Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
519/10.5TYLSB-CE.L1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO DO ESTADO
VENCIMENTO IMEDIATO DE DÍVIDAS
SUB-ROGAÇÃO
BANCO
BANCO DE PORTUGAL
LEI APLICÁVEL
FIANÇA
GARANTIA AUTÓNOMA
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
IMPUTAÇÃO DO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 01/31/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS SOBRE OS CRÉDITOS.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS DAS OBRIGAÇÕES.
Doutrina:
- “CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS” Anotado por PLMJ, Sociedade de Advogados, R.L., Coimbra Editora, 2012.
- Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, 977 e ss., 994 e ss., e 1086 e ss..
- L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 2015, 2.ª edição, 109 e ss..
- Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, Quid Juris, Sociedade Editora, 2009, 366.
- Luís Menezes Leitão, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, 8.ª edição, 2015, Almedina, 147 e 148; Direito da Insolvência, Almedina, 3.ª edição, 177.
- Mariana Duarte Silva, «Os novos regimes de intervenção e liquidação aplicáveis às instituições de crédito», O Novo Direito Bancário, Almedina, 2012, 407, 408, 430, 431 e 432.
- Miguel Brito Bastos, A Concessão de garantias pessoais pelo Estado e por outras pessoas colectivas públicas – Parte II – Breve Estudo sobre o Regime da Lei n.º 112/97, de 16 de Setembro, 277 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 238.º, 604.º, N.ºS 1 E 2, 631.º, N.º 1, 637.º, N.º1, 638.º, N.º 1, 640.º, AL. A), 644.º, 780.º, N.º 1, 783.º A 785.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 1.º, N.º 1, 88.º, 91.º, N.OS 1 E 2, 172.º E SS.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º3, 615.º, N.º 1, AL. D).
D.L. N.º 199/2006, DE 25-10, COM AS ALTERAÇÕES DOS D.L. N.º 31-A/2012, DE 10-02, E D.L. N.º 23-A/2015, DE 26-03: - ARTIGOS 8.º, N.ºS 1 E 2, 9.º, N.º 3.
LEI N.º 112/97, DE 16-09: - ARTIGOS 1.º, N.ºS 1 E 2, 2.º, N.ºS 1 E 2, 7.º, 22.º, 24.º, 26.º.
Legislação Comunitária:
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO 2007/C 272/05, JOUE, C 272, 15 DE NOVEMBRO DE 2007.
REGULAMENTO (CE) N.º 659/99 DO CONSELHO, DE 22 DE MARÇO DE 1999, JO L 83 DE 27/3/1999: - ARTIGO 14.º, N.º 3.
TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE): - ARTIGOS 107.º, N.º1, 108.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 28/9/2006, PROC. N.º 06 A2412, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A concessão de garantias pessoais pelo Estado reveste-se de carácter absolutamente excepcional e encontra-se sujeita a uma regulamentação muito apertada e minuciosa, tendo o legislador previsto no art. 7.º da Lei n.º 112/97, de 16-09, que apenas podem ser adoptadas na concessão de garantias pessoais a fiança ou o aval.

II - A questão de saber se em dado caso estamos perante uma fiança típica ou uma fiança à primeira solicitação é um problema a solucionar em sede de interpretação da vontade das partes, de acordo com as regras dos arts. 236.º e 238.º do CC, tendo em conta as cláusulas da garantia, as circunstâncias da situação concreta e os próprios usos comerciais, se os houver.

III - Em caso de dúvida, o negócio de garantia presume-se ser de fiança típica porque esta é o tipo considerado na lei e a menos gravosa para o credor, e ainda porque em matéria de garantias autónomas deve valer a interpretação textual, o conteúdo objectivo do acto, e não o literal.

IV - Tendo o Estado Português prestado uma garantia pessoal, nos termos da Lei n.º 112/97, a um empréstimo no montante de € 450 974 875 concedido pelo Sindicato Bancário ao banco B, da qual consta que o faz “através de Fiança”, de modo “incondicional, nos exatos termos e condições da obrigação do devedor principal e irrevogavelmente”, assegurando que “efetuará todos os pagamentos respeitantes às Obrigações Garantidas à primeira notificação do Banco Agente ou de qualquer dos Mutuantes”, e enfatizando, sobretudo, a acessoriedade e a dependência, que são elementos distintivos da fiança, em detrimento da autonomia/independência – características da garantia autónoma – deve concluir-se que prestou uma fiança típica.

V - Revogada a autorização da actividade bancária do banco B pelo Banco de Portugal, decisão esta que produz os efeitos da declaração de insolvência, a obrigação garantida referida em IV venceu-se imediatamente, nessa data, nos termos e com o exacto alcance do disposto no art. 91.º, n.os 1 e 2, do CIRE, aplicável por força do disposto no art. 9.º, n.º 3, do DL n.º 199/2006, de 25-10, com as alterações dos DL n.º 31-A/2012, de 10-02 e n.º 23-A/2015, de 26-03.

VI - O problema do interusurium gerado pela antecipação do vencimento das obrigações do insolvente é resolvido pela lei – o art. 91.º, n.º 2, do CIRE – ao não reconhecer ao credor o direito aos rendimentos correspondentes ao período da antecipação.

VII - Uma vez que o Sindicato Bancário não podia, sob pena de abuso do direito, beneficiar da antecipação do vencimento referida em IV e, simultaneamente, exigir o valor total da garantia, com desconsideração do n.º 2 do art. 91.º do CIRE, o Estado Português deveria ter recusado o pagamento desse valor.

VIII - Não o tendo feito (e tendo pago, portanto, a totalidade), tal não lhe confere o direito de no processo de liquidação/insolvência do banco B reclamar o reconhecimento desse crédito total, pois excede aquilo que efectivamente lhe cabe a título de sub-rogação, nos termos dos arts. 644.º do CC e 91.º, n.º 2, do CIRE, sem prejuízo de repetir o indevido junto do próprio Sindicato Bancário.

IX - Cabe ao Estado Português, de acordo com a sua própria legislação, adoptar as medidas de execução necessárias ao cumprimento das decisões da Comissão Europeia.

X - À cobrança das dívidas do insolvente serve o processo de insolvência, regulado no CIRE, no qual o princípio da par conditio creditorum implica para o credor Estado Português que a ele recorra a renúncia ao regime especial fixado no art. 26.º da Lei n.º 112/97, aplicável somente a devedores solventes.

XI - A imputação do cumprimento em crédito reconhecido no âmbito de processo de insolvência faz-se por aplicação das regras dos arts. 172.º e segs. do CIRE, não havendo lugar à supletividade dos arts. 783.º a 785.º do CC.

Decisão Texto Integral:

Procº 519/10.5TYLSB-CE.L1

Relator: Nuno Cameira     

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

Por apenso ao processo de liquidação judicial do BANCO AA, SA, os credores vieram reclamar os seus créditos.

A Comissão Liquidatária apresentou a lista de créditos reconhecidos a que alude o artº 129º, do CIRE, bem como a dos não reconhecidos, tendo sido impugnada a lista apresentada.

Foi proferido despacho saneador, no qual, além do mais, e face aos elementos de prova constantes do processo, se julgaram reconhecidos e/ou não reconhecidos determinados créditos, em conformidade com o disposto no artº 136°, nº 5, do CIRE, nos termos constantes das páginas 1591 a 1614 daquela decisão.

O crédito do Estado Português, concretamente, foi reconhecido nos seguintes termos (transcrição):

“ Em conclusão:

Devem ser reconhecidos e verificados:

1. Estado Português:

1.1. Os créditos da Direcção Geral do Tesouro e Finanças, pelas seguintes quantias:

- € 447.809.967,7072, a qual corresponde ao valor reduzido da obrigação, (€ 446.632.941,030) acrescido de juros moratórios vencidos, contados de 16 de Abril de 2010 a 10 de Maio de 2010, à taxa de 3,953% ao ano.

- € 2.206.925,0198, que corresponde a juros de mora vencidos, contabilizados desde 11 de Maio de 2010 até 24 de Junho de 2010 (termo do prazo para a reclamação de créditos, à taxa de 3,953% ao ano), sobre o capital de € 446.632.941,030.

- € 122.500,00, que corresponde a taxas de garantia vencidas no período compreendido entre 26 de Fevereiro de 2010 e 16 de Abril de 2010.

- € 3.675,00, que corresponde a juros de mora, à taxa legal, desde a data da declaração de insolvência até ao termo do prazo para reclamar créditos, sobre as taxas de garantia vencidas.

Ao crédito reconhecido à Direcção Geral do Tesouro e Finanças deve ser deduzido o valor recebido por esta entidade, resultante do produto da venda do imóvel indicado em 1.34) dos factos assentes, em sede de execução fiscal.

1.2. O crédito da Fazenda Nacional pelas seguintes quantias:

- € 747.664,84, correspondente a retenção de IRS de 2006;

- € 1.144.842,95, correspondente a retenção de IRS de 2007;

- € 62.361,19, correspondente a tributação autónoma de IRC de 2009;

- € 503,50, correspondente a Coima/Substituição 2008, agravada;

- € 51,00, correspondente a coima;

- € 199.143,45, correspondente a juros de mora calculados até à declaração de insolvência, sobre as quantias correspondentes a retenção de IRS de 2006 e 2007;

- € 14.517,87, correspondente a juros de mora calculados desde a declaração de insolvência, até ao termo do prazo para reclamar, sobre as quantias correspondentes a retenção de IRS de 2006 e 2007;

- € 2,04, correspondente a juros de mora sobre a quantia de €51,00;

- € 1.247,20, correspondente a juros moratórios sobre a quantia de €62.361,19, pelo período compreendido entre Junho e Julho de 2010;

- € 107.499,86, relativo a juros compensatórios sobre a quantia de €747.664,84, pelo período compreendido entre 21 de Janeiro de 2007 e 26 de Agosto de 2010 (data da apresentação da rectificação dos valores devidos em sede de retenção na fonte do ano de 2006);

- € 118.938,20, relativo a juros compensatórios sobre a quantia de € 1.144.842,95, pelo período compreendido entre 21 de Janeiro de 2008 e 26 de Agosto de 2010 (data da apresentação da rectificação dos valores devidos em sede de retenção na fonte do ano de 2007);

- € 3.225,00, a título de juros moratórios sobre a quantia de €747.664,84, contados desde 28 de Outubro de 2010 até 28 de Janeiro de 2011;

- € 3.568,14, a título de juros moratórios sobre a quantia de €1.144.842,95, contados desde 28 de Outubro de 2010 até 28 de Janeiro de 2011;

- € 1.280,84, a título de custas do processo de execução fiscal n.º 3247201001186000;

- € 1.380,60, a título de custas do processo de execução fiscal n.º 3247201001186019.

Inconformados com o saneador-sentença, interpuseram recurso diversos credores, entre os quais se contam o Estado Português e a Comissão Liquidatária.

Por acórdão de 1/2/16 a Relação, no que se refere ao recurso do Estado Português - o único que agora interessa considerar - julgou-o parcialmente procedente, nos seguintes termos:

“ -Ao crédito reconhecido à Direção Geral do Tesouro e Finanças deve ser deduzido o valor resultante do produto da venda do imóvel indicado em 1.34) dos factos assentes, depois de abatido o montante das custas contadas na execução;

- Reconhece-se o crédito da Direção Geral das Contribuições e Impostos relativo a custas emergentes do processo nº 3247201001146050, no valor de EUR 17,07”.

Inconformado, o Estado Português interpôs recurso de revista excepcional, que por decisão da formação a que alude o artº 672º, nº 3, do CPC, foi admitido com fundamento no nº 1, a), daquele preceito – “relevância jurídica da questão sob recurso”.

As conclusões da revista do Estado são as seguintes [1]:

12ª - Sob o ponto 13.4 do Acórdão recorrido (p. 667) enunciou o Venerando Tribunal a quo, como questão que cumpriria apreciar a decidir no âmbito do recurso de Apelação interposto pelo Estado Português, a “qualificação da garantia pessoal prestada pelo Estado Português”, tratada no ponto 13.6 do mesmo (p. 668 a 674), decidindo o Tribunal que a fiança concedida pelo Estado Português para garantia das obrigações do BANCO AA perante o Sindicato Bancário é uma fiança pura e não uma fiança ao primeiro pedido, ou à primeira solicitação, contrariamente ao que havia decidido o Tribunal de Primeira Instância.

13ª - Tal questão não constitui objecto do recurso interposto pelo Estado Português (nem, aliás, de qualquer dos demais recursos decididos no presente Apenso), não tendo sido posta em causa neste particular pelo Estado Português a decisão proferida em sede de Despacho Saneador-Sentença – cfr. pontos 79 e 80 e Conclusões 28ª e 29ª do Recurso de Apelação –, uma vez que sufraga integralmente tal qualificação (apenas não sufragando as consequências (ou falta delas) retiradas pelo Tribunal de Primeira Instância dessa circunstância no que toca à figura da sub-rogação.

14ª - Sendo o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente (cfr. artigo 635º do CPC), e não podendo o Venerando Tribunal da Relação conhecer além do que lhe foi solicitado (cfr. artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 666º do mesmo diploma e do artigo 17º do CIRE), é inequívoco que ocorre no Acórdão revidendo excesso de pronúncia no que à questão em causa concerne.

15ª - Deve, em consequência, ser declarada por Vossas Excelências, Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, a nulidade do Acórdão recorrido, por violação do disposto no artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 666º do mesmo diploma e do artigo 17º do CIRE, com todas as legais consequências.

16ª - Sem prejuízo da (inadmissível, como se viu) operação de distinção entre fiança à primeira solicitação e fiança pura realizada pelo Venerando Tribunal a quo, este conclui decisoriamente de forma semelhante ao Tribunal de Primeira Instância, julgando que o quadro da acessoriedade presente em ambos os tipos de fiança não afastaria o disposto no artigo 644º do Código Civil quanto à sub-rogação do fiador nos direitos do credor.

17ª - Como se deixou já sobejamente exposto, e foi reconhecido pelo Tribunal de Primeira Instância, a garantia concedida pelo Estado Português é uma verdadeira fiança à primeira solicitação, caracterizada por o fiador ter de cumprir face ao pedido do credor sem que lhe possa opor, num primeiro momento, como é natural à fiança e uma das principais manifestações do seu carácter acessório, os meios de defesa que cabem ao devedor.

18ª - A distinção entre a fiança à primeira solicitação e a fiança pura tem, contrariamente ao que decidiram o Tribunal de Primeira Instância e o Venerando Tribunal a quo, importantes diferenças no regime aplicável, designadamente em sede de sub-rogação, não sendo admissível a conclusão, tão-só, que a distinção entre este tipo de fiança e o tipo-regra se cinge apenas à relegação do momento de oposição ao credor das excepções atinentes ao devedor, não tendo tal dilação temporal a virtualidade de alterar o regime base da fiança, no que às suas características essenciais diz respeito.

19ª - Não é esse, todavia, e salvo o devido respeito, o entendimento correcto, nem o entendimento da nossa melhor Doutrina, já que o especial carácter da fiança ao primeiro pedido, com a inerente automaticidade no pagamento, obriga a uma adaptação do regime da sub-rogação, em sentido distinto do previsto no artigo 644º do Código Civil.

20ª - O fiador ao primeiro pedido, que pagou ao credor o montante que lhe foi por este solicitado, pode reclamar depois do credor ou do devedor a prestação “indevidamente” efectuada, sendo que, neste último caso, o devedor que tem conhecimento do carácter de “ao primeiro pedido” da fiança que lhe foi concedida, é obrigado a suportar as consequências desse pagamento automático, entregando ao fiador o montante despendido em cumprimento da fiança, e reagindo posteriormente, se assim o entender, contra o credor, para repetição daquilo que indevidamente pagou, a este podendo opor todos os meios de defesa relevantes.

21ª - In casu, o BANCO AA não só conhecia o carácter de “ao primeiro pedido” da fiança em apreço, como não ignorava que tal garantia tinha sido essencial à concessão do empréstimo pelo Sindicato Bancário.

