Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
| Relator: | RAUL BORGES | ||
| Descritores: | RECURSO PENAL HOMICÍDIO NULIDADE OMISSÃO DE PRONÚNCIA FALTA INQUÉRITO INTÉRPRETE DIREITO AO SILÊNCIO PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA IN DUBIO PRO REO ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA PENA DE PRISÃO MEDIDA DA PENA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL CULPA ILICITUDE PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
| Data do Acordão: | 01/04/2017 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PARCIALMENTE. | ||
| Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – ACTOS PROCESSUAIS / ARGUIDO E DEFENSOR – ACTOS PROCESSUAIS / FORMA DOS ACTOS E DOCUMENTAÇÃO / NULIDADES – PROVA / MEIOS DE PROVA / PROVA TESTEMUNHAL – JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DIREITO PENAL – FACTO / FORMAS DO CRIME / CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA – CRIMES CONTRA AS PESSOAS / HOMICÍDIO. | ||
| Doutrina: | -Alfredo Gaspar, anotação ao acórdão de 2 de Maio de 1985, in Tribunal da Justiça, n.º 7, 11 e 13; -Américo Taipa de Carvalho, Prevenção, Culpa e Pena, Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, 322 e 325; -Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, 147 e ss.; -Carmona da Mota, Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, 8 e 9; -Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, 94 a 113; -Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, BFD, Studia Jurídica, n.º 24, 91; -Eduardo Correia, Les preuves em droit pénale portugais, RDES, Ano IV, 17, 22 a 40; -Fernanda Palma, As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, Edição 1998, AAFDL, 25; -Frederico Isasca, Apontamentos de Direito Processual Penal, AAFDL, 1987; -Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, 3, 130; -Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, Volume I, 446 e 447; -Hans Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, 1194; -Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Volume I, 217, Tomo I, 218 e 219 ; Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, 196/7, 277, 210/211, 227, 280/210, 302/307, 453/306 ; Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, 279 ; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, 65 a 111 ; Revista da Ordem dos Advogados, Ano 43, 1983 ; O sistema sancionatório do Direito Penal Português, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, 815; -Leal - Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, Rei dos Livros, 3.ª Edição, 2002, I Volume, 856; 4.ª Edição, 2015, II Volume, 116; -M. Miguez Garcia J. M. Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, Almedina 2014, 375; -Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, 19 e 20; -Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 3.ª Edição actualizada, 2007, 218; 4.ª Edição, Abril de 2011, 60, 61 e 224; Novembro de 2015, 365; -Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, 464; 2016, 427; -Vera Lúcia Raposo, O direito à vida na jurisprudência de Estrasburgo, Jurisprudência Constitucional, n.º 14, 59 e ss.; | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 58.º, N.º 1, ALÍNEA A), 61.º, 92.º, N.ºS 3, 4 E 5, 93.º, 120.º, N.º 1, ALÍNEA C), 126.º, N.º 3, 127.º, 133.º, 340.º, 355.º, N.º 1, 374.º, N.º 2, 379.º, N.ºS 1, ALÍNEAS A) E C) E 2, 380.º, 399.º, 400.º, N.º 1, 410.º, N.º 2, ALÍNEA C), 412.º, N.ºS 3 E 4, 425.º, N.º 4 E 434.º. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 24.º, 30.º, 71.º, 72.º, N.ºS 1 E 2, 73.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B) 131.º, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 18.º, N.º 2, 29.º, N.º 5, 32.º, N.ºS 1 E 2 E 203.º. | ||
| Referências Internacionais: | CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS: - ARTIGOS 2.º, N.º 1 E 6.º, N.º 2. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 13-11-2002, SASTJ, N.º 65, PÁG. 60; DE 19-05-2010, PROCESSO N.º 459/05.0GAFLG.G1.S1; DE 7-04-2011, PROCESSO N.º 450/09.7JAAVR.P1.S1, DE 27-04-2011, PROCESSO N.º 7266/08.6TBRG.G1.S1; PROCESSOS N.ºS 294/08-3.ª E 1132/08-3.ª; DE 25-06-2008, PROCESSO N.º 2046/07-3.ª; DE 10-09-2008, PROCESSO N.º 2506/08-3.ª; DE 08-10-2008, PROCESSO N.º 3068/08-3.ª; DE 22-10-2008, PROCESSO N.º 215/08-3.ª; DE 27-05-2009, PROCESSO N.º 484/09-3.ª; DE 25-06-2009, PROCESSO N.º 5/05.5PBOLH-3.ª; DE 23-09-2010, PROCESSO N.º 65/09.9JACBR.C1.S1-3.ª; DE 19-05-2010, PROCESSO N.º 459/05.0GAFLG.G1.S1-3.ª; DE 12-07-2012, PROCESSO N.º 350/98.4TAOLH.E1.S1-3.ª; DE 11-06-2014, PROCESSO N.º 14/07.0TRLSB.S1, DE 29-04-2015, PROCESSO N.º 791/12.6GAALQ.L2.S1; DE 06-01-2011, PROCESSO N.º 355/09.1JAAVR.C1.S1-5.ª; DE 13-01-2011, PROCESSO N.º 316/07.5GBSTS.G2.S1-5.ª; DE 10-12-2009, PROCESSO N.º 22/07.0GACUB.S1-3.ª; DE 7-04-2010, PROCESSO N.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1; DE 19-05-2010, PROCESSO N.º 459/05.0GAFLG.G1.S1; DE 7-04-2011, PROCESSO N.º 450/09.7JAAVR.P1.S1; DE 27-04-2011, PROCESSO N.º 7266/08.6TBRG.G1.S1; DE 5-12-2012, PROCESSO N.º 704/10.0PVLSB.L1.S1-3.ª; DE 18 DE DEZEMBRO DE 1997, PROCESSO N.º 930/97, BMJ N.º 472, PÁG. 185; DE 29 DE NOVEMBRO DE 2006, PROCESSO N.º 2796/06-3.ª SECÇÃO, IN CJSTJ 2006, TOMO 3, PÁG. 235 (MAXIME, 239); DE 6 DE ABRIL DE 1994, PROCESSO N.º 46 092, BMJ N.º 436, PÁG. 248; DE 17 DE ABRIL DE 1997, PROCESSO N.º 1415/96-3.ª, SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS DO STJ (SASTJ), N.º 10, PÁG. 104; DE 17 DE ABRIL DE 1997, PROCESSO N.º 1073/96-3.ª, SASTJ N.º 10, PÁG. 105 E BMJ N.º 466, PÁG. 227; DE 24 DE ABRIL DE 1997, PROCESSO N.º 73/97-3.ª, SASTJ, N.º 10, PÁG. 110; DE 11 DE FEVEREIRO DE 1999, CJSTJ 1999, TOMO 1, PÁG. 210; DE 6 DE DEZEMBRO DE 2006, PROCESSO N.º 3520/06-3.ª; DE 20 DE DEZEMBRO DE 2006, PROCESSO N.º 3105/06-3.ª; DE 23 DE ABRIL DE 2008, PROCESSO N.º 899/08; DE 30 DE ABRIL DE 2008, PROCESSO N.º 3331/07-3.ª; DE 20-06-1990, BMJ N.º 398, PÁG. 431; DE 04-07-1991, BMJ N.º 409, PÁG. 522; DE 14-04-1994, PROCESSO N.º 46 318, CJSTJ 1994, TOMO 1, PÁG. 265; DE 12-01-1995, CJSTJ 1995, TOMO 1, PÁG. 181; DE 06-03-1996, CJSTJ 1996, TOMO 2 (SIC), PÁG. 165; DE 02-05-1996, CJSTJ 1996, TOMO 2, PÁG. 177; DE 25-02-1999, BMJ N.º 484, PÁG. 288; DE 15-06-2000, PROCESSO N.º 92/00-3.ª, CJSTJ 2000, TOMO 2, PÁG. 226 E BMJ N.º 498, PÁG.148; DE 02-05-2002, PROCESSO N.º 599/02-5.ª; DE 23-01-2003, PROCESSO N.º 4627/02-5.ª; DE 05-06-2003, PROCESSO N.º 9765/03-5.ª; DE 15-10-2003, PROCESSO N.º 1882/03-3.ª; DE 27-05-2004, PROCESSO N.º 766/04-5.ª, CJSTJ 2004, TOMO 2, PÁG. 209; DE 21-10-2004, PROCESSO N.º 3247/04-5.ª, CJSTJ 2004, TOMO 3, PÁG. 198; DE 12-07-2005, PROCESSO N.º 2315/05-5.ª; DE 07-12-2005, PROCESSO N.º 2963/05-3.ª; DE16-05-2007, CJSTJ 2007, TOMO 2, PÁG. 182; DE 20-02-2008, PROCESSO N.º 4553/07-3.ª; DE 05-03-2008, PROCESSO N.º 210/08-3.ª, CJSTJ 2008, TOMO 1, PÁG. 243; DE 09-04-2008, PROCESSO N.º 429/08-3.ª; DE 23-04-2008, PROCESSO N.º 899/08-3.ª; DE 15-07-2008, PROCESSO N.º 1787/08-5.ª; DE 22-10-2008, PROCESSO N.º 215/08-3.ª, DE 30-10-2001, PROCESSO N.º 2630/01-3.ª; DE 06-12-2002, PROCESSO N.º 2707/02-5.ª; DE 08-07-2004, PROCESSO N.º 1121/04-5.ª, SASTJ, N.º 83; DE 30-03-2005, PROCESSO N.º 552/05 - 3.ª; DE 24-11-2005, PROCESSO N.º 2831/05-5.ª (3.ª?); DE 07-12-2006, PROCESSO N.º 3137/06-5.ª; DE 18-01-2007, PROCESSO N.º 4465/06-5.ª; DE 21-06-2007, PROCESSO N.º 1581/07-5.ª; DE 13-02-2008, PROCESSO N.º 4200/07-5.ª; DE 17-04-2008, PROCESSO N.º 823/08-3.ª; DE 07-05-2008, PROCESSO N.º 294/08-3.ª; DE 28-05-2008, PROCESSO N.º 1218/08-3.ª; DE 29-05-2008, PROCESSO N.º 827/08-5.ª; DE 15-10-2008, PROCESSO N.º 2864/08-3.ª; DE 16-10-2008, PROCESSO N.º 4725/07-5.ª; DE 22-10-2008, PROCESSO N.º 215/08-3.ª;DE 04-12-2008, PROCESSO N.º 2486/08-5.ª; DE 05-02-2009, PROCESSO N.º 2381/08-5.ª; DE 08-10-1997, PROCESSO N.º 976/97-3.ª, SUMÁRIOS DO GABINETE DE ASSESSORIA DO STJ, N.º 14, PÁG. 132; DE 15-04-1998, PROCESSO N.º 285/98-3.ª, IN BMJ N.º 476, PÁG. 82; DE 22-04-1998, PROCESSO N.º 120/98-3.ª, BMJ, N.º 476, PÁG. 272; DE 04-11-1998, PROCESSO N.º 1415/97-3.ª, IN CJSTJ 1998, TOMO 3, PÁG. 201 E BMJ N.º 481, PÁG. 265, COM EXTENSA INFORMAÇÃO ACERCA DO PRINCÍPIO EM CAUSA E DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA; DE 27-01-1999, NO PROCESSO N.º 1369/98-3.ª, IN BMJ N.º 483, PÁG. 140; DE 24-03-1999, PROCESSO N.º 176/99-3.ª, IN CJSTJ 1999, TOMO 1, PÁG. 247; DE 20-10-1999, PROCESSO N.º 1475/98 -3.ª, IN BMJ N.º 490, PÁG. 64; DE 04-10-2006, PROCESSO N.º 812/2006-3.ª; DE 11-04-2007, PROCESSO N.º 3193/06-3.ª, DE 17-09-2009, PROCESSO N.º 169/07.3GCBNV.S1-5.ª; DE 5 DE DEZEMBRO DE 2007, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 3406/07, DE 27 DE MAIO DE 2010, NO PROCESSO N.º 18/07.2GAAMT.P1.S1, DE 14 DE JULHO DE 2010, NO PROCESSO N.º 149/07.9JELSB.E1.S2, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2011, NO PROCESSO N.º 17/09.0TELSB.L1.S1; DE 11 DE DEZEMBRO DE 2012, NO PROCESSO N.º 951/07.1GBMTJ.E1.S1; DE 11 DE JUNHO DE 2014, PROCESSO N.º 14/07.0TRLSB.S1; DE 27 DE MAIO DE 2009, PROCESSO N.º 145/05-3.ª, DE 7 DE ABRIL DE 2010, PROCESSO N.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1-3.ª E DO MESMO RELATOR, OS ACÓRDÃOS DE 27-05-2010, PROCESSO N.º 11/04.7GCABT.C1.S1 E DE 17-11-2010, PROCESSO N.º 18/09.8JAAVR.C1.S1, EM QUE INTERVIEMOS COMO ADJUNTO, E DE 9 DE FEVEREIRO DE 2012, PROCESSO N.º 233/08.1PBGDM.P3.S1-3.ª; DE 21 DE FEVEREIRO DE 2008, PROCESSO N.º 4805/06-5.ª; DE 30 DE ABRIL DE 2009, PROCESSO N.º 273/04.0JAPRT.S1-5.ª; DE 24 DE OUTUBRO DE 2012, PROCESSO N.º 2965/06.0TBLLE.E1.S1-3.ª; DE 26 DE JUNHO DE 2013, PROCESSO N.º 230/05.9GBMMN:E1.S1-3.ª; DE 26 DE JUNHO DE 2013, PROCESSO N.º 10/11.2JAGRD.C1.S1; DE 30 DE OUTUBRO DE 2013, PROCESSO N.º 40/11.4JAAVR.C2.S1-3.ª; DE 14-06-2014, PROCESSO N.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; DE 18-12-97, PROC. 930/97, BMJ N.º 472, P. 185; DE 15-04-2010, PROCESSO N.º 154/01.9JACBR.C1.S1-5.ª; DE 6-10-2010, PROCESSO N.º 77/07.8TAPTB.G2.S1-3.ª; DE 13-10-2010, PROCESSO N.º 58/08.4JAGRD.C1.S1- 3.ª; DE 23-02-2011, PROCESSO N.º 241/08.2GAMTR.P1.S2, DE 1-06-2011, PROCESSO N.º 234/00.8JAAVR.C2.S1-3.ª E DE 29-05-2013, PROCESSO N.º 344/11.6JALRA.E1.S1; DE 27-10-2010, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 4/09.8YGLSB.S2-3.ª; DE 23-02-2011, PROCESSO N.º 250/10.1PDAMD.S1-3.ª; DE 14-04-2011, PROCESSO N.º 117/08.3PEFUN.L1.S1-5.ª; DE 4-05-2011, PROCESSO N.º 1702/09.1JAPRT.P1.S1, DA 3.ª; DE 15-12-83, BMJ 322, PÁG. 281; DE 18-05-2011, PROCESSO N.º420/06.7GAPVZ.P1.S1; DE 24-03-99, CJ STJ, TOMO I, PÁG. 247; DE 13-07-2011, PROCESSO N.º 6/08.1GDPNF.P2.S1; DE 9-11-2011, PROCESSO N.º 43/09.9PAAMD.L1.S1-3.ª; DE 7-04-2010, PROCESSO N.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1; DE 27-05-2010, PROCESSO N.º 11/04.7GCABT.C1.S1; DE 19-01-2011, PROCESSO N.º 376/06.6PBLRS.L1.S1; DE 7-04-2011, PROCESSO N.º 450/09.7JAAVR.P1.S1; DE 27-04-2011, PROCESSO N.º 7266/08.6TBBRG.G1.S1; DE 12-01-2012, PROCESSO N.º 224/10.2JAGRD.C1,S1-5.ª; DE 15-03-2012, PROCESSO N.º 2875/07.3TAMTS-A.S1 - 3.ª; DE 5-06-2012, PROCESSO N.º 442/08.3GALSD.P1.S1-5.ª; DE 27-6-2012, PROCESSO N.º 127/10.0JABRG:G2.S1-3.ª; DE 17-10-2012, PROCESSO N.º 1243/10.4PAALM.L1.S1 - 3.ª; DE 14-03-2013, PROCESSO N.º 43/10.6GASTC.E1.S1-3.ª; DE 29-05-2013, PROCESSO N.º 344/11.6JALRA.E1.S1 - 3.ª; DE 29-05-2013, PROCESSO N.º 132/07.4JBLSB.L2.S1 - 5.ª SECÇÃO CJSTJ 2013, TOMO 2, PÁG. 196; DE 4-07-2013, PROCESSO N.º 1243/10.4PAALM.L1.S1-3.ª; DE 04-07-2013, PROCESSO N.º 39/10.8JBLSB.L1.S1 - 3.ª; DE 13-11-2013, PROCESSO N.º 2032/11.4JAPRT.P1.S1-3.ª; DE 12-03-2014, PROCESSO N.º 1027/12.5GCTVD.S1-3.ª; DE 23-04-2014, PROCESSO N.º 307/14.0YRLSB.S1 - 3.ª; DE 30-04-2014, PROCESSO N.º 413/07.7TACBR.C2.S1 - 5.ª; DE 5-06-2014, PROCESSO N.º 853/98.0JAPRT.P1.S1 – 5.ª; DE 02-10-2014, PROCESSO N.º 882/10.8PBLRA.C1.S1- 5.ª; DE 13-11-2014, PROCESSO N.º 249/11.0PECBR.C1.S1 - 5.ª; DE 29-01-2015, PROCESSO N.º 1/13.9GFALR.S1-5.ª; DE 12-03-2015, PROCESSO N.º 40/11.4JAAVR.C2.S1-3.ª; DE 12-03-2015, PROCESSO N.º 1/13.9GASBG.C1-A.S1 - 3.ª; DE 9-04-2015, PROCESSO N.º 189/13.9GALNH.L1.S1-3.ª; DE 9-04-2015, PROCESSO N.º 29/09.3FAVPV.L1.S1-5.ª; DE 9-07-2015, PROCESSO N.º 277/11.6JAPRT.P2.S1-5.ª; DE 22-07-2015, PROCESSO N.º 119/13.8JBLSB.L1.S1 - 3.ª; DE 10-12-2015, PROCESSO N.º 134/13.1GBASL.E1.S1- 5.ª; DE 10-12-2015, PROCESSO N.º 944/13.0PCOER.L1.S1 - 3.ª; DE 21-01-2016, PROCESSO N.º 8/12.3JALRA.C1.S1-3.ª; DE 17-03-2016, PROCESSO N.º 1180/10.2JAPRT.P1.S1 - 3.ª; DE 17-03-2016, PROCESSO N.º 849/12.1JACBR.C1.S1 - 3.ª; DE 13-04-2016, PROCESSO N.º 958/11.4PAMTJ.L1.S1 – 3.ª; DE 14-04-2016, PROCESSO N.º 325/14.8JABRG.G1.S1 – 5.ª; DE 14-04-2016, PROCESSO N.º 174/13.0GAVZL.C21.S1 – 5.ª; DE 21-04-2016, PROCESSO N.º 657/13.2JAPRT.P1.S1 - 5.ª; DE 12-05-2016, PROCESSO N.º 53/14.4PAETZ.E1.S1-5.ª; DE 12 DE SETEMBRO DE 2007, PROCESSO N.º 2702/07; DE 7 DE NOVEMBRO DE 2007, PROCESSO N.º 3225/07; DE 28 DE NOVEMBRO DE 2007, PROCESSO N.º 3253/07; DE 5 DE DEZEMBRO DE 2007, PROCESSO N.º 3266/07; DE 29 DE OUTUBRO DE 2008, PROCESSO N.º 1309/08; DE 12 DE MARÇO DE 2009, PROCESSO N.º 3781/08; DE 21 DE OUTUBRO DE 2009, PROCESSO N.º 360/08.5GEPTM; DE 25 DE NOVEMBRO DE 2009, PROCESSO N.º 490/07.0TAVVD; DE 20 DE OUTUBRO DE 2010, PROCESSO N.º 845/09.6JDLSB; DE 5 DE JANEIRO DE 2011, PROCESSO N.º 448/09.5JELSB; DE 13 DE OUTUBRO DE 2011, PROCESSO N.º 451/05.4JABRG.G1.S1; DE 27 DE JUNHO DE 2012, PROFERIDO NO N.º 3283/09.7TACBR.S1, DE 11-06-2014, PROCESSO N.º 14/07.0TRLSB.S1; DE 29-04-2015, PROCESSO N.º 791/12.6GAALQ.L2.S1 , DE 09-09-2015, NA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA NO PROCESSO N.º 990/10.5T2OBR.C3.-A.S1; DE 7 DE SETEMBRO DE 2016, PROCESSO N.º 232/14.4JABRG.P1.S1; DE 24 DE MARÇO DE 1999, PROCESSO N.º 176/99-3.ª, IN CJSTJ 1999, TOMO 1, PÁG. 247; DE 23 DE FEVEREIRO DE 2000, PROCESSO N.º 1200/99-3.ª, SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS DO STJ, EDIÇÃO ANUAL, N.º 38, PÁG. 75; DE 30 DE OUTUBRO DE 2003, PROCESSO N.º 3252/03-5.ª, IN CJSTJ 2003, TOMO 3, PÁG. 208 (221-2); DE 3 DE NOVEMBRO DE 2004, PROCESSO N.º 3289/04-3.ª, IN CJSTJ 2004, TOMO 3, PÁG. 217; DE 25 DE MAIO DE 2005, PROCESSO N.º 1566/05-3.ª, IN CJSTJ 2005, TOMO 2, PÁG. 207; DE 7 DE JUNHO DE 2006, PROCESSO N.º 1174/06 - 3.ª SECÇÃO, IN CJSTJ 2006, TOMO 2, PÁG. 207; DE 05-02-1997, PROCESSO N.º 47885-3.ª, SASTJ, N.º 8, FEVEREIRO 1997, PÁG. 77; DE 07-05-1997, BMJ N.º 467, PÁG. 237; DE 29-04-1998, PROCESSO N.º 449/98, IN CJSTJ 1998, TOMO 2, PÁG. 191; DE 07-10-1999, BMJ N.º 490, PÁG. 48; DE 10-11-1999, PROCESSO N.º 823/99, SASTJ, Nº 35, 74; DE 26-04-2000, PROCESSO N.º 82/00; DE 18-10-2001, PROCESSO N.º 2137/01-5.ª, SASTJ, N.º 54, 122; DE 28-02-2002, PROCESSO N.º 226/02-5.ª; DE 18-04-2002, PROCESSO N.º 629/02-5.ª, IN CJSTJ 2002, TOMO 2, PÁG. 178; DE 22-01-2004, PROCESSO N.º 4430/03-5.ª, IN CJSTJ 2004, TOMO 1, PÁG. 183; DE 20-10-2004, PROCESSO N.º 2824/04 - 3ª; DE 06-10-2005, PROCESSO N.º 2632/05 – 5.ª; DE 17-11-2005, PROCESSO N.º 1296/05 – 5.ª; DE 07-12-2005, PROCESSO N.º 2967/05 –5.ª, IN CJSTJ 2005, TOMO 3, PÁG. 229 (ATENUAÇÃO ESPECIAL E IMPUTABILIDADE DIMINUÍDA); DE 15-12-2005, PROCESSO N.º 2978/05 – 5.ª; DE 06-06-2006, PROCESSO N.º 2034/06 – 5.ª, IN CJSTJ 2006, TOMO 2, PÁG. 204; DE 07-12-2006, PROCESSO N.º 3053/06 – 5.ª; DE 21-12-2006, PROCESSO N.º 4540/06 – 5.ª; DE 08-03-2007, PROCESSO N.º 626/07 – 3.ª; DE 06-06-2007, PROCESSOS N.ºS 1403/07 E 1899/07, AMBOS DA 3.ª SECÇÃO E PROCESSO N.º 1603/07-5.ª; DE 14-06-2007, PROCESSOS N.ºS 1895/07 E 1908/07, AMBOS DA 5.ª SECÇÃO; DE 21-06-2007, PROCESSO N.º 1581/07 – 5.ª; DE 28-06-2007, PROCESSO N.º 3104/06 – 5.ª; DE 17-10-2007, PROCESSO N.º 3265/07 – 3.ª; DE 28-11-2007, PROCESSO N.º 3981/07 – 3.ª; DE 16-01-2008, PROCESSOS N.ºS 4638/07 E 4837/07, AMBOS DA 3.ª SECÇÃO; DE 23-01-2008, PROCESSO N.º 4560/07 – 3.ª; DE 13-03-2008, PROCESSO N.º 2589/07 – 5.ª; DE 26-03-2008, PROCESSOS N.ºS 105/08 E 306/08-3.ª; DE 17-04-2008, PROCESSO N.º 4732/07 – 5.ª; DE 30-04-2008, PROCESSO N.º 1220/08 – 3.ª; DE 03-07-2008, PROCESSO N.º 1226/08 – 5.ª; DE 25-09-2008, PROCESSO N.º 809/08 – 5.ª; DE 23-10-2008, PROCESSO N.º 1212/08 – 5.ª; DE 21-01-2009, PROCESSO N.º 4029/08 – 3.ª; DE 05-03-2009, PROCESSO N.º 4133/08 – 5.ª; DE 23-04-2009, PROCESSO N.º 388/09 – 5.ª; DE 02-04-2009, PROCESSO N.º 93/09 – 5.ª; DE 10-12-2009, PROCESSO N.º 36/08.3GABTC.P1.S1 – 5.ª; DE 17-12-2009, PROCESSO N.º 2956/07.3TDLSB.S2 – 5.ª; DE 27-05-2010, PROCESSO N.º 6/09.4JAGRD.C1.S1 – 3.ª; DE 27-10-2010, PROCESSO N.º 971/06.1JAPRT.S1 – 3.ª, CJSTJ 2010, TOMO 3, PÁG. 237; DE 02-02-2011, PROCESSO N.º 1375/07.6PBMTS.P1.S2 – 3.ª; DE 07-09-2011, PROCESSO N.º 356/09.0JAAVR.S1 – 3.ª; DE 26-10-2011, PROCESSO N.º 319/10.2PGALM.L1.S1 – 3.ª; DE 22-02-2012, PROCESSO N.º 1239/03.2GCALM.L1.S1 – 3.ª; DE 11-10-2012, PROCESSO N.º 289/10.7PAPTM.E1.S1-5.ª; DE 18-10-2012, PROCESSO N.º 32/11.3JALRA.C1.S1-5.ª; DE 15-05-2013, PROCESSO N.º 154/12.3JDLSB.L1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, TOMO 2, PÁG. 180; DE 27-11-2013, PROCESSO N.º 37/12.7JACBR.C1.S1-3.ª; PROCESSO N.º 236/12.1PCSNT.L1.S1-3.ª; DE 10-04-2014, PROCESSO N.º 378/08.8JAFAR.E3.S1-5.ª; DE 5-06-2014, PROCESSO N.º 259/09.8JAPTM.E1.S1-5; DE 17-09-2014, PROCESSO N.º 595/12.6TASLV.E1.S1-3.ª; DE 12-11-2014, PROCESSO N.º 32/12.3TAVRS.S1-3.ª; DE 17-12-2014, PROCESSO N.º 937/12.4JAPRT.P1.S1-5.ª; DE 15-01-2015, PROCESSO N.º 92/14.5YFLSB.S1-5.ª; DE 12-03-2015, PROCESSO N.º 724/01.5SWLSB.L1.S1-3.ª; DE 19-03-2015, PROCESSO N.º 67/13.1PFEVR.S1-5.ª; DE 29-04-2015, PROCESSO N.º 791/12.6GAALQ.L2.S1-3.ª; DE 18-06-2015, PROCESSO N.º 270/09.9GBVVD.S1-5.ª; DE 15-07-2015, PROCESSO N.º 32/14.1PEAMD.S1-3.ª; DE 10-12-2015, PROCESSO N.º 843/14.JDSLB.S1-5.ª; DE 17-12-2015, PROCESSO N.º 1983/14.9PJLSB.S1-5.ª ; DE 24-02-2016, PROCESSO N.º 1825/08.4PBSXL.E1.S1-3.ª ; DE 25-05-2016, PROCESSO N.º 610/11.0GCPTM.E1.S1-3.ª; DE 9-07-2014, PROCESSO N.-º 38/05.1SVLSB.L2.S1-5.ª; 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E NO ACÓRDÃO DE 27-02-1991, IN A. J., N.º 15/16, PÁG. 9 (CITADO NO ACÓRDÃO DE 15-02-1995, CJSTJ 1995, TOMO 1, PÁG. 216; DE 21-06-1989, BMJ N.º 388, PÁG. 245 E DE 17-10-1991, BMJ N.º 410, PÁG. 360; DE 28-09-2005, CJSTJ 2005, TOMO 3, PÁG. 173; DE 10 DE ABRIL DE 1996, PROCESSO N.º 12/96, IN CJSTJ 1996, TOMO 2, PÁG. 168, DE 08-10-1997, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 356/97-3.ª, IN SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS, GABINETE DE ASSESSORIA DO STJ, N.º 14, VOLUME II, PÁGS. 133/4; DE 17-09-1997, PROCESSO N.º 624/97; DE 01-10-1997, PROCESSO N.º 673/97; DE 08-10-1997, PROCESSO N.º 874/97; DE 15-10-1997, PROCESSO N.º 589/97, IN SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS DO GABINETE DE ASSESSORIA DO STJ, N.º 14, OUTUBRO DE 1997, II VOLUME, PÁGS. 125, 134 E 145, E DE 20-05-1998, PROCESSO N.º 370/98, ESTE PUBLICADO NA CJSTJ 1998, TOMO 2, PÁG. 205 E NO BMJ N.º 477, PÁG. 124; DE 08-10-1997, PROCESSO N.º 976/97 E DE 17-12-1997, PROCESSO N.º 1186/97, IN SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS, N.º 14, PÁG. 132 E N.º S 15/16, NOVEMBRO/DEZEMBRO 1997, PÁG. 214; DE 09-11-2000, PROCESSO N.º 2693/00-5.ª; DE 23-11-2000, PROCESSO N.º 2766/00 – 5.ª; DE 30-11-2000, PROCESSO N.º 2808/00-5.ª; DE 28-06-2001, PROCESSOS N.ºS 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª E 1552/01-5.ª; DE 30-08-2001, PROCESSO N.º 2806/01-5.ª; DE 15-11-2001, PROCESSO N.º 2622/01 – 5.ª; DE 06-12-2001, PROCESSO N.º 3340/01-5.ª; DE 17-01-2002, PROCESSO 2132/01-5.ª; DE 09-05-2002, PROCESSO N.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, TOMO 2, PÁG. 193; DE 16-05-2002, PROCESSO N.º 585/02 – 5.ª; DE 23-05-2002, PROCESSO N.º 1205/02 – 5.ª; DE 26-09-2002, PROCESSO N.º 2360/02 – 5.ª; DE 14-11-2002, PROCESSO N.º 3316/02 – 5.ª; DE 30-10-2003, CJSTJ 2003, TOMO 3, PÁG. 208; DE 11-12-2003, PROCESSO N.º 3399/03 – 5.ª; DE 04-03-2004, PROCESSO N.º 456/04 – 5.ª, IN CJSTJ 2004, TOMO 1, PÁG. 220; DE 11-11-2004, PROCESSO N.º 3182/04 – 5.ª; DE 23-06-2005, PROCESSO N.º 2047/05 - 5.ª; DE 12-07-2005, PROCESSO N.º 2521/05 – 5.ª; DE 03-11-2005, PROCESSO N.º 2993/05 - 5ª; DE 07-12-2005 E DE 15-12-2005, CJSTJ 2005, TOMO 3, PÁGS. 229 E 235; DE 29-03-2006, CJSTJ 2006, TOMO 1, PÁG. 225; DE 15-11-2006, PROCESSO N.º 2555/06 – 3.ª; DE 14-02-2007, PROCESSO N.º 249/07 – 3.ª; DE 08-03-2007, PROCESSO N.º 4590/06 – 5.ª; DE 12-04-2007, PROCESSO N.º 1228/07 – 5.ª; DE 19-04-2007, PROCESSO N.º 445/07 – 5.ª; DE 10-05-2007, PROCESSO N.º 1500/07 – 5.ª; DE 14-06-2007, PROCESSO N.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, TOMO 2, PÁG. 220; DE 04-07-2007, PROCESSO N.º 1775/07 – 3.ª; DE 05-07-2007, PROCESSO N.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, TOMO 2, PÁG. 242; DE 17-10-2007, PROCESSO N.º 3321/07 – 3.ª; DE 10-01-2008, PROCESSO N.º 907/07 – 5.ª; DE 16-01-2008, PROCESSO N.º 4571/07 – 3.ª; DE 20-02-2008, PROCESSOS N.ºS 4639/07 – 3.ª E 4832/07-3.ª; DE 05-03-2008, PROCESSO N.º 437/08 – 3.ª; DE 02-04-2008, PROCESSO N.º 4730/07 – 3.ª; DE 03-04-2008, PROCESSO N.º 3228/07 – 5.ª; DE 09-04-2008, PROCESSO N.º 1491/07 – 5.ª E PROCESSO N.º 999/08-3.ª; DE 17-04-2008, PROCESSOS N.ºS 677/08 E 1013/08, AMBOS DESTA SECÇÃO; DE 30-04-2008, PROCESSO N.º 4723/07 – 3.ª; DE 21-05-2008, PROCESSOS N.ºS 414/08 E 1224/08, DA 5.ª SECÇÃO; DE 29-05-2008, PROCESSO N.º 1001/08 – 5.ª; DE 03-09-2008, NO PROCESSO N.º 3982/07-3.ª; DE 10-09-2008, PROCESSO N.º 2506/08 – 3.ª; DE 08-10-2008, NOS PROCESSOS N.ºS 2878/08, 3068/08 E 3174/08, TODOS DA 3.ª SECÇÃO; DE 15-10-2008, PROCESSO N.º 1964/08 – 3.ª; DE 29-10-2008, PROCESSO N.º 1309/08-3.ª; DE 21-01-2009, PROCESSO N.º 2387/08-3.ª; DE 27-05-2009, PROCESSO N.º 484/09-3.ª; DE 18-06-2009, PROCESSO N.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; DE 1-10-2009, PROCESSO N.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; DE 25-11-2009, PROCESSO N.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; DE 03-12-2009, PROCESSO N.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; DE 28-04-2010, PROCESSO N.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª; DE 14-07-2010, PROCESSO N.º 149/07.9JELSB.E1.S1; DE 10-11-2010, PROCESSO N.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; DE 29-06-2011, PROCESSO N.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; DE 15-12-2011, PROCESSO N.º 17/09.0TELSB.L1.S1; DE 12-09-2012, PROCESSO N.º 1221/11.6JAPRT.S1; DE 05-12-2012, PROCESSO N.º 250/10.1JALRA.E1.S1; DE 29-05-2013, PROCESSO N.º 454/09.0GAPTB.G1.S1; DE 5-06-2013, PROCESSO N.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, TOMO 2, PÁG. 213; DE 11-06-2014, PROCESSO N.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; DE 24-09-2014, PROCESSO N.º 994/12.3PBAMD.L1.S1; DE 15-10-2014, PROCESSO N.º 353/13.0JAFAR.S1; DE 12-11-2014, PROCESSO N.º 56/11.0SVLSB.E1.S1; DE 25-02-2015, PROCESSO N.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1; DE 25-11-2015, PROCESSO N.º 24/14.0PCSRQ.S1; DE 22-09-2004 PROCESSO N.º 1636/04-3.ª, IN ASTJ, N.º 83; DE 16-01-2008, PROCESSO N.º 4565/07, DA 3.ª; DE 9 DE DEZEMBRO DE 1998, PROCESSO N.º 1155/98, IN BMJ N.º 482, PÁGS. 77/84; DE 25-03-2015, PROCESSO N.º 866/13.4GBGMR.S1-3.ª; DE 04-07-1996, PUBLICADO NA CJSTJ 1996, TOMO 2, PÁG. 225; DE 17-03-1994, PUBLICADO NO BMJ N.º 435, PÁG. 518; DE 8-07-1999, PROCESSO N.º 580/99, SUMARIADO EM SASTJ, N.º 33, PÁG. 92; DE 11-07-2007, PROCESSO N.º 1583/07-3.ª; DE 26-03-2008 PROCESSO N.º 292/08-3.ª; DE 08-01-2015, PROCESSO N.º 1623/12.0JAPRT.P1.S1 - 5.ª; DE 11 DE DEZEMBRO DE 2003, PROCESSO N.º 2293.03, 5ª, N.ºS 6.12 A 6.14. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 533/98, IN DR, II SÉRIE, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1999. -*- ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE LISBOA: - DE 14-01-2004, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: - DE 09-11-1983, IN CJ 1983, TOMO V, 73. | ||
