do emprego e ao desenvolvimento cultural, económico e social do trabalhador (cfr. art.3º, nº3, do Dec. Lei nº 401/91, de 16.10).
III - Neste sentido é ilegítima a ordem dada a um trabalhador por, embora por período limitado de tempo em cada dia, desempenhar as funções de operador de cardas, quando ele tinha a categoria de afinador de cardas e assegurava também cumulativamente, as funções de encarregado de operador de cardas.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

"AA" intentou a presente acção, com processo comum, contra Empresa-A, pedindo se declare ilícito o seu despedimento, condenando-se esta a reintegrar o A. no seu posto de trabalho ou, se por tal optar, a pagar-lhe uma indemnização de antiguidade e, ainda, a importância correspondente ao valor das retribuições desde o despedimento, até à data da sentença, acrescida dos juros, à taxa legal, e 10.000$00 de sanção pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe forem imputadas por aquela (sentença).
Por tanto alegou ter sido admitido ao serviço da Ré, em 1.4.85, para desempenhar as funções de afinador, tendo-se mantido ao serviço da mesma até 16.11.00, data em que foi despedido por esta em sequência de processo disciplinar, auferindo então a retribuição base mensal de 125.370$00.
Sucede - continua - que foi despedido sem justa causa, quer porque as ordens que se recusou a cumprir - recusa esta que sustentou o despedimento - são ilegítimas, pois que não estava obrigado a exercer as funções cuja execução a ré lhe quis impor, quer porque a sanção de despedimento, atentas as circunstâncias do caso, não é adequada.
Contesta, a Ré para, em síntese, impugnar parte dos factos alegados pelo Autor, aduzindo que as ordens que o A. se recusou a cumprir eram legítimas, batalhando pela improcedência da acção.

Realizou-se a audiência de julgamento, com o cumprimento das formalidades legais, tendo a final sido proferida sentença, nos segundos moldes:
"...Julgo procedente a acção, declarando ilícito o despedimento do autor - AA - promovido pela ré - Empresa-A - e condeno a ré a pagar ao autor uma indemnização no montante de 2.131.290$00 (dois milhões, cento e trinta e um mil duzentos e noventa escudos) e a pagar-lhe a importância correspondente ao valor das retribuições que o autor deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da acção (26-03.2001) até à data desta sentença, e a liquidar em execução sentença bem como os juros de mora, à taxa legal (7% ao ano), desde a data da citação até integral pagamento."

Inconformada a Ré apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença impugnada e absolvendo aquela do pedido.
Foi agora a vez do A. irresignado, recorrer de revista.
E concluiu, por esta forma, as alegações que oportunamente apresentou:-

