Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOÃO BERNARDO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO PAULIANA | ||
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Apenso: | |||
Data do Acordão: | 05/29/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA / INCIDENTES DA INSTÂNCIA. | ||
Doutrina: | - Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 234. - Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil “, anotação ao artigo 612.º. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 612.º, 613.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 271.º, 328.º, N.º1. | ||
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Sumário : |
1 . A declaração de ineficácia de duas transmissões, em ação de impugnação pauliana, deixa intocado ato de alienação onerosa posterior, se no processo em que teve lugar tal declaração, se considerou não provado que esta adquirente – ali interveniente principal com apresentação de articulado – estivesse de má fé. 2 . Não se tendo provado que esta adquirente tenha agido de má fé, fica quebrada a corrente e afastada a impugnação pauliana relativamente transmissão onerosa a outrem por ela levada a cabo. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1 . No Tribunal Judicial de Amarante AA deduziu a presente oposição à execução que foi movida, a ele e a outros, por BB.
Sustentou que: É parte ilegítima na referida execução por não ter sido demandado na ação de impugnação pauliana na qual foi proferida a sentença exequenda, além de que essa sentença não tem a força de caso julgado quanto a si, havendo, nessa medida, falta de título executivo. Pede, consequentemente, o reconhecimento da referida ilegitimidade e a sua absolvição da instância executiva ou, subsidiariamente, a extinção desta pelos outros motivos invocados.
Contestou o exequente, defendendo que o oponente, embora não tenha tido intervenção na ação de impugnação pauliana, adquiriu, na pendência dessa ação, o prédio nomeado à penhora, pelo que a sentença proferida naquela ação produz efeitos em relação a ele, por força do disposto no artigo 271.º, n.º 3 do C.P.Civil. Conclui, assim, que é parte legítima na execução, a referida sentença tem força de caso julgado contra o mesmo e não há falta de título.
2 . A oposição prosseguiu e, na altura oportuna, foi proferida sentença que a julgou improcedente, por não provada, absolvendo o exequente/opoído do pedido.
3 . Apelou o opoente e com êxito, porquanto o Tribunal da Relação do Porto decidiu nos seguintes termos: “Pelas razões expostas, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e, revogando a sentença recorrida, declara-se extinta a execução instaurada contra o ora oponente.”
Tendo sido elaborado o seguinte sumário:
“I - Nas acções de impugnação pauliana, as sentenças que imponham a restituição do valor do bem transmitido ou do enriquecimento obtido com a sua aquisição, por já não ser possível a execução desse bem, constituem títulos executivos, passíveis de serem coercivamente executados, por si só, ou seja, sem necessidade de quaisquer outros títulos, no que a terceiros adquirentes diz respeito. II - Já em relação ao devedor, o credor tem sempre de demonstrar que possui título executivo relativamente aos montantes de que se diz titular, ainda que na acção de impugnação pauliana se tenha apurado a existência e valor desses montantes. III - O facto, porém, de haver sentenças proferidas em acções de impugnação pauliana que constituem, por si só, títulos executivos em relação a terceiros adquirentes não significa que todos eles e os subadquirentes fiquem vinculados aos efeitos e consequências de tais sentenças. IV - A exequibilidade das decisões judiciais contra terceiros está dependente dos mesmos estarem abrangidos pela força do caso julgado relativo a tais decisões. V - Um dos casos em que a sentença pode produzir efeitos em relação a terceiros, ainda que este não intervenha no processo, é aquele em que a transmissão da coisa ou direito litigioso se processa para o adquirente na pendência da acção declarativa e a sentença seja proferida contra o transmitente. VI - Faltando este último requisito, no entanto, aqueles efeitos não podem produzir-se.”
4 . Pede revista o exequente/opoído.