| Sumário : | I - Tendo o Tribunal da Relação analisado as provas na base das quais o tribunal de 1.ª instância proferiu a decisão e concluído no sentido de que a prova foi correctamente valorada, apreciada e interpretada, e que a recorrente nada concretiza para além de expressar a sua divergência relativamente à apreciação e valoração da prova feita na primeira instância, adoptando um texto lógico e congruente, consistente e suficiente, explicando as razões pelas quais se convenceu de que os factos haviam decorrido tal como foram dados por provados, forçoso é concluir que a Relação cumpriu o tema proposto nos quadros da fundamentação derivada como lhe competia, nos termos do art. 425.º, n.º 4, do CPP, não se verificando qualquer nulidade por violação do disposto no art. 374.º, n.º 2, ou por omissão de pronúncia. II - Tendo a recorrente invocado como fundamento de recurso perante a Relação a existência de uma nulidade insanável por falta de promoção do processo pelo Ministério Público, com fundamento na falta de interrogatório da testemunha M como arguida no decurso do inquérito e resultando da leitura do acórdão recorrido que nada disse quanto à primeira questão, incorreu o aludido acórdão em omissão de pronúncia relativamente a este específico ponto, verificando a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 379,º do CPP, por não se ter pronunciado sobre questão que devia apreciar, incluída que estava no lote das questões integrativas do objecto do recurso, do quadro de vinculação temática trazida a reapreciação. III - Suprimindo este STJ a nulidade verificada, nos termos do n.º 2 do art. 379.º, entende-se que não recaindo sobre a testemunha M, irmã da arguida, que acompanhava a tia, vítima de homicídio, qualquer suspeita da prática de um crime, carecia de qualquer fundamento proceder ao seu interrogatório arguida no decurso do inquérito, na medida em que ressalta do art. 58.º, n.º 1, al. a), do CPP que a qualidade de arguido resulta da “suspeita fundada da prática de crime” por pessoa determinada, improcedendo a nulidade invocada pelo recorrente. IV - Estando em causa a nomeação de intérprete idóneo de língua gestual a surdo e mudo, ao abrigo do disposto no art. 93.º do CPP, a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória, constitui nulidade dependente de arguição, de acordo com o disposto no art. 120.º, n.º 1, al. c), do CPP, situação que não se verifica no caso concreto na medida em que consta dos autos que a recorrente foi acompanhada de intérprete. V - A impossibilidade de utilização das provas obtidas, nos termos do n.º 5 do art. 92.º, aplicável ex vi do art. 93.º, n.º 4, só opera mediante violação do disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 92.º, ou seja, a preterição da possibilidade de escolha de intérprete diferente do previsto no n.º 2 para traduzir as conversações do arguido com o defensor e a violação do segredo de justiça por parte do intérprete, situações que não ocorrem no presente caso, havendo que ter em conta que as disposições do art. 92.º têm a ver com situações de desconhecimento ou não domínio da língua portuguesa. VI - Improcede a arguida violação ao direito ao silêncio da recorrente se resulta claro que a invocada violação do direito ao silêncio teria tido lugar em 07-01-2016, fora do contexto temporal visado na apreciação da Relação, o que teria ocorrido incontornavelmente já após a assunção da posição da arguida de querer prestar declarações (em 01-12-2015), e mais do que isso, ter efectivamente prestado declarações (em 17-12-2015). VII - Apesar de os inspectores que levaram a cabo a investigação não terem sido indicados pelo MP na acusação, a arguida podia ter indicado os inspectores na sua contestação, ou mesmo requerido a sua inquirição no decurso do julgamento ao abrigo do art. 340.º do CPP, se os considerava tão importantes para a descoberta da verdade, o que não fez, não se verificando assim qualquer nulidade do acórdão por alegada violação do princípio da investigação. VIII - O vício de omissão de pronúncia, consubstancia nulidade da sentença, prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, e não do inquérito ou da investigação. IX - Não foram violados os princípios da livre apreciação da prova, in dubio pro reo e da presunção da inocência se percorrendo o texto da fundamentação da decisão da matéria de facto é evidente que o tribunal colectivo não teve dúvidas em afirmar a autoria do homicídio e não houve dúvidas sobre a culpabilidade e contornos concretos da actuação da arguida. X - Omitindo-se no acórdão do Tribunal da Relação por completo a referência à questão da atenuação especial, colocada na motivação e sintetizada pela recorrente nas conclusões de recurso, incorreu o aludido acórdão no vício de omissão de pronúncia, cominado com a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP. XI - Considerando a conduta da arguida que, em decorrência de desavenças familiares e após discussão verbal havida com a ofendida, sua tia, munindo-se de um pau, desferiu na ofendida várias pauladas em várias partes do corpo, fazendo com que aquela caísse ao chão e depois agarrando-lhe a cabeça e bateu com a mesma contra o chão por quatro vezes e atingiu a vítima com um golpe de faca que determinou uma ferida incisa, atingindo o pulmão esquerdo, provocando um hemotórax e causando-lhe a morte, forçoso é considerar que o modo de execução do crime de homicídio e as razões ou ausência delas que levaram à sua prática, não demonstram que a arguida tenha interiorizado o mal do crime, nem abonam de per si realidade que diminua a ilicitude e a culpa, bem como a necessidade da pena. XII - A não interiorização pela arguida do desvalor da conduta e a ausência de qualquer arrependimento, aliada à tentativa de endosso pela mesma da responsabilidade para a irmã desta, afastam a possibilidade de atenuação especial da pena aplicada à recorrente pelo crime de homicídio praticado. XIII - Ponderando o acentuado grau de culpa, com elevada intensidade do dolo, na modalidade de directo, o modo de execução dos fatos em há que destacar a persistência da actuação, bem como a ausência de antecedentes criminais da arguida que não tem nenhum valor atenuativo neste tipo de criminalidade, sendo intensas as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial, avultando a personalidade da arguida no modo como agiu, de forma imperturbada, actuando com absoluta indiferença e insensibilidade pelo valor da vida e dignidade da pessoa humana, não mostrando qualquer arrependimento, não merece reparo a pena de 12 anos de prisão aplicada à arguida pela prática, como autora material de um crime de homicídio simples, na forma consumada, p. e p. pelo art. 131.º do CP. XIV - Não merecem censura os valores de € 5.000,00 e de € 15.000,00, fixados a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo filho e marido da vítima, respectivamente, decorrentes da morte da vítima. | ||
| Decisão Texto Integral: |
No âmbito do processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo n.º 433/14.5JAAVR da Comarca de ... - Instância Central - ....ª Secção Criminal - ..., foram submetidos a julgamento os arguidos: AA, [...]; e, BB, [...] (fls. 1022 verso). * O Ministério Público deduziu acusação contra ambos, imputando-lhes a prática, ao arguido AA, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), com remissão para os artigos 22.º e 23.º do Código Penal, e à arguida BB, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), do Código Penal. * Foram deduzidos pedidos de indemnização civil contra os arguidos: - Por CC, no montante de 5.000 €, por danos não patrimoniais sofridos pelo filho da vítima. - Por DD, ofendido/lesado, que também se constituiu assistente, por danos patrimoniais no montante de 55.543,76 €, e danos não patrimoniais, no montante de 100.000,00 €, num total de 155.543,76 €; - Pelo Centro Hospitalar ..., E.P., pela assistência prestada a DD, no montante de 28.255,00 €.
***
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento nas sessões de 27 de Outubro, de 3, 11 e 18 de Novembro, de 1 (com deslocação ao local) e 17 de Dezembro de 2015, de 7 e 8 de Janeiro de 2016, conforme actas de fls. 864/8, 888/9, 902/6, 925/9, 971/3 (aqui consignando-se a fls. 972 o resultado da deslocação ao local) e fls. 991/2, 1015/8 e 1019/1020. Da acta de leitura de acórdão de 26-01-2016, a fls. 1066, consta ter sido comunicada ao arguido AA, nos termos do artigo 358.º, n.º 1 e 3, do CPP, uma alteração não substancial de factos e da qualificação jurídica, tendo o Mandatário do arguido dito nada ter a requerer. *** Por acórdão do Tribunal Colectivo da ....ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca de ..., datado de 26 de Janeiro de 2016, constante de fls. 1023 a 1065, depositado na mesma data, conforme declaração de fls. 1068, foi deliberado: Parte criminal - Absolver o arguido AA da prática em autoria material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelo artigo 131.º, n.º 1 e 132.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal; - Condenar o arguido AA, pela prática em autoria material, e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, alíneas c) e d), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; - Absolver a arguida BB da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal. - Condenar a arguida BB, como autora material de um crime de homicídio simples, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de 12 (doze) anos de prisão. Parte Cível - Julgar procedente o pedido civil formulado pelo demandante CC contra a arguida/demandada BB e condenar esta a pagar-lhe a quantia de 5.000,00 €, acrescida de juros, contados à taxa legal, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento. - Absolver o demandado AA do pedido contra si formulado, pelo demandante CC. - Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Centro Hospitalar ..., EPE e condenar o demandado AA a pagar-lhe a quantia de 28.255,00 €, acrescida de juros, contados à taxa legal, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento. - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante DD e condenar a demandada BB a pagar-lhe a quantia de 15.000,00 € e o demandado AA a pagar-lhe a quantia de 35.000,00 €.
*** Inconformados, os arguidos interpuseram recursos autónomos para o Tribunal da Relação do .... A arguida BB apresentou a motivação constante de fls. 1084 a 1133, de novo, de fls. 1187 a 1236, e, em original, de fls. 1238 a 1287. O arguido AA apresentou a motivação de fls. 1135 a 1186.
Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 1288, do 5.º volume.
A Exma. Procuradora da República na ....ª Secção Criminal da Instância Central de ... apresentou resposta à motivação do recorrente AA, de fls. 1295 a 1311, e à motivação da arguida BB, de fls. 1312 a 1321.
***
Por acórdão do Tribunal da Relação do ..., de 7 de Julho de 2016, constante de fls. 1353 a 1373, foram julgados improcedentes os dois recursos, mantendo-se a decisão recorrida. * O arguido AA recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça apresentando a motivação de fls. 1382 a 1402.
A arguida BB interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 1403 a 1419, de novo, de fls. 1421 a 1437, e, em original, de fls. 1439 a 1470, que remata as seguintes 44 conclusões (transcrição na íntegra): 1. O presente recurso versa sobre matéria de direito e sobre matéria de facto, mas, neste último caso, apenas na medida em que os vícios a apontar resultam do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum (vide artigo 410º, nºs, 2 e 3 do C.P.Penal), e vai interposto de toda a decisão proferida pelo Colectivo de Juízes. 2. Atenta a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1ª Instância, e cristalizada pelo Tribunal “a quo”, acreditamos que a arguida deveria ter sido absolvida, disso mesmo fazendo eco nas Conclusões do Recurso para o Tribunal da Relação do .... 3. O douto Acórdão proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..., assim como o douto Acórdão de que se recorre, são Nulos - ex vi art 379º, nº 1, al. a) e c) por violação do nº 2 do art. 374º, ambos do CPP, pelo que se impõe a revogação da decisão condenatória, com as legais consequências. 4. A decisão sobre a matéria de facto deve ser motivada com a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, conforme dispõe o artº 374, nº 2 do CPP. Contudo, e do Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância não se vislumbra qualquer fundamentação sobre as razões, regras de experiência e/ou critérios lógicos que levaram o colendo Colectivo a considerar provados os pontos 7., 8., 13., 14., 15.. 5. O Tribunal de 1ª Instância limitou-se a elencar os elementos probatórios que estiveram na base da formação da sua convicção, mas não o fez de molde a permitir, com segurança, acompanhar o raciocínio que lhe subjaz. Nomeadamente não aceitou a defesa - nem poderá aceitar - que a condenação da arguida BB seja feita com fundamento no depoimento de uma testemunha como a EE, que se “defende” e “esconde” na sua incapacidade - a testemunha é surda-muda. 6. E falamos do Tribunal de 1ª instância, pois que o Tribunal a quo no acórdão de que ora se recorre, nada mais faz do que “defender” ou “justificar”, encaminhando no sentido da condenação da arguida, aquilo que no acórdão de 1ª Instância havia sido apontado pela arguida, como nulidades. Assim, não se pronunciando de forma concreta e rigorosa quanto a estas questões, sempre se dirá que também o Tribunal o quo violou o art.º 379º nº 1, al. c) do CPP. 7. Por outro lado, no Acórdão proferido em 1ª Instância um verdadeiro, concreto e incisivo exame crítico das provas. Tal implica verdadeira nulidade de tal aresto, a qual não pode ser suprida pelo Tribunal de recurso, nem sequer com a renovação da prova. No entanto, o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal impõe a fundamentação da decisão de facto, impondo concomitantemente um exame crítico das provas. A razão de ser de tal exigência visa permitir ao Tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, visando ainda assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova. Por este motivo, a falta de tal exame crítico das provas é um vício do Acórdão proferido em 1ª Instância, o qual vem cominando com nulidade, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal. 8. Pelo que deve ser decretada a nulidade do Acórdão proferido em 1ª Instância, por falta de um verdadeiro exame crítico das provas, tal como exige o artigo 374º, nº2, do Código de Processo Penal, nulidade essa cominada no artigo 379º, nº l, alínea a), do mesmo Código, alterando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo em conformidade, com todas as devidas e legais consequências. 9. A ora Recorrente defende ainda que para além da nulidade referida, padece o acórdão de outras nulidades: desde logo a nulidade insanável por falta de promoção do processo por parte do Ministério Público, com fundamento - e atentas as “circunstâncias” que a envolvem - na falta de interrogatório de ... como arguida no decurso do inquérito, o que origina nulidade por insuficiência de inquérito. 10. O acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª instância padece ainda de uma outra nulidade: a qual diz respeito à Reconstituição dos factos (efetuada pela Policia Judiciaria na fase de inquérito). Sucede que, e de acordo com o disposto no artigo 93º do CPP, no momento da Reconstituição (e à semelhança do que sucedeu nas declarações prestadas na Polícia Judiciária, assim como em Audiência de Julgamento) devia a testemunha EE ter sido acompanhada por um intérprete e não pelo seu próprio marido! 11. Contudo, tal não sucedeu! Pelo que estamos perante uma nulidade e porquanto tais provas não podem ser utilizadas, nos termos do artigo 93º e nº 5 do artigo 92º do CPP. 12. Ainda relativamente à diligência de Reconstituição dos factos efetuada pelos arguidos, questiona a defesa sobre a legalidade de prova ali obtida e uma vez que a Recorrente exerceu desde o momento da sua detenção até à última sessão de audiência de discussão e julgamento (na qual optou por prestar declarações), o um direito consagrado no artigo 61º, nº l, alínea d) do C.P.P., sendo que o direito ao silêncio é uma das mais importantes manifestações do direito de defesa no direito processual moderno, 13. Assim, e não obstante os arguidos terem colaborado na diligência de Reconstituição do crime, a verdade é que em momento algum a arguida quis e/ou pretendeu prestar declarações aquando da realização da reconstituição. Pelo que, tudo o que ali é dito pelos arguidos - salvo o devido respeito - não pode ser valorado como prova! 14. Ao abrigo do princípio da investigação, cabe ao Tribunal o ónus carrear para a audiência de Julgamento todas as provas necessárias à boa decisão da causa e à descoberta da verdade material, pelo que entende a recorrente que esteve mal o MP e o colendo Colectivo de Juízes quando não indicou como testemunha nenhum dos Inspetores responsáveis pela investigação, nem nenhum perito. 15. Devia ter existido o esclarecimento sobre a própria investigação, sobre a condução da mesma, sobre o motivo pelo qual não foi efetuada qualquer comparação entre os ferimentos da ofendida e os do ofendido, de forma a apurar e comprovar que a arma do crime utilizada foi a mesma que foi utilizada pelo arguido AA. 16. Por outro lado, e sabendo-se que a testemunha EE se encontrava no local dos factos quando estes ocorreram, devia o MP ter promovido a sua audição aquando das declarações prestadas pelas demais testemunhas e não três meses depois, sendo que a Reconstituição dos factos, a qual devia ter sido efetuada logo após a data dos acontecimentos e não cinco meses depois! 17. Aliás, de acordo com o artigo 150º do CPP era obrigação do órgão de investigação policial efetuar a reconstituição "tão fiel quanto possível das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo". Contudo, tal não sucedeu! Pelo que, andou mal a Policia Judiciária - e o próprio MP - ao não reproduzir de modo fiel as condições do local, ao não colocar nomeadamente a roupa no local onde se encontrava. Circunstância esta que teria uma enorme influência na suposta visibilidade da testemunha EE. 18. Por outro lado, cabendo ao Tribunal o ónus de carrear para a audiência de Julgamento todas as provas necessárias à boa decisão da causa e à descoberta da verdade material, sempre se dirá, que mais uma vez esteve mal o Tribunal Colectivo, ao omitir do texto do seu acórdão, ou até mesmo da sua fundamentação, a existência da roupa pendurada ao longo de todo o pátio (e visível nos registos fotográficos) a qual alterava todo o campo visual das pessoas ali presentes. 19. Tal omissão consubstancia igualmente Nulidade do acórdão por violação do estatuído no artº 379º nº 1 al. c) do CPP, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais. 20. A Recorrente realça ainda a importância do 127º do Código de Processo Penal, o qual consagra o princípio da livre apreciação da prova. Contudo este não liberta o julgador das provas que se produziram (ou não) nos autos nomeadamente em Audiência de Discussão e Julgamento), sendo com base nelas que terá de decidir, circunscrevendo-se a sua liberdade à livre apreciação dessas mesmas provas dentro dos parâmetros legais, não podendo estender essa liberdade até ao ponto de cair no puro arbítrio. 21. O Acórdão emanado pelo Tribunal de 1ª Instância não fez uma análise crítica de toda a prova, com referência às regras da experiência comum, fê-lo de forma arbitrária. Valorou na sua plenitude os depoimentos das testemunhas de acusação, socorrendo-se para tal do princípio vertido no art. 127º, do CPP, subvertendo-o. 22. Sucede que, em julgamento não houve uma única testemunha que tivesse presenciado o que quer que fosse que ligasse a arguida ao crime perpetrado (tendo em consideração que o depoimento da testemunha EE não deverá - nem poderá - ser valorado). E, muito do que resultou dos depoimentos prestados em audiência de julgamento resultou tão só de conclusões, juízos de valor, considerações das próprias testemunhas, que nada de concreto carrearam para os autos que permitisse, com a segurança exigida, relacionar a arguida com o crime. Aliás, e no caso em apreço, os depoimentos de algumas testemunhas de acusação, foram depoimentos vagos, discricionários, fruto de convicções pessoais das próprias testemunhas. 23. E condenar a arguida com base em depoimentos subjectivamente construídos pelas testemunhas é condenar arbitrariamente. Ao valorar tais depoimentos como verdadeiros e geradores da convicção do próprio Tribunal no sentido de condenar a arguida, diremos que violou o art. 127º do C.P.P., quer o Tribunal de lª Instância, quer o tribunal a quo. 24. Ao proceder da forma acima explanada, o Ilustre Colectivo que julgou em 1ª Instância, assim como o douto Acórdão de que ora se recorre, fez tábua rasa (sempre com o devido e merecido respeito) de alguns princípios basilares do nosso sistema jurídico-penal, como seja o princípio "in dubio pro reo". 25. Na verdade, o que a arguida ao longo de toda a audiência de discussão e julgamento tentou demonstrar foi a sua inocência e ainda o facto de que naquele local e hora estavam presentes mais pessoas para além dela própria. A arguida não se encontrava sozinha com a ofendida! Aliás, acredita a recorrente que efectivamente o Tribunal de 1ª instância ficou com sérias dúvidas sobre a autoria do crime, motivo que levou o Colendo Colectivo a fazer a última questão feita à arguida sobre a autoria do crime e se fora a arguida ou o arguido (que, tal como a testemunha EE, também ali se encontrava!). 26. A dúvida sobre a forma como os factos poderão ter ocorrido se instala na cabeça de quem lê e ouve os depoimentos, conjugados com todos os outros meios de prova recolhidos ou a ausência deles. 27. Do Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª instância, resulta mais do que uma dúvida, sobre a forma como os factos efectivamente ocorreram e bem assim, sobre a sua autoria, pelo que em respeito ao princípio In dubio pro reu deveriam ter os Meritíssimos Juízes absolvido a arguida do crime de que vinha acusada. 28. O acórdão em crise violou este princípio elementar do nosso sistema penal e processual penal, consagrado no artigo 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa (princípio da presunção de inocência) e no artigo 11º nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem. 29. E, ao Tribunal a quo não era exigível que renovasse a prova ou que se deslocasse ao local para esclarecer aquelas que são as dúvidas suscitadas pela arguida. Mas era exigível a este Tribunal que reenviasse o processo para o tribunal de 1ª instância para que se procedesse às demais diligências probatórias necessárias à descoberta da verdade material. 30. Ao não o fazer, violou o Tribunal a quo o artº 379º nº 1, al. c) do C.P.P. 31. Foi ainda violado o princípio da presunção da inocência (artº 32/2 da CRP), o qual postula que o arguido deve ser tratado como inocente até ao trânsito em julgado da decisão condenatória e que esta condenação há-de assentar em provas que não tenham deixado dúvidas sobre os factos e a culpa do agente. 32. A recorrente foi sempre julgada com base no “princípio da culpa” e não com base no princípio da presunção de inocência, como se impõe. Foi detida sem que houvesse prova (testemunhal, pericial, etc..); no momento da sua detenção aquela foi constituída arguida e considerada a única suspeita, quando na verdade o/a autor(a) do crime podia ter sido qualquer pessoa presente naquele pátio! 33. Por fim, refira-se ainda que dispõe expressamente o artigo 40º, nº l, do Código Penal vigente que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídica - penal (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva). A referência legal aos bens jurídicos conforma uma exigência de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, a qual, desta forma, integra o conteúdo e o limite da prevenção. Mas, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2, do artigo 71º, do Código Penal). 34. Devendo ter um sentido eminentemente ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primeira de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada (prevenção geral positiva ou de integração) e, em ultima análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. Por sua vez, a função da culpa é, designadamente, a de estabelecer o máximo da pena concretamente aplicável (toda a culpa tem como suporte axiológico - normativo a culpa concreta). 35. Assim, e mesmo que a arguida tivesse sido - e não foi - a autora do crime de Homicídio pelo qual vinha acusada, sempre a pena que lhe foi imposta - face aos factos provados e às circunstâncias em que os factos se desenrolaram - deveria ter levado o douto Tribunal de lª Instância e posteriormente o Tribunal a quo a graduá-la, em concreto em medida substancialmente inferior à constante do douto acórdão recorrido. 36. Na fixação do quantum daquela pena, o Tribunal a quo deveria ter ponderado, entre outros, o grau de perigo criado, a espécie e o modo de execução, o grau de conhecimento e a medida de violação do dever de cuidado na negligência, conforme ensina o Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime. 37. Tendo o Tribunal de 1ª Instância subsumido os factos que culminaram na morte da falecida FF, no Tipo de crime, na sua forma simples, prevista e punida no artº 131 do CP, tendo em conta a moldura penal que a este tipo de crime cabe, 8 a 16 anos, tomando em consideração, e tendo em conta todos os elementos carreados para os autos, deveria ainda ser valorada, como circunstância atenuante, a conduta da Recorrente anterior e posterior aos factos. 38. Na determinação da medida da pena – artº 71 do CP - ela deverá ser efectuada “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, elencando o nº 2 daquele dispositivo, de forma não taxativa, algumas das circunstâncias a que se deve atender. Dispondo o nº 2 do artº 40 do CP, que em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa a qual constitui um reflexo e um limite à medida da pena. 39. É assim convicção da recorrente que a pena que lhe foi imposta pelo douto acórdão recorrido encontra-se claramente desajustada, por excesso, aos próprios factos dados como provados pelo mesmo Acórdão, pelo que sempre se impunha a aplicação do artº 72º nº 2 do CP., fixando a pena a aplicar à arguida, mediante o mecanismo da sua atenuação especial, no mínimo da moldura penal estabelecida para o tipo simples, p.p. pelo artº 131 do CP. 40. Relativamente ao pedido de indemnização civil, e não tendo a Recorrente praticado o crime em que foi condenada, deve a mesma ser igualmente absolvida dos pedidos de indemnização civil. 41. No entanto, e mesmo que a arguida tivesse sido - e não foi - a autora do crime de Homicídio pelo qual vinha acusada, sempre o valor a que foi condenada a título de pedidos de indemnização civil se demonstra excessivo. Porquanto e conforme consta dos próprios factos provados no douto acórdão, a arguida à data dos factos vivia maritalmente com o arguido AA e recebia RSI. 42. Assim, deve a decisão em crise ser substituída por uma outra que determine a Absolvição da arguida do crime de Homicídio. 43. Nos termos do supra alegado e não tendo a Recorrente praticado o crime em que foi condenada, deve a mesma ser absolvida dos pedidos de indemnização civil. 44. Conclui-se assim que a pena aplicada à arguida é claramente excessiva, na medida em que, da forma como decorreu a audiência de discussão e julgamento, de toda a matéria factual dada como provada, seria de esperar a ABSOLVIÇÃO da arguida, ou e caso assim não se entendesse sempre seria de esperar aplicação de uma pena mais reduzida. Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso nos termos enunciados nas conclusões. ***
Por despacho de fls. 1471 não foi admitido o recurso interposto pelo arguido AA e foi admitido o recurso interposto pela arguida.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação do ... apresentou a resposta à motivação da arguida, conforme fls. 1478 a 1483, pronunciando-se no sentido de dever ser julgado improcedente o recurso e confirmada a decisão recorrida.