"A) - Vem o presente recurso interposto do acórdão que, considerando que o comportamento do autor constitui justa causa de despedimento e que, portanto, tal despedimento promovido pela ora recorrida é licito, concedeu provimento ao recurso da apelação interposto pela ora recorrida.
B) - Salvo o devido respeito, afigura-se que o acórdão recorrido não interpretou nem aplicou correctamente as disposições legais atinentes;
C) - Como decorre da matéria de facto provada, o recorrente foi admitido pela recorrida para desempenhar as funções de afinador e, pelo menos, há cerca de 2 anos passou a exercer também as funções de encarregado dos afinadores das máquinas de cardas (cfr. pontos 3 e 8 dos factos provados).
D) - A recorrida, como também ficou provado, quis impor ao recorrente o exercício diário das funções de operador de cardas no período de meia hora diária concedida dos operadores de cardas e, nessa conformidade, ordenou-lhe que nos dias 25, 26 e 27 de Setembro de 2000 exercesse tais funções durante o período referido (cfr. pontos 10,15, e 17 dos factos provados;
E) - As funções - que o recorrente exercia - inerentes à categoria profissional de afinador (definida na PRT aplicável, publicada no BTE nº 19, de 22/05/79, da seguinte forma: "é o trabalhador que com conhecimento especializado afia e regula as máquinas utilizadas na fabricação de produtos têxteis, podendo ainda fazer reparação ou substituição de peças") exigem uma maior especialização e responsabilidade do trabalhador que as funções de operador de cardas (funções que, como a designação indica, consistem em operar uma máquina de cardas, sendo aquelas funções muito mais complexas e técnicas que estas;
F) - Por seu lado, as funções de encarregado de operadores de cardas são funções de chefia e de direcção e, portanto, funções que têm uma maior complexidade e, responsabilidade que as funções de operador de cardas.
G) - O exercício por parte do recorrente das funções de operador de cardas implicava, por isso, como bem se refere na douta sentença da 1ª instância, uma efectiva desvalorização profissional, pelo que, nos termos do art. 22º, nº 3, da LCT a recorrida não lhe podia impor o seu exercício.
H) - A recusa do recorrente em exercer as funções de operador de cardas e pois, legitima, pelo que inexiste comportamento culposo do trabalhador susceptível de fundamentar um despedimento com justa causa.
I) - Sem conceder, ainda que se considerasse culposo o comportamento do recorrente, jamais tal comportamento justificaria a aplicação da sanção do despedimento, quer porque este sempre teve um comportamento anterior irrepreensível, quer porque do seu comportamento não adveio para a recorrido qualquer prejuízo.
J) - Tal resposta, o comportamento do recorrente, ainda que se considerasse e não se considera violador dos deveres a que estava adstrito, não foi de tal forma grave nem teve tais consequências que tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho que aquele mantinha com a recorrida;
L) - O despedimento do recorrente promovido pela recorrida é pois, ilícito, por inexistência de justa causa de despedimento.
M) - Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido não interpretou nem aplicou correctamente o disposto no art. 22º nº 2 e 3 do LCT (Reg. Jur. aprovado pelo Dec.Lei nº 49408 de 24/11/1969, pelo que deve ser revogado e em consequência, ser declarado ilícito o despedimento do recorrente promovido pela recorrida e esta condenada nos precisos termos da sentença proferida na 1ª instância."
Não houve contra-alegação.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, entende que deve ser negada a revista.
Notificado o mesmo às partes, não houve qualquer resposta.
Correram os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
Vem dado como provado pelas instâncias a seguinte matéria de facto:

" 1 - A ré é uma sociedade por quotas que se dedica à indústria têxtil, explorando um estabelecimento fabril no local da sua sede.
2 - O autor é associado do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes.
3 - O autor foi admitido ao serviço da ré em 01 de Abril de 1985, para desempenhar, como desempenhou, as funções de afinador, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré, mediante retribuição.
4 - O autor manteve-se ininterruptamente ao serviço da ré desde a data da sua admissão até 16 de Novembro de 2000, data em que foi despedido por esta na sequência de processo disciplinar que a mesma lhe instaurou, conforme se pode ver da decisão e relatório juntos de fls. 10 a 18 (docs 3 e 4 juntos com a p.i.).
5 - À data do seu despedimento, o autor auferia, pelo seu trabalho ao serviço da ré, a retribuição base mensal de 125.370$00.
6 - Em síntese, a ré fundamenta o despedimento do autor nos seguintes factos:

1. O autor estava ao serviço da ré desde 1985, exercendo as suas funções na secção de cardas com o seguinte horário semanal: das 8.30 às 12 horas e das 13.30 às 18 horas;
2. Desde 1986 que o autor estava classificado com a categoria profissional de afinador, sendo responsável pelo funcionamento e manutenção das cardas em toda a fábrica durante o seu período de trabalho, ou seja, das 8.30 às 18.00 horas;
3. Dado o processo de modernização na secção das cardas, nomeadamente a substituição por máquinas mais modernas que necessitam de menor manutenção aliada à redução do número das mesmas, as funções de afinador assumidas pelo autor vinham sendo exercidas com menos frequência e as funções de encarregado de cardas vinham assumindo maior relevância.
4. De entre estas funções consta a vigilância das cardas durante o intervalo do operador da máquina do 2º turno, que decorre entre as 17.20 e as 17.50 horas, função esta imposta ao autor.
5. Tais funções foram desempenhadas pelo autor, sem nunca ter levantado qualquer problema pelo exercício de tal função;
6. Todavia, há cerca de 3 meses, o autor começou a recusar o exercício de tais funções, por as não considerar abrangidas pela categoria de afinador;
7. Chegou inclusive a solicitar a presença de um inspector do trabalho na empresa, tendo este, depois de ter avaliado a questão na presença dos gerentes da empresa da ré, informado o autor que as funções por ele exercidas não extravasavam a sua categoria e que o autor era obrigado a exercê-las sob pena de desobediência;
8. Durante cerca de dois meses o autor retomou o exercício das suas funções;
9. Contudo, mais recentemente, o autor voltou a recusar-se a exercê-las sem qualquer motivo.
10. De facto, no dia 25 de Setembro, por volta das 17.20 horas, quando o operador de máquinas de 100% algodão que, naquela altura, efectuava a sua pausa de 30 minutos (das 17.20 às 17.50 horas), chamou o arguido para que ficasse atento às cardas de fibras;
11. As cardas 100% algodão situam-se distantes das cardas de fibras, razão pela qual cada uma tem o seu operador, não podendo o mesmo operador estar atento às duas e, daí a necessidade de colaboração do autor;
12. A vigilância das cardas é importante porque pode ocorrer qualquer erro no funcionamento, traduzindo-se num prejuízo elevado;
13. Contudo, quando o operador das cardas de fibras chamou o autor nos contínuos, este respondeu que "estava a consertar os contínuos e que, por isso, não ia";
14. Esta secção de contínuos onde o autor se encontrava na altura estava a ser montada, não constituindo uma situação urgente, tanto que vinha a ser montada ao longo de dias;
15. De facto, de acordo com testemunhos prestados as ordens são "o serviço está primeiro", este trabalho é para "quando há tempo";
16. Como consequência desta recusa e da consequente ausência de vigilância das cardas 100% algodão que ficaram a laborar sózinhas, estas "entalaram" e continuaram a trabalhar "em seco", sem rama e, portanto, sem produzir;
17. E, foi assim que o chefe do armazém as encontrou pelas 17.50 horas, tendo comunicado tal facto ao encarregado geral do 2º turno que, por sua vez, comunicou o facto ao gerente da empresa ré;
18. No dia seguinte, foi o encarregado geral do 2º turno que chamou o autor para que este se deslocasse às cardas 100% algodão ao que o autor respondeu "não vou" "e se não estás bem vai falar com o patrão".
19. O autor disse ainda: "precisas? Pára as cardas e vai lá para baixo".
20. Perante isto, mais uma vez, o encarregado se dirigiu junto do gerente da empresa para comunicar factos ocorridos;
21. Na Quarta-feira, dia 27 de Setembro, o operador de cardas de fibras, mais uma vez, procurou o autor junto dos contínuos, onde este se encontrava a montá-los, para lhe pedir que vigiasse as cardas 100% algodão, tendo este, mais uma vez, respondido que "não ia";
22. Esta recusa foi igualmente repetida perante o gerente da fábrica quando este ordenou que o autor executasse a tarefa da vigilância das cardas durante a pausa do operador do 2º turno, ou seja, entre as 17.20 e as 17.50 horas;
23. Desde esse dia, foi o encarregado geral que ficou durante esse 30 minutos de pausa do operador de cardas a vigiar as cardas, em detrimento das suas funções que são muito mais abrangentes e que exigem a sua mobilidade na totalidade da fábrica.