Conclui as alegações do seguinte modo:
1 . Salvo o devido respeito por opinião diversa, o exequente adquiriu o direito à restituição do prédio urbano indicado à penhora e a executá-lo no património de terceiro, sendo o oponente AA o obrigado à restituição. 2 . O crédito do exequente está protegido pela acção pauliana julgada procedente por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça junto aos autos como título executivo. 3 . Na acção executiva não se discutem as transmissões do bem imóvel sobre o qual o credor beneficia de garantia patrimonial. 4 . A acção de impugnação pauliana não visa condenar um terceiro adquirente, no caso, o oponente, a pagar o que quer que seja, ao aqui exequente, mas sim, a restituir a garantia patrimonial do credor, constituída pelo património do devedor, o prédio urbano dos autos, único bem do devedor e que este alienou. 5 . Na presente execução pretende-se penhorar um bem, do devedor CC, à data da prática dos factos que originaram o crédito do exequente. 6 . Dos artigos 616°, n° 1 do Código Civil e 821°, n.º 2 do Código de Processo Civil, decorre que o exequente pode mover execução contra o adquirente do bem, sem necessidade de o reverter ao património do devedor. 7 . Em nosso entender, é também esta, a faculdade a que corresponde o direito de execução de bens de terceiro, consignada no artigo 818° do Código Civil. 8 . O que se pretende na presente acção executiva é tomar efectiva a reparação do direito do credor. 9 . O credor pode optar por responsabilizar o adquirente ou qualquer um dos sucessivos subadquirentes abrangidos pela impugnação pauliana respondendo os que estiverem de má fé pelo valor do bem e os de boa fé , apenas pelo enriquecimento que obtiveram, podendo demandar vários destes responsáveis, desde que não exceda a reconstituição da garantia patrimonial. 10 . Se assim não fosse, onde estaria o efeito útil de uma sentença de impugnação pauliana, no presente caso, um acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, sempre que se verificassem sucessivas transmissões do bem e atento o facto de, segundo o acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2003, a acção de impugnação pauliana não se encontrar sujeita a registo predial e sendo certo que, foi recusado o registo da acção? 11 . O acórdão proferido pelo STJ, junto aos autos como título executivo, é título executivo, produz efeitos em relação ao aqui oponente e à sociedade DD, isto é, tem força de caso julgado em relação aos executados AA e DD, Lda., por força do regime inserto no artigo 271 ° n° 3 do Código de Processo Civil. 12 . Interessa para os presentes autos que, a sociedade EE, transmitiu o prédio em questão para a sociedade DD, após ter sido citada para a acção de impugnação pauliana. 13 . Esta transmissão ocorreu na pendência da acção de impugnação pauliana, quando o imóvel estava sob litígio. 14 . O oponente AA adquiriu o prédio em causa, por contrato de compra e venda registado em 1 de Fevereiro de 2004, também na pendência da acção pauliana, quando o imóvel estava sob litígio. 15 . Assim, interessava à sociedade EE, à DD ou ao AA deduzir o incidente de habilitação de adquirente, o que não fizeram. 16 . Mas, venderam e compraram o prédio em causa, na pendência de uma acção pauliana. 17 . Como se escreveu no acórdão dado à execução e ficou provado no presente processo: "E tendo em conta quer o disposto no artigo 616° do Código Civil, quer o disposto no artigo 271° - dado que a transmissão para o interveniente ocorreu após a citação da ré EE ali alienante e não foi deduzido o incidente de habilitação de adquirente _, nada impede que seja julgado o pedido formulado contra os três réus, no tocante às transmissões operadas antes da propositura da acção." 18 . Nos termos do artigo 271 ° do CPC, no caso de transmissão por acto entre vivos de coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for por meio de habilitação admitido a substitui-lo. 19 . De facto, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa seguir com ele, tanto que a sentença que vier a ser decretada produz efeitos mesmo em relação ao adquirente ou cessionário, ainda que não chegue a intervir no processo, como é o caso do oponente. 20 . Verifica-se pois, uma extensão da eficácia do caso julgado da sentença proferida na acção de impugnação pauliana, ao extravasar a relação interpartes, prevista no artigo 671°, n° 1 e 674° do Código de Processo Civil, para abranger e vincular terceiros ainda que não tenha intervindo no processo. 21 . Dispõe o artigo 55° do CPC, que a execução fundada em sentença pode ser promovida não só contra o devedor, mas também contra as pessoas em relação às quais a sentença tem força de caso julgado. 22 . Entre as pessoas a que este artigo se refere, em relação às quais a sentença tem força de caso julgado, e é título executivo, conta-se o adquirente de coisa ou direito litigioso, excepto no caso de acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção. 23 . É, sem dúvida, a pessoa do oponente. 24 . O acórdão do STJ junto como título executivo nos autos, é título executivo contra o oponente e DD, exequível e tem força de caso julgado em relação aos mesmos. 25 . O acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação, violou os artigos 601°, 613º, 616°, 818° do Código Civil, 54°, 55°, 56°, 57°, 271° n.º 1 e 3, 671° n° 1, 674°, 821°, n° 2 do Código de Processo Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que considere a oposição à execução improcedente, por não provada, dessa forma absolvendo-se o exequente, com o consequente prosseguimento da execução.