22ª - O Estado Português não podia opor ao Sindicato Bancário qualquer abuso (quer abuso de direito stricto sensu, quer abuso da sua posição formal por inexistência do próprio direito), já que inexistiu qualquer abuso (ou aparência de) no acionamento da fiança, na medida em que o artigo 91º, nº 2 do CIRE era inaplicável,

23ª - Razão pela qual o Estado Português não podia recusar o pagamento solicitado. Por outro lado,

24ª - Ainda que assim não fosse, no que se não concede, a verdade é que o pagamento de juros remuneratórios pelo período que medeia entre a interpelação pelo Sindicato Bancário e o pagamento pelo garante não se veria afectado por tal entendimento.

25ª - Tal pagamento de juros remuneratórios pelo garante até ao momento do vencimento da obrigação da garantia é perfeitamente imputável à esfera do BANCO AA, na medida em que, não pagando o montante devido, e vendo-se o Sindicato Bancário obrigado a accionar a garantia, apenas recebendo o montante até 30 dias úteis depois, o BANCO AA mantinha a disponibilidade do montante mutuado (como, aliás, mantém até à data…), pelo que nenhum prejuízo ocorre na sua esfera.

26ª - Sendo que, a entender-se que seriam moratórios e não remuneratórios os juros a pagar por esse período, maior seria a penalização do BANCO AA, já que a taxa de mora correspondia à taxa de juros remuneratórios acrescida de 2%, como decorre da Cláusula 8ª do Contrato de Empréstimo (cfr. ponto 1.10)…!

27ª - Em face de tudo o exposto, é, pois, manifesto que podia o Estado Português reclamar – como fez – a totalidade do montante efectivamente pago em cumprimento da garantia concedida ao BANCO AA, não lhe sendo oponível, ainda que pudesse entender-se aplicável, o disposto no artigo 91º, nº 2 do CIRE, no que não se concede.

28ª - Ao decidir diversamente fez o Tribunal a quo errada aplicação, ao caso vertente, do disposto no artigo 644º do Código Civil. Mas ainda que assim não fosse e sem conceder,

29ª - Não poderia aceitar-se a aplicação do artigo 91º, nº 2 do CIRE feita pelo Tribunal de Primeira Instância e sufragada pelo Tribunal recorrido.

30ª - A ratio legis da referida norma é a de evitar que, num procedimento concursal, o credor cujo crédito ainda não está vencido seja beneficiado face aos demais credores, evitar o benefício do credor, por juros superiores, que poderia obter com o vencimento antecipado – o denominado interusurium.

31ª - Não pode aceitar-se a conclusão do Tribunal de Primeira Instância, confirmada pelo Tribunal a quo, de que, no caso vertente, o regime do artigo 91º, nº 2 do CIRE se afasta da formulação apresentada por Vaz Serra sobre ao interusurium, por não erigir como requisito de aplicabilidade a efectiva entrega de capital, pelo devedor ao credor, bastando-se com o mero vencimento antecipado da dívida,

32ª - Pois essa conclusão, aliás não fundamentada, desfigura completamente o próprio instituto.

33ª - O benefício que se pretende prevenir com o interusurium é sempre e necessariamente o da antecipação do recebimento, como consequência da antecipação do vencimento, mas não ocorrendo a primeira, a segunda não tem, como é evidente, qualquer relevância.

34ª - Em face do telos do instituto do interusurium, não pode aceitar-se a tese da consagração de uma forma especial de interusurium que não teria, afinal, qualquer das características da forma-regra,

35ª - E que levaria a que em casos em que o credor não teve qualquer benefício com a antecipação do reembolso, a aplicação sem mais do artigo 91º, nº 2 configurasse uma verdadeira e própria expropriação do direito do credor.

36ª - Não corresponde à realidade, contrariamente ao que pressupõe a decisão recorrida, que o Sindicato Bancário tenha sido beneficiado com a antecipação do vencimento por efeito do artigo 91º, nº 1 do CIRE, levando à aplicação do artigo 91º, nº 2 do mesmo diploma legal.

37ª - Na verdade, o Sindicato Bancário foi efectivamente beneficiado, porquanto recebeu o seu crédito no vencimento, mas não por força da antecipação desse vencimento em razão da decisão de liquidação (equiparável, no âmbito das instituições de crédito, à declaração de insolvência), e sim porque beneficiava da garantia prestada pelo Estado.

38ª - Se o Sindicato Bancário fosse um credor não afiançado, o vencimento do seu crédito não lhe traria, como é manifesto, qualquer benefício, porquanto o não receberia; não lhe traria, designadamente, o interusurium que a norma em apreço visa prevenir.

39ª - E assim sendo, a entender-se aplicável in casu a sub-rogação do Estado Português nos direitos do Sindicato Bancário prevista no artigo 644º do Código Civil, sem a adaptação imposta pela natureza da fiança à primeira solicitação – no que não se concede –, é manifesto que o benefício da antecipação também não ocorreu na esfera do Estado Português.

40ª - A aplicação da norma não pode desconsiderar que, no caso vertente, a antecipação do vencimento não permitiu ao credor receber antecipadamente o cumprimento da obrigação que se venceria em momento ulterior.

41ª - Não existindo para o credor qualquer possibilidade de lucrar com o vencimento antecipado do seu crédito, sempre será completamente inadmissível a aplicação do artigo 91º, nº 2 do CIRE, cuja única finalidade é, exactamente, impedir esse lucro!

42ª - Pelo que, ainda que, sem conceder, se entendesse ser de aplicar o artigo 91º, nº 2 do CIRE, haveria que reconhecer que, atendendo às muitas particularidades já referidas da garantia do Estado, e do seu carácter de pagável em primeira interpelação, e, em particular, ao facto de não ter sido recebido qualquer montante em momento anterior ao do prazo de vencimento inicial da obrigação, sempre se imporia uma redução “teleológica” da aplicação da norma, que manifestamente não foi concebida para casos como o presente, razão pela qual também por esta via sempre se revelaria inaceitável a aplicação do artigo 91º, nº 2 do CIRE in casu.

43ª - Concluindo-se pela inaplicabilidade da norma ao caso vertente, como se impõe, não pode haver lugar a qualquer redução da obrigação, subrogando-se antes o Recorrente na totalidade do montante que pagou em execução da garantia por si outorgada, nos termos do disposto no artigo 644º do Código Civil.

44ª - Mas, ainda que se pudesse entender que haveria a possibilidade de reaplicar tal montante, no que não pode conceder-se, sempre se dirá que, se o crédito em causa foi concedido a taxa inferior à taxa legal – ou mesmo, numa interpretação teoricamente possível, inferior à taxa de mercado – tal deve-se essencialmente ao facto de a obrigação se encontrar garantida pelo Estado e, como tal, apresentar risco zero para o credor originário.

45ª - Mas tendo em consideração tal realidade, e a entender-se aplicável o artigo 91º, nº 2 do CIRE, pretendendo tratar o Estado Português como um credor comum, no sentido jurídico-privatístico do termo, sempre haveria, pelo menos, que efectuar o cálculo previsto no artigo 91º, nº 2 do CIRE entre a taxa, tal como prevista pela Comissão Europeia como sendo a taxa aplicável em condições normais de mercado e a taxa legal, a que alude (embora também sem qualquer adesão à realidade) o disposto no artigo 91º, nº 1 do CIRE, e não entre a taxa efectivamente aplicável ao empréstimo e a taxa legal, uma vez que a primeira apenas foi obtida atento o carácter especialíssimo da garantia de Estado, e que justificaria um tratamento distinto do seu crédito.

46ª - Não podendo em absoluto aceitar-se, quanto a este concreto ponto, o descartar da Decisão da Comissão Europeia, com a vinculatividade que é está subjacente, pelo Tribunal da Relação, num mero parágrafo – cfr. página 679 e 680 da decisão recorrida!

47ª - Ao decidir diversamente fez o Tribunal a quo incorrecta aplicação do disposto nos artigos 8º, nº 4 e 205º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 260º do Tratado da União Europeia, no artigo 91º, nº 2 do CIRE e no artigo 644º do Código Civil.

48ª - Julgou ainda o Venerando Tribunal da Relação de … – salvo o devido respeito, que muito é, mal – não poder ser afastado o regime o artigo 91º, nº 2 do CIRE em virtude da especial natureza da garantia prestada pelo Estado Português, à luz do regime instituído pela Lei nº 112/97, de 16 de Setembro, ao abrigo da qual a garantia foi concedida e, em particular, o seu artigo 26º.

49ª - Mal, porquanto não fez o douto Tribunal a quo adequada ponderação na decisão de aplicação da norma em causa do facto de o Estado não ser um qualquer garante (tal como é entendido no mecanismo civilístico do direito das obrigações), mas sim um fiador em condições especialíssimas, que justificam, aliás, todos os procedimentos previstos na Lei nº 112/97, de 16 de Setembro, e apenas em situações que se revestem em “manifesto interesse para a economia nacional”.

50ª - Neste conspecto, é manifesta a relação de especialidade entre os normativos da Lei nº 112/97 a que acima se aludiu e a norma do artigo 91º, nº 2 do CIRE, sendo esta última necessariamente derrogada pelos primeiros, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, em particular no que concerne ao disposto no artigo 26º da Lei nº 112/97.

51ª - Na verdade, a previsão do especial regime coercivo do referido artigo 26º representa uma opção do legislador que desenhou o regime da garantia de Estado pela submissão da cobrança dos montantes emergentes da prestação dessa garantia a um determinado conjunto de normas, que é o do processo de execução fiscal (e, subsidiariamente, por força dos artigos 2º, alínea e) e, especificamente no que releva para o caso sub judice, 246º do Código de Processo e Procedimento Tributário, o processo executivo previsto no Código de Processo Civil).

52ª - Em sede de execução fiscal – e, aliás, também no processo executivo previsto no CPC, subsidiariamente aplicável – não existe norma que, à semelhança do que entende o douto Tribunal a quo suceder na aplicação do artigo 91º, nº 2 do CIRE, reconduza a verificação do interusurium ao mero vencimento do crédito (mas tão-só ao seu pagamento – artigo 788º do CPC).

53ª - Ou seja, aplicando-se o disposto no artigo 26º da Lei nº 112/97 –  que, aliás, não deixa de ser aplicável em sede de liquidação judicial, contrariamente ao que parece pretender o Venerando Tribunal a quo, podendo ser instaurada execução fiscal, e havendo apenas que a suspender e adequar o procedimento, nos termos do artigo 180º CPPT, o que significa não uma inaplicabilidade do regime de cobrança coerciva (contrariamente ao que sucede com as execuções comuns, que não podem sequer ser instauradas, nos termos do artigo 88º do CIRE) mas a sua prossecução por outra via –  inexistiria qualquer penalização do crédito do Estado Português por via da eliminação do interusurium.

54ª - Isto, apesar de o incumprimento que tivesse determinado o accionamento da garantia de Estado, qualquer que fosse, tivesse igualmente gerado uma antecipação do vencimento do crédito, o que sempre sucede, como é evidente, quando o incumprimento ocorre antes do vencimento inicialmente acordado.

55ª - Seguindo-se o regime do CIRE, na interpretação feita na decisão recorrida, e tratando exactamente a mesma realidade, uma vez que em ambos os casos haveria, como se referiu, antecipação do vencimento, existe uma penalização significativa do direito ao recebimento do crédito de capital do Estado Português, conduzindo, assim, os dois regime legais em apreço a tratamentos manifestamente desiguais e incompatíveis da mesma realidade: o resultante da aplicação do artigo 26º da Lei nº 112/97, especialmente desenhado para o regime legal da garantia de Estado, e o do artigo 91º, nº 2 do CIRE, genericamente previsto para o regime geral da insolvência de pessoas singulares e colectivas, aliás aplicável às instituições de crédito por remissão legal, note-se, do artigo 8º, nº 1 do Decreto-Lei nº 199/2006.

56ª - Sendo que, atendendo à especialidade a que acima se aludiu da garantia pessoal de Estado e do regime que a envolve, a solução a adoptar para resolver tal conflito passa, necessariamente, pela inaplicabilidade do disposto no artigo 91º, nº 2 do CIRE ao caso vertente; ou, quando muito, à compatibilização dos dois regimes legais, por aplicação analógica do disposto no artigo 791º, nº 3 do CIRE, relegando o emprego do disposto no artigo 91º, nº 2 do CIRE para o momento da antecipação do pagamento (se antecipação acontecer), e não do mero vencimento da obrigação,

57ª - O que, em todo o caso, sempre determinaria a inequívoca inaplicabilidade do preceituado no artigo 91º, nº 2 do CIRE ao crédito reclamado pelo Estado, que deveria ter sido reconhecido na sua totalidade, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo na decisão de que ora se recorre, tendo o Tribunal, ao decidir contrariamente, feito errada aplicação do disposto no artigo 91º, nº 2 do CIRE, em conjugação com o disposto no artigo 26º da Lei nº 112/97.

58ª - Por outro lado, é ainda inaplicável no caso vertente o disposto no artigo 91º, nº 2 do CIRE, uma vez que a sua aplicação conduziria a uma violação do disposto no artigo 107º do Tratado da União Europeia, no seu nº 1, directamente aplicável na nossa ordem jurídica por força do disposto nos artigos 8º, nº 2 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

59ª - Entendeu o douto Tribunal a quo julgar tal argumento também improcedente, na medida em que “a recuperação total do auxílio “ilegal” concedido pelo Estado-Membro, sendo embora um objectivo a perseguir, não se pode arvorar em valor absoluto pelo que, sendo o devedor insolvente, a aplicação do art. 91º, nº 2 do CIRE não só não constitui violação do art. 107º, do Tratado de Funcionamento da União Europeia, como, pelo contrário, se insere na linha das orientações veiculadas pela Comissão e pela jurisprudência do TJUE.”

60ª - Não pode, todavia, aceitar-se tal decisão, bastando, como justificação, dizer que a mera aplicação do artigo 91º, nº 2 do CIRE impede, por si só, e independentemente de quaisquer diligências, a recuperação do auxílio em causa, porque o excesso apenas existe na ficção legal gerada pela aplicação do artigo 91º, nº 2 do CIRE!

61ª - Ou seja, não só existe auxílio ilegal pela não recuperação da diferença correspondente à taxa de juro, bonificada, que foi concedida pelo Sindicato Bancário atenta a garantia prestada pelo Estado Português e a taxa que seria aplicada em condições de mercado normais, tal como determinada pela Comissão Europeia, como existe ainda auxílio ilegal pela eventual não recuperação da diferença entre essa taxa que seria aplicada em condições de mercado normais e a taxa de juro legal, pelo período da antecipação do vencimento, cuja dedução ao capital é imposta pelo artigo 91º, nº 2 do CIRE.

62ª - E se o primeiro destes montantes é ainda recuperável, por via da verificação ulterior oportunamente deduzida pelo Estado Português nestes autos, o segundo, levada a tese sufragada pelo Tribunal a quo às suas inevitáveis consequências, nunca o seria, atenta a aplicação de norma que, por si só, reduziria ab initio o montante a recuperar, sem que, efectivamente tivesse ocorrido a hipotética recuperação do montante pago que permitisse, também hipoteticamente, a sua aplicação à taxa de juro legal, por forma a recuperar a totalidade do valor em dívida ao Estado Português.

63ª - Não bastando, para resolver tal incompatibilidade com o preceituado no artigo 107º, nº 1 do TUE, que se afirme, como faz o Tribunal recorrido, que a recuperação ocorra no quadro normativo vigente do Estado-membro, se a norma em apreço não configura uma mera modelação do regime da reclamação do crédito, mas um impedimento de substância à aplicação de lei comunitária que constitui norma legal de valor superior.

64ª - Resulta, pois, manifesto que a aplicação ao caso vertente do disposto no nº 2 do artigo 91º do CIRE, gerando a redução do montante do crédito reclamado pelo Estado Português, conduziria a um auxílio incompatível com as normas comunitárias – e, como tal, ilegal –, pelo montante dessa mesma redução, e, assim sendo, não poderá, em qualquer caso, a norma constante do artigo 91º, nº 2 do CIRE deixar de considerar-se derrogada, em face da norma de hierarquia superior plasmada no artigo 107º do TUE.