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Tendo esta resposta do Ministério Público junto da Relação do ... dado entrada e sendo junta em 23 de Agosto de 2016, como consta de fls. 1478, o processo, com arguidos presos, só foi movimentado em 6 de Outubro de 2016, conforme fls. 1484, ou seja, 44 dias depois. «Parecer: I - Como decorre das respectivas conclusões, são as seguintes as questões submetidas a reexame: - Nulidade do acórdão por ter acompanhado o acórdão da 1.ª instância na «fundamentação sobre as razões, regras de experiência e/ou critérios lógicos que levaram o Colectivo a considerar provados os pontos 7., 8., 13., 14., 15. (conclusões 3 a 8); - Nulidade por insuficiência de inquérito, por falta de interrogatório de EE como arguida. (conclusão 9); - Nulidade da reconstituição dos factos, por omissão de acompanhamento da EE por intérprete (conclusões 10 e 11); - Errada valoração das declarações da mesma EE aquando da reconstituição, porquanto optou pelo direito ao silêncio (conclusões 12 e 13); - Nulidade por omissão de diligências de investigação e oportunidade destas no decurso do inquérito, bem como, por parte da 1.ª instância «ao omitir do texto do seu acórdão, ou até mesmo da sua fundamentação, a existência de roupa pendurada…» (conclusões 14 a 19); - Violação dos princípios da livre apreciação da prova, de in dubio pro reo e da presunção da inocência (conclusões 20 a 32); - Medida da pena (conclusões 33 a 39); - Indemnização civil (conclusões 40, 41 e 43). II - Respondeu o Ministério Público (1478-1483) defendendo a improcedência do recurso. III - Nossa perspectiva Acompanhamos integralmente a resposta da Ex. ma Procuradora-Geral Adjunta junto da Relação do ..., limitando-nos a acrescentar, em síntese, o seguinte: 1. Em primeiro lugar, e apesar de uma aparente desnecessidade, deve-se salientar que o acórdão recorrido é o da Relação e não o da 1.ª instância. Daí que as nulidades por omissão de pronúncia terão que dizer respeito ao acórdão recorrido e não aquele que foi objecto de exame pela Relação. Assim, se o acórdão recorrido apreciou o tema que lhe foi submetido, ainda que erradamente (e não foi o caso), não ocorre qualquer omissão de pronúncia. Ora, a recorrente, divergindo da apreciação que foi feita pela Relação no que respeita `a fundamentação e exame crítico da prova, confunde tal divergência com omissão, sem que aponte ao acórdão recorrido qualquer falha, a não ser a consideração de que acompanhou a 1.ª instância ao decidir que cumprira aquela exigência legal… 2. Com toda a consideração e salvo melhor opinião, é de todo despropositada nesta fase a invocação de nulidade do inquérito por insuficiência do mesmo. Para além do que consta da resposta da Ex. ma Procuradora-Geral Adjunta, ainda que por hipótese se pudesse configurar a sua existência, deveria ser arguida no tempo previsto no artigo 120.º, n.º 3, al. c) do CPP, ou seja, há muito que se encontraria sanada. 3. Não se vislumbra, por outro lado que, não sendo a reconstituição do facto efectuada prova proibida, e tendo a arguida manifestado o propósito de prestar declarações e advertida de que as suas declarações não estavam a ser gravadas, possa agora insurgir-se contra o que consta do vídeo realizado durante a mesma reconstituição (como aliás consta da acta). 4. Diga-se, igualmente, que o STJ, em sede de revista, não conhece de matéria de facto. Como é pacífico e tem vindo a ser sucessivamente afirmado na jurisprudência do Supremo Tribunal, o recurso do acórdão proferido (em recurso) pela Relação, [1]agora puramente de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais «erro(s)» - das instâncias «na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa) O (objecto do) recurso de revista terá assim que circunscrever-se a questões «exclusivamente» de direito. Pois que ... as questões «de facto» (ou delas instrumentais) deverão considerar-se definitivamente decididas pela Relação. E assim, nesta sede, escapa aos poderes de cognição do STJ o pretendido reexame da matéria de facto, por alegada violação do princípio da livre apreciação da prova ou do in dubio pro reo, sendo que, quanto a este último, e na dimensão de direito susceptível de reexame, não resulta do acórdão qualquer dúvida que se tenha suscitado aos julgadores e que estes tenham resolvido contra reo. 5. Finalmente, a medida da pena de 12 anos fixada pela prática do homicídio p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal. Esta pena situa-se na metade da moldura, mostrando-se adequada à culpa da arguida e exigências de prevenção geral. Para além do que é referido na fundamentação do acórdão recorrido (1369-1369v.), destacando que a actuação provada é evidenciadora de um dolo directo intenso, e uma culpa de nível maior a justificar uma agravação correspondente da pena, dentro da respectiva moldura, não se mostram provadas atenuantes de relevo a justificar menor graduação da pena. A ausência de antecedentes criminais ainda deve ser considerada como a situação normal do cidadão, verificando-se, por outro lado e em sentido inverso, que a arguida não confessou os factos nem evidenciou arrependimento. Cremos, em suma, que na ponderação global de todas as circunstâncias, a pena fixada acata os critérios fixados no art. 71.º do Cód. Penal, sendo adequada à culpa do agente, acautelando as exigências de prevenção geral, muito elevadas, e especial de socialização, de menor grau, nada existindo que justifique maior redução desta. IV- Em conclusão, deverá o recurso ser julgado improcedente». ***
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a recorrente silenciou. *** Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com o julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal. *** Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir. *** Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior. As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502). ***
Questões propostas a reapreciação e decisão
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, onde a recorrente resume as razões de divergência com o deliberado no acórdão recorrido.
As questões suscitadas pela recorrente são, pela ordem exposta nas conclusões, que, de todo, não obedecem a um critério lógico, pois primeiro reportam alegada nulidade do acórdão recorrido e a seguir convocam insuficiência do inquérito:
Questão I – Nulidade do acórdão recorrido por violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP e por omissão de pronúncia – Artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, do CPP – Conclusões 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª, 7.ª e 8.ª;
Questão II – Nulidade por insuficiência de inquérito – Nulidade insanável da falta de promoção do processo pelo Ministério Público, com fundamento na falta de interrogatório da testemunha ... como arguida no decurso do inquérito – Conclusão 9.ª;
Questão III – Nulidade por falta de intérprete à testemunha ... (surda muda) – Impossibilidade de utilização da prova – Conclusões 10.ª e 11.ª;
Questão IV – Violação do direito ao silêncio – Conclusões 12.ª e 13.ª;
Questão V – Nulidade do acórdão por violação do princípio da investigação – Conclusões 14.ª a 19.ª;
Questão VI – Violação dos princípios da livre apreciação da prova, in dubio pro reo e da presunção da inocência – Conclusões 20.ª a 32.ª;
Questão VII – Atenuação especial da pena – Conclusão 39.ª;
Questão VIII – Medida da pena – Conclusões 33.ª a 38.ª e 44.ª;
Questão IX – Indemnização cível – Conclusões 40.ª a 43.ª.
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Apreciando. Fundamentação de facto.
Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, a qual foi certificada pelo acórdão da Relação em termos que vêm questionados. No caso presente expõe-se o elenco dos factos não provados e ainda a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, atendendo à forma de impugnação da recorrente, na medida em que invoca a existência de errada valoração de provas e a violação do princípio in dubio pro reo.
FACTOS PROVADOS:
1. GG é proprietária das casas nºs ... e ..., sitas na Rua ..., nesta cidade e comarca de ..., as quais são contíguas entre si, separadas apenas por um logradouro interior que é comum a ambas as casas. 2. Na casa com o n.º ..., viveram, por arrendamento e durante cerca de dez anos, a mãe da arguida, HH e o companheiro II arrendamento esse que, por iniciativa destes, cessaria em dezembro de 2014, sendo as vítimas FF e FF, visita da casa. 3. Por sua vez, na casa com o n.º 67, viveram, desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde 2013 e também por arrendamento, em condições análogas às de marido e mulher, os arguidos AA e BB, sobrinha da vítima FF. 4. Além da existência de um pátio comum às duas casas, o prédio referido no ponto 1 é composto ainda por uma pequena parcela de terreno adjacente, a qual era cultivada pelos arguidos. 5. Por motivos não totalmente apurados, mas designadamente por desavenças familiares decorrentes da destruição e colheita de produtos cultivados pelos arguidos na parcela de terreno referida no ponto 4, em data não determinada, mas situada cerca de dois meses antes de 21.12.2014, as vítimas e os arguidos cortaram relações entre si, passando a ser frequentes entre todos conflitos traduzidos em discussões verbais, destruição de culturas, quebra de vasos e de plantas dos arguidos. 6. No dia 21 de dezembro de 2014, por volta das 14h00, em face da cessação do contrato de arrendamento da HH e do II no final desse mês, FF e o marido, DD, acompanhando a irmã e sobrinha daquela, respetivamente, HH e EE, dirigiram-se à casa n.° ..., por forma a concluir a mudança de residência. 7. Devido à conflitualidade existente, cerca das 15h30m, no pátio interior comum às duas casas, junto à porta que dá acesso à cozinha da casa n.° ..., a arguida BB e a tia FF, em voz alta e com os ânimos inflamados, começaram a trocar palavras acesas uma com a outra, cujo teor em concreto não foi possível apurar. 8. Face a tal situação, o arguido AA e o assistente DD dirigiram-se para o mesmo pátio onde estavam as respetivas mulheres envolvendo-se, também eles, numa discussão verbal, tendo havido também, pelo menos, arremesso de vasos para dentro da casa dos arguidos. 9. A dada altura o arguido AA munido de uma faca de um gume com comprimento e largura não apurados, direcionou-a a DD, o qual, recuando, veio a tropeçar, acabando por cair no chão junto da porta que dá acesso à casa com o n.º .... 10. Estando DD prostrado no chão, movimentando as pernas para se defender, o arguido AA, desferiu-lhe três golpes na perna esquerda. 11. Situação que só veio a terminar porque, entretanto, DD conseguiu fugir, arrastando o seu corpo para o interior da sua residência. 12. Perante tal situação, o arguido AA largou a faca que tinha na mão, deixando-a no chão próximo à porta que dá acesso à casa n.º 65. 13. Por sua vez, e em ato simultâneo ao descrito nos pontos 9 e 10, a arguida BB dirigiu-se à tia FF e, munindo-se de um pau, desferiu-lhe várias pauladas em várias partes do corpo, fazendo com que aquela caísse ao chão, junto à zona da janela existente ao lado da porta que dá acesso à casa n.º 65. 14. Uma vez prostrada no chão, a arguida BB agarrou a cabeça da ofendida FF e, usando de força e fazendo balanço, bateu com a mesma contra o chão por quatro vezes. 15. Em ato seguido, apercebendo-se da faca deixada no chão pelo arguido AA, muniu-se da mesma, direcionou-a à tia FF e atingiu-a com um golpe na zona da mama esquerda, junto à axila. 16. Em resultado da ação do arguido AA descrita o assistente DD sofreu vários ferimentos na perna esquerda, ao nível da face externa da coxa esquerda e região infra-rotuliana esquerda, que lhe determinaram a entrada em choque hipovolémico por hemorragia ativa do ferimento ao nível da face externa da coxa esquerda e região infra-rotuliana esquerda, com secção da veia poplítea, apresentando duas feridas inciso-contusas da face interna da coxa e perna com hemorragia, ferimentos esses que exigiram a sutura das feridas seguida de entubação e ventilação com necessidade de suporte vasopressor em altas doses, a submissão a laparotomia exploradora, a realização de uma operação - operação de Hartmann -, e o seu internamento hospitalar pelo período de 48 dias e acompanhamento contínuo em reabilitação motora, intervenções estas originadoras das seguintes lesões: - no tórax: vestígio cicatricial nacarado na região clavicular esquerda, com um centímetro; - no abdómen: colostomia funcionante na metade esquerda da região umbilical; cicatriz de características cirúrgicas ligeiramente rosada estendendo-se desde a região epigástrica à região supra-púbica medindo vinte e três centímetros de comprimento e cicatriz ligeiramente rosada na fossa ilíaca direita, oblíqua infero-medialmente, medindo dois centímetros de comprimento; - no membro inferior esquerdo: cicatriz nacarada com zonas violáceas, com vestígios de pontos, ligeiramente curvilínea de concavidade lateral, situada no terço distal da região postero-lateral da coxa e terço proximal da região lateral da perna, medindo 15,5cmxlcm; cicatriz linear rosada, oblíqua de cima para baixo e de dentro para fora, com aspeto poplítea, medindo 4cmxlcm; cicatriz rosada, ligeiramente queloide, curvilínea de concavidade superior, medindo, depois de retificada, 9cmxlcm; hipostesia ao nível da planta do pé; e impossibilidade de marcha em bicos dos pés. 17. O arguido AA, agiu de forma livre e com o propósito de ferir grave e dolorosamente o assistente DD, sabendo que poderia provocar-lhe grande perda de sangue, e, com isso, perigo para a vida, resultado este com que se conformou. 18. Em consequência da ação da arguida BB, a tia FF sofreu um golpe na região supra mamária esquerda ao nível da região infraclavicular e próxima da axila, que lhe determinou uma ferida incisa com cerca de catorze/quinze centímetros de profundidade, atingindo o pulmão esquerdo, provocando um hemotórax e causando-lhe, em consequência, a sua morte. 19. A arguida BB agiu com o propósito, concretizado, de matar a sua tia FF, utilizando para o efeito uma faca que apontou e direcionou, a curta distância, em direção ao peito da mesma. 20. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas por lei penal. 21. O demandante CC é filho de FF e DD. 22. Depois dos factos viu-se forçado a lidar com o trágico falecimento de sua mãe e com o estado de saúde crítico do pai, visitando-o no hospital, acompanhando o seu estado clínico e requerendo informações médicas sobre o seu estado de saúde, o que dificultou a vivência de perda da mãe e a necessidade de “fazer o luto” já que teve de mostrar-se a atento e afetuoso para com o pai, que se encontrava em estado crítico e instável. 23. Foi o demandante CC quem sempre acompanhou o pai e o recebeu em casa, quando ele teve alta médica, e até ir para um centro de recuperação. 24. O demandante vive do seu vencimento de cerca de 600€/mensais. 25. Tem uma companheira e um filho nascido já depois de iniciado o julgamento. 26. Vivem por favor em casa propriedade da avó da companheira do demandante. 27. À data da dedução do pedido civil, o pai do demandante não recebia ainda pensão de invalidez. 28. Era o demandante quem arcava com despesas de alimentação, vestuário e deslocação a serviços clínicos do seu pai. 29. O demandante viveu com angústia, desespero e preocupação o estado de saúde do pai, o qual foi instável durante algum tempo, tendo sido sujeito a nova cirurgia já depois de iniciada a fase de julgamento. 30. O demandante ficou debilitado emocionalmente. 31. Perdeu ânimo e força de viver, sentiu-se deprimido, entristecido. 32. Chegou a ter acompanhamento médico. 33. Considerava a mãe a melhor amiga. 34. Lamenta não ter a mãe conhecido a filha que teve recentemente. 35. Lamenta o pai ter deixado de ser alegre, presente, companheiro. 36. Chora com facilidade e tem dificuldade em falar do sucedido e em aceitar e compreender os factos ocorridos. 37. A conduta do arguido AA causou no demandante DD sequelas físicas e psicológicas irreversíveis que mudaram a sua vida. 38. A conduta da arguida BB provocou ao demandante DD a perda da esposa com quem era casado desde 1977, o que o deixou afetado psicologicamente e num grande sofrimento e choque. 39. Durante algum tempo, por ter sido submetido a colostomia, passou a fazer as fezes para um saco. 40. Em consequência das lesões sofridas passou a mancar da perna esquerda, ficou anémico, perdeu peso, passou a ter dificuldade em dormir e a estar deprimido. 41. Após o internamento perdeu a autonomia, tendo-se visto obrigado a viver com o filho e nora que o acompanharam às consultas médicas. 42. Era a nora e a mãe desta que lhe davam banho. 43. Auferia a título de RSI 178€ (cento e setenta e oito euros). 44. Sente dificuldade em ultrapassar a dor e refazer a vida. 45. Pelo período de internamento foi-lhe pedido pelo Centro Hospitalar ... o pagamento de duas faturas, sendo uma do montante de 28.255€ (vinte e oito mil, duzentos e cinquenta e cinco euros) e outra de 27.288,76€ (vinte em sete mil, duzentos e oitenta e oito euros e setenta e seis cêntimos). 46. DD deu entrada nos serviços de urgência do Hospital de ..., no dia 21.12.2014, tendo sido sujeito a cuidados médicos cujo custo ascendeu a 28.255€ (vinte e oito mil, duzentos e cinquenta e cinco euros). 47. O arguido AA foi criado no ... numa família humilde, constituída por onze irmãos, sendo dois adotivos, em que o pai era carteiro e a mãe doméstica, vivendo todos de forma coesa e harmoniosa. 48. Estudou até aos quinze anos, obtendo o 9º ano de escolaridade. 49. Casou pela primeira vez aos 18 anos e teve 4 filhos. 50. Uniu-se de facto mais 4 vezes: aos 21 anos, aos 23 anos, aos 39 anos e aos 45 anos, tendo mais 4 filhos. 51. Imigrou para Portugal, aos 45 anos, tendo passado a viver com a coarguida BB e a trabalhar no Hospital de ..., na área da eletricidade, auferindo 550€/mês. 52. À data dos factos o arguido residia numa casa arrendada, perspetivando passar a viver com uma enteada e seus filhos menores, na casa onde esta vive atualmente, dado o bom relacionamento existente. 53. Desde que está no EP assume uma postura correta e colaborante. 54. Tem antecedentes criminais pela prática de um crime de importunação sexual, tendo sido condenado na pena de 5 (cinco) meses de prisão suspensa, já julgada extinta. 55. A arguida BB é oriunda de uma família desorganizada e com um padrão de funcionamento conflituoso, sendo a segunda de seis filhos de um casal que não lhe assegurou as necessidades básicas e de progressão académica. 56. Foi precocemente responsabilizada pelo contributo para o orçamento familiar, através do desempenho de tarefas agrícolas, sentindo-se discriminada em relação aos seus irmãos. 57. Procurou nos relacionamentos amorosos o afeto que lhe faltou em família. 58. Tem uma filha de um primeiro relacionamento e mais quatro filhos de um casamento com um indivíduo que considera “humilhante, manipulador e agressivo”. 59. Viveu cerca de vinte anos no ... onde exerceu funções em restauração, cafetaria e hotelaria. 60. À data dos factos vivia maritalmente com o arguido AA numa relação que considera feliz. 61. Recebia RSI. 62. Perspetivava ir viver com uma filha. 63. Desde que está presa tem demonstrado crescente adaptação ao meio prisional, estando a adquirir formação escolar. 64. Não tem antecedentes criminais. *
FACTOS NÃO PROVADOS. Não se provou: a) que o proprietário das casas nº ... e ... na Rua ... fosse JJ; b) que na casa nº 65 tivessem vivido por arrendamento e durante cerca de dez anos FF e o marido DD e que houvesse entre eles e os arguidos relações de vizinhança; c) que o arrendamento da casa com o nº ... pelos arguidos AA e BB tivesse tido início em 2014; d) que o terreno adjacente às casas fosse cultivado pelos habitantes das duas casas; e) que as desavenças entre os arguidos e as vítimas fossem relacionadas com o cultivo desse terreno; f) que quando eclodiu o conflito o arguido AA e o assistente se tivessem juntado ao lado das mulheres envolvendo-se os quatro em discussão verbal, seguida de empurrões mútuos, arremessos de vasos uns aos outros e murros e pontapés mútuos; g) que o arguido AA tivesse empurrado o DD fazendo-o cair ao chão; h) que o arguido AA tivesse aproveitado a existência de um carrinho de mão com várias ferramentas e outros objetos junto de DD e que se tivesse munido de faca ali existente, que a faca tivesse 10 cm de comprimento de lâmina e 3 centímetros de largura e cabo de plástico amarelo e que a tenha direcionado para a zona do tronco do ofendido e que só aí não o tenha atingido porque este se defendeu com as pernas e que o tenha atingido com vários golpes também na perna direita; i) que depois da agressão o arguido AA tenha abandonado o local e ido para o interior da residência; j) que o arguido AA tenha ferido o DD no tórax, no abdómen e na perna direita; l) que tenha agredido DD com o propósito de o matar por motivo frívolo demonstrando insensibilidade pelo valor da vida humana; m) que a arguida BB tenha agido por motivo leviano demonstrando ser insensível ao valor da vida humana; n) que o demandante CC tenha perdido o orgulho, o preenchimento intelectual e emocional, e que viva em ambiente de suspeição e hostilidade, duvidando de tudo e de todos e receando pela sua integridade física; o) que se sinta pai do seu pai; p) que o demandante DD tenha assistido à morte da esposa e que tenha ficado em estado de choque por não ter conseguido salvá-la; q) que tenha passado a estar de baixa desde o dia dos factos; r) que as despesas hospitalares tivessem ascendido a 55.543,76€ (cinquenta e cinco mil quinhentos e quarenta e três euros e setenta e seis cêntimos). * FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO. (Fls. 1033 a 1048) Para além dos elementos objetivos resultantes dos autos avultando em importância os relatórios médicos (folhas 45, 397 a 399, 887, 354, 898) o relatório de autópsia (folhas 524 ss) os relatórios periciais (folhas 154 a 163 e 185 e 186) e de inspeção judiciária documentado com fotografias (de folhas 190 e seguintes) e a que infra se irá fazendo referência, foi da conjugação das declarações dos arguidos, com os depoimentos da testemunha EE, do assistente DD e das demais testemunhas com os dados objetivos do processo com a deslocação ao local dos factos e a reconstituição do crime que o Tribunal chegou à fixação da matéria de facto nos termos em que o fez. * Desde já se diga que uma vez que se encontram gravados os depoimentos, não se resume ou reproduz o que disseram os diversos intervenientes, fazendo-o apenas quando tal se revelar necessário à explicitação da motivação. * Vejamos então mais detalhadamente a fundamentação de cada um dos factos, segundo a ordem pela qual se encontram fixados na matéria de facto provada (por algarismos) e não provada (por letras). Factos 1 e a): Resultou incontroverso do depoimento da testemunha JJ e sua companheira GG, sendo que esta de forma merecedora de credibilidade admitiu ser a senhoria das casas, (a quem os arguidos frequentemente telefonavam quando ocorriam conflitos, como disse) assim sendo também reconhecida pelos inquilinos (quer os arguidos, quer os habitantes do nº 65). Por essa razão e apesar de inexistir prova documental, o Tribunal alterou o nome do proprietário das casas, mantendo a restante descrição dos imóveis feita no ponto 1 da acusação, porque constatada na deslocação feita ao local. Pontos 2 e b): A acusação padecia de manifesto lapso ao afirmar que as vítimas viveram no nº 65 tendo, por isso, sido corrigido. Ficou abundantemente provado por todos quantos foram ouvidos no julgamento que FF e marido DD nunca viveram no nº ... (aí viveram de arrendamento durante cerca de 10 anos a mãe da arguida BB, HH com o companheiro II), sendo apenas visita dos arrendatários. Pontos 3 e c): Os arguidos e senhoria confirmaram o arrendamento embora o arguido tenha referido ter ido morar na casa antes de 2014, o que se retirou também do depoimento do companheiro da senhoria, razão pela qual se alterou a data de 2014 para 2013, como sendo a do início do arrendamento. Pontos 4 e d): Resultou inequívoco das declarações prestadas por arguidos, assistente e senhoria, sendo que esta esclareceu que apenas os arguidos pediram para cultivar e cultivavam o terreno, o que estes também afirmaram, não tendo sido produzida prova que contrariasse esta realidade. Na deslocação ao local o Tribunal constatou a existência de terreno adjacente. Ponto 5 e e): foi verbalizado pelos arguidos e confirmado por quem conhecia os conflitos existentes há pelo menos cerca de dois meses. De facto embora o assistente DD tenha dito não saber o que gerou isto, nem os motivos da discussão – tendo, contudo, referido o facto de a cunhada ter dado umas bonecas de porcelana à esposa que as deu à EE, o que desagradou à arguida BB e ter também havido um conflito por causa de mobílias – o certo é que tanto o companheiro da senhoria, como esta, como a testemunha LL (vizinho) referiram a ocorrência de conflitos anteriores, assumindo especial visibilidade a destruição das culturas existentes no terreno cultivado pelos arguidos, o que deu lugar a queixas frequentes destes. Referiram também uma caixa de correio partida, quebras de vasos de plantas, agressões físicas à arguida, circunstâncias também referidas pelos arguidos e que permitiram fazer a afirmação segura dos factos que ficaram a constar deste ponto da matéria fixada. Aliás, no dia em que os crimes ocorreram, eles foram precedidos de uma queixa feita por telefone à senhoria que chegou a falar também por telefone com II e a dizer-lhe que já o tinha avisado para não deixar entrar “essas pessoas” no pátio, como a senhoria afirmou. Portanto não ficaram dúvidas ao Tribunal de que havia já um ambiente de conflito há cerca de dois meses, antes do dia 21.12.2014, e de que esse conflito foi exteriorizado, além do mais, pela destruição