7 - O autor tem a categoria profissional de afinador de cardas.
8 - Pelo menos há cerca de dois anos a ré comunicou ao autor que passaria também a exercer as funções de encarregado dos operadores das máquinas das cardas.
9 - Nem sempre, mas na generalidade das vezes em que tal acontecia, e desde, pelo menos, 1998, o autor espontaneamente, "deitava os olhos às máquinas das cardas", quando o operador da máquina se ausentava no período de meia hora diário concedido aos operadores das cardas.
10 - Acontece que a ré quis impor ao autor o exercício diário das funções de operador de máquinas de cardas, no referido período de meia hora diário concedido aos operadores das cardas.
11 - O autor não aceitou tal imposição e informou-se junto das entidades competentes sobre se estava obrigado a exercer as funções de operador de máquinas.
12 - Na sequência do pedido de informação sobre as funções que a ré lhe quis impor, deslocou-se à ré um inspector do trabalho.
13 - A ré continuou a insistir com o autor para que este exercesse as funções de operador de máquinas de cardas, o que este sempre recusou.
14 - O autor, desde que o inspector do trabalho esteve na empresa da ré, nunca mais exerceu funções de operador de cardas, tendo sempre recusado exercer as mesmas.
15 - No dia 25/09/2000, o autor estava a montar e não a consertar os contínuos e recusou exercer as funções de operador quando para isso foi solicitado.
16 - O trabalho de montagem dos contínuos, segundo lhe foi dito pela ré, era urgente, mas deveria ser executado na medida das possibilidades e sem prejuízo do regular e correcto funcionamento das máquinas em laboração.
17 - Quando o encarregado o interpelou (em 26/09/2000) para ir para as cardas 100% algodão, o autor disse que não ia, recusa que reiterou no dia 27/09/2000.
18 - Como a ré bem sabe, o autor sempre foi um trabalhador zeloso, cumpridor, assíduo e diligente na execução das tarefas que lhe têm sido confiadas, nunca tendo sido alvo, durante 15 anos de serviço à empresa da ré, de qualquer processo disciplinar.
19 - Ao autor competia a responsabilidade pelo funcionamento e manutenção de todas as cardas existentes nas instalações fabris da ré.
20 - E que eram o total de 24.
21 - Com o objectivo de manter um nível de produtividade da fábrica e de melhorar constantemente a sua rentabilidade necessária e imprescindível à sua sobrevivência, a ré foi modernizando o seu parque de cardas procedendo à sua substituição.
22 - De tal forma que no ano 2000 já só existem 12 e das quais apenas 8 funcionam regularmente.
23 - Só existem 3 cardas no sector das fibras e 5 em algodão, sendo as remanescentes 4 de desperdícios e que só laboram esporadicamente.
24 - No algodão apenas existe um operador de cardas e outro nas fibras.
25 - Que acumula com as de desperdícios quando estas operam.
26 - Foi proposto pela ré, e o autor aceitou, desde há alguns anos, exercer a função de encarregado dos operadores das cardas.
27 - Situação que se manteve ininterruptamente até Julho de 2000, pelo menos.
28 - O autor, a partir de determinada altura, começou a recusar-se a vigiar as cardas no período de intervalo de meia hora diários contratualmente concedidos aos dois operadores das cardas.
29 - O autor nos dias 25, 26, e 27 do mês de Setembro (de 2000) recusou-se a vigiar as cardas.
30 - No dia 25 de Setembro de 2000, no período de intervalo do respectivo operador e em consequência a recusa da vigilância por banda do autor, as cardas, no valor de milhares de contos, "entalaram" pelo que ficaram a trabalhar em seco sem produzir e em risco de serem danificadas".

Conhecendo.
No recurso coloca-se a questão de saber se o despedimento de que o A./ Recorrente foi alvo é lícito ou não.
O que, tem a ver primacialmente com a legitimidade das ordens que lhe foram dadas e que não acatou e, em última análise, com a respectiva categoria profissional e a possibilidade da entidade patronal o encarregar de tarefas que não se cinjam estritamente àquela.
Em segundo plano, e para o caso da ordem ser legítima, põe-se a questão de saber se a pena aplicada, o despedimento, é adequada à infracção praticada e suas circunstâncias.

Vejamos então.
Não está propriamente em causa nos autos a categoria profissional do A., que é a de afinador de cardas, a qual, segundo a PRT aplicável (BTE nº19, de 22.5.79, 1ª série, pág.1275), se define assim: "Ré e trabalhador que com conhecimento especializado afina e regula as máquinas utilizadas na aplicação dos produtos têxteis, podendo ainda fazer reparação ou substituição de peças".
E também é indiscutível que desde há cerca de dois anos, (reportados à data da propositura da acção) e até pelo menos Julho de 2000, o A. desempenhava ainda, com seu assentimento, as funções de encarregado dos operadores das cardas.
O que se recusou foi a acatar as determinações da Ré por desempenhar, ele mesmo, aquelas funções de operador de cardas, no período de meia hora concedido aos respectivos operadores, nos termos que a matéria de facto retrata.
Será ou não legítima essa recusa?