65ª - Também por esta via sempre deveria ter sido reconhecido ao Estado Português o crédito de capital e juros remuneratórios reclamado, acrescido dos juros vincendos, tendo a decisão de que ora se recorre feito, ao decidir em sentido contrário, errada aplicação do disposto no artigo 107, nº 1 do TUE.

66ª - Alegou ainda o Recorrente, no seu recurso de Apelação, que mesmo a entender-se aplicável o disposto no artigo 91º, nº 2 do CIRE sempre haveria que considerar que o artigo 473º do Código Civil obstaria ao resultado a que conduz a aplicação da norma, no caso concreto.

67ª - Visando a prevenção do interusurium evitar que o credor receba antecipadamente, podendo fazer uso e frutificar o montante recebido, tal instituto responde ainda ao prejuízo do devedor que se veja privado, também antecipadamente, da utilidade que lhe proporcionava o montante que apenas no futuro teria que devolver (e que ele próprio podia, no período intermédio, usar e frutificar), inexistindo, pois, um verdadeiro enriquecimento do devedor, uma vez que a norma apenas compensa o facto de ter pago antecipadamente.

68ª - Todavia, existirá já enriquecimento sem causa quando inexista verdadeira antecipação do cumprimento, já que nem o credor recebeu antecipadamente, nem o devedor se viu antecipadamente privado desse montante.

69ª - E é exactamente esta a situação que ocorre in casu.

70ª - Assim não o entendeu o Venerando Tribunal a quo, defendendo que “não foi ao insolvente que o Estado pagou, pelo que, em caso de pagamento “excessivo”, a repetição do indevido deverá ser dirigida contra os mutuantes e não contra o mutuário”.

71ª - Salvo o devido respeito, que muito é, tal decisão radica numa incompreensão do argumento do Recorrente, que não assenta no eventual enriquecimento sem causa do Sindicato Bancário relativamente ao Estado Português caso venha a presente decisão a transitar em julgado, e que se reconhece .

72ª - O enriquecimento sem causa a que nos referimos é o do BANCO AA relativamente ao Estado Português, ao ser permitido, por via de uma norma que tem por pressuposto, na sua raiz, um instituto que visa prevenir a antecipação do pagamento, mas que a reconduz, na aplicação feita pelo Tribunal a quo, ao mero vencimento.

73ª - A própria norma do interusurium quer, exactamente, impedir o enriquecimento ilícito do credor à custa do Insolvente, porquanto repugnaria a consciência jurídica que o primeiro lucrasse com a insolvência do segundo.

74ª - Daí que se imponha o interusurium quando ele seja necessário para restabelecer o equilíbrio das prestações, não permitindo ao credor obter mais do que aquilo que lhe era devido.

75ª - Mas quando uma aplicação viciada da norma implica que o credor obtenha menos por via da insolvência (e menos, não por faltar património, mas menos ab initio, por uma ficção de vencimento), e esse menos fique na esfera do devedor, como sucede no caso vertente, há, manifestamente, um enriquecimento ilegítimo deste último, que se tem, Excelentíssimos Senhores Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, por tão evidente quanto iníquo.

76ª - Ao decidir diversamente fez o Venerando Tribunal a quo errada aplicação do disposto no artigo 474º do Código Civil.

77ª - Foi ainda suscitada em sede de Recurso de Apelação a forma pela qual o Tribunal de Primeiro Instância imputou ao crédito reconhecido (ainda que com as limitações supra-referidas) nestes autos da venda, em execução fiscal, pelo valor de € 3.505.000,00 (três milhões quinhentos e cinco mil euros), de imóvel dado em garantia desse mesmo crédito por entidade terceira.

78ª - Entendeu o aqui Recorrente que tal imputação havia sido feita de forma incorrecta por – no que aqui releva – ter o Tribunal de Primeira Instância afastado nessa operação a aplicação do regime do artigo 785º do Código Civil, tendo defendido, em sede de Apelação, além dessa aplicação a qualquer pagamento, e não apenas ao pagamento voluntário, que nenhuma razão existiria ainda que assim não se entendesse para não dar aplicação a tal norma, na medida em que tais montantes haviam sido obtidos de um terceiro garante, e não no âmbito da insolvência do devedor principal.

79ª - Essa circunstância implica, por um lado, que não possam convocar-se contra a aplicação do artigo 785º do Código Civil as normas próprias da insolvência; e, por outro, que esse pagamento não possa ser considerado um pagamento não voluntário (ou, a contrario, coercivo) na esfera do devedor principal, aqui Insolvente, para efeitos de afastar aquela mesma disposição legal.

80ª - Assim o não entendeu o Venerando Tribunal a quo, defendendo, ao abrigo do invocado Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 2004, que os artigos 783º a 785º do Código Civil pressupõem a espontânea acção de cumprimento pelo devedor, situação que não ocorre no caso, já que o bem imóvel foi vendido numa execução fiscal; e defendendo ainda que existiria colisão entre o pretendido pelo Recorrente e as normas aplicáveis em sede de insolvência, i.e., os artigos 48º e 177º do CIRE.

81ª - No entanto, e no que concerne ao primeiro argumento, cumpre notar que o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não trata de caso semelhante ao presente, mas de uma situação factual diversa, em que o cumprimento, coercivo ou voluntário, é sempre do próprio devedor, e não de terceiro, como sucede in casu.

82ª - Pelo que, e mesmo a aceitar-se o defendido nesse aresto no sentido de o artigo 785º apenas se aplicar ao pagamento voluntário, fora de um cenário de execução – no que se não concede e apenas a benefício de raciocínio se equaciona – tal decisão nada diz da situação vertente, em que o pagamento foi efectuado por um garante.

83ª - Por outro lado, a circunstância de o pagamento ter sido obtido em execução, designadamente fiscal, não torna in casu o pagamento coercivo: a execução fiscal é o regime-regra que o Estado Português tem imperativamente que observar, nos termos do já supra-mencionado artigo 26º da Lei nº 112/97, de 24 de Setembro, não podendo recorrer a qualquer outro, não podendo dessa circunstância, em seu prejuízo, derivar-se qualquer involuntariedade do pagamento do terceiro garante para os efeitos da aplicação do disposto no artigo 785º do Código Civil.

84ª - Basta dizer que, fosse a garantia uma fiança, e o co-devedor pagasse voluntariamente, a imputação se faria primeiramente ao juro vencido, continuando o capital em dívida, na parte não satisfeita, a vencer juros até ao seu pagamento integral.

85ª - Tal injustificada disparidade de tratamento entre uma garantia pessoal e uma garantia real não tem qualquer assento na Lei e seria, pois, ilícita e, como tal, inadmissível.

86ª - E no que concerne à pretensa colisão com o disposto nos artigos 48º e 177º do CIRE, dir-se-á tão somente que a primeira destas normas não tem qualquer conteúdo dispositivo, limitando-se a enunciar classes de credores, e a determinar a alocação de certos créditos a essas classes, no âmbito da insolvência; e a segunda, a especificar a ordem de pagamento de acordo com as ditas classes, considerando em último lugar os créditos subordinados.

87ª - A questão da alocação dos montantes pagos por terceiros é prévia, não só temporal, mas também logicamente, à aplicação das ditas normas: quando exista uma dívida de capital e juros, e o terceiro garante pague um montante que não seja suficiente para liquidar ambas, a imputação regra é feita ao juro, e apenas depois ao capital, e é feita nesse momento de pagamento. Coisa diversa, e ulterior, é retirar dos créditos pelos quais responda a massa insolvente o que já foi pago ao credor.

88ª - Se o que foi pago ao credor foi apenas juro, é apenas isso que pode ser deduzido ao crédito reclamado; e, em seguida, ser o crédito reclamado subsistente, qualquer que seja a sua qualificação, devidamente graduado e pago nos termos do CIRE, inexistindo pois, qualquer colisão que impeça a aplicação do disposto no artigo 785º do Código Civil.

89ª - Veja-se, aliás, a este respeito, mutatis mutandis, o regime instituído pelo artigo 179º do CIRE (“Pagamento no caso de devedores solidários”), e a anotação de Luís CARVALHO FERNANDES e João LABAREDA a este respeito supra-citada, e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

90ª - Também nesta parte fez o Tribunal a quo errada aplicação das normas legais aplicáveis, designadamente, do disposto nos artigos 785º e 686º, nº 1 do Código Civil e nos artigos 48º, 177º e 179º do CIRE.

Com base nestas conclusões o recorrente  sustenta, a final, que (transcrição):

1º - Deve ser declarada a nulidade do Acórdão recorrido, por violação do disposto no artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 666º do mesmo diploma e do artigo 17º do CIRE, com todas as legais consequências.

Caso assim não se entenda, sem conceder,

2º - Deve ser revogada a decisão recorrida proferida pelo Tribunal a quo e substituída por outra que:

(a) reconheça ao Estado Português o crédito de capital e juros remuneratórios reclamado, no montante de € 450.974.875,00, e o montante de juros moratórios vencidos, que à data da reclamação se cifrava em € 1.932.450,00, acrescido dos juros vincendos até integral pagamento, e

(b) determine a imputação dos montantes recebidos pelo Estado Português por força da venda do imóvel do terceiro garante ao juro devido, e não ao capital.

A Comissão Liquidatária contra alegou (fls 8867/8921), defendendo a confirmação do acórdão da 2ª instância.

II. Fundamentação

a) Matéria de Facto:

1

Em 24 de Novembro de 2008, o conselho de Administração do BANCO AA, SA, endereçou uma carta ao Banco de Portugal (BdP), por este recebida, na qual se pode ler: “Mais informamos que, atento o atrás mencionado quase exaurimento da tesouraria do BANCO AA, S.A., bem como a iminência da integração em processo de saneamento, cujos termos concretos não são totalmente antecipáveis nesta data, a Administração do BANCO AA deu instruções para a cessão de todos e quaisquer pagamentos a clientes ou terceiros, bem como da entrega de activos até decisão do Banco de Portugal na sequência da presente carta”, conforme doc. fls. 256 a 261 do apenso BA).

2

Em 30 de Novembro de 2008, o BANCO AA, SA, solicitou a concessão de garantia pessoal do Estado a um empréstimo de E 450.000.000,00, à data em negociação, com um sindicato bancário constituído pelo BANCO CC, S.A., a BANCO DD, S.A., o BANCO EE, S.A., o BANCO FF, SA, o BANCO GG, SA, e a BANCO HH. (doc. fls. 43930 a 43952).

3

Na sequência dessa solicitação o Ministério das Finanças e da Administração Pública solicitou ao BdP a elaboração de um parecer no qual o BdP considerou relevantes os seguintes argumentos (doc. fls. 43.910 a 43.914):

a) O BANCO AA apresenta graves problemas de liquidez que podem determinar que, independentemente da sua posição de solvabilidade, possa ser arrastado para uma situação de falência. No contexto da actual crise financeira internacional é desaconselhável deixar falir um banco. ( ... ) Portugal seria, assim, o primeiro país europeu a permitir que tal acontecesse neste caso ( ... ) a sua falência não deixaria de ter repercussões negativas a nível da imagem internacional do sistema bancário nacional, acentuando as dificuldades do financiamento externo.

b) No caso de as autoridades não procederem a qualquer tentativa de intervir no BANCO AA, poderia gerar-se um efeito de contágio sobre várias pequenas instituições que integram o nosso sistema, conduzindo à necessidade de mais intervenções no futuro, com riscos sistémicos mais evidentes.

c) A intervenção no BANCO AA é a única forma de cumprir o compromisso do Governo de salvaguardar a segurança dos depósitos bancários, uma vez que a utilização do FGD não permitiria assegurar esse objectivo.

d) Para além dos depósitos, o passivo do Balanço do BANCO AA inclui aplicações de algumas instituições de crédito portuguesas, nomeadamente uma Caixa Económica e cinco Caixas de BANCO HH que não pertencem ao SICAM. Estas aplicações montam a cerca de 120 milhões de euros e no caso de não serem recuperadas no contexto de uma falência, poderiam conduzir à insolvência de várias das referidas Caixas. Essa eventualidade, ou mesmo o mero conhecimento da existência dessas aplicações sem protecção, poderia ter enormes efeitos de contágio sobre inúmeras Caixas do SICAM no actual momento que atravessamos”. E concluiu: “Considera-se assegurada a finalidade prevista no art.° 8° da Lei n.° 112/97, bem como, nos termos da alínea a) do nº 1 do art.° 9° da mesma Lei, o interesse do Estado na operação financeira em análise, resultando da necessidade de salvaguardar os fins atribuídos ao sistema financeiro pelo artigo 101° da Constituição da República Portuguesa (a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social do País).

No actual contexto do sistema financeiro, em que se verifica uma restrição de liquidez nos mercados financeiros e uma grave crise de confiança que impede o funcionamento do mercado interbancário, revela-se imprescindível que seja o Estado a garantir a operação de financiamento em causa [cfr. alínea d) do nº1 do artº 9º da Lei 112/97].

A operação de financiamento ao BANCO AA constitui instrumento de curto prazo necessário para a manutenção do funcionamento da instituição e para possibilitar a posterior realização de um estudo de viabilização [cfr. alínea b) do nº 1 do artº 9° da Lei n.° 112/97 e alínea c) do nº 2 da mesma disposição legal].

(…)

Por último, a instituição apresentou contragarantias ao Estado no sentido de oferecer segurança face às responsabilidades que pretende assumir perante as instituições de crédito financiadoras, as quais por sua vez beneficiarão de uma garantia do Estado [alínea c) do nº 1, do artº 9° da Lei 112/97]”.

4

No DR 2ª série - nº 167 de 30 de Agosto de 2007, foi publicado o Despacho nº 19. 634/2007, com o seguinte teor:

“Ao abrigo do disposto nos artigos 35º, 36º e 37º do Código do Procedimento Administrativo, e tendo em conta o nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 79/2005, de 15 de Abril, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 240/2007, de 21 de Junho, e de harmonia com o disposto no Decreto-Lei nº 205/2006, de 27 de Outubro: (...)

2 - Delego ainda no Secretário de Estado do Tesouro e Finanças as competências que me são legalmente conferidas respeitantes a processos:

2.8 - De aprovação e autorização da concessão de garantias do Estado, nos termos dos artigos 3.° e 15.° da Lei n.° 112197, de 16 de Setembro”.

5

Em reunião extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal ocorrida em 1 de Dezembro de 2008 foram aprovadas as seguintes deliberações (doc. Fls. 43.928):

“Considerando que o BANCO AA, após a divulgação de uma revisão da sua notação pela Moody's no passado dia 13 de Novembro, tem vindo a enfrentar dificuldades de liquidez que se transformaram numa situação de grave desequilíbrio financeiro, confirmada por escrito no passado dia 24 pela própria Instituição ao Banco de Portugal;

Considerando que o Banco de Portugal, por carta de 25 de Novembro de 2008, determinou à referida instituição de crédito, nos termos do artigo 142° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), que apresentasse com urgência um plano de recuperação e saneamento;

Considerando que, em virtude dos riscos de contágio que aquela situação potencialmente comporta, foi possível obter a concordância de outras instituições de crédito para prestar apoio financeiro ao BANCO AA e que, para viabilizar esse apoio, foi concedida uma garantia do Estado, com contragarantia de activos da instituição;

Considerando que se torna necessário proporcionar à instituição de crédito em causa uma gestão ajustada às circunstâncias actuais e, designadamente, assegurar que o apoio financeiro acima referido vai ser aplicado da forma mais adequada;

Considerando, finalmente, que a administração do BANCO AA deve ser reorganizada segundo critérios de operacionalidade de gestão e de otimização de novas condições de confiança do público,

O Conselho de Administração delibera:

Designar, nos termos das alíneas a) e b) do n" 1 do artigo 143° do RGICSF, para o BANCO AA, os seguintes administradores provisórios:

- Professor Doutor II, que exercerá as funções de Presidente

- Dr. JJ

- Dr. KK

- Drª LL

Tendo em conta a urgência da deliberação presentemente adoptada para evitar a degradação da situação financeira da instituição a que respeita, não há lugar a audiência dos interessados, nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 103° do Código do Procedimento Administrativo”.