de plantas e culturas, mas não relacionado com o cultivo do terreno já que só os arguidos e não as vítimas o cultivavam. O ponto 6 foi alterado por forma a esclarecer que o arrendamento que cessara era o da mãe da arguida e seu companheiro (HH e II), não ficando dúvidas de que estes acompanhados pelas vítimas e ainda pela testemunha EE se deslocaram ao arrendado para concluir as mudanças da residência. Não só o assistente DD o afirmou, - justificando até a razão pela qual a certa altura passou no lugar da contenda para ir buscar uma chave de fendas que lhe permitisse tirar um varão do cortinado, - como resultou claro que era o último mês do arrendamento da HH e companheiro (como todos disseram) e que foram fazendo as mudanças à medida que puderam – no que foram ajudadas pela testemunha MM, como esta relatou. É certo que os arguidos invocaram que nada havia dentro de casa e que as vítimas só lá foram para os provocar (sendo esta também a convicção do companheiro da senhoria), mas a arguida disse também que chegaram a ouvir barulhos na casa da mãe (o que é indiciador de alguma atividade dentro da casa) e que havia, ainda, pelo menos, um móvel no sítio do fogão. Aliás havia ainda, pelo menos, também um carrinho de mão (fotografado a folhas 25) pelo que não é possível aceitar a convicção dos arguidos e de quem não foi indiferente aos conflitos anteriores de que eles foram vítimas (senhoria e companheiro e testemunha LL) – e fazer a afirmação de que os moradores da casa (HH e II) acompanhados pelas vítimas FF e DD, apenas lá foram para desencadear mais um conflito. O ponto 7 não ofereceu dúvidas porque todos (arguidos, assistente, testemunhas) o afirmaram, embora cada um à sua maneira como se verá, e como também já se disse até à senhoria foi feito um telefonema antes das agressões, durante o qual esta “ouviu discutir” – como disse, - sendo que nenhum dos intervenientes negou que tivesse na tarde do dia 21.12.2014 existido conflito que começou por ser verbal entre a FF e a arguida BB. (Retirou-se, deste ponto da acusação a expressão “vizinhança” na medida em que, como já se disse, os arguidos nunca foram vizinhos das vítimas, estes eram – repete-se - apenas visitas da casa da HH e do II). Os pontos 8, f) e g) resultaram das afirmações de todos os intervenientes (arguidos, assistente DD e testemunha EE) naquilo em que foram convergentes. Isto é, todos admitiram que o conflito ocorreu no pátio onde eclodiu a discussão, sendo que quer da descrição do arguido AA, quer da descrição do assistente DD, não ficaram dúvidas de que também entre eles houve agressões – como a seguir se verá – em paralelo com o conflito que opunha as mulheres de ambos, isto é, a arguida BB e a tia FF, esta apoiada pela testemunha EE. Não se pode, contudo, dizer que se envolveram os quatro, antes ocorreu um envolvimento dois a dois (os dois homens e as duas mulheres) como melhor adiante se verá. Também resultou inequívoco que houve pelo menos arremesso de vasos, alguns para dentro da casa dos arguidos, (mas não uns aos outros) - tal como os arguidos afirmaram, ao referirem terem a vítima FF e a testemunha EE arremessado vasos, uma vez que as fotografias de folhas 24, 196 e 197 evidenciam essa realidade, a qual também é compatível com o ferimento que o arguido AA sofreu na cabeça (documentado a folhas 886, 887) e que disse – sem que haja qualquer dado que o contrarie e de forma merecedora de credibilidade - ter sido provocado por um vaso que o atingiu. Não se provou que houvesse empurrões mútuos e murros e pontapés mútuos, porque das descrições parciais (feitas por cada um) dos factos, tal não resulta: assim o assistente DD, por exemplo, disse que caiu, não por ter sido empurrado pelo arguido, mas por ter tropeçado; o arguido disse ter também caído na sequência do vaso que o atingiu na cabeça, sendo que também na descrição dos factos que precederam e motivaram a morte de FF são referidas pela testemunha EE (como adiante se verá) agressões na cabeça – batendo com ela no chão -com um pau e faca, mas não ao pontapé ou ao murro. Os pontos 9, 10 e h) resultaram da conjugação dos depoimentos do arguido e do assistente com os dados objetivos do processo, sendo que o facto de não ter sido encontrada a faca com que o assistente DD foi golpeado e com que a FF foi morta, impede que o tribunal a descreva com o pormenor que consta da acusação, sendo certo que não se apurou, sem dúvida, que fosse a da fotografia a folhas 419. De igual modo a negação por parte do assistente DD de ter sido empurrado pelo arguido, conjugada com a descrição dos factos feita na reconstituição em que é patente que ao recuar (ao ver o arguido empunhar a faca) tropeça e fica caído à entrada da porta pela qual veio a entrar e refugiar-se no interior da residência da HH, impediu o tribunal de considerar provado, como se disse, o empurrão atribuído ao arguido. Certo é que o arguido, como confessou, se muniu de uma faca, de um só gume com comprimento e largura não concretamente apurados, e que com ela atingiu o assistente na perna esquerda com três golpes, o que também resulta inequívoco da descrição das lesões medicamente verificadas ao assistente quando deu entrada no hospital de ... (folhas 134 e 889 e seguintes). Só isto o Tribunal pode afirmar com certeza. Já quanto ao local onde se encontrava a faca de que o arguido se muniu ficaram dúvidas (a acusação e o arguido falam de um carrinho de mão no pátio com ferramentas onde estaria a faca, mas nas fotografias de folhas 25 e 202 vê-se o carrinho de mão dentro da casa – não tendo o cenário do crime sido mexido como disseram os inspetores ouvidos no local – o assistente disse que o arguido se muniu de faca alcançando-a na cozinha (do próprio arguido); a testemunha EE refere que foi a arguida BB quem passou a faca ao arguido AA…) sendo, pois, apenas possível ao Tribunal, afirmar que o arguido se muniu de uma faca com comprimento e largura não apurados. É que apesar de o arguido ter mais tarde colaborado com os inspetores e dito onde foi esconder a faca tendo chegado a haver a apreensão (folhas 416) de uma faca, certo é que não se fez a prova de que fosse a fotografada a folhas 419 e o desenho feito pela testemunha EE (folhas 237) não é bastante para que se proceda à descrição da faca nos termos feitos na acusação. Acresce que, admitindo-se a partir da análise do depoimento do arguido e da testemunha EE que a faca com que o assistente DD foi atingido foi a mesma com que foi morta a FF, não se percebe como é que uma faca de 10 cm de comprimento, como refere a acusação, provoca uma ferida com 14/15 cm de profundidade (como também se verá quando se abordarem as lesões da vítima FF). Também não se provou que o arguido tivesse direcionado a faca para a zona do tronco do assistente DD e que o tivesse atingido nas duas pernas, porque não há dúvida de que as lesões com que deu entrada no hospital foram apenas os golpes na perna esquerda. Ora, estando o assistente caído no chão e nessa medida indefeso se o arguido o tivesse querido atingir no tronco poderia tê-lo feito (o assistente durante o julgamento, vg na deslocação ao local referiu que o arguido o pretendeu atingir no peito, mas tal não é compatível com a descrição espontânea que fez inicialmente da atuação do arguido, este negou a intenção de o atingir no peito e as lesões atingiram só a perna esquerda, pelo que não pode o Tribunal, com segurança, ir mais além dos dados que resultam das lesões objetivadas (a que voltaremos a propósito da fundamentação do ponto 16). O ponto 11 resultou inequívoco quer do depoimento do ofendido, quer dos rastos de sangue fotografados (folhas 202, 203) que permitiram concluir ter-se o ofendido arrastado por dentro da casa da HH depois de nela entrar, fechando a porta, como disse, até vir a sair do outro lado da casa onde veio a ser socorrido, como disse a vizinha MM “vi o DD estendido na valeta a segurar a perna com um lenço… fui buscar um cinto e fiz-lhe um garrote” Esta realidade também não foi negada pelo arguido, nem posta em causa por quem quer que fosse. Os pontos 12 e i) resultaram do depoimento da testemunha EE em conjugação com o do arguido. É que, após a agressão ao assistente DD o Tribunal não ficou a perceber com rigor para onde foi o arguido AA (razão pela qual ficou por provar que tivesse ido para dentro da residência), apenas se sabendo, pelo depoimento da testemunha Alice que deixou no pátio a faca, o que o arguido também admitiu. (A propósito o depoimento da testemunha EE, irmã da arguida, diga-se, por um lado, que, apesar das dificuldades de comunicação – a testemunha é surda muda –, foi percetível o que disse, porque acompanhou o depoimento com gestos e atitudes corporais que ajudaram a suprir a incapacidade de verbalização e, por outro lado, que o facto de poder ter alterado o depoimento desde a data dos factos até ao julgamento – como foi assinalado pela defesa da arguida BB o que poderia descredibilizá-la – é ultrapassado pela circunstância de o seu depoimento ter total projeção nos dados objetivos e incontroversos do processo, razão pela qual entende o tribunal credibilizar o que transmitiu no julgamento, na reconstituição dos factos e na deslocação ao local). Os pontos 13 a 15 respeitam à agressão de que foi vítima .... Da conjugação dos depoimentos de todos, mesmo dos arguidos, não ficaram dúvidas de que enquanto ocorria a agressão entre os homens (o assistente DD e o arguido) também a arguida BB, a tia FF e a testemunha EE (esta pelo menos numa primeira fase) se envolveram em conflito, que começou por ser verbal como a arguida admitiu e acabou com a agressão que veio a ser mortal. Disse a arguida BB que as duas (a tia FF e a irmã EE) foram atrás dela para a cozinha para a agredir. Disse o arguido que quando se iniciou o confronto com o assistente “as senhoras foram para cima da minha mulher” e, mais tarde no depoimento, disse ter visto a FF “agarrada à esposa” e ter visto a esposa a bater na FF – o que a arguida negou - sendo que a EE disse que viu a irmã a bater na tia com um pau e com a cabeça no chão e acabou por fugir. Só o assistente DD disse nada saber o que aconteceu com a esposa FF. Isto é, dos vários depoimentos resulta inequívoco que a arguida agrediu a FF e fê-lo batendo-lhe com um pau no corpo (o que está fotografado a folhas 204 e 205) com a cabeça no chão (disse a EE que o fez por quatro vezes, o que é compatível com a existência de sangue na face posterior do crânio verificado na autópsia) e veio a atingi-la quando ela já estava caída no chão, como disse a EE, com um golpe na zona da mama esquerda, junto à axila, atingindo o pulmão esquerdo que colapsou, lesão esta que foi a causa da morte. A arguida negou ter agredido a tia, dizendo não ter, sequer, pegado em qualquer instrumento cortante. Mas não estando mais ninguém na contenda (inicialmente estiveram as três – a arguida, a FF e a EE) tendo a arguida agarrado e agredido a tia, como disse a testemunha EE e como até o arguido admitiu, não podendo ser a lesão sofrida pela vítima autoinflingida pela sua própria natureza, como pode a arguida negar a agressão mortal? É certo que deixou no ar em julgamento a possibilidade de ter tido a EE participação na agressão mortal, por ter sido vista “com as mãos com sangue”, mas o conflito opunha a FF e a EE de um lado, à arguida de outro. Isto é, a FF e a EE eram “aliadas” naquele conflito contra a arguida, estavam do mesmo lado da contenda, por que razão iria uma agredir a outra? Note-se que não se está a falar de uma agressão involuntária, fortuita, ligeira, feita inadvertidamente. É uma agressão intencionalmente mortal. A invocação de que a EE poderá ter tido alguma participação na agressão mortal já decorria das declarações dos arguidos quando fizeram a reconstituição dos factos, ao afirmarem que a viram “com uma tesoura na mão”, mas basta ouvir a forma como o dizem, para se perceber que o fizeram em “desespero de causa”, isto é, por não ser possível atribuir a outra pessoa, que não à arguida, a autoria da agressão, já que mais ninguém se envolveu no conflito. De facto a HH e o II, também “do lado” das vítimas FF e DD, não se envolveram fisicamente no conflito, como por todos foi admitido (isto é, a arguida ainda falou com o II quando lhe passou o telefonema da senhoria, mas quando o conflito eclodiu em toda a sua dimensão, nem ele, nem a companheira Armanda ficaram no pátio ou se abeiraram dos envolvidos, como por todos foi referido). O sangue nas mãos da EE, bem se percebe se pensarmos que era natural que tenha tocado, quer no ofendido DD, quer na vítima FF, quer na roupa de um ou outro, para se aperceber do estado em que ficaram após as agressões. Diga-se também a propósito da existência de marcas de sangue que foi pericialmente verificada a existência de sangue da vítima FF no casaco da arguida (folhas 584), o que só se compreende com a proximidade física das duas. Portanto, os pontos 13 a 15 resultaram essencialmente da descrição feita pela testemunha Alice (o assistente disse nada ter visto; a testemunha HH não quis depor em Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 134º do Código de Processo Penal por ser mãe da arguida e mais ninguém viu a não ser os arguidos que não admitiram a atuação imputada à arguida, como causadora da morte), a qual é concordante com as lesões objetivadas no relatório da autópsia, com a descrição dos factos feita pelo arguido e com existência de sangue da vítima na roupa da arguida. Os pontos 16 e j) resultaram dos relatórios médicos que dão conta das lesões sofridas em conjugação com as explicações dadas em julgamento pela Sra. Dra. NN que, deixou claro que as lesões verificadas no tórax e abdómen do assistente DD foram resultantes das intervenções médicas e cirúrgicas a que o assistente teve de ser submetido por força do choque hipovolémico, provocado pela grande hemorragia que sofreu e que determinou a falência de orgãos, v.g. intestinos o que determinou a colostomia a que veio a ser sujeito (e, entretanto, corrigida). O ponto 17 em conjugação com as alínea l) e m) resultou da convicção a que o Tribunal chegou a partir da análise dos factos anteriormente apurados. Assim, foi eliminada a afirmação de que as vítimas eram familiares e vizinhos do arguido AA (já que, como já se disse, vizinhos nunca foram e eram tia (e marido) da sua companheira, a arguida Fernanda); eliminou-se a motivação para a agressão porque já anteriormente referida; foi afirmada a intenção do arguido de ferir grave e dolosamente o assistente, já que as agressões na perna esquerda foram consubstanciadas em três golpes de grande dimensão, como decorre do relatório do IML (folhas 398 e verso) sendo que as lesões com essas caraterísticas são, diz-nos a experiência da vida, muito graves e dolorosas; e foi afirmado que o arguido sabia como qualquer pessoa sabe, que numa situação de grande perda de sangue há perigo para a vida, perigo este que veio a ser, claramente, afirmado em julgamento pela médica que observou o assistente Dra. NN, e que afirmou que se fosse uma pessoa com mais idade ou menos resistência física teria certamente morrido. Mas afastou-se a intenção de matar por parte do arguido que constava do ponto 17 da acusação, porque foi manifesto para o Tribunal que o arguido se quisesse matar teria atingido o assistente (que foi agredido quando estava caído) numa zona vítal - e não o fez (uma perna não é, em princípio, uma zona vital) - ou não o teria deixado fugir – o assistente apenas se arrastou pelo chão e entrou na casa da Armanda, sendo certo que pela forma como descreveu o que fez, não fechou a porta à chave. Também não se provou que o arguido tivesse agido de modo frívolo, porque a agressão ocorrida foi o culminar de, pelo menos, dois meses de desavenças, em que os arguidos foram também vítimas de atitudes provocatórias e de falta de educação por parte de quem vivia e frequentava a casa nº 65 (o Fonseca foi descrito como pessoa sem modos, os arguidos disseram-no e os senhorios e vizinhos confirmaram-no, a EE e a FF como pessoas que destruíam vasos de plantas e colheitas cultivadas pelos arguidos (como o vizinho Brandaia também confirmou), chegando mesmo a destruir uma caixa de correio, o que, nesse espaço de dois meses, motivou cerca de 6 queixas aos senhorios e outras tantas advertências por parte destes aos locatários da casa nº 65 (mãe e padrasto da arguida), a quem pediam insistentemente, e em vão, para não deixarem entrar pessoas estranhas ao arrendado (v.g. a EE e a FF). Como melhor se dirá no tratamento jurídico da questão este enquadramento dos factos não permite sustentar a afirmação de que os arguidos agiram por motivo frívolo e leviano e também, pelas mesmas razões, não pôde o Tribunal fazer a afirmação de que os arguidos demonstraram ser insensíveis ao valor da vida humana, afirmação que sustentaria, de acordo com a acusação, a qualificação dos crimes, mas que como melhor adiante de dirá não é juridicamente correta em face da factualidade e motivação apuradas. Diga-se, desde já contudo que os arguidos são vistos por quem com eles priva e pelos vizinhos (testemunhas LL e mulher OO, PP (filha da arguida) QQ, RR, SS, colegas de trabalho do arguido) como pessoas cordatas, corretas, sensíveis (a senhoria por exemplo, confiou-lhes o cuidado do pai, idoso e doente e deu deles as melhores referências, contrariamente à opinião que expressou relativamente aos moradores do nº 65 e familiares) razão pela qual também por isto não pode o Tribunal fazer a afirmação da insensibilidade pela vida humana. O depoimento destas testemunhas mereceu credibilidade porque revelaram ter conhecimento direto dos factos que afirmaram e depuseram de forma serena, séria, merecendo credibilidade. Pelo exposto os pontos 18 e 21 da acusação ficaram por provar (cfr alíneas l) e m)) (a esta matéria voltar-se-á no tratamento jurídico da questão). O ponto 18 da matéria de facto (19 da acusação) está objetivado no relatório da autópsia. O ponto 19 da matéria de facto (20 da acusação) foi corrigido nos termos já referidos a propósito dos pontos 5 e 17 e a intenção de matar resulta inequívoca da profundidade do golpe desferido com a faca e do local do corpo (o peito) atingido, zona vital por excelência. O ponto 20 da matéria de facto (22 da acusação) resultou inequívoco de toda a atuação dos arguidos (só eles se muniram de faca na contenda) tendo bem a consciência de que a sua atuação era ilícita, o que é patente até pelo comportamento posteriormente adotado pelo arguido (desembaraçar-se da faca, limpar o carro de vestígios de sangue e ir esconder a faca num contentor), sendo certo que qualquer pessoa sabe que a agressão física ou a morte de outro ser humano é punida criminalmente. Impõe-se ainda dizer uma última palavra relativamente à circunstância de o Tribunal não ter podido aceitar a versão sustentada pelo arguido no julgamento de que relativamente à agressão do assistente agiu em legítima defesa. Disse o arguido só ter agredido o assistente porque foi este agredido, ficou caído no chão e a única forma que teve para se defender foi usar a faca atingindo o assistente na perna esquerda, por forma a parar a agressão de que estava a ser vítima. Mais disse que a faca estaria num carrinho de mão no pátio. Ora, quanto a agressões sofridas pelo arguido a única objetivada é a que teve na cabeça e que, de acordo com as suas palavras, foi provocada por um vaso que lhe foi atirado. (Note-se, contudo, que disse não saber se foi o assistente quem lho atirou e que de folhas 887 consta que não soube como foi agredido). Depois não se provou que estivesse qualquer carrinho de mão no pátio ou que nele houvesse qualquer faca. Por outro lado o assistente negou que em algum momento tivesse agredido o arguido, tendo explicado, como já se disse, em julgamento e no local, o modo como foi agredido e a sua explicação é compatível com a existência de sangue nos locais onde, de facto, é encontrado. Isto é, analisando a descrição dos factos dos dois intervenientes, a do assistente tem sustentação nos dados objetivos do processo (marcas de sangue, local onde tropeçou) contrariamente à do arguido. Por outro lado não é despiciendo o facto de quanto a esta questão o assistente ter merecido maior credibilidade – até pela forma como negou ter visto a agressão à sua esposa – do que o arguido que chegou a deixar no ar a insinuação da participação na morte da testemunha EE. Por outro lado do depoimento desta testemunha EE retira-se que a agressão do arguido ao assistente ocorreu como, por este, foi relatado. Acresce que, para além de não se ter feito a prova de que o arguido estava a ser agredido, quando agrediu o assistente, não há dúvida de que tanto ele quanto a arguida BB poderiam ter-se recolhido em casa. Tal, longe de ser covardia, como se percebeu no julgamento que assim seria sentido pelo arguido, seria sensatez, tanto mais quanto aquela seria provavelmente a última vez que aquelas pessoas iriam à casa, o que determinaria que acabassem os conflitos motivados pela contiguidade das habitações e mau relacionamento. Isto é, os arguidos poderiam e deveriam ter-se recolhido dentro de casa. Não o fizeram. Muniram-se de faca e pau e começaram a agredir os ofendidos que não tinham qualquer instrumento de agressão. É certo que a compleição física do assistente, ao tempo, era superior à do arguido, mas essa seria mais uma razão para que o arguido evitasse o conflito e não para que pegasse numa faca a fim de “equilibrar forças”. Certo é que ao assistente de nada valia a compleição física a partir do momento em que caiu no chão, sendo certo que foi já caído que foi agredido. A exclusão da ilicitude de uma conduta ao abrigo do artigo 32° do Código Penal exige, a presença de cinco requisitos objetivos e um elemento subjetivo, a saber, a agressão de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, a atualidade da agressão, a ilicitude da agressão, a necessidade da defesa, a necessidade do meio e o conhecimento da situação da legítima defesa. Os três primeiros requisitos objetivos referem-se à situação em que o agente atua e os dois últimos à ação de defesa (Neste sentido Ac. RL de 14.01.04 in www.dgsi.pt). Portanto, não estando o arguido a ser agredido fisicamente pelo assistente no momento em que o agrediu, não estando a sua companheira de igual modo a ser agredida pelo assistente, e podendo os arguidos ter simplesmente entrado em casa ou fugido do local, forçoso é concluir não ter o arguido agido em legítima defesa. A sua reação não foi, pois, de defesa, mas antes de “resposta” às agressões verbais (o assistente admitiu que disse à mulher de forma audível para os arguidos “não passes confiança a essa gente”), aos vasos atirados para dentro da sua (dos arguidos) casa e ao clima de conflito instalado há algum tempo entre a arguida, sua irmã, tia e mãe, a que os respetivos maridos/companheiros não foram indiferentes. Os factos invocados e provados dos pedidos civis (…) Para além da análise dos depoimentos e dos documentos nos termos já referidos, o Tribunal durante o julgamento foi confrontando as testemunhas, arguidos e assistente com as fotografias de folhas 21 e seguintes e 190 e seguintes e teve ainda em atenção a perceção resultante da deslocação ao local, o resultado dos exames e relatórios médicos desde os que refletem a entrada do assistente DD e do arguido no Hospital, respetivamente folhas 134 e 889 e seguintes e 886, 887, até aos que foram sendo elaborados no respeitante à evolução da situação clínica do assistente (folhas 354, 397 e seguintes). Também se atentou, como já se disse, no resultado dos exames periciais feitos a partir dos vestígios hemáticos na viatura do arguido (folhas 158 e seguintes); aos restantes exames de ADN (folhas 582 e seguintes), ao desenho elaborado pela testemunha EE (folhas 237), com o qual foi confrontada durante o seu depoimento; aos autos de reconstituição de folhas 361 e ss e 365 e ss, complementados pela visualização dos CD em julgamento; ao relatório da autópsia de folhas 524; ao documento junto pelo demandante CC a folhas 552. A certidão de folhas 923 atesta o casamento de DD com a vítima FF. O CRC de folhas 692 atesta a inexistência de antecedentes criminais da arguida BB e o de folhas 693, 694 da condenação sofrida pelo arguido AA. As situações de vida dos arguidos (pontos 47 e ss) foram relatadas por quem os conhece e encontram também eco nos relatórios de folhas 854 e seguintes e 858 e seguintes.
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Apreciando. Fundamentação de direito
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Questão I – Nulidade do acórdão recorrido por violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP e por omissão de pronúncia – Artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, do CPP
Nas conclusões 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª, 7.ª e 8.ª, a recorrente invoca a nulidade do acórdão ora recorrido por ter acompanhado o acórdão de 1.ª instância na fundamentação sobre as razões, regras de experiência e/ou critérios lógicos que levaram o colectivo a considerar provados os pontos 7, 8, 13, 14 e 15 (dos quais nos n.ºs 13, 14 e 15 está vertida a facticidade relativa à execução do homicídio), alegando falta de exame crítico das provas e omissão de pronúncia.
Analisando.
Nas referidas conclusões 3.ª a 8.ª a recorrente manifesta a sua divergência relativamente ao acórdão do Tribunal da Comarca de ..., como ao acórdão recorrido, olvidando que a decisão ora recorrida é o acórdão do Tribunal da Relação. Sendo decisão recorrida um acórdão da Relação, estamos face a uma fundamentação derivada, havendo que convocar o disposto no artigo 425.º do CPP. Inserto no Capítulo II - “Da tramitação unitária”, do Título I - “Dos recursos ordinários” do Código de Processo Penal, sob a epígrafe (Acórdão), estabelece o artigo 425.º: (…) 4 – É correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento.