Eis a questão.
Como diz Pedro Romano Martinez ("Direito do Trabalho") Almedina, 2002, pág 441), " A categoria profissional existe não só para a tutela dos trabalhadores no que respeita à actividade a desenvolver e ao nível salarial - que são os aspectos mais relevantes -, mas também para a salvaguarda da posição do trabalhador na hierarquia da empresa."
E não se discute que as funções de operadores de cardas estão para além das que respeitam à categoria do A. operador de cardas, e situam-se, hierarquicamente falando, em patamar inferior àquelas outras que o A. vinha desempenhando em acumulação, as de encarregado de operador de cardas.
E na 1ª instância entendeu-se que assunção por parte do A. ainda que em período limitado de tempo em cada dia, daquelas funções de operador de cardas, implicava uma efectiva desvalorização profissional, um dano que sua imagem, pelo que não se mostrava cumprida uma das condições objectivas negativas do poder patronal inscrito nos nºs 2 a 6 do art. 22º do LCT, pelo que o despedimento era ilícito de acordo com o disposto no art. 12º, nº1, al. c) da LCCT.

Ao invés, a Relação defende que a ordem era legítima, dizendo a propósito o seguinte:
"... a tarefa de operar as cardas, exclusivamente, num período de meia hora diária de pausa concedida aos respectivos operadores, tem uma manifesta afinidade ou ligação funcional com a tarefa de controle das cardas (as funções de encarregado ou controlador pressupõem naturalmente a execução, a direcção, a vigilância, a guarda de alguma coisa), não implicando para o A. qualquer desvalorização profissional nem diminuição de retribuição e continuando o A. a exercer a actividade principal."
Ora desde já se avança que estamos de acordo com a decisão havida em 1ª instância.
Em discussão apenas a questão de saber se as funções de operador de cardas representam uma efectiva desvalorização profissional para o A. .
Vejamos antes de mais os dispositivos legais que se prendem intimamente com a situação - nºs 1 a 4 do art. 22 da LCT, aprovada pelo Dec. Lei nº 49408, de 24.11.69, na redacção da Lei nº 21/96, de 23.7.

Dispõem os mesmos assim:
" 1. O trabalhador deve, em princípio exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado.
2. A entidade patronal pode encarregar o trabalhador de desempenhar outras actividades para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade na ligação funcional com as que correspondem à sua função normal, ainda que não compreendidas na definição da categoria respectiva.
3. O disposto no número anterior só é aplicável se o desempenho da função normal se mantiver como actividade principal do trabalhador, não podendo, em caso algum, as actividades exercidas acessoriamente determinar a sua desvalorização profissional ou a diminuição da sua retribuição.
4. O disposto nos dois números anteriores deve ser articulado com a formação e a valorização profissional.
(...)"
É claro, pois, que há vários requisitos para a entidade patronal poder exercer assim o seu poder de direcção (e ao falarmos desta forma estarmos a pensar na argumentação do acórdão recorrido).
A afinidade ou ligação funcional entre as tarefas é um deles.
E o trabalhador tem que desempenhar sempre a sua actividade principal.
Mas se houver desvalorização profissional, nada feito...
E o que a lei não faz é medir esta pelo tempo de exercício das funções acessórias.
O que ela verdadeiramente valoriza é a natureza destas.

