No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 34/05.9PAVNG, da 2.ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, integrante do Círculo Judicial de Vila Nova de Gaia, foi realizado cúmulo jurídico de penas aplicadas ao arguido AA, nascido a …, natural de …, solteiro, residente no Bairro …, Bloco …, Casa …, Campanhã, Porto, e actualmente preso no Estabelecimento Prisional Central de Paços de Ferreira, em cumprimento de pena.
Realizada a audiência a que alude o artigo 472.º do Código de Processo Penal, em 15-09-2011, por acórdão do Colectivo competente, datado de 22-09-2011, constante de fls. 1879 a 1888, do 6.º volume, depositado no mesmo dia, foi deliberado:
“Efectuar o cúmulo jurídico das penas que lhe foram impostas nos processos referidos nos pontos 1.1. a 1.6. e 1.8. a 1.10. dos factos provados, condenando o arguido na pena única de 20 (vinte) anos de prisão e, ainda, na pena de 60 dias de prisão subsidiária, aplicada no processo aludido no ponto 1.7. dos factos provados”.
Inconformado com o assim deliberado, o condenado interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 1893 a 1919, e em original, de fls. 1927 a 1953, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral):
I. Não teve o douto Acórdão em consideração os factores sociais constantes do relatório social, o bom comportamento, no estabelecimento prisional, a estrutura familiar de apoio, o facto de estar preso há 6 anos e meio (sem qualquer precária- prisão continua) e sentir a privação da liberdade depois de ter completado os 21 anos, como se descriminou e que se reproduz na integra nas nossas alegações;
II- Houve, pois, violação dos art.°s 73.° e 74.° do Código Penal bem como dos art.°s 124° n.° 1, 127° do Código Processo Penal;
III - Pelo que, nos parece que pena foi demasiada, devendo a mesma ser revogada .
Como dizia José António Barreiros, A ressocialização e o processo penal, in “Cidadão delinquente: reinserção social?”, edição do IRS, 1983, págs. 104 e sgs., a propósito do Decreto-Lei n.° 401/82, o diploma na sua concretização pressupõe necessariamente o detalhado conhecimento da individualidade comportamental do agente.
IV - A ressocialização do arguido parte da sua vontade de querer nortear-se pelo respeito dos valores ético-jurídico comunitários e de respeitar os bens jurídicos, postura que tem de manifestar-se em atitudes comportamentais, que objectivamente, elucidem que está realmente interessado no caminho da ressocialização.
V - Em face da pena aplicada em cúmulo considera-se que se verificou a violação de várias normas jurídicas que impossibilitaram de alcançar a verdadeira justiça. Assim, foram ainda violadas as disposições constantes dos art.s violadas as normas dos artigos 71.° e 77.° 124.° n.° 1, 127° do Código de Processo Penal" (SIC).
Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.° 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto - para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.
A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares - à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
VI - Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.
Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.° do Código Penal - exigências gerais de culpa e prevenção - em conjugação, a partir de 1-10-1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.°, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.°, n.° 1, do Código Penal - o que significa que o específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, passando pelo efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, processo n.° 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.° 170/04.9PBVCT.S1-3.3; de 10-09-2009, no processo n.° 26/05. 8SOLSB-A.Sl-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.° 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.° 2 do art. 77.° do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.° 160/06. 7GBBCL.G2.S1- 5.a, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e apara além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.° 134/05.5PBVLG.Sl-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.° 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.°4/06.0GACCH.El.Sl-3.ª.
Com interesse, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.° 260/07.6GEGMR.S1-3.3, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias.
VII - Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.
Como esclareceu o autor do Projecto do CP, no seio da respectiva Comissão Revisora, a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck, que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. Posição também defendida por Figueiredo Dias, ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta. Em princípio, os factores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, «aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração».