Este n.º 4 foi introduzido pela reforma operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a qual alterou e republicou o Código de Processo Penal, tendo modificado a redacção do n.º 2 e aditado os n.º s 3, 4 e 5, regulando pontos em que a versão originária se mostrava omissa, sendo por isso necessário recorrer a dispositivos do processo civil, diversamente do que era expectável face à orientação geral do Código de 1987, com a inicial proclamação de autonomia e auto suficiência regulamentadora. O referido n.º 4 teve por fonte o então artigo 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (actual artigo 666.º), o qual sob a epígrafe “Vícios e reforma do acórdão”, dispunha: “É aplicável à 2.ª instância o que se acha disposto nos artigos 666.º a 670.º (actualmente, artigos 613.º a 617.º), mas o acórdão é ainda nulo quando for lavrado contra o vencido ou sem o necessário vencimento”. Ora, os artigos 666.º a 670.º do Código de Processo Civil reportavam-se então aos vícios e reforma da sentença, abrangendo rectificação de erros materiais, nulidades da sentença, esclarecimento ou reforma da sentença e suprimento de omissão ou de nulidades. Com o Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, foi alterado o n.º 5, cujo teor passou a constituir o n.º 6. O artigo 425.º veio a ser de novo alterado pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a qual alterou os n.º s 1, 2, 3 e 7, mantendo imodificado o n.º 4, inalterado nas subsequentes modificações. Se é certo que por força do n.º 4 do artigo 425.º do CPP é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto no artigo 379.º, ou seja, a arguição ou o conhecimento oficioso de nulidade (por violação da injunção contida no n.º 2 do artigo 374.º, ou por o tribunal ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar - alíneas a) e c) do n.º 1 daquele artigo 379.º), não menos verdade será que tal aplicabilidade terá os limites decorrentes da própria natureza da intervenção do tribunal de recurso a nível da fundamentação de facto e, mais especificamente, da motivação e do exame crítico das provas, que têm lugar na 1.ª instância, com amplas possibilidades de cognição e investigação, actuando em registo de oralidade, imediação e concentração, o que não acontece na Relação. Como se pode ler no acórdão deste Supremo Tribunal de 13-11-2002, SASTJ, n.º 65, pág. 60, “aplicada aos tribunais de recurso, a norma do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, não tem aplicação em toda a sua extensão, nomeadamente, não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação, ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista. Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a constar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o decidido” (No sentido desta última proposição podem ver-se os acórdãos de 19-05-2010, processo n.º 459/05.0GAFLG.G1.S1, de 7-04-2011, processo n.º 450/09.7JAAVR.P1.S1 e de 27-04-2011, processo n.º 7266/08.6TBRG.G1.S1, todos da 3.ª Secção). No mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos de 13-02-2008, processo n.º 4729/07-3.ª; de 07-05-2008, processos n.ºs 294/08-3.ª e 1132/08-3.ª; de 25-06-2008, processo n.º 2046/07-3.ª, onde se aduz: “a fundamentação decisória da Relação é exercida sobre uma outra decisão que, por seu turno, já motivou a convicção; nesse sentido, não é uma fundamentação originária, mas uma fundamentação derivada, sendo-lhe lícito recorrer à fundamentação da decisão recorrida para justificar as suas próprias soluções”; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08-3.ª; de 08-10-2008, processo n.º 3068/08-3.ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 5/05.5PBOLH-3.ª; de 23-09-2010, processo n.º 65/09.9JACBR.C1.S1-3.ª; de 19-05-2010, processo n.º 459/05.0GAFLG.G1.S1-3.ª; de 12-07-2012, processo n.º 350/98.4TAOLH.E1.S1-3.ª; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1, de 29-04-2015, processo n.º 791/12.6GAALQ.L2.S1. Como diz o acórdão de 06-01-2011, proferido no processo n.º 355/09.1JAAVR.C1.S1-5.ª, em matéria de fundamentação da decisão, a posição hierárquica do tribunal recorrido que é um Tribunal da Relação (um tribunal de recurso, que tendo embora competência para conhecer de facto e de direito, exerce um poder de controle sobre a decisão recorrida numa óptica de reexame do decidido, com vista a detectar erros in judicando ou in procedendo, mas não a proceder a um segundo julgamento), tem reflexos que se traduzem em o artigo 374.º, n.º 2, do CPP, no que respeita ao exame crítico dos meios de prova, não poder ser directamente transposto para a fase de recursos, o que é evidente, por uma razão elementar: o tribunal de recurso não procede a um julgamento com subordinação aos princípios da imediação e da oralidade, não estabelecendo contacto directo com as provas produzidas, nomeadamente, com as provas pessoais, nem com os participantes do processo, salvo casos pontuais de renovação da prova; a fundamentação exigida quanto ao exame crítico da prova não pode, pois, ser do mesmo tipo da que se exige para a 1.ª instância. O artigo 374.º só indirectamente é aplicável, através do art. 379.º, mas com as devidas adaptações (correspondentemente), sendo que essas adaptações têm de levar em conta que os tribunais da relação, embora tenham competência em matéria de facto não apreciam directamente a prova produzida e não a apreciam nos mesmos termos da 1.ª instância, pelo que a fundamentação exigida para as suas decisões tem de estar em consonância com a natureza do seu objecto, que é a reapreciação de uma outra decisão, no universo de questões levantadas pelo recurso. Fundamentalmente, ao tribunal de recurso cabe verificar se a decisão recorrida fundamentou a sua opção em matéria de decisão de forma consistente, lógica e racional e de acordo com as regras da experiência comum, isto é, se tal opção decisória se mostra convincente do ponto de vista da lógica interna da explicitação da sua motivação, referindo criticamente os meios de prova decisivos para a formação da respectiva convicção, e se mostra consentânea com as máximas, os princípios e os ensinamentos da vida, segundo a experiência normal das coisas”. Como se extrai do acórdão de 13-01-2011, processo n.º 316/07.5GBSTS.G2.S1-5.ª, citando o acórdão de 10-12-2009, proferido no processo n.º 22/07.0GACUB.S1-3.ª, a omissão de pronúncia, no âmbito da impugnação de decisão proferida sobre matéria de facto, só ocorre quando o Tribunal da Relação, em lugar de responder com precisão à interpelação feita pelo recorrente sobre factos considerados provados, em relação à prova produzida, se remete a uma enunciação genérica, sem qualquer correspondência com as questões concretas que lhe são colocadas, não tomando posição sobre os diversos pontos da materialidade considerada provada que são impugnados nem analisando a prova que, quanto a eles, foi produzida. Segundo os acórdãos de 7-04-2010, processo n.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1, de 19-05-2010, processo n.º 459/05.0GAFLG.G1.S1, de 7-04-2011, processo n.º 450/09.7JAAVR.P1.S1 e de 27-04-2011, processo n.º 7266/08.6TBRG.G1.S1, todos da 3.ª Secção, aplicada aos tribunais de recurso, a norma do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, não tem aplicação em toda a sua extensão, nomeadamente não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito (exame crítico das provas que serviram para formar a livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pela Relação ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista. Como salienta o acórdão de 5-12-2012, processo n.º 704/10.0PVLSB.L1.S1-3.ª, o n.º 2 do art. 374.º do CPP não é directamente aplicável às decisões proferidas, por via de recurso, pelos tribunais superiores, mas só por via de aplicação correspondente do art. 379.º (ex vi art. 425.º, n.º 4), razão pela qual as exigências ali impostas terão de ser devidamente adaptadas, tendo em vista que as decisões proferidas em recurso visam a sindicação de decisão já proferida, essa sim, sujeita a escrupuloso cumprimento da disciplina e comandos constantes do preceito em causa. No exercício da tarefa de sindicação de decisão proferida o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, razão pela qual, se entender qua a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico efectuado pelo tribunal recorrido.
Revertendo ao caso concreto.
Abordando a impugnação da matéria de facto, afirma o acórdão recorrido a fls. 1367/8 (sublinhados do texto): “Afirma a recorrente que na fundamentação, ao dar como assente a matéria de facto, constam inúmeras contradições. Porém, não as identifica nem concretiza, sendo que a contradição insanável da fundamentação há-de manifestar-se por uma incoerência ou incompatibilidade manifesta entre a fundamentação ou entre esta e a decisão, e resultar do texto da decisão recorrida (cfr. art.º 410º n.º 2 do CPP). Ora, o que a recorrente faz é manifestar a sua discordância quanto à forma como o tribunal valorou a prova produzida e analisada em julgamento, concretamente a que sustentou os pontos 5 a 7, 13 a 15 da factualidade provada, mas sem impugnar esses factos, não dando cumprimento ao disposto no artº 412º do C.P.P., nem indicando qualquer prova que imponha decisão diversa da tomada pelo tribunal. Por outro lado, como se referiu, o erro notório na apreciação da prova só pode ter-se por verificado quando o conteúdo da decisão na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, evidencie de modo que não escaparia à análise do homem comum que, no caso, se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida, o que manifestamente não é o caso. Alega a recorrente que “não se vislumbra qualquer fundamentação sobre as razões, regras de experiência e/ou critérios lógicos” que levaram o tribunal colectivo a considerar provados os factos elencados sob os nºs.7, 8, 13, 14, 15, o que constitui nulidade do acórdão nos termos do artº 379º do C.P.P.. Ora, lendo a fundamentação referente a estes factos, que não vamos aqui repetir, face á sua evidência, é manifesto que a recorrente não tem razão, sendo certo que o que questiona são aqueles factos provados e a prova que os sustenta, discordando da apreciação e valoração da prova feita pelo tribunal recorrido. Por outro lado, o princípio in dúbio pro reo, sendo corolário da garantia constitucional da presunção de inocência (artº 32º, nº2, da CRP), impõe que, em caso de dúvida razoável e insanável sobre os factos imputados ao arguido, o tribunal decida a favor deste. Porém, em lado algum a recorrente concretiza/fundamenta tal dúvida, porque não existiu. Assim, facilmente se constata que a decisão recorrida, está fundamentada, e usou um processo de raciocínio lógico, assente no senso comum e com recurso às regras da experiência, que conduz necessariamente à conclusão a que chegou, explica as provas em que se apoiou, efectuando um exame crítico das mesmas, mencionado as razões de credibilidade das declarações e depoimentos, expondo as razões (lógicas, de ciência e de experiência comum) que tornam “objectivável” o processo decisório. Por isso, analisada a prova testemunhal, dela nada resulta que nos permita concluir ter errado o tribunal na sua apreciação, nem a recorrente o demonstra, que impusesse qualquer alteração à factualidade provada, nem existem provas que imponham decisão diversa da recorrida, nem o Tribunal ficou na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto”.
Ora, o Tribunal da Relação analisou as provas na base das quais o tribunal de 1.ª instância proferiu a decisão, tendo concluído no sentido de que a prova foi correctamente valorada, apreciada e interpretada, e que a recorrente nada concretiza para além de expressar a sua divergência relativamente à apreciação e valoração da prova feita na primeira instância. Em boa verdade, pouco mais haveria a Relação de debitar, tendo presente a fundamentação explanada pelo acórdão da Comarca, onde se expuseram as várias pièces à conviction, não sendo despiciendo recordar que o Colectivo de ..., na busca da verdade material, considerando pertinente uma deslocação ao local requerida pelo arguido AA, determinou a sua realização, conjugando os vários elementos disponíveis e analisando criticamente as provas em presença, concretizando a fundamentação no que toca aos pontos 13, 14 e 15, nos quais se descrevem as agressões cometidas pela arguida na pessoa da tia e que vieram a determinar a morte desta, tendo o Colectivo ao longo do texto assumido não ter tido dúvidas relativamente a pontos cruciais, como os referidos, e explicitado do modo que consta de fls. 1040-1-2, em dez parágrafos, fazendo menção do que foi dito e ouvido em directo, na audiência de julgamento, no passo «mas basta ouvir a forma como o dizem, para se perceber que o fizeram em “desespero de causa”. Tendo o Tribunal de ... adoptado um texto lógico e congruente, consistente e suficiente, explicando as razões pelas quais se convenceu de que os factos haviam decorrido tal como foram dados por provados, o Tribunal da Relação, após a análise a que procedeu, concluiu pelo acerto da posição assumida pela primeira instância. A Relação cumpriu o tema proposto nos quadros da fundamentação derivada como lhe competia, nos termos do artigo 425.º, n.º 4, do CPP, não se verificando qualquer nulidade por violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, ou por omissão de pronúncia. Improcede, pois, esta pretensão de declaração de nulidade do acórdão recorrido por esta via.
Questão II – Nulidade por insuficiência de inquérito – Nulidade insanável por falta de promoção do processo pelo Ministério Público, com fundamento na falta de interrogatório da testemunha ... como arguida no decurso do inquérito
Esta questão foi condensada na conclusão 9.ª, tendo sido já colocada no anterior recurso na conclusão 12.ª. O acórdão recorrido enunciou a questão, mas olvidou a apreciação que se impunha, ou seja, incorreu em omissão de pronúncia. Diz o acórdão recorrido, a fls. 1368: “Refere ainda que há uma nulidade insanável por falta de promoção do processo pelo Ministério Público, com fundamento na falta de interrogatório de EE como arguida no decurso do inquérito, o que origina nulidade por insuficiência de inquérito. Invoca ainda como nulidade a reconstituição dos factos, em virtude de falta de nomeação de intérprete nesse acto à testemunha EE – arts. 93.º e 92.º, nº5, do C.P.P.”. Resulta do texto em análise que o acórdão recorrido nada disse quanto à primeira questão, pois que de imediato segue para a abordagem da segunda questão relativa a falta de intérprete. Temos assim que o acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia relativamente a este específico ponto, pelo que verificada está a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, por não se ter pronunciado sobre questão que devia apreciar, incluída que estava no lote das questões integrativas do objecto do recurso, do quadro de vinculação temática trazida a reapreciação. Certo que a nulidade deve ser conhecida, devendo o tribunal supri-la, como injunge o n.º 2 do mesmo preceito, na redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, entrada em vigor em 23 de Março seguinte.
Apreciando.
Começar-se-á por dizer que a recorrente não fundamenta a pretensão. Como ressalta do preceito que rege sobre constituição de arguido – artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do CPP – a qualidade de arguido resulta da “suspeita fundada da prática de crime” por pessoa determinada e sobre a testemunha EE, irmã da arguida, que acompanhava a tia, vítima de homicídio, nunca recaiu qualquer suspeita. Tanto basta para afastar a arguição de nulidade invocada na conclusão 9.ª.
Questão III – Nulidade por falta de intérprete à testemunha ... (surda muda) – Impossibilidade de utilização da prova
Esta questão é sintetizada na conclusões 10.ª e 11.ª, e já fora colocada igualmente no anterior recurso na conclusão 13.ª, mas restrita então a falta de acompanhamento na diligência de reconstituição. Sobre o ponto, expendeu o acórdão recorrido a fls. 1368: “(…). Invoca ainda como nulidade a reconstituição dos factos, em virtude de falta de nomeação de intérprete nesse acto à testemunha ... – arts. 93º e 92º, nº5, do C.P.P. Porém, como bem refere o MP, resulta dos autos e das Actas de audiência de discussão e julgamento, que à testemunha em causa foi nomeado intérprete, e na acta onde foi determinada a deslocação do tribunal ao local dos crimes (Acta de 18.11.2015), determinou-se a comparência do intérprete que acompanhou a testemunha Alice na inquirição no julgamento e na Acta de 01.12.2015, data em que o tribunal fez tal deslocação. Assim, mesmo que lhe assistisse razão, deveria ter arguido tal nulidade no próprio acto (cfr. arts. 92º, 93º, e 120º, nº2, al.c), do C.P.P.)”.
Apreciando.
Como se referiu, esta questão fora já colocada igualmente no anterior recurso na conclusão 13.ª, com uma nuance relativamente à presente arguição. Na verdade, no anterior recurso a recorrente colocou a questão da falta de intérprete, mas restringiu-a à diligência de reconstituição. Agora a recorrente alarga-a a declarações na Polícia Judiciária e em audiência de julgamento, o que não tendo sido invocado perante a Relação, constitui óbvia questão nova (não cognoscível aqui e agora). A recorrente invoca uma nulidade e a impossibilidade de utilização das provas obtidas com base nas declarações de EE, que sendo surda-muda, não foi acompanhada por intérprete, mas pelo seu próprio marido, pelo que se estaria perante a violação do artigo 93.º e n.º 5 do artigo 92.º do CPP. A preterição da regra ter-se-á verificado em três momentos, a saber, no momento da reconstituição dos factos, efectuada pela Polícia Judiciária na fase de inquérito, nas declarações prestadas na Polícia Judiciária, e em audiência de julgamento. A arguida nulidade não foi invocada em nenhum dos três actos. De acordo com o disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea c), do CPP, constitui nulidade dependente de arguição a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória. Em causa está a nomeação de intérprete idóneo de língua gestual a surdo e mudo, conforme o disposto no artigo 93.º do CPP. A impossibilidade de utilização das provas obtidas, nos termos do n.º 5 do artigo 92.º, aplicável ex vi do artigo 93.º, n.º 4, só opera mediante violação do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 92.º, ou seja, a preterição da possibilidade de escolha de intérprete diferente do previsto no n.º 2 para traduzir as conversações do arguido com o defensor e a violação do segredo de justiça por parte do intérprete, situações que não ocorrem no presente caso, havendo que ter em conta que as disposições do artigo 92.º têm a ver com situações de desconhecimento ou não domínio da língua portuguesa. De qualquer forma, a afirmação de que a testemunha EE não foi acompanhada por intérprete é arrojada e desmentida pelo que consta dos autos. O arguido AA em 29-10-2015, a fls. 877/8, requereu a deslocação ao local onde ocorreram os crimes. Deferindo essa pretensão, na sessão de 18-11-2015, como consta da acta de fls. 925 a 929, concretamente a fls. 928, foi proferido despacho a determinar a sua realização no dia 1-12-2015. Por se entender que a presença no local ajudaria a perceber melhor cada um dos pontos de vista trazidos a juízo, foi entendido que era necessária a presença no local do assistente DD, da testemunha EE e dos arguidos, sendo determinada a notificação dos mesmos para comparência no local na data e hora agendados “e bem assim como o senhor intérprete que acompanhou a D. EE na inquirição que ocorreu durante o julgamento”. A presença de intérprete de linguagem gestual TT é assinalada na primeira sessão da audiência de 27-10-2015, conforme acta de fls. 864. E muito embora da acta de fls. 971, que assinala a presença dos arguidos e mandatários, assistente e testemunhas, entre as quais a EE, não conste expressamente a referência ao intérprete, a verdade é que a testemunha foi ouvida, tendo sido consignado o facto em acta, a fls. 972. Acresce que com data da diligência consta a nota de honorários de fls. 974, “relativos à diligência para que foi convocado e em que participou em 1-12-2015”, sendo que de fls. 975 se alcança que o intérprete foi notificado para estar presente, constando os pagamentos dos honorários a fls. 1079. A recorrente não pode desconhecer o que consta da acta, sendo que o despacho a determinar a notificação para comparência do intérprete foi proferido em sessão em que estava presente, tendo o mesmo sido ditado para a acta. Não se verifica, pois, a arguida nulidade.
Questão IV – Violação do direito ao silêncio
Nas conclusões 12.ª e 13.ª é invocada esta violação. No anterior recurso este aspecto estava condensado na conclusão 14.ª, focando-a a recorrente relativamente à diligência de reconstituição dos factos efectuada pelos arguidos, defendendo não poder ser valorado como prova tudo o que ali foi dito. O acórdão recorrido referiu-se ao tema, como consta de fls. 1369, sendo os realces do texto: «Considera também a recorrente, que há a violação do seu direito ao silêncio quando em audiência foram reproduzidos os vídeos realizados durante a reconstituição dos factos em julgamento e em que falou. Ora, ao ler a Acta de 01.12.2015 verifica-se que ali consta que: “…Regressados do local referido quando eram 16H00 horas e já na sala de audiências deste Tribunal, a Mma. Juiz Presidente ditou para a ata o seguinte: “Consigna-se que o Tribunal esteve no pátio onde tiveram lugar os acontecimentos em causa nos autos, tendo entrado pelo portão que dá acesso aos nºs....e ... na Rua ... e, já no referido espaço, acedeu à divisão que foi a cozinha da casa onde moravam os arguidos, tendo também entrado na casa onde morou a mãe da arguida, pela porta junta à qual ocorreram as agressões ao assistente DD, de acordo com a sua versão dos factos. Percorreram-se outras divisões dentro dessa casa e localizaram-se as janelas onde diz ter estado a observar os factos a testemunha EE. O Tribunal deslocou-se ainda ao terreno que se situa nas traseiras do imóvel e que era cultivado pelos arguidos, tendo daí visto também a casa da testemunha LL. No local foram ouvidos o assistente DD e o arguido que referiram onde se passaram os factos já relatados no julgamento. Também a arguida prestou declarações, tendo-lhe sido chamada a atenção para o facto de as declarações que estava a prestar não estarem a ser gravadas, pela mesma foi dito querer prestar declarações no julgamento, vindo a prestá-las no dia 17.12.2015 (cfr. correspondente Acta), pelo que foi a arguida quem insistiu em prestar declarações no local dos factos, não obstante a advertência que lhe foi feita, pelo que não pode insurgir-se contra o uso de tal vídeo».
Neste segmento o acórdão recorrido aborda a questão como se toda a citação fosse do despacho ditado, mas a verdade é que o é apenas até “foi dito querer prestar declarações no julgamento”, sendo o restante lavra já do acórdão recorrido; não houve o cuidado de separar o que era citação do ditado para a acta de 1-12-2015, daquilo que correspondia à visão da Relação. Em boa verdade, o acórdão recorrido coloca o enfoque num ponto algo diverso do invocado, pois que colocada a questão a propósito da reconstituição e posterior uso de vídeo em audiência de julgamento, labora como se fosse o ocorrido na deslocação ao local, onde não houve vídeos, como emerge da leitura da acta de 1-12-2015, a fls. 971/2, tendo-se ali procedido a várias diligências, como tomadas declarações e confronto com fotografias do processo. A recorrente invoca algo passado em diligência de reconstituição e abordagem em sequente audiência e a Relação aborda outro contexto, o da deslocação ao local ocorrida apenas em 1 de Dezembro de 2015. A referência a vídeos não surge na conclusão 14.ª do anterior recurso, mas na motivação do mesmo, a fls. 1252/3 do 5.º volume. Esclarecendo. No final da motivação do acórdão do Colectivo de ..., a fls. 1048, refere-se como elemento probatório os “autos de reconstituição de folhas 361 e ss e 365 e ss, complementados pela visualização dos CD em julgamento”. Compulsado o 2.º volume, a fls. 361 a 364, consta “Auto de Reconstituição” em 20 de Maio de 2015, sendo intervenientes a vítima DD e testemunhas EE e HH, e de fls. 365 a 368, outro “Auto de Reconstituição”, estando presentes os arguidos, juntamente com os seus defensores, sendo feita reportagem fotográfica e gravação vídeo da diligência em ambos os casos. Na sessão de julgamento de 18-11-2015, após o despacho a ordenar a deslocação ao local, o Ministério Público requereu a presença do Inspector-Chefe UU por ser um dos autores do auto de reconstituição de fls. 361 a 368, o que foi deferido por despacho na mesma acta, a fls. 928. Os inspectores estiveram presentes na deslocação ao local, em 1 de Dezembro de 2015, conforme acta de fls. 971/2, não constando referência a propósito de intervenção dos mesmos, dizendo a arguida querer prestar declarações em julgamento, o que veio a acontecer na sessão seguinte, em 17-12-2015, como consta da acta de fls. 991, a que se seguiu a produção de alegações orais e dada a palavra aos arguidos para declarações finais, que prestaram. Só depois, por despacho de 18-12-2015, a fls. 996, na sequência da deliberação ocorrida na véspera, foi entendido “ser necessário reabrir a audiência (art. 371.º do CPP) para reprodução em julgamento dos vídeos realizados durante as diligências de reconstituição dos factos”, ficando sem efeito a leitura agendada para 7 de Janeiro de 2016, procedendo-se à produção da prova suplementar nesse dia. E assim foi. Como se colhe da acta de audiência de 7 de Janeiro de 2016, a fls. 1015/6, “procedeu-se à reprodução dos vídeos realizados durante as diligências de reconstituição dos factos em fase de inquérito, tanto das testemunhas como dos arguidos”. Consta ainda que “a solicitação da Mmª Juiz Presidente”, a arguida e o arguido voltaram a prestar declarações, o que tudo aconteceu estando presente a Mandatária da arguida. Tendo a arguida dito em 1 de Dezembro de 2015 querer prestar declarações, tendo efectivamente prestado declarações em 17 seguinte, renunciando claramente ao direito ao silêncio e voltando a prestar declarações, a solicitação da Juíza Presidente, agindo de forma livre, espontânea e convicta, mal se entende que no recurso venha invocar, de forma totalmente descabida, uma violação do direito ao silêncio a que resolveu renunciar. Resulta assim claro que a invocada violação do direito ao silêncio teria tido lugar em 7 de Janeiro de 2016, naturalmente fora do contexto temporal visado na apreciação da Relação, o que teria ocorrido incontornavelmente já após a assunção da posição de querer prestar declarações (em 1 de Dezembro de 2015), e mais do que isso, ter efectivamente prestado declarações (em 17 de Dezembro de 2015). Pelo exposto, por razões não coincidentes com as expostas pelo acórdão recorrido, porque ponderado outro contexto factual mais alargado, recente e esclarecedor, improcede a arguida violação do direito ao silêncio. Improcedem, pois, as conclusões 12.ª e 13.ª.
Questão V – Nulidade do acórdão por violação do princípio da investigação
Nas conclusões 14.ª a 19.ª invoca a recorrente a não observância do princípio da investigação, por razões tão diversas como o Ministério Público e o Colectivo de Juízes não terem indicado como testemunha nenhum dos inspectores responsáveis pela investigação, nem nenhum perito (conclusão 14.ª), não ter havido esclarecimento sobre o motivo pelo qual não foi efectuada comparação entre os ferimentos da ofendida e os do ofendido, de forma a apurar e comprovar se a arma do crime utilizada foi a mesma que foi utilizada pelo arguido AA (conclusão 15.ª), dever a testemunha EE ser ouvida logo e não 3 meses depois e a reconstituição ser feita logo após a data dos factos e não cinco meses depois (conclusão 16.ª), ou por a Polícia Judiciária e o Ministério Público na reconstituição não ter reproduzido de modo fiel as condições do local, ao não colocar a roupa no local onde se encontrava, o que teria enorme influência na visibilidade da testemunha EE e do mesmo modo andando mal o Colectivo ao omitir a existência de roupa pendurada ao longo de todo o pátio (conclusões 17.ª e 18.ª). A recorrente repete agora o que alegara no anterior recurso nas conclusões 15.ª a 20.ª, que mereceram do acórdão recorrido as seguintes considerações, expressas a fls. 1369: “Finalmente, entende também a recorrente que foi violado o princípio da investigação, uma vez que o MP não indicou na acusação os inspectores da Policia Judiciária responsáveis pela investigação, como testemunhas, e de o tribunal não ter determinado a sua audição durante o julgamento, e de o MP não ter inquirido a testemunha EE logo no inicio do inquérito, sendo uma testemunha presencial, bem como a reconstituição dos factos pela Policia Judiciária não ter sido então feita da melhor forma. Ora, como bem se diz nos autos, apesar de não terem sido indicados pelo Ministério Publico na acusação, a arguida podia ter indicado tais inspectores na sua contestação, ou mesmo requerido a sua inquirição no decurso do julgamento ao abrigo do artº340º do C.P.P., se os considerava tão importantes para a descoberta da verdade, o que não fez, sendo ouvidos na audiência de julgamento, por impulso do Ministério Público e ao abrigo do art.º 340º do CPP. Em relação a outras críticas à forma como o inquérito foi conduzido, a arguida deveria tê-las suscitado nessa fase (cfr. artº 61º do C.P.P.), oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias. Se a recorrente considerou que foram violados quaisquer direitos ou garantias legais, designadamente à data em que foi detida e interrogada, deveria simplesmente ter reagido pelas vias que a mesma lei lhe conferia, sendo certo que se outros factos ou provas, essenciais para a descoberta da verdade, eram do seu conhecimento, deveria tê-las indicado, no momento próprio”.