Considerando que o BANCO AA se encontra numa situação de grave desequilíbrio financeiro, confirmada por escrito no passado dia 24 pela própria Instituição ao Banco de Portugal;

Considerando que o Banco de Portugal determinou à referida instituição de crédito, nos termos do artigo 142° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), que apresentasse com urgência um plano de recuperação e saneamento;

Considerando que foi possível obter a concordância de outras instituições de crédito para prestar apoio financeiro ao BANCO AA e que, para viabilizar esse apoio, foi concedida uma garantia do Estado, com contragarantia de ativos da instituição;

Considerando o facto de o Banco de Portugal ter nomeado Administradores Provisórios para integrar o Conselho de Administração do BANCO AA, SA;

Considerando que o novo Conselho de Administração do BANCO AA tem necessidade de proceder a uma análise cuidadosa do exato alcance das obrigações assumidas pelo BANCO AA no contexto da sua atividade de gestão de patrimónios,

O Conselho de Administração delibera:

Nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 145º do RGICSF, dispensar o BANCO AA, durante um período de 3 meses, do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, prioritariamente no âmbito da atividade de gestão de patrimónios, na medida em que tal se mostre necessário à reestruturação e saneamento da instituição”.

O Conselho aprovou ainda um Parecer, cujo texto se anexa, solicitado pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública e referente a um pedido de garantia pessoal do Estado relativa ao cumprimento das obrigações de capital e juros decorrentes de um financiamento de 450 milhões de euros concedido ao BANCO AA S.A. por um consórcio bancário.

Por razão de urgência, o Conselho de Administração delibera que a ata da presente reunião seja aprovada em minuta, com vista à execução imediata das deliberações tomadas, nos termos do nº3 do artigo 27º do Código do Procedimento Administrativo”.

6

O parecer a que alude a deliberação referida em 5) é o parecer dado por reproduzido em 3).

7

No dia 4 de Dezembro de 2008 foi publicado no DR, 2ª série, nº 235, o despacho do Secretário do Estado do Tesouro e Finanças de 1 de Dezembro de 2008, com o nº 31268-A/2008, com o seguinte teor:

“Considerando que o BANCO CC, S. A., a BANCO DD, S. A., o BANCO EE, S. A., o BANCO GG, SA, o BANCO FF, SA, e a BANCO HH (doravante “mutuantes”), se manifestaram disponíveis para efetuar uma operação de financiamento ao BANCO AA, SA, no montante global de E 450.000.000, sob a forma de empréstimo garantido pela República Portuguesa;

Considerando que o presente empréstimo visa o reforço da tesouraria do BANCO AA, SA., indispensável para assegurar, num período intercalar, o cumprimento das responsabilidades do passivo desta instituição para com os respectivos depositantes e outros credores;

Considerando que no atual contexto do sistema financeiro, em que se verifica uma restrição de liquidez nos mercados financeiros e uma crise de confiança que impede o funcionamento do mercado interbancário, o BANCO AA, SA, atingiu uma situação de quase rutura de tesouraria, que conduziu a que o Banco de Portugal determinasse, no passado dia 25 de Novembro, a apresentação por aquela instituição de um plano de recuperação e saneamento, nos termos da alínea a) do artigo 141º, nº1 e do artigo 142º, nº 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;

Considerando o manifesto interesse para a economia nacional da operação de financiamento ao BANCO AA, SA, resultante da necessidade de salvaguardar a estabilidade do sistema financeiro nacional, a manutenção da credibilidade do sistema bancário português no contexto internacional e a proteção dos fins que são reconhecidos ao sistema financeiro pelo artigo 101º da Constituição da República Portuguesa (a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social do País);

Considerando, neste âmbito, que entre os clientes de depósito desta instituição se encontra um conjunto alargado de clientes institucionais do sector financeiro e de pequenos e médios empresários de relevo a nível regional e com impacte para a economia nacional;

Considerando que a presente operação de financiamento é susceptível de beneficiar de uma garantia pessoal do Estado nos termos da Lei nº 112/97, de 16 de Setembro, tendo em vista especificamente a manutenção da exploração da instituição enquanto se procede à elaboração de um estudo de viabilização, em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 9º da referida lei;

Considerando que a operação de financiamento ao BANCO AA, SA, constituiu um instrumento de curto prazo necessário para a manutenção da instituição em termos que permitam a realização do estudo tendente à respectiva viabilização;

Considerando na estrita medida o propósito de assegurar a estabilidade do sistema financeiro e a proteção dos depositantes e outros credores desta instituição, a garantia pessoal do Estado tem exclusivamente por objeto o financiamento destinado a fazer face a responsabilidades do passivo registadas no balanço do BANCO AA, S. A., à data de 24 de Novembro de 2008, data em que esta instituição notificou o Banco de Portugal nos termos do nº 1 do artigo 140º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, excluindo, por conseguinte, as responsabilidades extra patrimoniais ou outras decorrentes de outras atividades ou serviços financeiros prestados, direta ou indiretamente, pelo Banco;

Considerando que o Banco de Portugal deliberou designar administradores provisórios com os poderes previstos na lei, ao abrigo do disposto no artigo 143º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, e em concomitância com a decisão de concessão de garantia do Estado à operação de financiamento do BANCO AA, S. A.;

Considerando, ademais, que esta designação tem em vista garantir para a instituição uma gestão adequada às circunstâncias actuais, designadamente de forma a assegurar que o apoio financeiro será aplicado da forma mais adequada a fazer face às responsabilidades do passivo perante depositantes e outros credores que se encontrem registadas no balanço do BANCO AA, S.A., à data de 24 de Novembro de 2008, data em que esta instituição notificou o Banco de Portugal nos termos do nº 1 do artigo 140º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;

Considerando que o BANCO AA, SA., prestou contragarantias no sentido de oferecer segurança para fazer face às responsabilidades que o Estado assume nesta operação de financiamento;

Considerando que foram ouvidos o Banco de Portugal e o Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, IP., nos termos, respectivamente, do disposto no artigo 14.° da Lei n.° 112/97, de 16 de Setembro, e na alínea m) do nº 1 do artigo 6.° do Decreto-Lei n° 455/99, de 5 de Novembro, que aprova os Estatutos daquele Instituto.

(…)

Assim, nos termos do artigo 15º da Lei nº 112/97, de 16 de Setembro:

1 - Autorizo a concessão da garantia pessoal do Estado para cumprimento das obrigações de capital e juros no âmbito da operação de financiamento, sob a forma de empréstimo, concedido ao BANCO AA, SA, pelas instituições mutuantes e nas condições identificadas na ficha técnica anexa.

2 - Determino que a garantia pessoal do Estado tem exclusivamente por objecto o financiamento destinado a fazer face a responsabilidades do passivo registadas no balanço do BANCO AA, SA, à data de 24 de Novembro de 2008, data em que esta instituição notificou o Banco de Portugal nos termos do nº 1 do artigo 140º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, cabendo à respectiva administração, que integra administradores provisórios nomeados pelo Banco de Portugal, velar pelo cumprimento desta finalidade.

3 - Fixo a taxa de garantia em 0,2 % ao ano.

ANEXO

ficha técnica

Mutuário — BANCO AA, SA.

Mutuantes — BANCO CC, S.A., BANCO DD, SA, BANCO EE, SA, BANCO FF, SA, BANCO GG, SA, BANCO HH.

Agente - BANCO CC, SA.

Modalidade — Contrato de mútuo.

Montante - € 450 000 000 (quatrocentos e cinquenta milhões de euros).

Finalidade — financiamento destinado a fazer face a responsabilidades do passivo registadas no balanço do BANCO AA, SA, à data de 24 de Novembro de 2008, data em que esta instituição notificou o Banco de Portugal nos termos do nº 1 do artigo 140º do Regime Geral das Instituições de Crédito c Sociedades Financeiras.

Prazo - duração de 6 meses, renováveis até 24 meses, nos termos previstos no contrato de financiamento.

Taxa de juro - taxa Euribor a seis meses, verificada dois dias úteis antes da data de inicio de cada período de contagem de juros, acrescida de um spread de 100 pb. Pagamento de juros - pagamento mensal e postecipado.

Legislação aplicável - portuguesa.

Garante - República Portuguesa”

8

Por documento escrito datado de 5 de Dezembro de 2008, denominado “Garantia da República Portuguesa relativa ao Contrato de Empréstimo no valor de EUR 450.000.000 contraído pelo BANCO AA S.A. (O “Mutuário”) junto de BANCO CC, SA, BANCO DD, SA, BANCO EE, SA, BANCO FF, SA, BANCO GG, SA, BANCO HH. (Os “Mutuantes”), tendo por Banco Agente o BANCO CC, SA (O “Banco Agente”), foi declarado: (doc. fls 28.827 a 28.831).
Artigo 1

Obrigações do Garante

1. Nos termos da Lei 112/97 de 16 de Setembro (...), a República Portuguesa (“Garante”), pela presente, garante incondicional, nos exatos termos e condições da obrigação do devedor principal, e irrevogavelmente, a favor dos Mutuantes, seus sucessores e cessionários, o pagamento atempado de todos os montantes correspondentes ao capital e juros exigíveis (as “Obrigações Garantidas”) ao abrigo de Contrato de Empréstimo (“Contrato de Empréstimo”) celebrado entre o BANCO AA SA, como Mutuário, e o BANCO CC, SA. a BANCO DD, SA, o BANCO EE, SA, o BANCO FF, SA, o BANCO GG, SA, e a BANCO HH, como Mutuantes no montante de EUR 450.000.000, cuja minuta se anexa à presente Garantia e dela faz parte integrante.

O Contrato de Empréstimo visa exclusivamente o financiamento destinado a fazer face às responsabilidades do passivo registadas no balanço do BANCO AA S.A. à data de 24 de Novembro de 2008 ( ... ) cabendo à respectiva administração, que integra administradores provisórios nomeados pelo Banco de Portugal, velar pelo cumprimento desta finalidade.

Os termos definidos no Contrato de Empréstimo têm o mesmo significado quando utilizados nesta Garantia. O objectivo da presente Garantia é assegurar o cumprimento pontual e integral das obrigações do Mutuário previstas no Contrato de Empréstimo.

O Garante, pela presente renuncia incondicional e irrevogavelmente ao benefício de excussão prévia dos bens do Mutuário nos termos e para os efeitos do disposto no artº  640º, 1, alínea a) do Código Civil Português.

Pela presente, a República Portuguesa garante, a qualquer momento, que as responsabilidades actuais e contingentes, decorrentes desta garantia, constituem obrigações directas e não subordinadas do Garante concorrendo pari passu com todas as outras responsabilidades presentes ou futuras, do Garante à excepção daquelas que por lei beneficiem de preferência.
Artigo 2

Execução da Garantia

O Garante tem a faculdade de substituir o Mutuário no pagamento das Obrigações Garantidas, nas datas devidas, sempre que o Mutuário reconheça não estar habilitado a satisfazer os encargos com o capital e juros nas datas fixadas contratualmente, evitando o vencimento antecipado da totalidade das obrigações assumidas pelo Mutuário nos termos do Contrato de Empréstimo.

A Garantia será acionada pelo Banco Agente em favor dos Mutuantes ou diretamente por qualquer destes, por uma ou mais vezes, sempre que o Mutuário incumprir o pagamento, total ou parcial, de qualquer Obrigação Garantida, nas datas devidas, incluindo nos casos de vencimento antecipado. O Garante pela presente assegura que efetuará todos os pagamentos respeitantes às Obrigações Garantidas à primeira notificação do Banco Agente ou de qualquer dos Mutuantes acompanhada de confirmação pelo Banco Agente ou de qualquer dos Mutuantes de que o montante reclamado ao Garante é equivalente ao montante que o Mutuário não pagou a todos os Mutuantes (quando interpelada pelo Banco Agente) ou ao Mutuante reclamante em tempo devido.

O Garante só poderá ser chamado a executar a Garantia à primeira notificação feita pelo Banco Agente ou por qualquer dos Mutuantes e será apenas responsável pelos juros de mora que decorram a partir da data da primeira notificação ao Garante realizada por correio registado, fax, correio eletrónico ou qualquer outro meio permitido pela lei portuguesa.


Artigo 3

Alterações dos Termos e Condições das Obrigações Garantidas

Qualquer alteração às obrigações garantidas previstas no Contrato de Empréstimo, será submetida à aprovação prévia do Garante. O Garante só poderá recusar a sua aprovação no caso de as alterações serem passíveis de afetar as suas responsabilidades no âmbito desta Garantia.
Artigo 4

Compromissos

O Garante assegura aos Mutuantes que (i) a emissão da Garantia foi devidamente aprovada e autorizada, nos termos das leis e regulamentos aplicáveis à concessão de garantias pessoais pelo Estado Português; (ii) a Garantia foi devidamente assinada, cumprindo todos os requisitos e formalidades exigidos pela Lei nº 112/97, de 16 de Setembro; e (iii) o cumprimento das suas obrigações, no âmbito da Garantia, é válido, legal e exigível nos termos das leis e regulamentos aplicáveis.
Artigo 5

Regime Jurídico

Os direitos e deveres emergentes desta Garantia são exclusivamente regidos pelas leis Portuguesas. O local de cumprimento das obrigações do Garante é … e o Garante elege o Tribunal da Comarca de … como o Tribunal competente em caso de litígio.

Ao abrigo e na medida do permitido pela Lei portuguesa, o Garante declara que não dispõe de qualquer prerrogativa ou direito especial, de natureza processual ou patrimonial, face às demais partes passível de ser invocado em Tribunal.
Artigo 6

Duração da Garantia

A Garantia entra em vigor na data da assinatura e expira 30 (trinta) dias úteis (conforme abaixo definidos), após a última data de pagamento de juros e reembolso de capital estipulada no Contrato de Empréstimo, sem prejuízo da subsistência da obrigação de pagamento das Obrigações Garantidas que entretanto tiverem sido acionadas antes dessa data. Contudo, caso após o referido termo os Mutuantes sejam obrigados a devolver as quantias recebidas em pagamento dos seus créditos em resultado de um processo de insolvência ou de qualquer processo judicial, a Garantia entrará novamente em vigor e voltará a ser plenamente eficaz.

Dia útil significará um dia em que os Bancos estejam abertos ao público em ….

(...)

9

O escrito indicado em 8) foi subscrito pelo Director Geral do Tesouro e Finanças, na qualidade de representante autorizado do Estado Português. (doc. fls 28.831).

10

Em 5 de Dezembro de 2008, os Bancos indicados em 2) acordaram com o BANCO AA, SA, no empréstimo a este último, da quantia de € 450.000.000,00, através do escrito intitulado “contrato de empréstimo”, o qual contém, entre outros, os seguintes dizeres:
SÉTIMO

(Remuneração)

O empréstimo vence juros sobre o capital em dívida, calculados dia a dia e cobrados postecipadamente no último dia útil de cada mês, à taxa resultante da EURIBOR ( ... ) a seis meses, que vigore no segundo dia útil anterior ao início da contagem de juros, acrescida de 1 (um) ponto percentual, com arredondamento à milésima, indexante e arredondamento que as partes convencionam em conformidade com a faculdade prevista no nº 2 do artº 4° do Decreto- Lei nº 171/2007 de 8 de Maio, na redação dada pelo artigo 3° do Decreto-Lei nº 8812008, de 29 de Maio (...)
OITAVO

(Mora)

Em caso de mora, os respectivos juros serão contados dia a dia e calculados à taxa que ao tempo vigorar para os juros remuneratórios contratuais, acrescida de uma sobretaxa de dois por cento.
NONO

(Pagamento de Juros)

Os juros serão contados dia a dia e pagos postecipadamente no último dia útil de cada mês, vencendo-se o primeiro período de contagem de juros em 6 de Janeiro de 2009 (...)


DÉCIMO SEXTO

(Antecipação do Vencimento)

A) A falta de cumprimento pontual de quaisquer das obrigações emergentes deste contrato, nomeadamente a falta de pagamento pontual de qualquer prestação de reembolso de capital, e/ou de pagamento dos respectivos juros, bem assim como no caso de se verificar não serem verídicas quaisquer das declarações do BANCO AA feitas no âmbito deste contrato e ainda no caso de falta de cumprimento pontual de qualquer obrigação emergente de contratos celebrados com sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com qualquer das INSTITUIÇÕES, confere a cada uma das INSTITUIÇÕES o direito de pôr termo imediato ao presente contrato, e de considerar imediatamente vencido, independentemente de interpelação para cumprimento, a totalidade do capital em dívida de que é credora, cujo pagamento se tornará, então, consequente e imediatamente exigível, acrescido de juros remuneratórios e/ou moratórios devidos, bem como dos demais encargos ou despesas legal ou contratualmente exigíveis.