Contra-alegou o opoente, pugnando pela manutenção do decidido.
5 . Ante as conclusões das alegações, a questão que se nos depara consiste em saber se a decisão na ação declarativa de impugnação pauliana constitui título executivo bastante para executar o bem pertencente ao ora opoente.
6 . Vem provada a seguinte matéria de facto:
a) Da sentença junta pelos exequentes no requerimento executivo, a ação de impugnação pauliana foi intentada contra os co-executados CC, EE – Construções, Lda e DD, Lda (artigo 1º da petição inicial). b) O oponente não foi demandado na ação de impugnação pauliana (artigo 2º da petição inicial). c) A sentença que constitui o título executivo que subjaz ao requerimento executivo declara a ineficácia da compra e venda celebrada em 3 de novembro de 1997 entre os ali réus CC e FF, e da compra e venda celebrada em 11 de fevereiro de 2000 entre FF e a co-executada “EE” (artigo 3º da petição inicial). d) O aqui oponente adquiriu o prédio urbano identificado no artigo 1º do requerimento executivo à sociedade, DD, Lda, por contrato de compra e venda, registado em 11 de fevereiro de 2004 (artigo 9º da petição inicial). e) A sociedade, DD, Lda, adquiriu o mesmo prédio por compra à sociedade, EE - Construções, Lda, registada em 23 de janeiro de 2001 (artigo 10º da petição inicial). f) A ação improcedeu contra a sociedade, DD, Lda, por não ter sido provado que agiu de má fé ao adquirir o imóvel nos autos (artigo 14º da petição inicial). g) A referida transmissão ocorreu na pendência da ação de impugnação pauliana, em que o imóvel dos autos estava sob litígio (artigo 12º da contestação). h) Nesse acórdão, a fls. 7, escreve-se: “E tendo em conta quer o disposto no artigo 616.º do Código Civil, quer o disposto no artigo 271.º - dado que a transmissão para o interveniente ocorreu após a citação da ré “EE” ali alienante e não foi deduzido o incidente de habilitação de adquirente - , nada impede que seja julgado o pedido formulado contra os três réus, no tocante às transmissões operadas antes da propositura da ação” (artigo 19º da contestação).
7 . Do exame deste acórdão resulta ainda a seguinte concretização destes factos, em ordem a equacionar claramente a questão que agora nos prende:
a) Por Acórdão do Tribunal Coletivo de Penafiel, proferido no processo n.º 102/97, foi condenado o ali arguido, CC e outros a pagarem aos filhos de BB, por este representados, 21.100.000$00; b) Em 16.9.1999 intentou este contra aquele arguido ação executiva, visando o pagamento desta quantia; c) Requerendo a penhora do imóvel ora em discussão; d) Este imóvel fora vendido pelo mesmo arguido em 3.11.1997, a FF; e) Em 11.2.2000 esta ré vendeu-o a EE – Construções, Lda; f) Em 22.1.1001 esta vendeu-o a DD – …, Lda; g) Que por sua vez o vendeu, em 11.2.2004, ao aqui oponente AA. h) Visto que o imóvel a penhorar fora vendido, o BB moveu ação de impugnação pauliana aos: CC; FF e EE – Construções, Lda. i) Constatada a venda referida em f), o autor requereu a intervenção principal provocada da DD, que apresentou articulado; j) A ação foi julgada improcedente na 1.ª e na 2.ª instâncias. l) Foi, porém, interposta revista para este STJ; m) Que decidiu: Não julgar verificado que a interveniente tenha agido de má fé; Tal não obstar a que se julguem procedentes os pedidos formulados na petição inicial; Que foram efetivamente julgados procedentes, “declarando-se a ineficácia da compra e venda celebrada em 3.11.1997…entre os réus CC e FF e da compra e venda celebrada em 11.2.2000 entre as rés FF e EE…com vista à cobrança do crédito de…”
8 . Como vimos, o processo chegou ao Supremo Tribunal de Justiça, com julgamento “in totum” de improcedência. Aqui, julgou-se improcedente a fundamentação do recurso relativamente à interveniente DD. E julgaram-se procedentes os pedidos de ineficácia relativamente às transmissões do CC para a FF e desta para a EE.