Nada mais há a adiantar, apenas que não se verifica qualquer nulidade por omissão de pronúncia, como entende a recorrente na conclusão 19.ª, pois que tal vício consubstancia nulidade da sentença, prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, e não do inquérito ou da investigação.
Questão VI – Violação dos princípios da livre apreciação da prova, in dubio pro reo e da presunção da inocência
Ao longo das conclusões 20.ª a 32.ª, a recorrente suscita a violação dos princípios referidos, o que se enquadra na estratégia de impugnação da matéria de facto, como se estivesse em reapreciação o acórdão do Colectivo de ..., o que é patente na conclusão 21.ª (o acórdão emanado pelo Tribunal de 1.ª instância não fez uma análise crítica de toda a prova), na conclusão 22.ª, em que tece considerações sobre a prova produzida em audiência de julgamento, nas conclusões 23.ª e 24.ª (aqui visando em simultâneo o acórdão da 1.ª instância e o da Relação), na conclusão 25.ª (o Tribunal de 1.ª instância ficou com sérias dúvidas sobre a autoria do crime) e na conclusão 27.ª (de novo a dúvida que resulta do acórdão proferido pelo Tribunal de 1.ª instância), discutindo a prova, ou melhor, a sua ausência, a credibilidade das testemunhas e defendendo uma vez mais que o depoimento da irmã EE não pode ser valorado. Ao valorar tais depoimentos violou o tribunal o princípio consagrado no artigo 127.º do CPP, sendo violado o princípio in dubio pro reo por terem subsistido dúvidas para o tribunal sobre a autoria do crime. Anota-se que o teor das conclusões 27.ª, 28.ª, 31.ª e 32.ª, é a repetição ipsis verbis do que se continha nas conclusões 51.ª, 52.ª, 56.ª e 57.ª do anterior recurso.
A actividade probatória consiste na produção, exame e ponderação dos elementos legalmente possíveis a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de concreta e determinada situação de facto. Em processo penal, a regra é a de livre apreciação da prova, como decorre do estatuído no artigo 127.º do Código de Processo Penal – normativo integrado no Livro III - Da Prova - Título I - Disposições gerais – onde se dispõe que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Como salienta Santos Cabral, no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 464 (e pág. 427, na edição de 2016): “A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitam ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão. A importância da aplicação do princípio da livre apreciação da prova transcende o encadear lógico fundamentador da decisão, reflectindo-se em vertentes diversas como a conexão existente entre o princípio da livre apreciação da prova; o princípio da presunção de inocência; o dever de fundamentação das sentenças; o direito ao recurso, e o direito à tutela efectiva”.
Para Paulo Pinto Albuquerque em Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição actualizada, Abril de 2011, pág. 60, ponto 47, o princípio da livre apreciação da prova dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, com vista à descoberta da verdade material. Este princípio concretiza os princípios constitucionais do Estado de Direito, da separação e interdependência dos poderes e da independência dos tribunais consagrados nos artigos 2.º e 203.º da CRP, prevendo a lei desvios a este princípio. A págs. 345/6, refere que o princípio tem limites. A CRP e a lei estabelecem limites endógenos e exógenos ao exercício do poder de livre apreciação da prova, que dizem respeito: a. Ao grau de convicção requerido para a decisão. b. À proibição de meios de prova. c. À observância do princípio da presunção da inocência. d. À observância do princípio in dubio pro reo. Os três primeiros são limites endógenos ao exercício da apreciação da prova, no sentido de que condicionam o próprio processo de formação de convicção e de descoberta da verdade material. O último é um limite exógeno, no sentido de que condiciona o resultado da apreciação da prova. A págs. 60, ponto 49, pode ler-se: O princípio da presunção da inocência dispõe que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (artigo 32.º, n.º 2, da CRP e artigo 6.º, § 2.º, da CEDH). O princípio rege a valoração da prova pela autoridade judiciária, isto é, o processo de formação da convicção sobre os meios de prova, mas também tem consequências importantes em outras decisões tomadas no processo penal e fora dele. Prossegue o Autor, a págs. 61: “O princípio do in dubio pro reo decorre do princípio da culpa e, em última instância, do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP). Ele complementa o princípio da presunção da inocência, mas não se confunde com este. Numa das suas vertentes, o princípio da presunção da inocência rege o processo de formação da convicção, estabelecendo regras para a valoração da prova. Ao invés, o princípio do in dubio pro reo dispõe que, finda a valoração da prova, a dúvida insanável sobre os factos deve favorecer o arguido. Isto é, o princípio do in dubio pro reo só intervém depois de concluída a tarefa da valoração da prova e quando o resultado da valoração da prova não é conclusivo. O princípio do in dubio pro reo não é, pois, um princípio de direito probatório, mas antes uma regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos. O princípio só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos, não vale para dúvidas sobre a interpretação do sentido da lei ou sobre a subsunção de um facto à lei. A fora expansiva do princípio do in dubio pro reo estende-se às decisões essenciais sobre a própria subsistência do processo”. O Autor volta ao tema a págs. 354 a 357, nos pontos 22 a 35, finalizando assim: é inconstitucional, por violar o artigo 32.º, n.º 1 e 2, da CRP, a interpretação dos artigos 127.º, 399.º, 400.º, n.º 1 e 434.º do CPP, no sentido da insindicabilidade, em recurso restrito a matéria de direito, da aplicação deficiente ou da não aplicação do princípio do in dubio pro reo. O mesmo vale para o poder de controlo das violações do grau de convicção necessário para a decisão, das proibições de prova e da presunção da inocência pelo tribunal de recurso, enquanto matéria de direito.
Relativamente à violação do princípio in dubio pro reo, importa acentuar que, dizendo respeito à matéria de facto é um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova. Tal violação só ocorre quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido – pela prova em que assenta a convicção. O princípio in dubio pro reo funda-se constitucionalmente no princípio da presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença condenatória – artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República –, impondo este que qualquer non liquet na questão da prova seja valorado a favor do arguido, apresentando-se aquele, na fase de decisão, como corolário daquela presunção – assim, acórdão do Tribunal Constitucional n.º 533/98, Diário da República, II Série, de 25 de Fevereiro de 1999. O princípio in dubio pro reo - fórmula condensada por Stübel - que estabelece que, na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, é um princípio de prova que vigora em geral, isto é, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário. A violação do princípio in dubio pro reo tem sido entendida sob diversas perspectivas, como a de respeitar a matéria de prova e, pois, tratar-se de matéria de facto e como tal insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça (por todos, acórdão de 18 de Dezembro de 1997, processo n.º 930/97, BMJ n.º 472, pág. 185), ou enquanto princípio estruturante do processo penal, podendo ser suscitada perante o Tribunal de revista, mas o Supremo vem afirmando que isso só é possível se a violação resultar do próprio texto da decisão recorrida, designadamente, da fundamentação da decisão de facto – acórdão de 29 de Novembro de 2006, processo n.º 2796/06-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 235 (maxime, 239). Contrariamente à posição de Figueiredo Dias, expressa em Direito Processual Penal, volume I, pág. 217, que defende que o princípio se assume como um princípio geral de processo penal, não forçosamente circunscrito a facetas factuais, podendo a sua violação conformar também uma autêntica questão de direito plenamente cabível dentro dos poderes de cognição do STJ, a jurisprudência maioritária tem repudiado a invocação do princípio em sede de interpretação ou de subsunção de um facto à lei, não valendo para dúvidas nessas matérias. Para o acórdão de 6 de Abril de 1994, processo n.º 46 092, BMJ n.º 436, pág. 248, o princípio não tem aplicação apenas quanto à matéria de facto, começando, logo, por poder ser aplicado na própria interpretação da matéria de direito, esclarecendo que “nada impede que, em via de recurso penal interposto para este Supremo Tribunal, os julgadores se socorram do princípio in dubio pro reo, quando, esgotados todos os meios de interpretação dos factos ou das disposições legais, surgirem dúvidas justificadas quanto ao sentido dos factos ou relativamente à norma aplicável”. De acordo com o acórdão de 17 de Abril de 1997, processo n.º 1415/96-3.ª, Sumários de Acórdãos do STJ (SASTJ), n.º 10, pág. 104, a apreciação do princípio in dubio pro reo está excluída dos poderes de cognição do STJ. Segundo o acórdão de 17 de Abril de 1997, processo n.º 1073/96-3.ª, SASTJ n.º 10, pág. 105 e BMJ n.º 466, pág. 227, o princípio é insindicável quer na sua versão de incidência fáctica – regendo então a prova, o que não pode ser apreciado por este Tribunal – quer na sua incidência jurídico-normativa, porquanto nunca pode subsistir qualquer dúvida sobre a norma aplicável em face do sistema da interpretação e integração das leis. Como se refere no acórdão de 24 de Abril de 1997, processo n.º 73/97-3.ª, SASTJ, n.º 10, pág. 110, a violação ou não do princípio do in dubio pro reo não é sindicável pelo STJ. E de acordo com o acórdão de 11 de Fevereiro de 1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 210, o princípio in dubio pro reo é multifacetado e a sua força omnímoda e dinamismo podem e devem aplicar-se mesmo dentro dos processos lógicos que interessam à interpretação e integração da lei. Este acórdão foi objecto de comentário na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2003, Ano 13, n.º 3, págs. 433 e ss., onde se diz que o STJ adoptou uma tese errónea em relação à aplicabilidade do princípio, defendendo-se que o alcance do in dubio pro reo restringe-se a dúvidas sobre a prova da matéria de facto e não tem aplicação na resolução de dúvidas quanto à interpretação de normas penais, cuja única solução correcta reside em escolher, não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que se revele juridicamente mais exacto. Em sentido oposto, pronunciaram-se, i. a., os acórdãos de 6 de Dezembro de 2006, processo n.º 3520/06-3.ª; de 20 de Dezembro de 2006, processo n.º 3105/06-3.ª; de 23 de Abril de 2008, processo n.º 899/08, onde se refere que «O princípio vale apenas em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito; aqui, a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto» e no acórdão de 30 de Abril de 2008, processo n.º 3331/07-3.ª, diz-se que «O princípio in dubio pro reo não tem quaisquer reflexos ao nível da interpretação das normas penais. Em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance destas, o problema deve ser solucionado com recurso às regras de interpretação, entre as quais o princípio do in dubio pro reo não se inclui, uma vez que este tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto – sejam os pressupostos do preenchimento do tipo de crime, sejam os factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa». A eventual violação do princípio in dubio pro reo só pode ser aferida pelo STJ quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto, que tenha chegado a um estado de dúvida “patentemente insuperável” e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, optando por um entendimento decisório desfavorável ao arguido, posto que saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto tribunal de revista. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova, no âmbito do dispositivo do artigo 127.º do CPP, que escapa ao poder de censura do STJ enquanto tribunal de revista – neste sentido, podem ver-se os acórdãos de 20-06-1990, BMJ n.º 398, pág. 431; de 04-07-1991, BMJ n.º 409, pág. 522; de 14-04-1994, processo n.º 46 318, CJSTJ 1994, tomo 1, pág. 265; de 12-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 181; de 06-03-1996, CJSTJ 1996, tomo 2 (sic), pág. 165; de 02-05-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 177; de 25-02-1999, BMJ n.º 484, pág. 288; de 15-06-2000, processo n.º 92/00-3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 226 e BMJ n.º 498, pág.148; de 02-05-2002, processo n.º 599/02-5.ª; de 23-01-2003, processo n.º 4627/02-5.ª; de 05-06-2003, processo n.º 9765/03-5.ª; de 15-10-2003, processo n.º 1882/03-3.ª; de 27-05-2004, processo n.º 766/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209 (a alegada violação do princípio só poderá ser sindicada se ela resultar claramente dos textos das decisões recorridas); de 21-10-2004, processo n.º 3247/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 198 (com recensão de jurisprudência sobre o tema e em concreto sobre a temática das conclusões que as instâncias retiram da matéria de facto e o recurso às presunções naturais); de 12-07-2005, processo n.º 2315/05-5.ª; de 07-12-2005, processo n.º 2963/05-3.ª; de16-05-2007, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 182; de 20-02-2008, processo n.º 4553/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 210/08-3.ª, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 243; de 09-04-2008, processo n.º 429/08-3.ª; de 23-04-2008, processo n.º 899/08-3.ª; de 15-07-2008, processo n.º 1787/08-5.ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3.ª.
Noutra perspectiva, o STJ poderá sindicar a aplicação do princípio, quando a dúvida resultar evidente do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal tendo ficado em estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou por outras palavras, quando, não tendo o tribunal a quo reconhecido esse estado de dúvida, ele resultar evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, ou seja, naqueles casos em que se possa constatar que a dúvida só não foi reconhecida em virtude de erro notório na apreciação da prova – neste sentido podem ver-se os acórdãos de 30-10-2001, processo n.º 2630/01-3.ª; de 06-12-2002, processo n.º 2707/02-5.ª; de 08-07-2004, processo n.º 1121/04-5.ª, SASTJ, n.º 83; de 30-03-2005, processo n.º 552/05 - 3.ª; de 24-11-2005, processo n.º 2831/05-5.ª (3.ª?); de 07-12-2006, processo n.º 3137/06-5.ª; de 18-01-2007, processo n.º 4465/06-5.ª; de 21-06-2007, processo n.º 1581/07-5.ª; de 13-02-2008, processo n.º 4200/07-5.ª; de 17-04-2008, processo n.º 823/08-3.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08-3.ª; de 28-05-2008, processo n.º 1218/08-3.ª; de 29-05-2008, processo n.º 827/08-5.ª; de 15-10-2008, processo n.º 2864/08-3.ª; de 16-10-2008, processo n.º 4725/07-5.ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3.ª;de 04-12-2008, processo n.º 2486/08-5.ª; de 05-02-2009, processo n.º 2381/08-5.ª (A apreciação pelo Supremo da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio). Na perspectiva, mais concreta - e que data de finais da década de 90 do século passado - de análise do princípio in dubio pro reo, como figura próxima do vício decisório - erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal -, e, pois, da sua sindicabilidade pelo Supremo Tribunal, podem ver-se os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97-3.ª, Sumários do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, pág. 132; de 15-04-1998, processo n.º 285/98-3.ª, in BMJ n.º 476, pág. 82; de 22-04-1998, processo n.º 120/98-3.ª, BMJ, n.º 476, pág. 272; de 04-11-1998, processo n.º 1415/97-3.ª, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 201 e BMJ n.º 481, pág. 265, com extensa informação acerca do princípio em causa e da livre apreciação da prova; de 27-01-1999, no processo n.º 1369/98-3.ª, in BMJ n.º 483, pág. 140; de 24-03-1999, processo n.º 176/99-3.ª, in CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 247, todos do mesmo relator, Exmo. Conselheiro Leonardo Dias, em que a tónica do entendimento sufragado nos citados arestos é o seguinte: “o erro na apreciação da prova só existe quando, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta por demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal. Nesta perspectiva, a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, o que significa que a sua existência também só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, se extrair, por forma mais do que evidente, que o colectivo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido”; e ainda os acórdãos de 20-10-1999, processo n.º 1475/98 -3.ª, in BMJ n.º 490, pág. 64 (em que aquele Relator intervém como Adjunto); de 04-10-2006, processo n.º 812/2006-3.ª; de 11-04-2007, processo n.º 3193/06-3.ª, de 17-09-2009, processo n.º 169/07.3GCBNV.S1-5.ª. Como referimos nos acórdãos de 5 de Dezembro de 2007, proferido no processo n.º 3406/07, de 27 de Maio de 2010, no processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1, de 14 de Julho de 2010, no processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S2, de 15 de Dezembro de 2011, no processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, todos incidindo em casos de tráfico de estupefacientes, de 11 de Dezembro de 2012, no processo n.º 951/07.1GBMTJ.E1.S1, em caso de homicídio e de 11 de Junho de 2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1, em caso de branqueamento de capitais, ora apenas, branqueamento, parece-nos que esta possibilidade de abordagem de eventual violação do princípio in dubio pro reo será balizada pelos parâmetros de cognoscibilidade presentes numa indagação dos vícios decisórios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, por um lado, com o consequente alargamento de possibilidade de incursão de exame no domínio fáctico, mas simultaneamente, como ali ocorre, operando de uma forma mitigada, restrita, que se cinge ao texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum. (Neste sentido, podem ver-se os acórdãos de 27 de Maio de 2009, processo n.º 145/05-3.ª, de 7 de Abril de 2010, processo n.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1-3.ª e do mesmo relator, os acórdãos de 27-05-2010, processo n.º 11/04.7GCABT.C1.S1 e de 17-11-2010, processo n.º 18/09.8JAAVR.C1.S1, em que interviemos como adjunto, e de 9 de Fevereiro de 2012, processo n.º 233/08.1PBGDM.P3.S1-3.ª). O que significa que, tal como ocorre na análise e exame de verificação dos vícios, quando se perspectiva indagação de eventual violação do princípio in dubio pro reo (em ambos os casos diversamente do que ocorre com a avaliação de nulidades da sentença), há que não esquecer que se está sempre perante um poder de sindicância de matéria fáctica, que é limitado, restrito, parcial, mitigado, exercido de forma indirecta, dentro do condicionalismo estabelecido pelo artigo 410.º do CPP, em suma, que o horizonte cognitivo do STJ se circunscreve ao texto da decisão, não incidindo sobre o julgamento, isto é, que o objecto da apreciação será sempre a decisão e não o julgamento. Como aproximações ao tema mais recentes, podem ver-se os acórdãos de 21 de Fevereiro de 2008, processo n.º 4805/06-5.ª; de 30 de Abril de 2009, processo n.º 273/04.0JAPRT.S1-5.ª; de 24 de Outubro de 2012, processo n.º 2965/06.0TBLLE.E1.S1-3.ª (prova indiciária e in dubio pro reo); de 26 de Junho de 2013, processo n.º 230/05.9GBMMN:E1.S1-3.ª; do mesmo relator de 26 de Junho de 2013, processo n.º 10/11.2JAGRD.C1.S1; de 30 de Outubro de 2013, processo n.º 40/11.4JAAVR.C2.S1-3.ª; de 14-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª A violação do princípio in dubio pro reo tem sido entendida sob diversas perspectivas, como a de respeitar a matéria de prova e, pois, tratar-se de matéria de facto e como tal insindicável pelo STJ (por todos, Ac. de 18-12-97, proc. 930/97, BMJ n.º 472, p. 185), ou enquanto princípio estruturante do processo penal, podendo ser suscitada perante o Tribunal de revista, mas o STJ vem afirmando que isso só é possível se a violação resultar do próprio texto da decisão recorrida, designadamente, da fundamentação da decisão de facto). Como afirmava o acórdão de 15-04-2010, processo n.º 154/01.9JACBR.C1.S1-5.ª - O princípio do in dubio pro reo, impondo-se como limite da livre convicção do tribunal, significa que, produzida a prova, deve valorar-se a favor do réu a dúvida razoável (e apenas a dúvida razoável) que possa subsistir, o que vem a traduzir-se numa decisão de non liquet a respeito do facto que desfavorece o réu, seja esse facto relativo aos elementos incriminadores, seja a circunstâncias agravantes, seja ainda em relação a circunstâncias excludentes da ilicitude, da culpa ou da pena. Para o acórdão de 6-10-2010, processo n.º 77/07.8TAPTB.G2.S1-3.ª, tal como os vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, pertinem à matéria de facto, também o apelo ao princípio in dubio pro reo respeita à matéria de facto. Extrai-se do acórdão de 13-10-2010, processo n.º 58/08.4JAGRD.C1.S1- 3.ª Secção - O princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (art. 32.º, n.º 2, da CRP), vale só, evidentemente, em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito. Aqui, a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto. Sobre a aplicação do princípio in dubio pro reo em caso especial de determinação de TAS, para efeitos de integração do crime de condução sob o efeito do álcool, p. e p. pelo artigo 292.º do Código Penal e desconto do erro máximo admissível na determinação da TAS, nos termos da Portaria n.º 1556/2006, veja-se o acórdão de 27-10-2010, proferido no processo n.º 4/09.8YGLSB.S2-3.ª. No acórdão de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1-3.ª, considera-se que na ausência de objectivação do montante de quantias ou valores de bens a apropriar pelo arguido, fazendo funcionar o princípio in dubio pro reo, sempre terá de se reportar a coisa móvel subtraída ao valor diminuto. No acórdão de 14-04-2011, processo n.º 117/08.3PEFUN.L1.S1-5.ª Secção, pode ler-se: A invocação da violação do princípio in dubio pro reo arranca da consagração constitucional do princípio da presunção de inocência do art. 32.º, n.º 2, da CRP e o que o princípio diz é que não recai sobre quem é considerado inocente, a obrigação de ilidir a presunção dessa mesma inocência. Se a acusação, e em última instância o próprio juiz, não conseguem reunir prova da culpabilidade do arguido, a ponto de o tribunal ficar numa situação de dúvida, então impor-se-á a absolvição. O tribunal não pode decidir-se por um non liquet: ou absolve ou condena. As limitações com que se debateu o funcionamento do ius puniendi não poderão prejudicar o arguido. Só que a situação de dúvida tem que se revelar de algum modo, e designadamente através da sentença. A dúvida é a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido. (Sublinhado do sumário). Com interesse pode ver-se a abordagem do acórdão de 4-05-2011, processo n.º 1702/09.1JAPRT.P1.S1, da 3.ª Secção: O princípio in dubio pro reo é uma das garantias da maior importância na protecção da liberdade individual, ante a pretensão punitiva do Estado, partindo de uma visão optimista do homem, um acto de fé, com origem em Rousseau e, por outro lado, do valor supremo que a liberdade e a honra não podem ser-lhe retiradas enquanto persistir a justiça e o bem fundado do acto – cf. Eduardo Correia, Les preuves em droit pénale portugais, RDES, Ano IV, págs. 17 e 22 a 40. O seu âmbito de aplicação tem a ver e assume particular importância em termos de uma questão de facto, só se aplicando em face de uma questão de facto e não já de uma questão de direito, no ensinamento de Frederico Isasca, Apontamentos de Direito Processual Penal, AAFDL, 1987, valendo apenas em relação à questão da prova dos factos, como princípio probatório que é, relevando da dúvida sobre o facto, pois a dúvida sobre a interpretação do feixe normativo aplicável ao caso, respeitando ao plano substantivo, se resolve por aplicação dos critérios de interpretação legal. O princípio pretende responder ao problema da dúvida na apreciação judicial dos casos criminais, não no sentido da dúvida interpretativa na aferição do sentido da norma, mas da dúvida sobre o facto tipicamente forense, escreve Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, BFD, Studia Jurídica, n.º 24, pág. 91. O princípio rege também para as causas de exclusão de ilicitude, de culpa, pena e, portanto, para as condições objectivas de punibilidade, como se decidiu no Ac. do STJ de 15-12-83, BMJ 322, pág. 281, mas já não funciona quanto aos pressupostos processuais, se bem que em caso de persistente dúvida sobre factos materialmente relevantes para a admissibilidade do processo, particularmente quanto à prescrição do procedimento não deva preferir-se, em regra, o arquivamento à prossecução do processo – Figueiredo Dias, Direito Processo Penal, tomo I, págs. 218 e 219, com base no princípio da legalidade da repressão penal. O estado de dúvida em que se baseia o princípio não se confunde com uma qualquer incerteza probatória, apoiada numa qualquer convicção intimista, subjectiva, despida, de um mínimo de objectividade, pois que tal dúvida há-de ser razoável, ou seja sustentável na avaliação global dos factos, de forma lógica, coerente e razoável, ou seja minimamente credível para se impor aos destinatários da decisão. O STJ no aspecto em que o princípio é um princípio geral de direito probatório invocado no restrito âmbito dos factos, fornecendo-lhe a dúvida em que o julgador sucumbiu quanto a eles, não firmando a certeza bastante para condenar, por se estar no domínio da matéria de facto, não exerce qualquer sindicância ou poder de controlo, mas já o faz, no controle que exerce sobre a legalidade dos meios de meios de prova usados – art. 125.º do CPP – e, particularmente, sempre que dos termos da sentença ressalta que tribunal decidiu contra o arguido ou só não concluiu em seu favor porque, do texto daquela, resulta que incorreu no vício do erro notório da apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP e só por essa razão acolheu uma solução desfavorável. Do mesmo relator, o acórdão de 18-05-2011, proferido no processo n.º420/06.7GAPVZ.P1.S1, donde se retira: Em processo penal, e a projectar-se no pressuposto factual fundamentador da responsabilidade civil, o princípio in dubio pro reo adquire plena relevância e incidência no conjunto global dos factos, enquanto princípio probatório próprio segundo o qual a dúvida, não qualquer estado de dúvida, mas uma dúvida razoável, à margem do puro intimismo do julgador ou de um subjectivismo puro, fora de controle, arbitrário, antes construído e assente em regras lógicas e de bom senso na apreciação das provas, em que as regras da experiência, enquanto estabelecendo probabilidades fortes de verificação ou inverificação de um resultado, são factores de orientação, revertendo tal estado em favor do arguido. Essas regras tendem a neutralizar o perigo do arbítrio através da exasperação da dúvida, garantindo um tipo de certeza que pode ser fornecida, apenas, pela tramitação de um processo de verificação filtrado, que se não deixe abater, sem mais, pela dúvida, funcionando essas regras como uma terapia contra a desordem probatória. O princípio in dubio pro reo é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver a certeza sobre factos decisivos à decisão da causa. Mas daqui não resulta que do facto de haver versões distintas e até contradições sobre factos relevantes, resulte, como consequência imediata, a absolvição do arguido. Só assim será se se gerou um estado de dúvida na consciência do julgador que, de forma lógica e objectivamente convincente, aponte para aquela ausência de certeza – Ac. do STJ de 24-03-99, CJ STJ, tomo I, pág. 247. Saber se um dado tribunal devia ter ficado na dúvida e actuado o princípio in dubio pro reo é uma questão de facto que escapa à censura deste STJ, ao seu poder cognitivo, e portanto se do processo não constar esse estado de dúvida, por não estar, então, em causa, o uso que se fez desse princípio, não pode discutir-se a violação do princípio. Não se está, então, perante qualquer regra de direito, mas já o estará se, da sentença figurarem elementos que permitam inferir que o tribunal ficou em estado de dúvida e decidiu em desfavor do arguido ou se só não decretou esse estado de dúvida em face de visível erro notório na apreciação da prova, isto porque a decisão de direito há-de repousar numa boa decisão de facto, em razão do que nesta hipótese pela intimação ligação entre a questão de facto e a de direito, sendo a de facto antecedente lógico desta última, o tribunal se mantém no âmbito da questão de direito, que postula harmonia entre as premissas e o julgado. E nessa medida, pode e deve analisar e declarar essa dupla anomalia, como correspectivo da princípio da culpa em direito penal, da sua dimensão material, com tradução no princípio da legalidade, basilar na estruturação da medida da pena – art. 2.