VIII - Não obstante o número de actuações, não é de considerar o ilícito global agora julgado como resultado de uma tendência criminosa, reportando-se o caso a situação de pluriocasionalidade, desenvolvendo-se no caso concreto a actividade criminosa num período temporal (muito curto), comportando duas fases distintas, no intervalo das quais cumpriu medida de coacção.
Na verdade, a facticidade provada permite formular um juízo específico sobre a personalidade do arguido que ultrapassa a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados e mesmo concatenada com as condenações anteriores, atenta a natureza e grau de gravidade das infracções por que respondeu, não mostrando-se provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do agente, restando a expressão de uma pluriocasionalidade procurada pelo arguido e sempre coajuvada pela toxicopendencia.
XI- Em suma; A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade do arguido, afigurando-se-nos algo excessiva a pena aplicada, pelo que há que alterá-la, mostrando-se, pois, necessária intervenção correctiva deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de fazer incidir um maior factor de compressão.
A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade do arguido, afigurando-se-nos algo excessiva a pena aplicada, pelo que há que alterá-la, mostrando-se, pois, necessária intervenção correctiva deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de fazer incidir um maior factor de compressão.
Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do arguido, tendo em conta a moldura do concurso que vai de e 6 anos de prisão a 25 anos de prisão, atendendo ao conjunto dos factos, a conexão entre eles, com similitude do modo de execução de conduta, descontinuidade temporal da actuação com dois períodos distintos, natureza dos bens e montantes dos valores apropriados, consequências da conduta a nível da violação dos direitos de personalidade dos visados, é de concluir por um mediano grau de demérito da conduta do recorrente, mas atendendo a que tudo se passou em curto espaço temporal, entende-se que deve ser relevado na aplicação da medida da pena e esta não ser superior a 8 anos de prisão.
No provimento do recurso pede a redução da pena conjunta, com a fixação da mesma em 8 anos de prisão.
O Ministério Público junto do tribunal recorrido não apresentou resposta.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 1962.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, de fls. 1970 a 1975, do 7.º volume, defendendo, a final, que o recurso poderá obter provimento parcial e a pena única eventualmente ser fixada próximo dos 18 anos de prisão.
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente silenciou.
Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.
Está-se face a deliberação final de um tribunal colectivo – mais concretamente, um acórdão cumulatório, que fixou pena única ao recorrente, superior a 5 anos de prisão - pretendendo-se a reapreciação de matéria de direito, estando em causa apenas discordância do arguido condenado relativamente à medida da pena conjunta, pelo que é este Supremo Tribunal competente para conhecer do recurso - artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção dos vícios decisórios ao nível da matéria de facto, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, e nulidades previstas no n.º 3, do mesmo preceito – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, ou dito de outro modo, as razões de discordância com o decidido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os horizontes cognitivos do Tribunal Superior.
Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
Questão a decidir
No fundo, a única questão proposta pelo recorrente a reapreciação por este Supremo Tribunal prende-se com a medida da pena única, não suscitando o impetrante condenado qualquer outra questão relacionada com a confecção da pena de síntese, em qualquer das possíveis – em tese – dimensões de divergência com o decidido, pretendendo o recorrente apenas a redução da mesma, com fixação da pena conjunta em 8 anos de prisão.
Não pode deixar de assinalar-se no caso presente, após a leitura da motivação, que a peça apresentada como de autoria originária, em boa parte mais não é do que um exercício de cópia de extractos de outros lugares, em que se transcrevem parágrafos inteiros ipsis verbis, ponto por ponto, que não são originais, sem que nunca seja referida a origem do escrito, que nalguns casos correspondem a extractos e passagens de acórdãos por nós elaborados, como acontece com o teor dos pontos n.ºs 22 a 31, 34, 37, 38 e conclusões VI, VIII e XI, nesta a repetir dois parágrafos e reportando especificidades constantes daqueles acórdãos que se não verificam aqui e ao arrepio do que afirmado fora no ponto 16, a fls. 1943, no que respeita ao período temporal em apreciação.
Tais excertos são facilmente detectáveis nos vários acórdãos que elaborámos e que infra se mencionarão.