(...)

3. Fica expressamente convencionado que cada uma das INSTITUIÇÕES poderá ainda pôr termo ao presente contrato e considerar imediatamente vencido e exigível o capital em dívida de que é credora seus juros e demais encargos, nos seguintes casos:

a) Se em data posterior à celebração deste contrato o BANCO AA vier a suspender pagamentos ou a ser fundido, dissolvido ou nacionalizado. (...)
VIGÉSIMO

(Garantia):

A) As obrigações pecuniárias de capital e juros assumidas pelo BANCO AA perante as Instituições emergentes deste contrato são previamente garantidas, incondicional e irrevogávelmente pelo Estado Português (o Garante) através de Fiança (a Garantia) com renúncia expressa ao benefício da excussão prévia dos bens do devedor garantido.

(...)

3. É condição essencial e determinante à formação da vontade das Instituições em conceder o presente financiamento a prestação da Fiança acima identificada, que é emitida com prévio conhecimento da minuta do presente contrato e cuja validade e eficácia o Estado Português declara e garante, para todos os efeitos legais, com a entrega do respectivo termo.

4. O presente contrato fica sujeito à condição suspensiva de ter sido devida e validamente emitida e estar em vigor a Garantia aqui referida” (doc. fls 15023 verso a 15032).

11

Por documento escrito datado de 5 de Dezembro de 2008, o Estado Português (garante), o BANCO AA, SA, (contra garante) e o Banco de Portugal (depositário) celebraram um acordo que denominaram de “Contrato de Penhor”, com o seguinte teor (doc. fls. 15078 a 15094):

“Considerando que:

Sujeito aos termos e condições de um contrato de empréstimo (“Contrato de Empréstimo”) celebrado na presente data, os BANCO CC, SA, BANCO DD, SA, BANCO EE, SA, BANCO FF, SA, BANCO GG, SA e BANCO HH (“Bancos”) concederam ao BANCO AA um crédito no montante máximo de EUR 450.000.000,00 (quatrocentos e cinquenta milhões de euros), e se destina a assegurar a manutenção da exploração enquanto se procede, por intermédio do Banco de Portugal e/ou outra entidade designada para o efeito, ao estudo e concretização de um plano de saneamento e/ou de outras ações de viabilização da Requerente Beneficiária;

As obrigações do BANCO AA perante os Bancos ao abrigo do Contrato de Abertura de Crédito foram garantidas por uma garantia (“Garantia do Estado”) prestada pelo GARANTE a favor dos Bancos nos termos da Lei nº 112/97, de 18 de Setembro;

Nos termos do artigo 592º do Código Civil, caso o GARANTE venha a cumprir perante os Bancos as obrigações e responsabilidades do BANCO AA ao abrigo do Contrato de Abertura de Crédito, o mesmo ficará sub-rogado nos créditos dos Bancos ao abrigo do Contrato de Abertura de Crédito que tenham sido objeto desse cumprimento, passando o GARANTE a ser credor do BANCO AA pelo montante desses créditos, nos termos e condições estabelecidos para esses créditos no Contrato de Abertura de Crédito (“Obrigações Garantidas”);

D) Para garantia do cumprimento das Obrigações Garantidas, o GARANTE exigiu ao CONTRAGARANTE a constituição de penhor de primeiro grau sobre os Ativos Empenhados e o CONTRA GARANTE aceitou prestar a referida garantia, ou assumir os compromissos necessários à sua constituição;

É celebrado o presente contrato de penhor (“Contrato de Penhor”), o qual se regerá pelo disposto nas cláusulas seguintes [2]:

....

12

Por escrito datado de 5 de Junho de 2009, denominado de “Aditamento ao Contrato de Empréstimo Sindicado Contratado em 5 de Dezembro de 2008”, os contraentes indicados em 10), e o Estado Português, na qualidade de Garante, acordaram na renovação por seis meses do empréstimo, que assim deveria ser integralmente reembolsado pelo BANCO AA em 5 de Dezembro de 2009, sem prejuízo da obrigação do pagamento de juros, nos termos e condições estipulados no Artigo 9º do Contrato de Empréstimo.

O Garante prestou o seu acordo à renovação do empréstimo, reconhecendo que, quanto à renovação acordada, permaneceria obrigado nos exatos termos que constam da garantia, bem como do seu aditamento. (doc. de fls. 28.803 a 28.807).

13

Por escrito datado de 5 de Junho de 2009, designado de “declaração Adicional Conjunta”, o Estado Português, na qualidade de Garante, representado pelo Diretor Geral da Direção Geral do Tesouro e Finanças, o BANCO AA, SA, na qualidade de contra garante, representado pelo Administrador KK e o Banco de Portugal, na qualidade de Depositário, representado por MM e NN, declararam conjunta e expressamente que se mantinham integral e plenamente válidas as contragarantias prestadas mediante o contrato de penhor celebrado em 5 de Dezembro de 2008 e as hipotecas sobres os ativos empenhados, nos exatos termos decorrentes dos instrumentos de prestação das garantias com as modificações constantes do aditamento ao contrato de empréstimo e do despacho do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças de 5 de Junho de 2009.

Mais declararam conjunta e expressamente que as contragarantias referidas e os respectivos instrumentos se manteriam ininterruptamente em vigor conforme previsto nos mesmos, ou seja, até à data em que as obrigações garantidas fossem final, irrevogável e integralmente cumpridas.

O Depositário declarou ter tomado conhecimento das declarações acima referidas e que iria proceder em plena conformidade com as mesmas e nos termos do Contrato de Penhor de 5 de Dezembro de 2008, no qual detinha a qualidade de depositário da República Portuguesa e gestor no âmbito do contrato de penhor. (doc. de fls. 28.875 a 28.877).

14

Por despacho n.º 13364-A/2009 de 5 de Junho, o Secretário de Estado do Tesouro e Finanças autorizou, ao abrigo da delegação de competências proferida nos termos do despacho do Ministro de Estado e das Finanças n.º 19634/2007 de 30 de Julho, publicado na 21 Série do Diário da República n.º 167, de 30 de Agosto de 2007, a manutenção da garantia pessoal do Estado, no âmbito da concessão do empréstimo bancário contraído pelo BANCO AA, S.A. junto dos mutuantes, cujo prazo de vigência foi prorrogado por seis meses, mantendo-se inalterados os restantes termos e condições da garantia. (docs. De fls. 28.912, 28.913, 28.922 e 28.923).

15

Em 5 de Junho de 2009, por escrito denominado “Aditamento à Garantia”, assinado pelo Diretor Geral do Tesouro e Finanças, o Estado Português, na qualidade de garante, declarou que aceitava o aditamento ao contrato de empréstimo, nos termos do art.° 3° da garantia.

Mais declarou “que se mantêm os termos e condições da GARANTIA, com exceção dos seguintes pontos:

- Qualquer referência a CONTRATO DE EMPRÉSTIMO constante da GARANTIA passa a considerar-se efetuada ao CONTRATO DE EMPRÉSTIMO e respectivo ADITAMENTO;

- Os pontos 2 e 3 do art.° 2° da GARANTIA passam a ter a seguinte redacção:

A Garantia será acionada pelo BANCO AGENTE em favor dos MUTUANTES ou diretamente por qualquer destes, por uma ou mais vezes, sempre que o MUTUÁRIO incumprir o pagamento, total ou parcial de qualquer Obrigação Garantida, nas datas devidas, incluindo nos casos de vencimento antecipado. O GARANTE pela presente assegura que efetuará todos os pagamentos respeitantes às Obrigações Garantidas no prazo máximo de 30 dias após a primeira notificação do BANCO AGENTE ou de qualquer dos MUTUANTES acompanhada de confirmação pelo BANCO AGENTE ou de qualquer dos MUTUANTES de que o montante reclamado ao GARANTE é equivalente ao montante que o MUTUÁRIO não pagou a todos os MUTUANTES (quando interpelada pelo BANCO AGENTE) ou ao MUTUANTE reclamante em tempo devido.

A obrigação do GARANTE de efetuar os pagamentos respeitantes às Obrigações Garantidas depende de interpelação feita pelo BANCO AGENTE ou por qualquer dos MUTUANTES realizada por correio registado, fax, correio eletrónico ou qualquer outro meio permitido pela lei portuguesa e vence-se no último dia do prazo referido no número anterior, ou seja, no trigésimo dia posterior à data da interpelação, sendo que o GARANTE é obrigado:

a pagar aos MUTUANTES juros remuneratórios, calculados à taxa prevista no art.º 7º do CONTRATO DE EMPRÉSTIMO pelo período que decorrer entre a data da interpelação e o trigésimo dia posterior a essa data;

caso não efetue os pagamentos respeitantes às Obrigações Garantidas na data do respectivo vencimento, a pagar aos Mutuantes juros moratórios.» (doc. de fls. 28886 e 28887, que aqui se dá por reproduzido).

16

Por escrito datado de 7 de Dezembro de 2009, denominado de “Segundo Aditamento ao Contrato de Empréstimo Sindicado Contratado em 5 de Dezembro de 2008”, os contraentes indicados em 10), e o Estado Português, na qualidade de Garante, acordaram na renovação por seis meses do empréstimo, que assim deveria ser integralmente reembolsado pelo BANCO AA em 5 de Junho de 2010, sem prejuízo da obrigação do pagamento de juros, nos termos e condições estipulados no Artigo 9º do Contrato de Empréstimo.

O Garante prestou o seu acordo à renovação do empréstimo, reconhecendo que permaneceria obrigado nos exatos termos que constam da garantia, bem como do seu aditamento. (doc. de fls 28837 a 28844).

17

Por escrito datado de 7 de Dezembro de 2009 designado de “Segunda Declaração Adicional Conjunta”, o Estado Português, na qualidade de Garante, representado pelo Diretor Geral da Direção Geral do Tesouro e Finanças, o BANCO AA, SA, na qualidade de contra garante, representado pelo Administrador KK e o Banco de Portugal, na qualidade de Depositário, representado por MM e NN, declararam conjunta e expressamente que se mantinham integral e plenamente válidas as contragarantias prestadas mediante o contrato de penhor celebrado em 5 de Dezembro de 2008 e as hipotecas sobres os ativos empenhados, nos exatos termos decorrentes dos instrumentos de prestação das garantias com as modificações constantes do aditamento ao contrato de empréstimo e do despacho do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças de 5 de Junho de 2009 e do segundo aditamento ao contrato de empréstimo e do despacho do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças de 7 de Dezembro de 2009.

Mais declararam conjunta e expressamente que as contragarantias referidas e os respectivos instrumentos se manteriam ininterruptamente em vigor conforme previsto nos mesmos, ou seja, até à data em que as obrigações garantidas fossem final, irrevogável e integralmente cumpridas.

O Depositário declarou ter tomado conhecimento das declarações acima referidas e que iria proceder em plena conformidade com as mesmas e nos termos do Contrato de Penhor de 5 de Dezembro de 2008, no qual detinha a qualidade de depositário da República Portuguesa e gestor no âmbito do contrato de penhor. (doc. de fls. 22881 a 28884).

18

Por despacho datado de 7 de Dezembro de 2009, o Secretário de Estado do Tesouro e Finanças autorizou a manutenção da garantia pessoal do Estado, no âmbito da concessão do empréstimo bancário contraído pelo BANCO AA, SA, junto dos mutuantes, cujo prazo de vigência foi prorrogado por seis meses, até 5 de Junho de 2010, mantendo-se inalterados os restantes termos e condições do empréstimo, bem como os da garantia (doc. fls 28.922 e 28.923).

19

Por escrito datado de 7 de Dezembro de 2009 e denominado “Aditamento à Garantia”, assinado pelo Diretor Geral do Tesouro e Finanças, o Estado Português, na qualidade de garante, declarou que aceitava o segundo aditamento ao contrato de empréstimo, nos termos do artigo 3º da Garantia.

Mais declarou que se mantinham em vigor todos os termos e condições da Garantia e do Primeiro Aditamento à Garantia, devendo qualquer referência feita ao Contrato de Empréstimo, considerar-se efetuada ao Contrato de Empréstimo e respectivos aditamentos (fls 28.915).

20

Por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal aprovada no dia 15 de Abril de 2010 foi revogada a autorização para o exercício da atividade do BANCO AA, SA (doc. fls. 15 e 16 dos autos principais).

21

Por sentença datada de 23 de Abril de 2010, com anúncio publicado no Diário da República no dia 20 de Maio de 2010, foi determinado o prosseguimento da liquidação judicial do BANCO AA, SA (fls. 17 a 21 e 35 do processo principal).

22

Pela Ap. 47 de 13-11-1989 foi registado na Conservatória do Registo Comercial de … o contrato de sociedade e designação de membros de órgãos sociais, contendo, entre outros, os seguintes elementos: “Firma: BANCO AA, SA; NIPC 000004518; Natureza Jurídica: Sociedade Anónima; (...) Objecto: realização de todas as operações e a prestação de todos os serviços que podem legalmente constituir a atividade dos bancos; Capital: 125.000.000,00 Euros; Ações: Número de Ações: 12.5000.000; Valor nominal: 1,00 Euros” (doc. fls. 8 do processo principal).

23

Por carta datada de 21 de Abril de 2010, dirigida ao Diretor Geral da Direção Geral do Tesouro e Finanças e por esta entidade recebida, na mesma data, o BANCO CC, SA, na qualidade de Banco Agente do empréstimo indicado em 10), acionou a garantia referida em 8), nos seguintes termos:

“a) Aciona a referida garantia a favor de todas as Instituições Mutuantes, notificando o Garante Estado para proceder ao pagamento da quantia de € 450.000.000,00 por crédito na conta do Banco Agente (...)

b) Aciona ainda a referida Garantia a favor de todas as Instituições Mutuantes, notificando o Estado Garante para proceder ao pagamento dos juros contratuais, calculados sobre o capital mutuado em dívida referido na alínea precedente, à taxa correspondente à Euribor a 6 meses em vigor no segundo dia útil anterior ao início do período de contagem de juros em curso, acrescida de 1 (um) por cento, com arredondamento à milésima, isto é, à taxa anual de 1,945% desde 31 de Março de 2010, até efetivo e integral pagamento dos valores reclamados, sem prejuízo do regime de mora previsto no referido instrumento de Garantia (...) (fls 15.055 a 15.057).

24

Em 10 de Maio de 2010 o Estado Português, através da Direção Geral do Tesouro e Finanças, entregou ao BANCO CC, SA, na qualidade de Banco Agente do consórcio bancário, a quantia de € 450.974.875,00, correspondendo a quantia de € 450.000.000,00 a capital e a quantia de € 974.875,00 a juros contados de € 31.03.2010 a 10.05.2010 (doc. de fls. 28930).

25

O BANCO AA, SA. abriu junto do BANCO FF, SA a conta bancária n° 0-0000054-000-001, da qual é o único titular, tendo a mesma sido constituída com a condição de poder ser livremente movimentada a crédito e apenas poder ser movimentada a débito mediante autorização do Banco de Portugal. (fls. 77 a 85 do apenso N).

26

A referida conta foi aberta na sequência da carta enviada pelo Banco de Portugal, datada de 16 de Outubro de 2009, conforme cópia junta a fls. 260 (Apenso N) e que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual se pode ler, designadamente:

“O BANCO AA deverá constituir uma conta de depósito, pelo montante atual da Conta Nostro, junto de uma das instituições de crédito mutuantes no âmbito do contrato de financiamento celebrado em 05.12.2008, em seu nome e com constituição de penhor a favor do Estado Português, nos termos do Dec. Lei 105/2004 de 8 de Maio, nomeadamente dos requisitos do artigo 7º.

Deverá ainda o BANCO AA enviar ao BdP uma listagem de todos os movimentos efetuados na conta Nostro desde a sua constituição”.