º do Código Penal. Ainda do mesmo relator, extrai-se do acórdão de 13-07-2011, processo n.º 6/08.1GDPNF.P2.S1: Segundo o princípio non bis in idem, consagrado no art. 29.º, n.º 5, da CRP, ninguém pode ser condenado duas vezes pelo mesmo facto. Não viola este princípio o diferente enquadramento jurídico-penal atribuído ao mesmo facto, reconduzido pela 1.ª instância ao crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, e, na sequência de recurso interposto pelo MP, qualificado pelo Tribunal da Relação como um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do mesmo diploma. O princípio in dubio pro reo pretende responder ao problema da dúvida na apreciação judicial dos casos criminais, não no sentido da dúvida interpretativa do sentido da norma, mas da dúvida sobre o facto tipicamente forense. Contudo, o estado de dúvida em que se baseia este princípio não se confunde com uma qualquer incerteza probatória, apoiada numa qualquer convicção intimista, subjectiva, despida de um mínimo de objectividade, pois que tal dúvida há-de ser razoável e sustentável na avaliação global dos factos. Assim, se a Relação concluiu pela certeza bastante para a condenação do arguido, não ocorre qualquer estado de dúvida compatível com o citado princípio in dubio pro reo. Segundo o acórdão de 9-11-2011, processo n.º 43/09.9PAAMD.L1.S1-3.ª - O princípio in dubio pro reo tem sido entendido sob diversas perspectivas, como a de respeitar a matéria de prova e, pois, tratar-se de matéria de facto e como tal insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, ou enquanto princípio estruturante do processo penal, podendo a sua violação ser suscitada perante o Tribunal de revista, mas o Supremo vem afirmando que isso só é possível se a violação resultar do próprio texto da decisão recorrida, designadamente, da fundamentação da decisão de facto. Como referem os acórdãos de 7-04-2010, processo n.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1, de 27-05-2010, processo n.º 11/04.7GCABT.C1.S1, de 19-01-2011, processo n.º 376/06.6PBLRS.L1.S1, de 7-04-2011, processo n.º 450/09.7JAAVR.P1.S1, de 27-04-2011, processo n.º 7266/08.6TBBRG.G1.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto: Do mesmo modo que ocorre com os vícios, a violação do princípio in dubio pro reo, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, isto é, só se verifica quando, seguindo o processo decisório evidenciado na motivação da decisão, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido. Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o art. 355.º, n.º 1, do CPP, e subordinadas ao princípio do contraditório, conforme dispõe o art. 32.º, n.º 1, da CRP. No acórdão de 12-01-2012, processo n.º 224/10.2JAGRD.C1,S1-5.ª, caso em que considera presente uma reacção de caracter asténico, e verificada legítima defesa, de modo que o tribunal deveria ter admitido uma dúvida razoável, aplicando consequentemente o princípio in dubio pro reo, cuja aplicação ou desaplicação é controlável pelo STJ, desde que esse estado de dúvida resulte da decisão recorrida, como no caso resultava da respectiva fundamentação. Extrai-se do acórdão de 15-03-2012, proferido em recurso de revisão n.º 2875/07.3TAMTS-A.S1 - 3.ª Secção: Na verdade, do teor do pedido de revisão, o recorrente pretende rediscutir o exame crítico das provas e a livre apreciação da prova que serviram de base à valoração do Tribunal, como que repristinando o recurso ordinário e invoca o princípio do in dubio pro reo. Ora este princípio é um meio supletivo de valoração da prova que o tribunal usa em benefício do arguido, não formulando contra ele juízo condenatório, quando perante as provas produzidas fique em dúvida insanável sobre a sua culpabilidade. Tendo as provas que serviram de base à condenação sido produzidas e examinadas em audiência, de harmonia com o princípio do contraditório, no exercício pleno do direito de defesa, incluindo o recurso, e ficando os tribunais seguros da convicção formada, só perante factos ou meios de prova novos que consistentemente pudessem abalar tal juízo de convicção é que poderia equacionar-se a procedência de um pedido de revisão. No acórdão de 5-06-2012, processo n.º 442/08.3GALSD.P1.S1-5.ª, pode ler-se – O STJ, enquanto tribunal de revista, conhece exclusivamente sobre matéria de direito (art. 434.º, do CPP). Se a alegação da violação do princípio in dubio pro reo e, por essa via, do princípio da presunção da inocência, constitui, em certa perspectiva, uma questão de direito, já está fora dos poderes de cognição do STJ, por constituir questão de facto, a alegação de que o tribunal se deparou com uma dúvida insanável acerca da verificação de um ou mais factos e que a resolveu contra o arguido. O acórdão de 20-06-2012, processo n.º 258/01.8JELSB.C1.S1-3.ª, estando em causa o valor probatório das declarações de co- arguido, e em equação os artigos 133.º e 126.º, n.º 3, do CPP, e artigos 24.º e 30.º do CP, distinguindo entre proibições de prova e a valoração da prova, afirma: O eixo fundamental da questão reside no facto de o depoimento incriminatório de co-arguido estar sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, pela sua sujeição à regra da investigação, da livre apreciação e do princípio in dubio pro reo. Assegurado que esteja o funcionamento de tais princípios e o exercício do contraditório (art. 32.º da CRP) nenhum argumento subsiste à validade de tal meio de prova. Para o acórdão de 27-6-2012, processo n.º 127/10.0JABRG:G2.S1-3.ª - O princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção da inocência (art. 32.º, n.º 2, da CRP) só vale em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito. Aqui, a única solução correcta será em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto. O princípio aplica-se, sem qualquer limitação, a todos os factos sujeitos a julgamento e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude e da culpa, às condições objectivas de punibilidade, às circunstâncias modificativas atenuantes e, em geral, a todas as circunstâncias relevantes em matéria de determinação da medida da pena que tenham por efeito a não aplicação da pena ao arguido ou a diminuição da pena concreta. Em todos estes casos, a prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à prova completa da circunstância favorável ao arguido. O princípio in dubio pro reo encontra-se intimamente ligado ao princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP) e a sua eventual violação não envolve questão de direito (é um princípio de prova que rege em geral, ou seja, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário). Por isso, o STJ só pode sindicar a sua aplicação quando da decisão recorrida resulte que o tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Como refere o acórdão de 17-10-2012, processo n.º 1243/10.4PAALM.L1.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto: Tal como ocorre com os vícios, a violação do princípio in dubio pro reo, que diz respeito à matéria de facto, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP. Só se verifica quando, seguindo o processo decisório, se chega à conclusão que o tribunal, tendo ficado na dúvida, decidiu contra o arguido ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis. Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, ficam afastados os princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova ou o ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame livre das provas produzidas em audiência, como impõe o n.º 1 do art. 355.º do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme dispõe o n.º 1 do art. 32.º da CRP. No acórdão de 14-03-2013, processo n.º 43/10.6GASTC.E1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto, pode ler-se: A violação do princípio in dubio pro reo, que diz respeito à matéria de facto, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP. Para o acórdão de 29-05-2013, processo n.º 344/11.6JALRA.E1.S1 - 3.ª Secção - O princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (art. 32.º, n.º 2, da CRP), vale só, evidentemente, em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito. Aqui, a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto. Embora o princípio in dubio pro reo seja caracterizado como um princípio geral do processo penal, a sua violação configura uma verdadeira questão de direito que, como tal, integra os poderes de cognição do STJ no âmbito do recurso de revista. No acórdão de 4-07-2013, processo n.º 1243/10.4PAALM.L1.S1-3.ª, refere-se: A preferência dada na formação da convicção probatória a certos meios de prova, de livre valoração pelo tribunal, em detrimento de outros, que, segundo a defesa, impeliriam para decisão distinta, não integra o vício do erro notório na apreciação da prova. O STJ deve sindicar o não uso ou o uso deficitário do princípio in dubio pro reo, já que, ainda que respeite à matéria de facto, consubstancia efeitos em sede de matéria de direito. No acórdão de 04-07-2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1 - 3.ª Secção, afirma-se: O STJ só pode aferir da eventual violação do princípio in dubio pro reo quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Retira-se do acórdão de 13-11-2013, processo n.º 2032/11.4JAPRT.P1.S1-3.ª Secção - O princípio in dubio pro reo estabelece que, verificando-se uma dúvida razoável quanto aos factos, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido. Sendo um princípio geral do processo penal, a sua violação importa uma questão de direito, e daí que o STJ tenha competência para apreciar essa questão. Contudo, apenas poderá pronunciar-se pela sua violação quando, com base nos elementos constantes dos autos, nomeadamente a matéria de facto e sua fundamentação, e guiando-se pelas regras da experiência comum, for visível e inequívoco que, perante dúvidas razoáveis, o tribunal decidiu contra o arguido. Analisados os argumentos que sustentam a arguida violação do princípio in dubio pro reo, ressalta à evidência a inexistência de quaisquer dúvidas sobre a prova que tenham sido decididas contra o recorrente; por outras palavras, não se deteta qualquer situação em que o tribunal se tivesse visto confrontado com dúvidas quanto a determinados factos e que as tivesse resolvido contra o arguido. De facto, o que o recorrente invoca e alega são as “dúvidas” que, na sua perspetiva, o tribunal deveria ter tido, as “dúvidas” que, segundo o seu ponto de vista, as provas suscitam e que ele queria ver resolvidas em sentido diferente. Ou seja, sob a invocação de violação do princípio in dubio pro reo, o recorrente procede afinal a uma contestação da matéria de facto, apresentando uma interpretação e valoração diferentes das provas produzidas. No fundo, o recorrente mais não faz do que impugnar os factos, sob a capa de arguição de violação daquele princípio. Respiga-se do acórdão de 12-03-2014, processo n.º 1027/12.5GCTVD.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto: “A violação do princípio in dubio pro reo, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, na ausência de recurso da matéria de facto, só pode ser sindicada pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.°, n.º 2, do CPP, que só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o art. 355.º, n.º 1, do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme prevê o art. 32.º, n.º 1, da CRP”. Segundo o acórdão de 30-04-2014, processo n.º 413/07.7TACBR.C2.S1 - 5.ª Secção - A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados, o que não ocorre no caso em apreciação, em que foram dados por provados factos com verosimilhança, e que tal como resultam da decisão recorrida, à luz da experiência comum, e da lógica corrente, podem muito bem ter-se verificado como se descrevem, a partir da prova de que se dispõe. No acórdão de 5-06-2014, processo n.º 853/98.0JAPRT.P1.S1 – 5.ª, consta: A violação do princípio in dubio por reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que deve dar por provados ou não provados. Se for esse o caso, o STJ pode sindicar a aplicação do princípio, no âmbito da sua competência de tribunal de revista, no domínio da apreciação de direito. Mas, transitamos para o âmbito da apreciação de facto se o recorrente invocar a violação do princípio, tendo em conta que, apesar de o tribunal a quo não ter tido dúvidas sobre o que considerou provado, deveria tê-los tido. A decisão recorrida não teve dúvidas de que não era possível determinar com precisão os tempos de certos factos. Para o acórdão de 02-10-2014, processo n.º 882/10.8PBLRA.C1.S1- 5.ª Secção – O princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (art. 32.º, n.º 2, da CRP), vale só, evidentemente, em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito. Todavia, cabe ao STJ avaliar em função da decisão recorrida se o tribunal a quo, perante a matéria de facto provada e não provada, decidiu contra o arguido por esta matéria não permitir concluir com segurança que tenha sido ele a cometer o crime de que vem acusado.da mesma relatora No acórdão de 13-11-2014, processo n.º 249/11.0PECBR.C1.S1 - 5.ª Secção, pode ler-se: O STJ, como tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito, tal como dispõe o art. 434.º do CPP. Poderá também conhecer oficiosamente dos vícios constantes do art. 410.º do CPP, quando estes vícios se possam retirar do próprio texto da decisão recorrida. Constituindo o princípio in dubio pro reo um princípio em matéria de prova, todavia a análise da sua violação (ou não) constitui matéria de direito, ou questão de direito enquanto juízo de valor ou ato de avaliação da violação (ou não) daquele princípio, portanto no âmbito de competência do STJ. No acórdão de 29-01-2015, processo n.º 1/13.9GFALR.S1-5.ª, consta: Não sendo admissível recurso para o STJ sobre matéria de facto, mesmo no âmbito do art. 410.º, n.º 2, do CPP, tão pouco há-de ser quando o recorrente pretende por em causa a interpretação e valoração que as instâncias fizeram a respeito da prova produzida, e designadamente alegando a violação do princípio in dubio pro reo, que imbrinca com a matéria de facto. No acórdão de 12-03-2015, processo n.º 40/11.4JAAVR.C2.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto, pode ler-se: O princípio in dubio pro reo, dizendo respeito a matéria de facto e sendo fundamental em matéria de apreciação e de valoração da prova, apenas pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus poderes de cognição, ou seja, a sua violação deve resultar do texto da decisão recorrida, em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP. Extrai-se do acórdão de 12-03-2015, processo n.º 1/13.9GASBG.C1-A.S1 - 3.ª Secção - O princípio in dubio pro reo estabelece que, verificando-se uma dúvida razoável quanto aos factos, após a produção de prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido, ocorrendo violação desse princípio sempre que o tribunal, apesar da hesitação sobre a prova de determinado facto, decidiu em sentido desfavorável ao arguido. Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência, não tendo tal juízo factual tido por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o art. 355.º, n.º 1, do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme art. 32.º, n.º 1, da CRP. No acórdão de 9-04-2015, processo n.º 189/13.9GALNH.L1.S1-3.ª, afirma-se: A invocação da infracção do princípio in dubio pro reo também foi suscitada no recurso para a Relação, que igualmente apreciou e decidiu, negativamente, não apresentando o recorrente no presente recurso qualquer argumento novo que imponha a reapreciação da questão. No acórdão de 9-04-2015, processo n.º 29/09.3FAVPV.L1.S1-5.ª, pondera-se: O STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo, se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, o que manifestamente não ocorre no caso em apreço. Do mesmo modo e da mesma relatora o acórdão de 9-07-2015, processo n.º 277/11.6JAPRT.P2.S1-5.ª, que acrescenta “pelo que não se verifica qualquer violação do princípio da presunção da inocência, na vertente in dubio pro reo”. No acórdão de 22-07-2015, processo n.º 119/13.8JBLSB.L1.S1 - 3.ª Secção, afirma-se: O STJ só pode aferir da violação do princípio in dubio pro reo quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida decidiu contra o arguido, posto que saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do STJ. Do exame do acórdão recorrido, decorre que as instâncias não ficaram na dúvida em relação a qualquer facto. Segundo o acórdão de 10-12-2015, processo n.º 134/13.1GBASL.E1.S1- 5.ª Secção - Não ocorre violação do princípio “in dubio pro reo” se não resulta do texto da decisão recorrida que qualquer das instâncias tenha ficado com dúvidas quanto ao modo como os factos se passaram e que, apesar disso, tenha decidido em sentido desfavorável ao arguido. Para o acórdão de 10-12-2015, processo n.º 944/13.0PCOER.L1.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, A violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.°, n.º 2, do CPP, só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Segundo o acórdão de 13-04-2016, processo n.º 958/11.4PAMTJ.L1.S1 – 3.ª Secção - O STJ só pode aferir da eventual violação do princípio in dubio pro reo quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida decidiu contra o arguido, posto que saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto tribunal de revista. É de rejeitar, por manifestamente infundado, o recurso na parte em que o recorrente invoca a verificação de uma violação do princípio in dubio pro reo se decorre do exame do acórdão impugnado que o Tribunal da Relação não ficou na dúvida em relação a qualquer facto, designadamente quanto à participação do recorrente nos factos e, consequentemente, quanto à autoria do crime de homicídio e que perante essa mesma questão, por apelo à fundamentação da decisão de facto proferida em 1.ª instância, expressamente a apreciou e decidiu. Para o acórdão de 14-04-2016, processo n.º 325/14.8JABRG.G1.S1 – 5.ª Secção - Constituindo a análise da violação do princípio do in dubio pro reo matéria de direito, do âmbito de cognição deste tribunal, a partir do texto da decisão recorrida não se vislumbra qualquer hesitação ou dúvida quanto à matéria de facto provada, pelo que não pode concluir-se que tenha havido violação daquele princípio. No acórdão de 14-04-2016, processo n.º 174/13.0GAVZL.C21.S1 – 5.ª Secção - A eventual violação dos princípios (associados) da presunção de inocência e do in dubio pro reo invocados como fundamento para a absolvição do recorrente, relevam em sede de decisão da matéria de facto e, assim, estão fora dos poderes de cognição do STJ enquanto tribunal de revista. O princípio in dubio pro reo pode porém comportar uma questão de direito, sindicável por este tribunal no caso de resultar da decisão recorrida que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida patentemente insuperável e que, ainda assim, decidiu desfavoravelmente ao arguido. Já saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida é manifestamente questão de facto que exorbita dos poderes de cognição do STJ. Respiga-se do acórdão de 21-04-2016, processo n.º 657/13.2JAPRT.P1.S1 - 5.ª Secção: Constituindo o princípio in dubio pro reo um princípio em matéria de prova, a análise da sua violação (ou não) constitui matéria de direito ou questão de direito enquanto juízo de valor ou ato de avaliação da violação (ou não) daquele princípio, portanto no âmbito de competência deste tribunal. No acórdão de 12-05-2016, processo n.º 53/14.4PAETZ.E1.S1-5.ª Secção é afastada a alegada violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo. Considerando a facticidade dada como assente e respectiva fundamentação vertida no aresto recorrido, não se vislumbra que às instâncias, maxime ao tribunal recorrido, tivesse subsistido uma qualquer dúvida a respeito da responsabilidade do arguido e ora recorrente na prática do crime de homicídio qualificado, pelo qual foi condenado, e que, perante esse estado de dúvida, houvessem resolvido contra o arguido.
Revertendo ao caso concreto.
Lido o acórdão recorrido, é patente que a Relação não descortinou qualquer dúvida na fundamentação da decisão de primeira instância. Como refere o acórdão recorrido, a fls. 1368: “Por outro lado, o princípio in dúbio pro reo, sendo corolário da garantia constitucional da presunção de inocência (artº 32º, nº2, da CRP), impõe que, em caso de dúvida razoável e insanável sobre os factos imputados ao arguido, o tribunal decida a favor deste. Porém, em lado algum a recorrente concretiza/fundamenta tal dúvida, porque não existiu. (…) Por isso, analisada a prova testemunhal, dela nada resulta que nos permita concluir ter errado o tribunal na sua apreciação, nem a recorrente o demonstra, que impusesse qualquer alteração à factualidade provada, nem existem provas que imponham decisão diversa da recorrida, nem o Tribunal ficou na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto”.
Percorrendo o texto da fundamentação da decisão da matéria de facto é evidente que o Colectivo de ... não teve dúvidas em afirmar a autoria do homicídio de FF, o que é realçado por mais de uma vez, ao afirmar a isenção de dúvidas ou resultar inequívoco determinado facto, nos passos da motivação que acima sublinhámos, o que deve ser conjugado com a clareza da fundamentação. Não houve dúvidas sobre a culpabilidade e contornos concretos da actuação da arguida, pelo que não foram violados os princípios convocados.
Questão VII – Atenuação especial da pena
A recorrente na conclusão 39.ª, a fls. 1469, convoca esta possibilidade de aplicação de disposição premial, de privilegiamento, ou de atenuante modificativa, relativamente ao crime de homicídio por que foi condenada.
Vejamos se colhe tal pretensão.
Esta pretensão aduzida pela recorrente deve ser apreciada, obviamente, antes da reapreciação referente à medida concreta da pena que lhe foi aplicada, por logicamente constituir um “prius” em relação à subsequente pretensão relativa à medida concreta da pena, pois que, a vingar a sua procedência, estar-se-á (ia) perante uma “modificação in mellius” da moldura abstracta punitiva, um regime de punição mais atenuada, uma moldura penal abstracta mais benévola, uma nova penalidade, determinada de harmonia com o disposto no artigo 73.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal, dentro da qual, sequentemente, a proceder essa pretensão, terá (ia) de encontrar-se a medida concreta da pena a aplicar ao crime em causa, fazendo assim, subsequentemente, actuar os critérios previstos no artigo 71.º do Código Penal, já dentro de uma outra/nova moldura punitiva, com limites mais baixos, quer no limite máximo, quer no limite mínimo, determinados por essa atenuação. No caso presente é invocada a aplicação da disposição do artigo 72.º, n.º 2, do Código Penal, entendendo a recorrente dever a pena ser atenuada especialmente, sem indicar circunstância prevista nas alíneas a), b), c) e d), mas fazendo-o na sequência da conclusão 37.ª em que refere que deveria ser valorada, como circunstância atenuante a conduta da recorrente anterior e posterior aos factos. Esta pretensão da recorrente já se encontrava expressa no anterior recurso para a Relação, como se alcança da motivação então alinhada, a fls. 1273/4, no ponto VII, onde invocava como atenuante geral, a conduta anterior e posterior aos factos e igualmente reclamava a aplicação do artigo 72.º, n.º 2, do Código Penal, estando vertida então na conclusão 62.ª. Face ao teor da conclusão 39.ª e visto o texto do acórdão recorrido, numa primeira visão, afigurou-se-nos que a recorrente estaria a invocar agora uma questão nova não submetida a reapreciação no anterior recurso. Percorrido o texto do acórdão, o que se verifica é que pura e simplesmente o acórdão da Relação nada disse sobre o ponto e nem chegou a elencar a questão na apertadíssima síntese do objecto do recurso, que se revela deficiente, vertida a fls. 1367: “A arguida BB contesta, em síntese, a decisão proferida em matéria de facto, nos termos dos arts. 410º n.º 2 e 412º, ns. 3 e 4 do C.P.P., que o acórdão é nulo por falta de fundamentação nos termos dos arts. 379º, als.a) e c), do C.P.P., pedindo a sua absolvição. Subsidiariamente, considera a pena em que foi condenada é excessiva”. Certo que as conclusões do anterior eram 67, mas há que na síntese respeitar o que efectivamente é submetido, com ou sem razão, à reapreciação do tribunal superior. A possibilidade de atenuação especial da pena nem sequer marcou presença no lote das questões a tratar. Concluindo: o acórdão recorrido omitiu por completo referência à questão da atenuação especial, muito claramente colocada na motivação e sintetizada pela recorrente na conclusão 39.ª. Tal como se referiu a propósito da outra questão que ficou sem resposta (Questão II – Insuficiência de inquérito), a omissão de pronúncia é contornável, podendo ser conhecida nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do CPP.
Apreciando.
Na abordagem ao instituto, seguiremos aqui o exposto nos acórdãos de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 2702/07; de 7 de Novembro de 2007, processo n.º 3225/07; de 28 de Novembro de 2007, processo n.º 3253/07; de 5 de Dezembro de 2007, processo n.º 3266/07; de 29 de Outubro de 2008, processo n.º 1309/08; de 12 de Março de 2009, processo n.º 3781/08; de 21 de Outubro de 2009, processo n.º 360/08.5GEPTM; de 25 de Novembro de 2009, processo n.º 490/07.0TAVVD; de 20 de Outubro de 2010, processo n.º 845/09.6JDLSB; de 5 de Janeiro de 2011, processo n.º 448/09.5JELSB; de 13 de Outubro de 2011, processo n.º 451/05.4JABRG.G1.S1; de 27 de Junho de 2012, proferido no n.º 3283/09.7TACBR.S1, de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1 (este versando caso de atenuação especial em branqueamento de capitais prevista no artigo 368.º-A, n.º 7, 8 e 9, do Código Penal); de 29-04-2015, processo n.º 791/12.6GAALQ.L2.S1 (versando homicídio qualificado), de 09-09-2015, na fixação de jurisprudência no processo n.º 990/10.5T2OBR.C3.-A.S1 (versando o instituto da atenuação especial nos crimes ambientais e no direito contra-ordenacional ambiental) e de 7 de Setembro de 2016, processo n.º 232/14.4JABRG.P1.S1, por nós relatados.
«Estabelece o n.º 1 do artigo 72.º do Código Penal, na redacção dada pela terceira alteração ao diploma, operada com o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, e mantido intocado nas alterações subsequentes ao mesmo Código, que: “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”. O n.º 2 elenca algumas de “entre outras” circunstâncias que podem ser consideradas para o efeito consignado, a saber: a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência; b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida; c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados; d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
Em anotação a este artigo Leal - Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, Rei dos Livros, 3.ª edição, 2002, I volume, pág. 856 e 4.ª edição, 2015, II volume, pág. 116, consideram: “Seguiu-se neste art. 72.º o caminho de proceder a uma enumeração exemplificativa das circunstâncias atenuantes de especial valor, para se darem ao juiz critérios mais precisos de avaliação do que aqueles que seriam dados através de uma cláusula geral de avaliação”. Pressuposto material da atenuação da pena, autónomo ou integrado pela intervenção valorativa das situações exemplificativamente enunciadas, é a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção”.