Basta referir que na conclusão III cita-se passagem onde se faz referência ao DL 401/82 quando antes referira que o arguido à data dos factos mais antigos tinha 23 anos (ponto 17) e embora refira a “incompletude da análise global do conjunto dos factos e sua relacionação com a personalidade do recorrente”, no ponto 32, não extrai a consequência de nulidade do acórdão.
Na conclusão VI segue-se a par e passo o que consta do acórdão de 02-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, incluindo os itálicos e sublinhados, sem qualquer discrepância.
Fora do quadro de apreciação da impugnação directa da deliberação recorrida traçado pelo recorrente, oficiosamente, já que nos situamos no terreno da matéria de direito, para cuja sindicância o Supremo Tribunal de Justiça tem plena competência, apreciar-se-ão outras questões, nomeadamente, a observância do disposto no novo artigo 78.º do Código Penal, no que tange à inclusão, ou não, no cúmulo jurídico a efectuar, de penas de prisão, suspensas na execução e posteriormente revogadas e cumpridas como pena privativa de liberdade, da observância da proibição de cúmulo por arrastamento, e da existência ou não de fundamentação, mínima, sucinta, da matéria de facto, que ancore a concreta medida da pena única, o que no caso releva atendendo à magnitude da mesma.
Assim,
Oficiosamente, proceder-se-á à análise das seguintes questões:
I - Inclusão no cúmulo jurídico de penas de prisão cumpridas na sequência de revogação da suspensão de execução.
II – Inadmissibilidade de realização de cúmulo jurídico por arrastamento, conduzindo à revogação do acórdão em reapreciação, por ter realizado cúmulo nesses moldes em violação de lei expressa.
III – Nulidade por falta de fundamentação de facto – violação do artigo 374.º, n.º 2 do CPP, conduzindo a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
Apreciando – Fundamentação de facto.
Factos Provados
Nota Prévia - Correcção oficiosa de lapsos de escrita detectados no acórdão recorrido
Na enumeração dos factos dados por provados no acórdão recorrido, verifica-se existirem lapsos, que importa corrigir, face a elementos factuais, que, claramente, se contêm em certidões extraídas dos processos onde constam as condenações nos crimes em concurso, devidamente “convocadas” para a concreta missão em causa, e oportunamente juntas aos autos, consubstanciando as mesmas documentos narrativos e que noutra perspectiva, constituem documentos autênticos, com força probatória plena, nos conjugados termos dos artigos 363.º, n.º s 1 e 2, 369.º e 371.º, do Código Civil e artigo 169.º do Código de Processo Penal, tratando-se de prova vinculada, não infirmada, ou sequer beliscada, sendo a correcção ora feita de acordo com o artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do mesmo CPP.
Assim:
- No processo n.º 549/97.0POPRT – figurando no n.º 3, na lista do acórdão recorrido – a data da decisão condenatória não é “03.06.2005”, mas antes 30-06-2005, conforme fls. 1172.
- No processo n.º 1687/00.0PJPRT - n.º 4 da mesma lista – a data correcta do novo acórdão cumulatório é 08-01-2007, - e não, nunca, obviamente! – a de 08-01-2008, conforme certidão de fls. 1497 a 1501, e daí ter transitado em 24-01-2007, acrescendo que no acórdão cumulatório, à pena de multa única de 240 dias, foram feitos corresponder, subsidiariamente, 160 dias de prisão.
- No processo n.º 1552/04.1PBMTS – figurando no n.º 5 da mesma lista do acórdão recorrido – é indicada a data de 17.11.2004, como sendo a da prática de todos os factos, quando, na realidade, o segundo/posterior crime de roubo, bem como o de falsificação de documento, tiveram lugar em 18-11-2004, conforme certidão junta, de fls. 1506 a 1521.
- No processo n.º 1517/04.3 GAVNG – patente no n.º 8, ainda da mesma lista – consta como data da decisão condenatória a de 24.07.2007, quando a data correcta dessa decisão é 24-05-2007, e daí, ter transitado em julgado, ainda, em 25.06.2007.