27

Por decisão de 20.07.2010, relativa ao auxílio estatal nº C3312009, executado por Portugal, sob a forma de uma garantia estatal a favor do BANCO AA, a Comissão Europeia decidiu ser o auxílio estatal inerente à garantia associada a um empréstimo de 450 milhões de EUR, concedido por Portugal a favor do BANCO AA, ilegal por ter sido prestado em violação do artigo 108.°, nº3, do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, sendo incompatível com o mercado comum.

Determinou a Comissão Europeia que Portugal procederia à recuperação do auxílio referido junto do beneficiário.

Os montantes a recuperar venceriam juros a partir da data em que foram colocados à disposição do beneficiário e até à data da respectiva recuperação efetiva.

Os juros seriam calculados numa base composta, em conformidade com o disposto no Capítulo V do Regulamento (CE) nº 79412004.

A recuperação do auxílio referido seria imediata e efetiva (doc. de fls. 15058 a 15076).

28

Da decisão indicada em 27) constam, entre outros, os seguintes dizeres: “(20) Na sua decisão de 13 de Março de 2009, a Comissão aprovou a medida por um período de seis meses a contar da data de concessão da garantia do Estado, ou seja, até 5 de Junho de 2009. A Comissão considerou igualmente que a apresentação do plano de reestruturação até 5 de Junho de 2009 era necessário dado o nível de remuneração excecionalmente baixo. (...)

(42) Em 13 de Maio de 2010, as Autoridades portuguesas comunicaram à Comissão que, com base no contrato de empréstimo, a garantia foi acionada pelo sindicato bancário, tendo sido executada a 7 de Maio de 2010, tendo Portugal reembolsado os 450 milhões de EUR aos seis bancos. O Estado Português declarou que já tinha tomado as medidas necessárias para exercer os seus direitos de credor privilegiado e prioritário sobre as contragarantias associadas à garantia por si prestada, tendo reclamado os seus direitos junto do tribunal competente.

(60) Com base nas considerações acima expostas, a Comissão conclui que a garantia estatal conferiu uma vantagem económica ao BANCO AA, através da utilização de recursos estatais imputáveis a Portugal. Esta vantagem é susceptível de afetar a concorrência e o comércio entre Estados-Membros nos termos do artigo 107º, nº1, do TJUE. Consequentemente, a medida constitui um auxílio estatal. (...)

(74) A garantia permitiu que o BANCO AA obtivesse condições de financiamento do empréstimo melhores do que as normalmente disponíveis nos mercados financeiros. A Comissão considera que o elemento de auxílio da garantia pode ser calculado como a diferença entre a taxa de juro que o BANCO AA deveria ter pago por um empréstimo em condições de mercado, isto é, sem garantia, e a taxa de juro a que o empréstimo garantido foi efetivamente concedido. Pode considerar-se que essa diferença corresponde ao prémio que um garante teria pedido por essas garantias numa economia de mercado. (...)

(76) Neste contexto, a Comissão observa igualmente que Portugal declarou que já fez valer as pretensões necessárias para exercer os seus direitos de privilégio e prioridade sobre as contragarantias que detém sobre o BANCO AA e que continuará a fazê-lo até recuperar a totalidade do montante do empréstimo. A Comissão considera que Portugal tem a obrigação de agir dessa forma, a fim de dar execução às disposições previstas no acordo de garantia; o não exercício dos seus direitos sobre as contragarantias, a fim de recuperar a totalidade do montante do empréstimo, constituiria um auxílio estatal a favor do BANCO AA (...)

(79) Em conformidade com o artigo 14.°, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 65911999, nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado- Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário. Apenas devem ser recuperados os auxílios incompatíveis com o mercado interno. (doc. de fls. 15.058 a 15.076).

29

O Estado Português reclamou nos presentes autos o crédito no valor global de € 453.030.927,02, sendo:

- € 450.000.000,00 correspondente ao capital reembolsado ao consórcio bancário em cumprimento do acordo indicado em 8);

- € 974.875,00 correspondente a juros remuneratórios no período compreendido entre 31 de Março de 2010 a 10 de Maio de 2010, respeitantes ao capital de € 450.000.000,00;

- € 1.932.450,00 correspondente a juros moratórios, até à data da reclamação.

- € 120.002,02 a título de taxas de garantia vencidas.

- € 3.600,00 correspondente a juros moratórios sobre as taxas de garantia vencidas.

30)

Por escritura publicada datada de 26 de Fevereiro de 2009, OO, S.A. pessoa coletiva n° 000002133, PP, S.A, pessoa coletiva n° 000002036 e QQ, SA, pessoa coletiva n° 000009332, declararam constituir a favor do Estado Português uma hipoteca sobre o prédio urbano sito na Av. ..., freguesia de ..., ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do ... sob o n° 948 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 107, como contragarantia das obrigações assumidas pelo BANCO AA, SA no acordo referido em L), até ao montante máximo de capital e acessórios de € 30.000.000,00 (fls. 145 do Apenso AZ).

31

Em 29 de Março de 2000 foi inscrita a aquisição a favor das sociedades indicadas em 30), na proporção de 1/3 cada, do prédio urbano sito na Av. ..., freguesia de ..., ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do ... sob o n° 948 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 107 (fls. 125 a 128 Apenso AZ).

32

Em 27 de Fevereiro de 2009 foi registada a hipoteca referida em 30) - fls. 145 a 151 do Ap. AZ.

33

A 16 de Junho de 2010, o 2° Serviço de Finanças do ... autuou contra as sociedades indicadas em 30) três processos de execução fiscal, com os números 318220100104123, 3182201001041223 e 3182201001041240, respectivamente, tendo como base um crédito do Estado sobre as mesmas no valor de € 30.000.000,00 resultante de ter honrado a garantia referida em 1.8) e de as sociedades terem dado em contragarantia a hipoteca referida em 30).

34

No âmbito dos referidos processos de execução fiscal o prédio urbano sito na Av. ..., freguesia de ..., ..., descrito na 21 Conservatória do Registo Predial do ... sob o n° 948 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 107, foi penhorado, e veio a ser vendido por € 3.505.000,00, preço que foi pago em duas prestações, a primeira, no montante de € 1.168.340,00, recebida em 4 de Janeiro de 2012, e a segunda, no montante de € 2.336.660,00, recebida em 30 de Janeiro de 2012.

b) Matéria de Direito

1. O recorrente começa por alegar que o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia (artº 615º, nº 1, d), do CPC), na medida em que, sem que tal questão tivesse sido incluída no objecto da apelação, procedeu à qualificação jurídica da garantia  pessoal prestada pelo Estado Português, decidindo tratar-se duma fiança pura, e não, como se julgou na sentença e o apelante aceitou, de fiança ao primeiro pedido.

Não tem, contudo, razão.

Em primeiro lugar, e desde logo, porque o tribunal não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito aos factos apurados no processo (artº 5º, nº 3, do CPC); ora, parece evidente que no caso dos autos a determinação do conteúdo e do efectivo alcance jurídico e prático da fiança ajuizada - vale por dizer, a interpretação do contrato que a estabeleceu - se mostra essencial para o julgamento do litígio, centrado na verificação, qualificação e quantificação do crédito reclamado pelo Estado Português; está-se em presença, por isso, e sem qualquer dúvida, duma questão de direito a cuja apreciação a Relação não podia (e o STJ não pode) furtar-se, por constituir um pressuposto necessário da pretensão formulada pelo recorrente.

Em segundo lugar, e decisivamente, importa salientar que o Estado Português levantou na apelação interposta o problema dos efeitos da fiança em termos tais que se acaso a Relação não apreciasse, nesse contexto, a questão da qualificação da garantia, daria ensejo a que o acórdão proferido fosse censurado, desta feita por omissão de pronúncia; com efeito, nas conclusões 28ª a 34ª - cfr pág. 644/645 do acórdão da 2ª instância - defendeu-se que “o especial carácter da fiança ao primeiro pedido, com a inerente automaticidade no pagamento, obriga a uma adaptação do regime da sub-rogação, em sentido distinto do previsto no artigo 644º do Código Civil”, partindo-se daqui para concluir que o Estado Português não podia recusar o pagamento exigido pelo Sindicato Bancário (que teve por objecto a totalidade da quantia mutuada – 450 milhões de € - sem a redução estabelecida pelo artº 91º, nº 2, do CIRE, decorrente do vencimento antecipado da dívida); isto significa que a questão em apreço foi colocada - e colocada por iniciativa do próprio apelante - no âmago do julgamento da apelação, tornando-se determinante para o julgamento completo desse recurso, se assim nos podemos exprimir.

2. Vejamos agora o cerne da revista, tentando isolar com o máximo de precisão possível, a partir das extensas conclusões apresentadas pelo Estado Português, as questões que levanta tendo em vista demonstrar os erros de julgamento cometidos pela Relação. 

a) Como atrás se referiu, estes autos  de verificação e graduação de créditos correm por apenso ao processo de liquidação de instituição financeira em que foi determinada a liquidação judicial do BANCO AA, SA.

Ao processo de liquidação de instituição de crédito, com sede em Portugal, aplica-se o regime do DL nº 199/2006, de 25/10, com as alterações dos DL nº 31-A/2012, de 10/2, e nº 23-A/2015, de 26/3.

Nos termos do artº 8º, nº 1, deste diploma, a liquidação judicial das instituições de crédito fundada na revogação de autorização pelo Banco de Portugal faz-se nos termos do CIRE, “com as especialidades dos artigos seguintes”; e segundo o  nº 2 deste mesmo artigo a decisão de revogação da autorização pelo Banco de Portugal produz os efeitos da declaração de insolvência.

Deve ainda mencionar-se, com interesse para o caso, o artº 9º, nº 3, de acordo com o qual o CIRE é aplicável ao processo de liquidação judicial, com as necessárias adaptações e com excepção dos títulos IX e X.

Deste modo, porque o devedor é uma instituição de crédito em processo de liquidação judicial assente numa decisão de revogação de autorização pelo Banco de Portugal que produz os efeitos da declaração de insolvência; porque a este processo se aplicam, com as necessárias adaptações, as disposições do CIRE que se mostrem compatíveis com as especialidades do DL nº 199/2006, de 25-10[3]; porque os efeitos da declaração de insolvência estão regulados no Título IV do CIRE; e, finalmente, porque entre tais efeitos se contam os que se verificam sobre os créditos, o litígio, como se verá já a seguir, acabou por ficar circunscrito, no essencial, à questão da aplicabilidade do artº 91º deste diploma. Trata-se de norma integrada no capítulo III daquele Título IV, e que dispõe o seguinte, sob a epígrafe “Vencimento imediato das dívidas”:

“1 – A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva.

2 – Toda a obrigação ainda não exigível à data da declaração de insolvência pela qual não fossem devidos juros remuneratórios, ou pela qual fossem devidos juros inferiores à taxa de juros legal, considera-se reduzida para o montante que, se acrescido de juros calculados sobre esse mesmo montante, respectivamente, à taxa legal, ou a uma taxa igual à diferença entre a taxa legal e a taxa convencionada, pelo período de antecipação do vencimento, corresponderia ao valor da obrigação em causa.”

Sucedeu que na reclamação do seu crédito o Estado Português alegou que por ter efectuado o pagamento de 450.974.875,00 € ao abrigo da cláusula à primeira solicitação que consta da declaração de fiança - facto 8 - esta terá de ser a importância que, enquanto crédito, lhe deve ser reconhecida, tendo em atenção, por um lado, que num primeiro momento não podia opôr ao Sindicato Bancário os meios de defesa que cabiam ao devedor e, por outro, que a garantia prestada é regulada por uma norma especial, prevista na Lei 112/97, de 16/Setembro – o artº 26º deste diploma legal – cuja aplicação acarreta, necessariamente, o afastamento do regime previsto no artº 91º, nº 2, do CIRE.

Alegou também que a desaplicação desta norma é imposta pelo artº 107º do TUE, hierarquicamente superior, visto que por decisão de 20/7/2010 a Comissão Europeia considerou - facto 27 - que o auxílio estatal inerente à garantia pessoal do Estado era incompatível com o mercado comum, ordenando, em conformidade, que Portugal procedesse à recuperação do auxílio junto do BANCO AA, SA.

Sustentou ainda que a aplicação do regime previsto no artº 91º, nº 2, do CIRE conduz a um enriquecimento sem causa da massa insolvente do BANCO AA, SA, à custa do Estado Português, que a lei não consente (artº 474º do CC), por isso que faz recair sobre ele, Estado, o prejuízo derivado de “uma mera ficção legal” criada com base em pressupostos não concretamente verificados (os que levaram as instâncias a aplicar o regime daquele preceito do CIRE); além disso, impede parcialmente o vencimento de juros devidos sobre o capital reconhecido ao imputar o pagamento realizado por terceiro a esse capital e não aos juros, contrariando o disposto no artº 785º do CC.

As instâncias convergiram no entendimento de que não há razão, nem para afastar totalmente, nem para fazer uma aplicação “adaptada” do artº 91º, nº 2, do CIRE, ao crédito do Estado, não acolhendo nenhum dos fundamentos da pretensão do recorrente que acabámos de enunciar.

Nesta revista, como se vê do elenco das conclusões 16ª a 76ª, são reeditadas todas as questões que se indicaram, com argumentação no essencial coincidente.

Todavia, tudo ponderado, cumpre afirmar a nossa concordância, quer com a decisão adoptada, quer com a fundamentação do acórdão da 2ª instância, sem prejuízo do que segue [4].

b) Assim, e em primeiro lugar, conforme resulta da matéria provada - facto 8 - a garantia foi prestada ao abrigo da Lei nº 112/97, de 16 de Setembro.

Diz-se logo no artº 1º, nº 1, deste diploma que ele se aplica à concessão de garantias pessoais pelo Estado e por outras pessoas colectivas de direito público, acrescentando-se no nº 2 que “a concessão de garantias pessoais reveste-se de carácter excepcional, fundamenta-se em manifesto interesse para a economia nacional e faz-se com respeito pelo princípio da igualdade, pelas regras de concorrência nacionais e comunitárias e em obediência ao disposto na presente lei”.

A seguir, no artº 2º, nº 1, afirma-se que “a assunção de garantias pessoais pelo Estado apenas poderá ser realizada de acordo com as normas previstas no presente diploma, sob pena de nulidade”, determinando-se no nº 2 que a violação das suas disposições por parte de membros do Governo constitui crime de responsabilidade punível nos termos do artº 14º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho.

Nos artºs 6º a 12º estão estrita e rigorosamente fixadas as operações a garantir, as modalidades de garantias pessoais e os critérios de autorização respectivos, tudo a revelar o carácter extraordinário e limitado da concessão de garantias pessoais pelo Estado.

No que se refere às modalidades que podem revestir as garantias pessoais, o artº 7º diz que “o Estado adoptará na concessão de garantias pessoais a fiança ou o aval”.

Esta enumeração é taxativa, e não meramente exemplificativa, conforme bem salientaram as instâncias e sublinha a generalidade da doutrina [5]. Tal o que patentemente sugere, desde logo, a própria letra da lei e o que se retira do conjunto das disposições acima destacadas: o legislador quis deixar muito claro, sem qualquer dúvida, que a concessão de garantias pessoais pelo Estado deve revestir, sempre e em qualquer caso, carácter absolutamente excepcional, sujeitando-a a uma regulamentação muito apertada e minuciosa, e levando o rigor assumido ao ponto de responsabilizar criminalmente os membros do Governo que violassem a lei.

Mais à frente, no artº 24º, ao fixar o “regime supletivo”, a Lei 112/97 estabelece que “sem prejuízo das garantias especiais atribuídas ao Estado pela legislação vigente e do disposto neste diploma, as relações entre os vários intervenientes nas operações de garantia disciplinadas pela presente lei estão sujeitas ao regime jurídico da fiança previsto no Código Civil, excepto quando seja aposta assinatura no título cambiário, caso em que serão aplicáveis os Regimes da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças e da Lei Uniforme Relativa ao Cheque”. (o sublinhado é nosso).