O nº4 acima transcrito não pode ser mais claro:
"O disposto nos dois números anteriores deve ser articulado com a formação e a valorização profissional".
Ora, no caso, é indesmentível que o exercício das tarefas de operador de cardas representava uma verdadeira desqualificação profissional para o A..
Por um lado representava uma função menor relativamente à sua categoria profissional de afinador de cardas, um lugar técnico e especializado.
Por outro lado, tocantemente às funções de encarregado de operador de cardas, significa uma degradação, quer na escala técnica, quer na escala hierárquica.
E nem se pode aceitar um raciocínio do tipo de que o superior hierárquico se valoriza profissionalmente ao desempenhar, em substituição, as funções dos subordinados.
Como caricaturalmente se refere na sentença da 1ª instância, um engenheiro nada lucraria, neste sentido, ao desempenhar as funções de trolha.
O que mais cumpre salientar, no caso, é que estamos perante uma situação que nada tem de acidental, antes tende a perpetuar-se no tempo, com carácter de regularidade, aparecendo amalgamadas as funções de afinador de cardas próprias da categoria do A.-, de encarregado de operador de cardas - ao menos até certa altura - e de operador de cardas.

Mas não queremos, encerrar sem aviso algumas vozes autorizadas a propósito do conceito indeterminado de desvalorização profissional.
Jorge Leite em "Flexibilidade Funcional" - "Questões Laborais", Ano IV, nº 9-10, pág.35 - diz o seguinte:
"... determinam desvalorização profissional as actividades, acessoriamente exercidas que se mostrem contrárias à promoção profissional, à melhoria da qualidade de emprego e ao desenvolvimento cultural, económico e social do trabalhador (cfr. art. 3º/3 do Decreto-Lei 401/91, de 16-10). Importa, aliás, recordar que é um dever da entidade empregadora proporcionar aos seus trabalhadores meios de formação e de aperfeiçoamento profissional (art.s 19º/d e 42º/1 da LCT, ou, na versão mais recente do Decreto-Lei 405/91, de 16-10, que cabe especialmente às empresas e outras entidades empregadoras promover a valorização permanente dos recursos humanos de forma a obter (...) a progressão profissional dos trabalhadores (art. 7º/c)."

Por seu turno, Amadeu dias - ob. citada, pág. 48 - pondera o seguinte a tal propósito:
"... O citado Dec-Lei nº 401/91, no nº3 do art. 3º dispõe que" a formação profissional contínua, insere-se na vida profissional do indivíduo, realiza-se ao longo da mesma e destina-se a proporcionar a adaptação às Mutações Tecnológicas, organizacionais ou outras, favorecer a formação profissional, melhorar a qualidade de emprego e contribuir para o desenvolvimento cultural, económico e social."
Por seu turno, o Dicionário Etimológico atribui ao Termo valorização o significado de aumentar o préstimo ou o valor, o que é uma forma de significar, em linguagem corrente, o mesmo que decorre, de forma mais elaborada, das anteriores noções Técnica e legal.

Considera-se, pois que a expressão valorização profissional utilizada no nº 4 do art. 22º significa a prossecução de todos ou alguns dos objectos identificados no nº 3 do art. 3º do Dec-Lei nº 401/91 como qualidades de formação profissional contínua, mesmo que não se trate de promoção profissional na evolução na carreira.
O conceito de desvalorização profissional, ou desqualificação profissional, é, por contraposição, a prossecução, consciente ou não, de objectivos que se traduzam na negação das finalidades enunciadas, no nº 3 do art. 3º do mesmo Dec-Lei nº 401/91."
Estas são palavras que não debilitam, antes reforçam, tudo quanto havíamos expendido.
Por isso, e em suma, porque a actividade de operador de cardas representa, no caso, uma desvalorização profissional para o A. não estava o mesmo obrigado a obedecer às ordens que lhe foram dadas no sentido do seu desempenho (art.s 20º, nº1, al. c) e 22º, nº 3, da LCT).

O despedimento foi, pois ilícito (v. art. 12º, nº1, al. c) do LCCT).
E, por tal forma, fica prejudicado o conhecimento da questão respeitante à adequação da pena.
Assim, e por todo o exposto, acordam em conceder a revista e revogar o acórdão recorrido, ficando a subsistir a sentença da 1ª instância.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 24 de Junho de 2003
Ferreira Neto,
Dinis Roldão,
Fernandes Cadilha.