Numa hipótese de raciocínio, poder-se-ia pensar que, não obstante a não procedência da argumentação relativamente à DD, decretada a ineficácia das duas primeiras transmissões, a terceira, a esta relativa, não podia deixar de estar inquinada.
9 . Este raciocínio não é, porém, de aceitar. Nos termos do artigo 612.º do Código Civil, o ato oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé. Relativamente às transmissões posteriores – conforme o artigo seguinte – é necessária a verificação dos requisitos da impugnabilidade da primeira alienação e, no caso de transmissões a título oneroso, que tenha havido má fé tanto do alienante como do posterior adquirente. Este regime é válido relativamente a todas as transmissões posteriores (Cfr-se Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação a este artigo). Com a exigência de que o posterior ou de que os posteriores adquirentes a título oneroso tenham agido de má fé (para além do alienante) o legislador optou, com clareza, pela proteção daqueles (que não tenham agido de má fé) em detrimento de eventual inquinação da primitiva alienação. Esta, verificando-se os necessários requisitos, pode ser declara ineficaz na perspetiva do crédito do impugnante, mas esta ineficácia não atinge o adquirente posterior a título oneroso a respeito do qual não se tenha demonstrado a má fé. Quebrou o legislador a produção dos efeitos da ineficácia primitiva que, em raciocínio abstrato, poderia conduzir ao naufrágio de tudo o que dependesse dela. Não se pode raciocinar tendo como adquirido que, tendo lugar ineficácia do primitivo ato, ficariam necessariamente inquinados os posteriores, porque abrangidos por essa mesma ineficácia.
10 . O acórdão deste Tribunal tem necessariamente de ser interpretado como deixando intocado o ato de alienação da EE para com a DD. Abrangendo o caso julgado o direito da DD, nos termos do, então vigente, artigo 328.º, n.º1 do Código de Processo Civil. Sendo assim, não nos compete agora tecer considerações sobre se este ato de alienação está sujeito ao regime do mencionado artigo 613.º ou antes do, então também vigente, artigo 271.º do Código de Processo Civil. Não podemos julgar o que já está julgado.
11 . A não dependência entre a ineficácia da primeira transmissão e as demais nada tem a ver com os requisitos positivos. Para que proceda a impugnação pauliana, exige expressamente aquele artigo 613.º que relativamente à primeira transmissão, se verifiquem os requisitos de impugnabilidade referidos nos artigos anteriores. Exigência que tem de ser entendida como alargada a toda a relação transmissões anteriores/transmissão posterior (cfr-se Pires de Lima e A. Varela, loc. citado). Afirmando, ainda a este propósito, Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 234, que: “Mas a má fé ou a gratuitidade têm de estar presentes em todos os atos de transmissão ocorridos, não podendo a impugnação pauliana operar per saltum. Não estando presente um destes requisitos numa transmissão, quebra-se a corrente que vai permitindo a extensão do alcance da impugnação pauliana.” Quebrada a corrente relativamente à DD, fica afastada a impugnação pauliana relativamente ao ato de transmissão desta para o agora opoente.
12 . Termos em que se nega a revista. Custas pelo recorrente.
Lisboa, 29.5.2014 João Bernardo (Relator) Oliveira Vasconcelos Serra Baptista |