Perante isto, estando excluída, como está e não vem posto em causa, a hipótese de se tratar dum aval, não parece de admitir, por não ser razoável e lógico (rectius: por não se coadunar nem com a letra, nem com o espírito da Lei 112/97) que o Estado se tenha querido vincular em termos mais gravosos do que os legalmente cometidos ao fiador típico, para os quais expressamente remete o mencionado artº 24º, como acabámos de ver.

E não há dúvida que a vinculação do recorrente seria mais gravosa do que a inerente à concessão duma fiança típica se no caso dos autos admitíssemos, como pretende, estar em presença duma fiança à primeira solicitação. Com efeito, a acessoriedade da obrigação do fiador é um requisito essencial da figura, tendo por consequência, além do mais, não poder a fiança exceder a dívida principal nem ser contraída em condições mais onerosas (artº 631º, nº 1, CC), bem como poder o fiador opôr ao credor os meios de defesa que competem ao devedor, excepto se forem incompatíveis com a sua obrigação de fiador (artº 637º, nº 1). Já a subsidiariedade é uma característica meramente eventual, que se traduz no benefício da excussão fixado no artº 638º, nº1: ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito. A eventualidade do benefício da excussão resulta da circunstância de o fiador poder renunciar a ele, conforme se prevê no artº 640º, a). Ora, justamente, a fiança à primeira solicitação caracteriza-se por o fiador ter de cumprir face ao pedido do credor sem poder opôr-lhe, num primeiro momento, os meios de defesa que competem ao devedor; tais meios, caso existam, ficam por assim dizer de remissa, em suspenso, possibilitando ao fiador exigir ulteriormente ao credor a repetição do que pagou (“solve e repete”), voltando então, mas só então, a manifestar-se a característica da acessoriedade atrás referida. É neste afastamento provisório e temporário do regime da acessoriedade que o carácter mais gravoso da responsabilidade do fiador ao primeiro pedido em comparação com o fiador propriamente dito se revela e traduz, permitindo a conclusão, segundo alguma doutrina (a que se adere), de que a primeira modalidade referida constitui uma “garantia intermédia” entre a fiança e a garantia autónoma automática [6].

c) Depois, conforme se põe em evidência no sumário do acórdão deste STJ de 28/9/2006[7], “A questão de saber se em dado caso estamos perante uma fiança ou uma garantia autónoma e, dentro do género, se perante uma garantia autónoma automática e à primeira solicitação, supõe interpretação do negócio jurídico e da vontade das partes, à qual há-de proceder-se de acordo com o disposto nos arts. 236.º e 238.º do CC”.  No texto deste aresto pode ler-se: “....a questão de saber se em determinado caso existe uma fiança simples, uma fiança (acessória) à primeira solicitação ou já um contrato autónomo de garantia é um problema a solucionar em sede de interpretação da vontade das partes, atentas as cláusulas da garantia, as circunstâncias da situação concreta e os próprios usos comerciais, se os houver. Em caso de dúvida, o negócio de garantia presume-se ser de fiança, em virtude de esta ser o tipo considerado na lei e de em matéria de garantias autónomas valer a interpretação textual, o conteúdo objectivo do acto e não o literal” (18).

Ora, no caso dos autos, logo no artº 1º da “Garantia” - facto 8 - lê-se o seguinte (os sublinhados são nossos):

Nos termos da Lei n.º 112/97 de 16 de Setembro (...), a República Portuguesa ("Garante"), pela presente, garante incondicional, nos exatos termos e condições da obrigação do devedor principal, e irrevogavelmente, a favor dos Mutuantes, seus sucessores e cessionários, o pagamento atempado de todos os montantes correspondentes ao capital e juros exigíveis (as "Obrigações Garantidas") ao abrigo de Contrato de Empréstimo (" Contrato de Empréstimo") celebrado entre o BANCO AA SA, como Mutuário, e o BANCO CC, S.A., a BANCO DD, S.A., o BANCO EE, S.A., o BANCO FF, S.A., o BANCO GG, S.A. e a BANCO HH, como Mutuantes no montante de EUR 450.000.000, cuja minuta se anexa à presente Garantia e dela faz  parte integrante.

0 Garante, pela presente renuncia incondicional e irrevogavelmente ao benefício de excussão prévia dos bens do Mutuário nos termos e para os efeitos do disposto no art. 640.º alínea a), do Código Civil Português.

No artº 2º do mesmo contrato de garantia, a propósito da execução desta, estipulou-se que “A Garantia será acionada pelo Banco Agente em favor dos Mutuantes ou diretamente por qualquer destes, por uma ou mais vezes, sempre que o Mutuário incumprir o pagamento, total ou parcial, de qualquer Obrigação Garantida, nas datas devidas, incluindo nos casos de vencimento antecipado. 0 Garante pela presente assegura que efetuará todos os pagamentos respeitantes às Obrigações Garantidas à primeira notificação do Banco Agente ou de qualquer dos Mutuantes acompanhada de confirmação pelo Banco Agentes ou de qualquer dos Mutuantes de que o montante reclamado ao Garante é equivalente ao montante que o Mutuário não pagou a todos os Mutuantes (quando interpelada pelo Banco Agente) ou ao Mutuante reclamante em tempo devido.

O Garante só poderá ser chamado a executar a Garantia à primeira notificação feita pelo Banco Agente ou por qualquer dos Mutuantes e será apenas responsável pelos juros de mora que decorram a partir da data da primeira notificação ao Garante realizada por correio registado, fax, correio electrónico ou qualquer outro meio permitido pela lei portuguesa.”

E no texto do contrato de empréstimo garantido (artigo vigésimo) - facto 10 - consta:

(Garantia)

A) As obrigações pecuniárias de capital e juros assumidas pelo BANCO AA perante as Instituições emergentes deste contrato são previamente garantidas, incondicional e irrevogavelmente pelo Estado Português (o Garante) através de Fiança (a Garantia) com renúncia expressa ao benefício da excussão prévia dos bens do devedor garantido. (sublinhado nosso).

Numa leitura menos atenta, as cláusulas transcritas legitimariam a conclusão de que ao fazer constar do documento escrito a menção “à primeira notificação” as partes exteriorizaram a vontade de imprimir carácter automático à garantia; a circunstância, porém, de terem acordado uma garantia incondicional, nos exactos termos e condições da obrigação do devedor principal, deste modo “colando” ou sobrepondo o conteúdo da obrigação do fiador ao da obrigação principal, e de também terem estipulado que essa primeira notificação seja acompanhada de confirmação pelo Banco Agente ou de qualquer dos Mutuantes de que o montante reclamado ao Garante é equivalente ao montante que o Mutuário não pagou a todos os Mutuantes (quando interpelada pelo Banco Agente) ou ao Mutuante reclamante em tempo devido, mostra que houve o claro intuito, reciprocamente assumido, de estabelecer a acessoriedade da obrigação do fiador, em inequívoca alusão ao disposto no artº 631º do CC, e afastando, assim, o regime próprio da fiança ao primeiro pedido.

A par disso, não se vê no texto da garantia qualquer declaração de renúncia ou de exclusão do direito do Estado garante à invocação de excepções derivadas do contrato-base (o mútuo de 450 milhões de euros) no momento da primeira notificação, o que permitiria afirmar, sem grande dúvida, estar-se em presença duma fiança a primeiro pedido. Bem pelo contrário, o documento não expressa qualquer autonomia da garantia, antes faz referência ao bom cumprimento do contrato-base, prevendo, inclusivamente, a possibilidade de accionar a garantia mesmo no caso de incumprimento parcial por parte do mutuário, o Banco ora em liquidação.

Acresce que em caso de dúvida o negócio de garantia presume-se ser de fiança, em virtude de esta ser o tipo considerado na lei e de em matéria de garantias autónomas valer a interpretação textual, o conteúdo objectivo do acto,  e não o literal.

Importa ainda salientar que a estipulação do artº 2º, nº 2 da “Garantia” - facto 15 - parece fazer depender a exigibilidade da obrigação fidejussória do incumprimento (definitivo) do devedor, assim afastando o regime regra da dependência do vencimento da obrigação, o que constitui mais um argumento em favor da qualificação da garantia prestada pelo Estado como fiança pura e simples, já que na fiança ao primeiro pedido, conforme se viu, bastaria em princípio o pedido formulado pelo credor para o garante ter que proceder ao pagamento[8].

De resto, a doutrina tem sublinhado, face ao agravamento do risco do prestador de garantia com uma cláusula de pagamento à primeira solicitação, que a declaração de prestação de garantia deve ser interpretada de forma estrita, exigindo-se que resulte claramente dos seus termos o sentido e o alcance da vinculação, sem que baste a mera inclusão da cláusula de pagamento “ao primeiro pedido” para se configurar e ter como demonstrada uma “fiança ao primeiro pedido”.

Quer dizer: em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, mais concretamente sobre se se trata de garantia autónoma ou de uma garantia fidejussória, é de considerar a garantia como fiança, por ser a menos gravosa para o credor. Havendo dúvida sobre se a figura em causa é uma fiança comum ou uma fiança ao primeiro pedido, é igualmente de optar pela primeira qualificação.

Impõe-se concluir, deste modo, e em resumo, que a declaração de Garantia, interpretada tendo em consideração as regras fixadas nos artºs 236º/238º do Código Civil, enfatiza sobretudo a acessoriedade e a dependência, elementos distintivos da fiança, em detrimento da autonomia/independência, características da garantia autónoma, também presentes, em certa medida, na  fiança ao primeiro pedido, como vimos atrás.

Trata-se, portanto, como a Relação julgou, de uma fiança pura e não de uma fiança ao primeiro pedido.

De todo o modo, mesmo que se entendesse que a garantia prestada pelo Estado é uma  fiança ao primeiro pedido, esta figura, como acima se evidenciou, não afasta em definitivo, apenas relegando para um momento ulterior o quadro da acessoriedade presente na fiança comum; e além disso também na fiança ao primeiro pedido, tal e qual como na fiança (típica), o fiador fica sub-rogado nos direitos do credor, nos termos previstos no artº 644º, do CC.

Consequentemente, quer se qualifique a garantia prestada pelo Estado como fiança típica, quer como fiança o primeiro pedido, estava vedado ao Sindicato Bancário, sob pena de abuso de direito, beneficiar da antecipação do vencimento, por virtude da insolvência, conforme o previsto no artº 91º, nº1, do CIRE e, simultâneamente, exigir o valor total da garantia, com desconsideração do nº 2 do mesmo artigo.

Por isso, o recorrente deveria ter recusado o pagamento de um valor superior ao devido, não podendo vir agora exigir o reconhecimento de um crédito por um valor diferente do que foi reconhecido pelas instâncias.

d) O recorrente sustenta que reconhecer-se ao Estado um crédito reduzido em conformidade com o disposto no artº 91º, nº 2, do CIRE, e não o crédito total que reclamou, representa um auxílio do Estado ao Banco em liquidação, incompatível com as normas de direito comunitário e, por isso, ilegal, contrariando o disposto no artº 107º do TUE.

Também nesta parte não lhe assiste razão.

Por decisão de 20 de Julho de 2010, a Comissão Europeia considerou que o auxílio concedido pelo Estado Português, inerente à garantia em causa, era ilegal, por ter sido prestado em violação do artº 108º, nº3, do TFUE, sendo incompatível com o mercado comum, determinando os termos em que Portugal procederia à recuperação do auxílio concedido - facto 27.

Na mesma decisão, a Comissão observou que Portugal declarou que já fez valer as pretensões necessárias para exercer os seus direitos de privilégio e prioridade sobre as contragarantias que detém sobre o BANCO AA e que continuará a fazê-lo até recuperar a totalidade do empréstimo, e que a Comissão considera que Portugal deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio ao beneficiário – facto 28.

O artº 107º, nº1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) estabelece que, salvo disposição em contrário, “são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções”.

Porém, como bem se observa no acórdão recorrido, a nível comunitário não se encontra definido um procedimento através do qual deva ser executada a recuperação de auxílios considerados ilegais.

E assim, uma vez que a Comissão não tem poderes de execução, não sofre dúvida que compete aos Estados-Membros executar e tornar efectiva a decisão de recuperação do auxílio ilegal de acordo com a sua legislação interna.

É isto, aliás, o que resulta do artigo 14º, nº3, do Regulamento (CE) nº 659/99 do Conselho, de 22 de Março de 1999, JO L 83 de 27/3/1999,[9] ao dispôr que “sem prejuízo de uma decisão do Tribunal de Justiça nos termos do artigo 185º do Tratado, a recuperação será efectuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado-membro em causa, desde que estas permitam uma execução imediata e efectiva da decisão da Comissão. Para o efeito e na eventualidade de um processo nos tribunais nacionais, os Estados-membros interessados tomarão as medidas necessárias previstas no seu sistema jurídico, incluindo medidas provisórias, sem prejuízo da legislação comunitária”.

Consagra-se, portanto, neste domínio o princípio da autonomia nacional, cabendo ao Estado tomar as medidas necessárias para levar a cabo a efetiva recuperação do auxílio junto dos seus beneficiários, de acordo com a legislação nacional.

Este mesmo princípio é reafirmado na Comunicação da Comissão 2007/C 272/05,  JOUE, C 272, 15 de Novembro de 2007 (“Para uma aplicação efectiva das decisões da Comissão que exigem que os Estados-Membros procedam à recuperação de auxílios estatais ilegais e incompatíveis”) da qual consta que «a recuperação de auxílios ilegais será efetuada imediatamente e segundo as formalidades do direito nacional do Estado-Membro em causa».

Nesta Comunicação, a Comissão afirma não poder quantificar o montante de auxílio incompatível que deve ser recuperado junto de cada beneficiário, por tal implicar uma análise pormenorizada, por parte do Estado-Membro, dos auxílios concedidos em cada caso individual, no âmbito do regime em questão, cabendo ao Estado determinar o procedimento que deve aplicar para executar uma decisão de recuperação.

Por outro lado, a Comissão assinalou que:

- “Na maioria dos casos que envolvem um beneficiário insolvente, não é possível recuperar a totalidade do montante do auxílio ilegal e incompatível (incluindo juros), uma vez que os ativos dos beneficiários são insuficientes para satisfazer todos os montantes reclamados pelos credores. Por conseguinte, não será possível restabelecer plenamente e de forma tradicional a situação que existia anteriormente no mercado. Uma vez que, em última análise, o objetivo da recuperação consiste em pôr termo à distorção da concorrência, o TJCE decidiu que a liquidação do beneficiário pode ser considerada, nestes casos, uma opção aceitável relativamente à recuperação .Por conseguinte, a Comissão considera que uma decisão que ordene ao Estado-Membro a recuperação do auxílio ilegal junto de um beneficiário insolvente foi corretamente executada quando estiver concluída a recuperação integral ou quando, no caso de recuperação parcial, a empresa tiver sido liquidada e os seus ativos vendidos em condições de mercado.”

- “Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias a recuperação será efectuada nos termos da legislação nacional em matéria de falência. A dívida relativa ao auxílio a recuperar será reembolsada nos termos da graduação que lhe é atribuída pela legislação nacional.»

Deve assim concluir-se, como fez a Relação “que a recuperação total do auxilio “ilegal” concedido pelo Estado-Membro, sendo embora um objetivo a perseguir, não se pode arvorar em valor absoluto, pelo que, sendo o devedor insolvente, a aplicação do art. 91º, nº2, do CIRE não só não constitui violação do art. 107º, do Tratado de Funcionamento da União Europeia, como, pelo contrário, se insere na linha das orientações veiculadas pela Comissão e pela jurisprudência do TJUE. Estão, portanto, e ao contrário do que sustenta o recorrente, reunidas as condições de aplicação da redução da obrigação exigidas pela ratio legis do artigo 91º, nº 2, do CIRE, tal como acertadamente se fez na sentença recorrida” (fls 678 do acórdão recorrido).

Cabe ainda observar que no caso dos autos não se vê como poderá a redução da obrigação resultante da aplicação do artº 91º, nº2, do CIRE traduzir um auxílio que distorce a concorrência na actividade bancária quando é certo que o suposto beneficiário do auxílio ilegal, o Banco BANCO AA, SA, viu revogada pelo Banco de Portugal a autorização para exercer a sua actividade e se encontra em liquidação, tendo deixado, por esse motivo, ser uma empresa na acepção tida em vista no artº 107º do TFUE.