- No processo n.º 1535/01.3PJPRT – n.º 3.1 dos factos provados – consta como pena aplicada a de 2 anos de prisão, suspensa por 3 anos, quando o arguido foi condenado na pena única (?) de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa por aquele período.
- No ponto 3.3 dos factos provados, referente ao processo n.º 592/01.7TBMTS, consta que “Por despacho de 16.11.2002 foi declarada extinta a pena pelo seu cumprimento”, sendo a data correcta será a de 16-11-2005, conforme certificado de registo criminal de fls. 909, para além da natural consideração das coisas, como o decorrer do tempo.
O acórdão recorrido, para a elaboração/fundamentação/justificação da pena conjunta que fixada foi ao recorrente, assentou na seguinte matéria de facto:
1) O arguido sofreu as seguintes condenações transitadas em julgado:
1.1. No processo n.º 787/04.1GCVNG da 2ª Vara Mista do Tribunal de Vila Nova de Gaia, por decisão de 04.01.2006, transitada em julgado em 19.03.2007, foi condenado pela prática, em 14.11.2004, de um crime de roubo p. e p. pelos art.ºs 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204º, n.º 2, al. f), ambos do C.P., na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, de um crime de sequestro p. e p. pelo art.º 158º, n.º 1 do C.P., na pena de 6 meses de prisão, de um crime de roubo p. e p. pelos art.ºs 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204º, n.º 2, al. f), ambos do C.P., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, de um crime de roubo p. e p. pelos art.ºs 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204º, n.º 2, al. f) e n.º 4, ambos do C.P., na pena de 1 ano e 8 meses de prisão e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa p. e p. pelo art.º 6º, n.º 1 do D.L. 22/97, de 27.06, na pena de 7 meses de prisão. Em cúmulo jurídico das aludidas penas parcelares o arguido foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.
1.2. No processo n.º 1177/04.1GAVFR do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Santa Maria da Feira, por decisão de 01.06.2006, transitada em julgado em 16.06.2006, foi condenado como reincidente pela prática de um crime de roubo agravado p. e p. pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204º, n.º 2, als. a) e f), ambos do Código Penal, cometido em 24.12.2004, na pena de 5 anos de prisão, de dois crimes de roubo agravado ps. e ps. pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204º, n.º 2, als. a) e f), ambos do Código Penal, ambos cometidos em 14.02.2005, na pena de 5 anos de prisão para cada um deles e de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art.º 256º, n.ºs 1 e 3 do C.P., cometido em 24.12.2004, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares o arguido foi condenado na pena única de 9 anos de prisão. As respectivas penas parcelares foram englobadas no cúmulo jurídico realizado no processo 1687/00.0PJPRT da 1ª Vara Criminal do Porto.--
1.3. No processo n.º 549/97.0POPRT da 2ª Vara Criminal do Porto, por decisão de 03.06.2005, transitada em julgado em 15.07.2005, foi condenado pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal, cometido em 02.06.1997, na pena de 1 ano de prisão.
Esta pena foi englobada no cúmulo jurídico realizado no processo 1687/00.0PJPRT da 1ª Vara Criminal do Porto.
1.4. No processo n.º 1687/00.0PJPRT da 1ª Vara Criminal do Porto, por decisão de 30.06.2006, transitada em julgado em 24.01.2007, foi condenado pela prática de dois crimes de roubo ps. e ps. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal, ambos cometidos em 10.11.2000, na pena de 18 meses de prisão para cada um deles.
Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares e ainda das penas aplicadas nos processos n.ºs 1535/01.3PJPRT da 1ª Vara Criminal do Porto, 138/02.0PCPRT do 2º Juízo do Tribunal de Pequena Instância criminal do Porto, 550/99.0PBGDM do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Gondomar, 549/97.0PPOPRT da 2ª Vara Criminal do Porto e 1177/04.1GAVFR do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Santa Maria da Feira, o arguido foi condenado na pena única de 11 anos de prisão e 240 dias de multa.