Em relação à versão originária do Código Penal de 1982, a expressão do n.º 1 do então artigo 73.º «O tribunal pode atenuar» foi substituída por «O tribunal atenua», tendo sido aditada a alternativa final «ou a necessidade da pena». Este aditamento veio esclarecer que o princípio basilar que regula a atenuação especial é a diminuição acentuada não só da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena, e consequentemente das exigências de prevenção. Esclarece Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 302/307, a propósito do paralelismo entre o sistema (ou o «modelo») da atenuação especial do artigo 72.º e o sistema da determinação normal da pena previsto no artigo 71.º, que tal paralelismo é só aparente, pois enquanto no procedimento normal de determinação da pena são princípios regulativos os da culpa e da prevenção, na atenuação especial tudo se passa ao nível de uma acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa, e, portanto em último termo, ao nível do relevo da culpa, pelo que seriam irrelevantes as exigências da prevenção, o que não ocorre face a alguns dos exemplos ilustrativos da situação especialmente atenuante contida na cláusula geral do n.º 1 do artigo 72.º, ou seja, das situações aí descritas só significativas sob a perspectiva da necessidade da pena (e, por consequência, das exigências da prevenção), concluindo no § 451: princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção. A atenuação especial resultante da acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção corresponde a uma válvula de segurança do sistema, que só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais, em que a imagem global do facto resultante da actuação da (s) atenuante (s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Daí - e continuamos a citar - estarmos perante um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa, com redução de um terço no limite máximo da moldura prevista para o facto e várias hipóteses na fixação do limite mínimo. Adianta o Mestre de Coimbra, no já citado Direito Penal Português, As Consequências (…), II, § 453, pág. 306, a propósito das circunstâncias descritas nas alíneas do artigo 72.º, n.º 2, do Código Penal, que constituem exemplos ilustrativos da situação especialmente atenuada contida na cláusula geral do artigo 73.º, n.º 1 (actual artigo 72.º) que: «passa-se aqui algo de análogo – não de idêntico - ao que sucede com os exemplos-padrão: por um lado, outras situações que não as descritas nas alíneas do n.º 2 do art. 72.º podem (e devem) ser tomadas em consideração, desde que possuam o efeito requerido de diminuir, por forma acentuada, a culpa do agente ou as exigências da prevenção; por outro lado, as próprias situações descritas naquelas alíneas não têm o efeito «automático» de atenuar especialmente a pena, só o possuindo se e na medida em que desencadeiem o efeito requerido». E conclui que a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autêntico pressuposto material da atenuação especial da pena. Espelham estes ensinamentos vários arestos deste Supremo Tribunal, de que são exemplos os que se passam a citar. Segundo o acórdão de 24 de Março de 1999, processo n.º 176/99-3.ª, in CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 247, a atenuação especial da pena só deve funcionar quando, na imagem global dos factos e de todas as circunstâncias envolventes fixadas, a culpa do arguido e/ou a necessidade da pena se apresentam especialmente diminuídas, ou seja, quando o caso é menos grave que o “caso normal” suposto pelo legislador, quando estatuiu os limites da moldura correspondente ao tipo, reclamando, por isso, manifestamente, uma pena inferior. O acórdão de 23 de Fevereiro de 2000, proferido no processo n.º 1200/99-3.ª, Sumários de Acórdãos do STJ, Edição anual, n.º 38, pág. 75, expressou-se nos termos seguintes: «É na acentuada diminuição da ilicitude e/ou da culpa e/ou das exigências da prevenção que radica a autêntica ratio da atenuação especial da pena. Daí que, as circunstâncias enunciadas no n.º 2 do artigo 72.º do Código Penal, não sejam as únicas susceptíveis de desencadear tal efeito, nem este seja consequência necessária ou automática da presença de uma ou mais daquelas circunstâncias». No acórdão de 30 de Outubro de 2003, processo n.º 3252/03-5.ª, in CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208 (221-2), pode ler-se: a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, considerando-se como antiquada a solução de consagrar legislativamente a cláusula geral de atenuação especial como válvula de segurança, pois que dificilmente se pode ter tal solução por apropriada para um Código como o nosso, “moderno e impregnado pelo princípio da humanização e dotado de molduras penais suficientemente amplas”, seguindo-se aqui a lição constante do § 465 da referida obra de Figueiredo Dias. No acórdão de 3 de Novembro de 2004, processo n.º 3289/04-3.ª, in CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 217, refere-se: “Justifica-se a aplicação do instituto de atenuação especial da pena, que funciona como instrumento de segurança do sistema nas situações em que se verifique um afastamento crítico entre o modelo formal de integração de uma conduta em determinado tipo legal e as circunstâncias específicas que façam situar a ilicitude ou a culpa aquém desse modelo”. E no acórdão de 25 de Maio de 2005, processo n.º 1566/05-3.ª, in CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 207: “A atenuação especial da pena só pode ser decretada (mas se puder deve sê-lo) quando a imagem global do facto revele que a dimensão da moldura da pena prevista para o tipo de crime não poderá realizar adequadamente a justiça do caso concreto, seja pela menor dimensão e expressão da ilicitude ou pela diminuição da culpa, com a consequente atenuação da necessidade da pena - vista a necessidade no contexto e na realização dos fins das penas”. Como se extrai do acórdão de 7 de Junho de 2006, processo n.º 1174/06 - 3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 207, “A atenuação especial da pena depende do concurso de circunstâncias anteriores, posteriores ou concomitantes ao crime, que façam diminuir de forma acentuada a culpa, a ilicitude e a necessidade de pena, elencando de forma não taxativa o n.º 2 do art. 72.º do CP os seus factos-índices, ligados a uma imagem global do facto favorecente do agente criminoso. O verdadeiro pressuposto material da atenuação são exigências de prevenção, na forma de reprovação social do crime e restabelecimento da confiança na força da lei e dos órgãos seus aplicadores e não apenas a ilicitude do facto ou a culpa do agente (…). Nessa esteira, para além dos já citados, podem ver-se ainda os acórdãos de 05-02-1997, processo n.º 47885-3.ª, SASTJ, n.º 8, Fevereiro 1997, pág. 77; de 07-05-1997, BMJ n.º 467, pág. 237; de 29-04-1998, processo n.º 449/98, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 191; de 07-10-1999, BMJ n.º 490, pág. 48; de 10-11-1999, processo n.º 823/99, SASTJ, nº 35, 74; de 26-04-2000, processo n.º 82/00; de 18-10-2001, processo n.º 2137/01-5.ª, SASTJ, n.º 54, 122; de 28-02-2002, processo n.º 226/02-5.ª; de 18-04-2002, processo n.º 629/02-5.ª, in CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 178; de 22-01-2004, processo n.º 4430/03-5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 183; de 20-10-2004, processo n.º 2824/04 - 3ª; de 06-10-2005, processo n.º 2632/05 – 5.ª; de 17-11-2005, processo n.º 1296/05 – 5.ª; de 07-12-2005, processo n.º 2967/05 –5.ª, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 229 (atenuação especial e imputabilidade diminuída); de 15-12-2005, processo n.º 2978/05 – 5.ª; de 06-06-2006, processo n.º 2034/06 – 5.ª, in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 204; de 07-12-2006, processo n.º 3053/06 – 5.ª; de 21-12-2006, processo n.º 4540/06 – 5.ª; de 08-03-2007, processo n.º 626/07 – 3.ª; de 06-06-2007, processos n.ºs 1403/07 e 1899/07, ambos da 3.ª secção e processo n.º 1603/07-5.ª; de 14-06-2007, processos n.ºs 1895/07 e 1908/07, ambos da 5.ª secção; de 21-06-2007, processo n.º 1581/07 – 5.ª; de 28-06-2007, processo n.º 3104/06 – 5.ª; de 17-10-2007, processo n.º 3265/07 – 3.ª; de 28-11-2007, processo n.º 3981/07 – 3.ª; de 16-01-2008, processos n.ºs 4638/07 e 4837/07, ambos da 3.ª secção; de 23-01-2008, processo n.º 4560/07 – 3.ª; de 13-03-2008, processo n.º 2589/07 – 5.ª; de 26-03-2008, processos n.ºs 105/08 e 306/08-3.ª; de 17-04-2008, processo n.º 4732/07 – 5.ª; de 30-04-2008, processo n.º 1220/08 – 3.ª; de 03-07-2008, processo n.º 1226/08 – 5.ª; de 25-09-2008, processo n.º 809/08 – 5.ª; de 23-10-2008, processo n.º 1212/08 – 5.ª; de 21-01-2009, processo n.º 4029/08 – 3.ª; de 05-03-2009, processo n.º 4133/08 – 5.ª; de 23-04-2009, processo n.º 388/09 – 5.ª; de 02-04-2009, processo n.º 93/09 – 5.ª; de 10-12-2009, processo n.º 36/08.3GABTC.P1.S1 – 5.ª; de 17-12-2009, processo n.º 2956/07.3TDLSB.S2 – 5.ª; de 27-05-2010, processo n.º 6/09.4JAGRD.C1.S1 – 3.ª; de 27-10-2010, processo n.º 971/06.1JAPRT.S1 – 3.ª, CJSTJ 2010, tomo 3, pág. 237; de 02-02-2011, processo n.º 1375/07.6PBMTS.P1.S2 – 3.ª; de 07-09-2011, processo n.º 356/09.0JAAVR.S1 – 3.ª; de 26-10-2011, processo n.º 319/10.2PGALM.L1.S1 – 3.ª; de 22-02-2012, processo n.º 1239/03.2GCALM.L1.S1 – 3.ª (o âmbito do artigo 72.º do CP é mais extenso do que o do art. 133.º - aqui, apenas relevam circunstâncias atinentes à culpa; ali, além da culpa, atende-se também à ilicitude e à necessidade da pena); de 11-10-2012, processo n.º 289/10.7PAPTM.E1.S1-5.ª; de 18-10-2012, processo n.º 32/11.3JALRA.C1.S1-5.ª (pena especialmente atenuada em caso de homicídio, com fundamento em arrependimento activo e reparação importante); de 15-05-2013, processo n.º 154/12.3JDLSB.L1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 180 (afasta o instituto em caso de homicídio qualificado); de 27-11-2013, processo n.º 37/12.7JACBR.C1.S1-3.ª (pena especialmente atenuada em caso de homicídio cometido por omissão prevista no artigo 10.º, n.º 2, do Código Penal) e processo n.º 236/12.1PCSNT.L1.S1-3.ª; de 10-04-2014, processo n.º 378/08.8JAFAR.E3.S1-5.ª (afastando a atenuação especial em caso de homicídio); de 5-06-2014, processo n.º 259/09.8JAPTM.E1.S1-5.ª (O instituto da atenuação especial da pena, previsto no art. 72.º do CP, funciona como uma válvula de segurança. Significa ela que a atenuação especial da pena deve abranger apenas aqueles casos em que se verifique a ocorrência de circunstâncias que se traduzam numa diminuição acentuada da culpa ou da necessidade da pena – casos verdadeiramente excepcionais em relação ao comum dos casos previstos pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao respectivo tipo legal de crime. O facto tem de revestir uma tal fisionomia que se possa dizer, face à imagem especialmente atenuada que dele se colha, que encaixá-lo na moldura penal prevista para a realização do tipo seria uma violência); de 17-09-2014, processo n.º 595/12.6TASLV.E1.S1-3.ª (afastando a atenuação especial em caso de abuso sexual de crianças); de 12-11-2014, processo n.º 32/12.3TAVRS.S1-3.ª (Haverá atenuação especial da pena, nos termos do art. 72.º do C. Penal, quando a ilicitude ou a culpa se apresentarem claramente abaixo do padrão “normal”, ou ainda quando as exigências preventivas inerentes à aplicação da pena estiverem fortemente esbatidas); de 17-12-2014, processo n.º 937/12.4JAPRT.P1.S1-5.ª (afastando em caso de homicídio qualificado); de 15-01-2015, processo n.º 92/14.5YFLSB.S1-5.ª (A diminuição da culpa e das exigências de prevenção a impor o regime especial de atenuação deve decorrer de uma análise da imagem global do facto); de 12-03-2015, processo n.º 724/01.5SWLSB.L1.S1-3.ª (afastando-a em caso de homicídio simples); de 19-03-2015, processo n.º 67/13.1PFEVR.S1-5.ª; de 29-04-2015, processo n.º 791/12.6GAALQ.L2.S1-3.ª (em caso de duplo homicídio dos filhos, pode ler-se: “A questão da atenuação especial da pena não foi abordada na motivação do recurso, surgindo apenas nas conclusões assinaladas, pelo que não integra o objecto do recurso. De qualquer forma sempre se dirá que a medida premial coloca-se em relação à determinação da medida concreta das penas parcelares, as quais no que concerne às dos homicídios qualificados não vêm impugnadas, sendo que em relação às restantes a respectiva medida concreta e a dupla conforme, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, impediriam sempre qualquer reapreciação. Sendo de ter por inimpugnadas umas, atenta a tese do recurso que foca apenas a medida da pena única e sendo inimpugnáveis outras, fica precludida a possibilidade de apreciação da aplicação do instituto, como é jurisprudência assente. Noutra perspectiva há incompatibilidade de atenuação especial de penas respeitantes a crimes com agravação com base na especial censurabilidade e perversidade”); de 18-06-2015, processo n.º 270/09.9GBVVD.S1-5.ª (em caso de tráfico de estupefacientes, atento o comportamento do arguido posterior à prática do crime, traduzindo um esforço para se afastar do teor de vida que levava, o que se repercute na necessidade da pena, é reduzida a pena para 5 anos de prisão suspensa na execução); de 15-07-2015, processo n.º 32/14.1PEAMD.S1-3.ª (afasta a aplicação do regime em caso de homicídio agravado pelo art. 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23-05); de 10-12-2015, processo n.º 843/14.JDSLB.S1-5.ª; de 17-12-2015, processo n.º 1983/14.9PJLSB.S1-5.ª (afastando a atenuação em caso de homicídio tentado); de 24-02-2016, processo n.º 1825/08.4PBSXL.E1.S1-3.ª (concedendo a atenuação especial em caso de crime de homicídio privilegiado, tendo os factos ocorrido há mais de 7 anos). É abundante a jurisprudência deste Supremo Tribunal a propósito do fundamento autónomo de atenuação especial previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23-09, em casos de homicídio praticado por jovens adultos, o que não é o caso, como se pode ver, entre muitíssimos outros, do acórdão de 25-05-2016, processo n.º 610/11.0GCPTM.E1.S1-3.ª, sendo de assinalar a desconsideração da atenuante na esmagadora maioria dos homicídios qualificados». 9-07-2014, processo n.-º 38/05.1SVLSB.L2.S1-5.ª Uma das excepções está presente no acórdão de 17 de Dezembro de 2014, processo n.º 8/13.6JAFAR.E1.S1-5.ª, em caso de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132.º, n.º 2, alínea j), do Código Penal, agravado pelo uso de arma (artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006), o arguido de 19 anos de idade beneficiou de atenuação especial da pena prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015, pág. 365, “A atenuação especial da pena pode justificar-se quer por circunstâncias contemporâneas do facto quer por circunstâncias prévias ou posteriores ao facto. As circunstâncias contemporâneas do facto relevam por via da culpa, enquanto as circunstâncias prévias ou posteriores ao facto relevam por via da prevenção. O elenco legal das circunstâncias que dão azo a uma atenuação especial da pena é, na esteira do modelo suíço, exemplificativo e não automático, podendo a ocorrência de factos materialmente subsumíveis a estas circunstâncias não dar azo a uma atenuação especial. Esta depende de uma diminuição significativa (ou acentuada) da culpa ou da “necessidade da pena”, consoante os casos. Quando não se verifique esta diminuição significativa, as circunstâncias atenuantes podem ainda ser valoradas para efeitos da determinação concreta da pena. Só pode haver lugar a atenuação especial da pena quando a ilicitude e a culpa do agente não atingem a gravidade pressuposta pela norma incriminadora”. Segundo M. Miguez Garcia J. M. Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, Almedina 2014, pág. 375 “O princípio básico que regula a atenuação especial é a diminuição acentuada não só da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena, e consequentemente das exigências da prevenção. A atenuação especial decorrente do n.º 1 reconduz-se a determinadas circunstâncias “anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele”. Para a produção do benefício exige-se uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena (prevenção geral positiva ou de integração). Qualquer destas situações não tem valor atenuante especial de per si, na sua existência objetiva, mas tem sempre de ser conexionada com um certo preceito que terá de reproduzir: o de diminuir essencialmente a ilicitude ou a culpa do agente (ACTAS, 1965, p. 129) ou a necessidade da pena. As circunstâncias, ainda que não produzam o efeito de atenuar especialmente a pena, podem no entanto funcionar como atenuantes gerais da pena, como tal a considerar na sentença. A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da atuação das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao crime, Figueiredo Dias, 1993, p. 306. Só em casos excecionais pode pois ter lugar, para os caos normais ficam as molduras normais”.
Revertendo ao caso concreto.
Definidos os princípios, cabe ponderar se, em concreto, estão reunidos os pressupostos de aplicação do instituto invocado, ou seja, averiguar se no caso concreto se justifica intervenção correctiva deste Supremo Tribunal no quadro da atenuação especial da pena aplicada à recorrente pelo crime de homicídio de que foi vítima a tia .... A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação do ..., bem como o Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal não se pronunciaram sobre esta pretensão nem sobre a omissão de pronúncia neste ponto. O pleno das circunstâncias do facto, que propiciam uma visão integral do facto, de que se destaca o modo de execução, com repetidos uso de pau e de faca e as razões ou ausência delas que levaram à prática do homicídio, não se mostrando que a arguida tenha interiorizado o mal do crime, não abonam de per si realidade que diminua a ilicitude e a culpa, bem como a necessidade da pena. A não interiorização do desvalor da conduta e a ausência de qualquer arrependimento, aliada à tentativa de endosso da responsabilidade para a irmã EE, afastam essa possibilidade. Concluindo: não há lugar a atenuação especial da pena aplicada à recorrente pelo crime de homicídio praticado.
Questão VIII – Medida da pena
Nas conclusões 33.ª a 38.ª e 44.ª, a recorrente diverge da medida da pena entendendo que é excessiva e que deveria ser aplicada em medida substancialmente inferior. Mais uma vez a recorrente dirige a crítica ao acórdão de ..., sendo que as conclusões 35.ª a 38.ª e 44.ª são a reprodução integral das conclusões 58.ª a 61.ª e 67.ª do anterior recurso (relembra-se que a conclusão 39.ª, tal como a anterior 62.ª, reportava a atenuação especial). E a intenção de retornar ao acórdão de 1.ª instância é tal que, referindo as conclusões 58.ª e 60.ª do anterior recurso “tribunal a quo”, agora nas correspondentes conclusões 35.ª e 37.ª, refere-se o tribunal de 1.ª instância! A recorrente parece esquecer que estamos perante um crime de homicídio consumado e cometido com dolo directo, face ao que é referido na conclusão 36.ª, onde refere: “36. Na fixação do quantum daquela pena, o Tribunal a quo deveria ter ponderado, entre outros, o grau de perigo criado, a espécie e o modo de execução, o grau de conhecimento e a medida de violação do dever de cuidado na negligência, conforme ensina o Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime.”
A moldura abstracta penal cabível ao crime de homicídio, verificado no concreto caso, é de oito a dezasseis anos de prisão.
Dentro desta moldura funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente: - O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; - A intensidade do dolo ou da negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. *** No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627- 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401-3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42. Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 277, págs. 210/211. A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 2 de Maio de 1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73. Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar. Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g., os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de 17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.
Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.
Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).
A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena. A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado. Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa». Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).
Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida: 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição 1998, AAFDL, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».
Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção. Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa. Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito. Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar. O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena. Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.
Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 218 (e pág. 224 na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011), defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.
Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.
Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, a págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Ainda de acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»). As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».
Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”. Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”. E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”. A propósito da medida das penas, diz Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, 3, pág. 130, que a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade (...). Mas para além da função repressiva medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade. Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e deverá ressocializar o delinquente. Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10 de Abril de 1996, proferido no processo n.º 12/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”. Ainda do mesmo relator, e a propósito de um caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, proferido no processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».
Uma outra formulação, em síntese, na esteira da posição de Figueiredo Dias, em As consequências jurídicas do crime, 1993, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização. Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.
A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada” - cfr. neste sentido, acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1; de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1; de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALRA.E1.S1; de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1; de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 213; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1; de 15-10-2014, processo n.º 353/13.0JAFAR.S1; de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1; de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1; de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1.
Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido. O limite mínimo da pena a aplicar é determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e seguintes. Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou, como diz o acórdão de 22-09-2004, proferido no processo n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”. Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07, da 3.ª Secção: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento. O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição. O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente». Como salientou o acórdão do STJ de 9 de Dezembro de 1998, relatado por Leonardo Dias, no processo n.º 1155/98, in BMJ n.º 482, págs. 77/84, após citar o artigo 40.º do Código Penal: “Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa - nulla poena sine culpa - a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos. A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção. Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral de integração. [Poderia objectar-se que esta concepção abre, perigosamente, caminho ao terror penal. Uma tal objecção, porém, ignoraria, para além do papel decisivo reservado à culpa, que, do que se trata, é do direito penal de um estado de direito social e democrático, onde quer a limitação do jus puniendi estatal, por efeito da missão de exclusiva protecção de bens jurídicos, àquele atribuída (a determinação do conceito material de bem jurídico capaz de se opor à vocação totalitária do Estado continua sendo uma das preocupações prioritárias da doutrina; entre nós Figueiredo Dias que, como outros prestigiados autores, entende que na delimitação dos bens jurídicos carecidos de tutela penal haverá que tomar-se, como referência, apropria Lei Fundamental — propõe a seguinte definição: «unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso», cfr. «Os novos rumos da política criminal», Revista da Ordem dos Advogados, ano 43", 1983, pag. IS) e os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade. Depois, prevenção geral, no Estado de que falamos, não é a prevenção estritamente negativa ou depura intimidação. Um direito penal democrático que, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, tem de, pela mesma razão, colocar a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Assim, subordinada a função intimidatôria da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum]. Ora, se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que - dentro, claro está, da moldura geral - a moldura penal aplicável ao caso concreto («moldura de prevenção») há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social”.
Revertendo ao caso concreto.
A pena aplicável ao crime em questão é de prisão de 8 a 16 anos. Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão recorrida, que recolheu, em parte o afirmado pela 1.ª instância. Sobre a determinação da medida concreta da pena aplicada, expendeu o acórdão da Relação a fls. 1369-1370, em três ligeiros parágrafos, sendo o último meramente conclusivo, o seguinte: “Da medida da pena Considera a recorrente que a pena é excessiva, pois que deveria se situar no mínimo da moldura penal estabelecida para o homicídio simples, e que deveria ter sido considerada como atenuante a sua conduta anterior e posterior aos factos, por se ter tratado de um episódio ocasional e isolado na sua vida fiel ao direito. Ora, como se diz nos autos, este crime ocorre num ambiente de conflito instalado, mas isso não permite a afirmação de que não é elevado o grau de culpa da arguida, uma vez que antes do golpe fatal a arguida já se havia munido com um pau e batido na tia com ele, já lhe tinha batido com a cabeça no chão, a vítima já estava caída, certamente sem possibilidade de reacção, sem esquecer que a vítima era tia da arguida, ou seja, havendo laços de sangue entre elas. Assim, consideramos justa e adequada a pena aplicada”.
A primeira instância realçara o facto de o crime ter ocorrido em determinado contexto, num ambiente de conflito instalado, o que não permitia a afirmação de que não era elevado o grau de culpa, afirmando: “É que antes do golpe fatal a arguida já se havia munido com um pau e batido na tia com ele, já lhe tinha batido com a cabeça no chão, a vítima já estava caída, certamente sem possibilidade de reacção. A morte aparece pois a conferir contornos de grande intensidade ao grau de culpa”. *** Vejamos se no caso em reapreciação é de reduzir a pena aplicada pelo crime de homicídio, como vem peticionado pela recorrente. Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal – definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal em causa. O bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio é a vida humana inviolável, reflectindo a incriminação a tutela constitucional da vida, que proíbe a pena de morte e consagra a inviolabilidade da vida humana - Parte I, Título II, Direitos, liberdades e garantias, Capítulo I, Direitos, liberdades e garantias pessoais - artigo 24.º da Constituição da República – estando-se face à mais forte tutela penal, sendo a vida e a sua inviolabilidade que conferem sentido ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à liberdade que estruturam e densificam o Estado de direito. Como se extrai da Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, págs. 446/7, “O direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto”. O direito à vida é a conditio sine qua non para gozo de todos os outros direitos. Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, 1.ª parte, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei, tratando-se essencialmente de um direito a não ser privado da vida, um direito a não ser morto – neste sentido, Vera Lúcia Raposo, O direito à vida na jurisprudência de Estrasburgo, in Jurisprudência Constitucional, n.º 14, pág. 59 e ss.
O grau de culpa é muito acentuado, com elevada intensidade do dolo, na modalidade de directo, pela manifestação da vontade firme dirigida ao facto, à concretização do resultado final, como ressalta dos FP 13, 14 e 15. No modo de execução há a destacar a persistência da actuação e as circunstâncias descritas nos factos provados 13 a 15, dando a arguidas várias pauladas em FF, fazendo com que caísse ao chão e depois agarrando a cabeça e batendo com a mesma contra o chão por quatro vezes e atingindo a vítima com um golpe de faca que determinou uma ferida incisa, atingindo o pulmão esquerdo, provocando um hemotórax e causando-lhe a morte, conforme FP 18. No que toca a antecedentes criminais da arguida, nada há a registar, como consta do FP 64. Como refere o acórdão de 25-03-2015, processo n.º 866/13.4GBGMR.S1-3.ª, a falta de antecedentes criminais não tem nenhum valor atenuativo neste tipo de criminalidade. Teremos a considerar ainda as condições pessoais e vivência da arguida expressas nos FP 55 a 63. São intensas as necessidades de prevenção geral. Na realização dos fins das penas as exigências de prevenção geral constituem nos casos de homicídio uma finalidade de primordial importância. A função de prevenção geral que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição. Como expende Figueiredo Dias, em O sistema sancionatório do Direito Penal Português, inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”. Como se expressou o acórdão do STJ de 04-07-1996, publicado na CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos. Versando a forte necessidade de prevenção geral nestes casos, no acórdão do STJ, de 17-03-1994, publicado no BMJ n.º 435, pág. 518, dizia-se: pode afirmar-se sem exagero que o homicídio voluntário se banalizou, constituindo, com o tráfico de droga, o tipo de ilícito que este Supremo Tribunal mais vem julgando ultimamente. Segundo o acórdão de 8-07-1999, proferido no processo n.º 580/99, sumariado em SASTJ, n.º 33, pág. 92, nos crimes de homicídio são intensas as exigências de defesa do ordenamento jurídico e da paz social, dada a extrema sensibilidade da comunidade em relação aos mesmos e a premente necessidade de os prevenir. Haverá que ter sempre bem presente que o bem jurídico tutelado por estas infracções é, de entre todos, o mais elevado – a vida – pelo que, salvo circunstância de excepcional valor atenuativo, não sejam admissíveis nestes crimes abrandamentos do respectivo sancionamento. E como referido no acórdão deste Supremo Tribunal de 11-07-2007, proferido no processo n.º 1583/07-3.ª, a criminalidade violenta, em que se integra o crime de homicídio, assume alguma preocupação comunitária em crescendo, pelo que, para confiança da colectividade na lei, em nome de uma desejável tranquilidade e segurança de respeito pela vida humana, as necessidades de prevenir a prática de tal crime são muito presentes. Como acentua o acórdão de 26-03-2008, proferido no processo n.º 292/08-3.ª, versando situação em que o arguido tirou a vida à sua companheira de muitos anos, as exigências de prevenção geral são particularmente fortes, inserindo-se os factos no fenómeno denominado “violência doméstica”, aliás na sua vertente mais condenável, a do homicídio, sendo inquestionável a necessidade de fixação de penas eficazes, que não excedam, obviamente, os limites da culpa. Há que ponderar tratar-se de crime gerador de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, que vem assumindo uma prática frequente, sendo elevadas as exigências de reafirmação da norma violada. Noutra perspectiva, o homicídio integra o conceito de “criminalidade especialmente violenta”, na “definição” do artigo 1.º, alínea l), do Código de Processo Penal (alínea intocada na alteração operada no preceito pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto), tendo no caso presente sido cometido com uso de uma faca, impondo-se uma pena com efeito dissuasor, em nome de fortes e sentidas necessidades de prevenção geral. No que toca a prevenção especial, avulta a personalidade da arguida no modo como agiu, de forma imperturbada, actuando com absoluta indiferença e insensibilidade pelo valor da vida e dignidade da pessoa humana, não mostrando qualquer arrependimento, não se esgotando na mera prevenção da reincidência, carecendo de socialização. Segundo o acórdão de 08-01-2015, processo n.º 1623/12.0JAPRT.P1.S1 - 5.ª, sendo o arguido de 19 anos de idade condenado por homicídio simples, após afastamento da qualificação: Nos crimes de homicídio, as exigências de prevenção geral positiva são sempre especialmente intensas porque a violação do bem jurídico fundamental ou primeiro – a vida – é, em geral, fortemente repudiada pela comunidade. (…) As exigências de prevenção especial de socialização não constituem, normalmente, nos casos de homicídio, um factor com relevo significativo na medida da pena porque, quando é posto em causa o bem jurídico vida sobreleva, decisivamente, a necessidade e a medida da sua tutela. Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir. E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial. Há que ter em conta que a arguida não só não assumiu a conduta, como tentou alijar as responsabilidades na pessoa da irmã EE. Por último, como bem acentuou a primeira instância “Não é desconsiderável o facto de a vítima ser tia da arguida. Trata-se de um vínculo familiar que não qualificando o crime (como ocorre com os familiares da linha recta), não pode ser esquecido, porque os laços de sangue são valores que a sociedade respeita e valoriza enquanto estruturantes da mesma sociedade, pelo menos enquanto a família for considerada “a célula fundamental da sociedade”. Ponderando todos os elementos disponíveis e concluindo. Tendo em conta todo o exposto, tendo sido respeitados os parâmetros legais, cremos que se não justificará no caso intervenção correctiva deste Supremo Tribunal, no que toca à impugnada pena aplicada pelo crime de homicídio cometido pela arguida, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência comum, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassa a medida da culpa da arguida, devendo, por isso, ser mantida. Concluindo: Improcede o recurso interposto pela arguida no que toca à medida da pena aplicada pelo crime de homicídio.
Questão IX – Indemnização cível
A recorrente refere-se a este ponto nas conclusões 40.ª a 43.ª, repetindo ipsis verbis o que alegara no anterior recurso, nas conclusões 63.ª a 66.ª. Começa por afirmar na conclusão 40.ª que não tendo cometido o crime em que foi condenada deve ser absolvida dos pedidos de indemnização civil e que sempre seriam excessivos os montantes atribuídos e na conclusão 42.ª pede a absolvição do crime. A recorrente foi condenada no pagamento de duas quantias, a saber: a de 5.000,00 € a CC e de 15.000,00 €, ao viúvo DD. Mais uma vez o acórdão da Relação omitiu pronúncia, ignorando por completo este ponto que não foi incluído na ligeira e apertada síntese a que já fizemos referência, a qual comtempla apenas impugnação de matéria de facto e medida da pena. Suprindo a falta de intervenção, dir-se-á que este ponto foi abordado no acórdão da Comarca de forma completa, fundamentada e criteriosa, reportando-se os FP 21 a 36 aos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante CC, decorrentes da perda da mãe e o FP 38 aos danos não patrimoniais sofridos pelo assistente DD, neste aspecto decorrentes da perda da esposa, companheira de vida há 37 anos. Os valores de compensação encontrados, inserindo-se no espectro normalmente tido em conta em casos similares, não merecem censura. Improcedem, pois, as conclusões 40.ª a 43.ª.
Decisão
Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, na apreciação do recurso interposto pela arguida BB, em: Julgar o recurso improcedente, quer na parte criminal, quer na cível, mantendo-se o acórdão recorrido. Custas criminais pela recorrente, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, rectificada com a Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal). Custas cíveis pela recorrente, nos termos do artigo 523.º do CPP. Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Lisboa, 4 de Janeiro de 2017 ----------------------- |