Parece evidente, assim, que não pode afirmar-se estar em causa um auxílio ilegal, na perspectiva do direito comunitário, nem retirar as consequências pretendidas pelo recorrente com o afastamento da aplicação do artº 91º, nº 2, do CIRE.

Por fim, e decisivamente, se é certo que a Comissão Europeia ordenou a recuperação do auxílio considerado ilegal – a garantia prestada no montante de 450 milhões de € - também é inquestionável, como já vimos, que cabe ao Estado Português tomar as medidas necessárias para o efeito, de acordo com a sua própria legislação; ora, o DL 199/2006, de 25/10, visou, justamente, transpôr para a ordem jurídica portuguesa a directiva comunitária relativa ao saneamento e liquidação de instituições de crédito e, como atrás se explicou com algum pormenor, contém uma norma – o artº 9º, nº 3, - que manda aplicar ao processo de liquidação respectivo as normas do CIRE que se mostrem compatíveis, nestas se incluindo, sem qualquer dúvida, a do artº 91º, nº 2.

d) De tudo quanto se disse até agora resulta que a norma do artº 91º, nº 2, do CIRE, que fixa o regime do interusurium, é inteiramente aplicável ao caso dos autos, não procedendo a argumentação em contrário  do recorrente.

Mas deve sublinhar-se ainda, a propósito, que a norma do artº 26º da Lei 112/97, segundo a qual “a cobrança coerciva das dívidas resultantes da concessão de garantias pessoais será feita através do processo de execução fiscal”, não constitui obstáculo de nenhuma espécie à aplicação do regime do artº 91º, nº 2, do CIRE, pela simples mas decisiva razão (que acresce às já anteriormente expostas) de que são normas com campos de aplicação inteiramente distintos, que não se sobrepõem: o artº 26º da Lei 112/97 define o regime a que fica sujeita a cobrança das dívidas resultantes da concessão de garantias pessoais a devedores solventes, determinando que ela será feita através do processo de execução fiscal, ao passo que os artºs 90º e sgs do CIRE definem os efeitos sobre os créditos, mas num quadro de insolvência do devedor. Ora, o processo de insolvência é o único instrumento judicial para dar solução à situação efectiva de insolvência. A razão de ser do processo de insolvência é permitir que todos os credores do mesmo devedor exerçam os seus direitos no âmbito de um único processo e o façam em condições de igualdade, não tendo nenhum credor quaisquer outros privilégios ou garantias que não os reconhecidos pelo Direito da Insolvência, e nos termos em que este o reconhece. Por isso mesmo, se antes de instaurada a execução, ou no seu decurso, o devedor for declarado insolvente, a execução pendente tem de ser sustada e o credor tem de ir ao processo de insolvência reclamar o seu crédito (artº 88º do CIRE).

A redução do crédito do Estado que resultou aplicação que as instâncias efectuaram do disposto no artº 91º, nº 2, do CIRE, mostra-se correcta porquanto não envolveu a infracção de nenhuma disposição legal, antes se mostrando devidamente articulada com o regime legal da sub-rogação, para o qual o artº 644º do CC expressamente remete ao dizer que o fiador que cumpre a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos.

A epígrafe do artº 91º do CIRE – “vencimento imediato de dívidas” – mostra claramente que a lei está a referir-se às dívidas, não aos créditos do insolvente, sendo certo que a razão de ser da disposição coincide, logicamente, com a que preside, em geral, ao processo de insolvência: “Fazer com que todos os credores do mesmo devedor exerçam os seus direitos no âmbito de um único processo e o façam em condições de igualdade (par conditio creditorum), não tendo nenhum credor quaisquer outros privilégios ou garantias, que não aqueles que sejam reconhecidos pelo direito da insolvência, e nos precisos termos em que este o reconhece” (Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, 3ª edição, pág. 177).

Este preceito é uma concretização do princípio fundamental da par conditio creditorum, genericamente acolhido no artº 604.º, n.º 1, do CC, que, salvaguardando a existência de causas legítimas de preferência (que elenca no seu n.º 2), prevê que «os credores têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para integral satisfação dos débitos».

Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência (artº 1º, nº 1, do CIRE), deverá dirigir-se, logicamente, à satisfação proporcional dos direitos de todos os credores, ressalvados aqueles que sejam titulares de direitos que gozem de prevalência sobre os demais.

O imediato vencimento das obrigações (artº 91º, nº 1, do CIRE) está em consonância com o disposto no art. 780º, nº 1, do CC, e é uma exigência incontornável da celeridade e urgência legalmente estabelecidas para o processo de insolvência, enquanto processo de execução universal que afecta a totalidade dos credores.

Visando ainda a realização da par conditio creditorum, os credores de obrigações que vão vencer-se antecipadamente por força da declaração de insolvência não deverão ser beneficiados relativamente aos demais, como aconteceria se os créditos fossem tomados pelo montante a que ascenderiam na data do respectivo vencimento normal. Por essa razão, manda a lei que toda a obrigação antecipadamente vencida por força do artº 91º, nº 1, se considere reduzida para o montante que, se acrescido de juros à taxa legal ou a uma taxa igual à diferença entre a taxa de juro convencionada de juros remuneratórios e a taxa legal, calculados sobre esse montante pelo período de antecipação do vencimento, corresponderia ao valor da obrigação em causa (nº 2 do mesmo artigo).

O problema do interusurium gerado pela antecipação do vencimento das obrigações do insolvente é resolvido pela lei ao não reconhecer ao credor o direito aos rendimentos correspondentes ao período da antecipação.

Em anotação a este preceito, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda escreveram o seguinte (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Sociedade Editora, 2009, pág. 366): “Os restantes números do art 91.º são dominados pela mesma preocupação: evitar o benefício do credor, por juros superiores, decorrente do vencimento antecipado do seu crédito, decorrente do vencimento antecipado do seu crédito. Por outras palavras, regula-se neles o interusurium. Nesta perspectiva, o n.º 2, integrado pelo n.º 4, estabelece um regime geral, que os n.ºs 3, 5 e 7 aplicam, de seguida, a situações particulares.». E continuam: «Na fixação do regime do interusurium é elemento determinante o período da antecipação do vencimento provocado pela declaração da insolvência. Rege nesta matéria, o n.º 4, que, para o efeito, considera como momento do vencimento, se não tivesse sobrevindo a declaração de insolvência, a data em que a obrigação se tornasse exigível. (…) Nesta base, o cômputo do período de antecipação faz-se em função da  data de declaração de insolvência e da data da exigibilidade da obrigação.» É este o período de antecipação «que vai ser tomado em conta na determinação do interusurium, segundo o regime estatuído no n.º 2. Distingue este preceito duas situações, consoante pelo crédito em causa não fossem devidos juros, ou fossem devidos juros inferiores à taxa legal. No primeiro caso, na redução do crédito atende-se ao período de antecipação e ao juro legal. O cálculo dos juros a abater faz-se, porém, não sobre o montante efectivo ou real da dívida em causa, mas sobre aquele a que ela será reduzida, uma vez abatido o interusurium. No segundo caso, o cálculo obedece ao mesmo esquema, mas a taxa de juro a que se atende é apurada em termos diferentes: em vez da taxa de juro legal, atende-se à diferença entre essa taxa e a convencionada.”.

Também Luís Menezes Leitão - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 8.ª edição, 2015, Almedina, pág. 147 e 148 -  se reporta aos n.º s 2, 3 e 4 do artº 91º, dizendo que «abordam a questão do interusurium, na medida em que não se justificaria permitir que o credor beneficiasse de juros superiores em resultado do vencimento antecipado provocado pela declaração de insolvência”.

De igual modo, no CIRE Anotado por PLMJ, Sociedade de Advogados, RL, Coimbra Editora, 2012, pode ler-se o seguinte: “Os n.ºs 2 e 4 vêm regular os termos e consequências do mencionado vencimento antecipado, designadamente acautelando que os credores da insolvência não beneficiarão de juros de mora superiores apenas em face do antecipado vencimento das dívidas correspectivas dos seus créditos (o regime do interusurium), que os n.º s 3 e 5 a 7 adaptam para casos específicos.” E logo a seguir: “Para a subsunção do regime do interusurium importa atender (i) ao período temporal correspondente à antecipação do vencimento da obrigação (calculado de acordo com o n.º 4), (ii) submetendo-o depois à fórmula prevista no n.º 2 do artigo em anotação para quantificar a redução do crédito legalmente imposta”.

No caso presente, foi revogada a autorização para o exercício da atividade do BANCO AA, SA, por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada no dia 15/4/10 (facto 20).

Por carta datada de 21/4/10, dirigida ao Diretor Geral da Direção Geral do Tesouro e Finanças e por esta entidade recebida, na mesma data, o BANCO CC, SA, na qualidade de Banco Agente do empréstimo efectuado, acionou a garantia (factos 8, 10 e 21).

Em 10/5/10 o Estado Português, através da Direção Geral do Tesouro e Finanças, entregou ao BANCO CC, SA, na qualidade de Banco Agente do consórcio bancário, a quantia de 450.974.875,00 €, correspondendo 450.000.000,00 € a capital e 974.875,00 € a juros contados de 31/3/10 a 10/5/10  (facto 24).

A decisão de revogação da autorização pelo Banco de Portugal produz os efeitos da declaração de insolvência (artº 8º, nº 2, do DL 199/2006, de 25/10); consequentemente, a obrigação do Banco mutuário, atento o disposto no artº 91º, nº 1, do CIRE, considera-se vencida no dia 15/4/10.

Decerto, não foi o Estado quem beneficiou desse vencimento antecipado; só que a acessoriedade inerente à fiança que prestou não permite que se dissocie a obrigação principal da obrigação acessória – o direito de crédito é exactamente o mesmo – e, por isso, a aplicação do instituto do interusurium, devidamente acautelado, conforme o exposto, no artº 91º, nº 2, do CIRE, está inteiramente justificada.

Não se trata duma ficção legal, como pretende o recorrente, mas sim da consequência lógica da aplicação normal do instituto da sub-rogação, que nesta sede não tem especificidades.

O Estado podia ter legitimamente recusado satisfazer a totalidade do mútuo que afiançou uma vez que todos os intervenientes tiveram perfeito conhecimento da razão do vencimento antecipado da obrigação – a liquidação/insolvência do mutuário; não o tendo feito, está agora, aparentemente, em condições de exercer o direito de repetir o indevido, mas junto do Sindicato Bancário, não da massa insolvente do devedor; será na esfera jurídica daquele que se encontra o enriquecimento injustificado, correspondente àquilo que o Estado, enquanto fiador, pagou em excesso por não ter accionado em devido tempo contra o credor o mecanismo do artº 91º, nº 2, do CIRE.

Parece evidente, por outro lado, que falar-se de enriquecimento indevido do BANCO AA, SA, ou da sua massa insolvente, decorrente da aplicação do regime previsto no artº 91º, nº 1, do CIRE,  faz pouco ou nenhum sentido, uma vez que este instituto, conforme já se disse,  tem precisamente por finalidade obstar ao enriquecimento do credor cujo crédito se vence antecipadamente e, em simultâneo, consolidar o passivo do insolvente. No caso dos autos é inquestionável que não se verificou uma deslocação patrimonial que permita afirmar que o Estado ficou empobrecido na razão directa do enriquecimento do devedor.

Defendendo, no limite, uma aplicação “adaptada” do artº 91º, nº 2, do CIRE, o recorrente sustenta que, se o crédito em causa foi concedido a taxa inferior à legal - o que ficou a dever-se ao facto de a obrigação se encontrar garantida pelo Estado e, como tal, apresentar risco zero para o credor originário - então o cálculo deve efectuar-se entre a taxa, tal como prevista pela Comissão Europeia como sendo a taxa aplicável em condições normais de mercado e a taxa legal a que alude o art. 91º, nº 2, do CIRE, e não entre a taxa efectivamente aplicável ao empréstimo e a taxa legal, uma vez que a primeira apenas foi obtida atento o carácter especialíssimo da garantia do Estado, e que justificaria um tratamento distinto do seu crédito.

Acontece, porém, que o cálculo do interusurium tem de ser efectuado nos precisos termos em que as instâncias o realizaram, porque são os determinados legalmente.

A pretensão do recorrente - a de efectuar o cálculo entre a taxa de mercado (e não a taxa aplicada ao empréstimo) e a taxa legal – com base no argumento de que a taxa que foi aplicada ao empréstimo se obteve atendendo ao carácter especialíssimo da garantia do Estado, conduz, na prática, a um tratamento de favor, “preferencial”, do seu crédito, em detrimento dos restantes credores da massa insolvente. A consideração da taxa a aplicar não assenta em razões subjacentes ao contratado. O legislador assume que tal integra a liberdade contratual, onde não tem de intervir. Simplesmente, para não aumentar a margem de benefício/prejuízo para o credor caso a obrigação se não vença antecipadamente, uma vez esta vencida e tendo de ser reduzida, opta, em função disso, pela aplicação da taxa contratada.

O carácter especial da garantia pessoal do Estado e o interesse público subjacente à sua prestação estão presentes no privilégio conferido pelo artº 22.º da Lei n.º 112/97; no mais, o Estado não se distingue de um comum garante, sendo-lhe aplicáveis os artºs. 644.º do CC e 91º, nº 2, do CIRE.

e) No que se refere, por fim, à questão colocada nas conclusões 77ª a 90º, dir-se-á apenas que também nesta parte não merece censura o acórdão da 2ª instância. Efectivamente, as normas respeitantes à imputação do cumprimento – artºs 783º a 785º do CC – pressupõem a ocorrência de um pagamento voluntário, situação que no caso presente não se verifica, pois o imóvel ajuizado foi vendido em execução fiscal. Independentemente disso, e com carácter decisivo, deve dizer-se que a pretensão do recorrente colide com as normas aplicáveis do CIRE, quer quanto à graduação de créditos, quer quanto ao respectivo pagamento. Não sofre dúvida, com efeito, que o artº 785º do CC não tem aplicação relativamente a crédito a reconhecer em sede de verificação e graduação de créditos no âmbito de um processo de liquidação judicial de instituição de crédito. Em tal caso, as regras aplicáveis são as próprias do regime de insolvência, previstas nos artºs 172.º e seguintes do CIRE, que em parte alguma remete supletivamente para as normas do Código Civil.

Improcedem, assim, ou mostram-se deslocadas todas as conclusões do recurso.

Decisão

Acorda-se em negar a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 31 de janeiro de 2017

Nuno Cameira - Relator

Salreta Pereira

João Camilo

           

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[1] Mantém-se a numeração das conclusões, mas omitem-se as relativas à admissibilidade da revista excepcional (1ª a 11ª), que deixaram de interessar face ao carácter definitivo da decisão da formação que admitiu a revista excepcional.

[2] Não se procede à transcrição das cláusulas do “Contrato de Penhor”, dado que não relevam para a apreciação do recurso.

[3]  Veja-se, neste sentido, Mariana Duarte Silva, Os novos regimes de intervenção e liquidação aplicáveis às instituições de crédito, em O Novo Direito Bancário, Almedina, 2012, págs. 407, 408, 430, 431 e 432.

[4] Seguiremos de perto o acórdão recorrido deste ponto em diante, por vezes reproduzindo parcialmente alguns passos da respectiva fundamentação.

[5] Cfr. A Concessão de garantias pessoais pelo Estado e por outras pessoas colectivas públicas – Parte II – Breve Estudo sobre o Regime da Lei nº 112/97, de 16 de Setembro, pág. 277 e sgs, de Miguel Brito Bastos

[6]  Neste preciso sentido, cfr L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias,  2015, 2ª edição, pág. 109 e segs.

[7]  Procº  06 A2412 (texto completo disponível em www.dgsi.pt).

[8] Cfr Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, págs 977 e sgs., 994 e ss e 1086 e ss..
[9] Este Regulamento teve em vista, justamente, definir as regras de execução dos regimes previstos nos actuais artºs 107º/108º do TFUE (anteriores artºs 87º/88º) e foi recentemente alterado pelo Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho de 13 de julho de 2015, JO L248/9, de 24/9/2015; porém, o art.º 16º, nº3, deste Regulamento reproduz, sem alterações, o art.º 14º daquele.