Por acórdão do S.T.J. de 02.11.2006 foi anulado o acórdão relativamente à pena única, tendo sido proferido novo acórdão cumulatório em 08.01.2008 que englobou as penas do processo n.º 1687/00.0PJPRT da 1ª Vara Criminal do Porto e ainda dos processos n.ºs 138/02.0PCPRT do 2º Juízo do Tribunal de Pequena Instância criminal do Porto, 550/99.0PBGDM do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Gondomar, 549/97.0PPOPRT da 2ª Vara Criminal do Porto e 1177/04.1GAVFR do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Santa Maria da Feira, tendo o arguido sido condenado na pena única de 8 anos e 10 meses de prisão e 240 dias de multa.
1.5. No processo 1552/04.1PBMTS do 4º Juízo Criminal do Tribunal de Matosinhos, por decisão de 12.03.2007, transitada em julgado em 30.03.2007, foi condenado pela prática, em 17.11.2004, de um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, de um crime de roubo p. e p. pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão e de um crime de falsificação de documento p. e p. pelos artº.s 255º, al. a) e 256º, n.º 1, al. b) e n.º e 3, ambos do C.P., na pena de 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares o arguido foi condenado na pena única de 4 anos de prisão.
1.6. No processo n.º 1644/04.7PAESP do 2º Juízo do Tribunal de Espinho, por decisão de 29.06.2007, transitada em julgado em 20.07.2007, foi condenado pela prática de um crime de roubo p. e p. pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, cometido em 21.12.2004, na pena de 4 anos de prisão.
1.7. No processo n.º 550/99.0PBGDM do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Gondomar, por decisão de 07.12.2005, transitada em julgado em 07.12.2005, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º, n.º 2 do D.L. 2/98, de, cometido em 30.11.1999, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de € 2,00. Por despacho de 27.10.2006 a pena de multa foi convertida em 60 dias de prisão subsidiária. A pena aplicada nestes autos foi englobada no cúmulo jurídico realizado no processo 1687/00.0PJPRT da 1ª Vara Criminal do Porto.
1.8. No processo 1517/04.3 GAVNG da 1ª Vara Mista do Tribunal de Vila Nova de Gaia, por decisão de 24.07.2007, transitada em julgado em 25.06.2007, foi condenado como reincidente pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) do Código Penal, cometido em 09.11.2004, na pena de 5 anos de prisão.
1.9. No processo 134/05.5PBVLG do 2º Juízo do Tribunal de Valongo, por decisão de 20.05.2008, transitada em julgado em 09.06.2008, foi condenado como pela prática de um crime de roubo p. e p. pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204º, n.º 2, als. a) e f), ambos do Código Penal, cometido em 22.02.2005, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
Por acórdão de 22.10.2010 foi realizado o cúmulo jurídico das penas aplicadas nestes autos e nos processos supra referidos em 1.1. a 1.8., tendo o arguido sido condenado na pena única de 16 anos e 6 meses de prisão.
1.10. Nestes autos, no Processo n.º 34/05.9PAVNG desta 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, por decisão de 19 de Novembro de 2009, foi condenado pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal, cometido em 09.01.2005, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
O arguido interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por decisão de 03.11.2010, transitada em julgado em 29.11.2010, decidido negar provimento ao recurso.
2) Sobre as condições pessoais e percurso de vida do arguido, apurou-se o seguinte:
• O AA possui o 4º ano de escolaridade.
• Começou a trabalhar aos 13 anos de idade como aprendiz de carpinteiro que desempenhou durante dois anos.
• Entretanto iniciou o seu consumo de estupefacientes.
• Em 2003 o arguido estabeleceu uma relação de namoro, encetando com a namorada uma união de facto no verão de 2004. Nessa altura o arguido trabalhava como servente da construção civil, situação que se manteve até cerca de um mês e meio antes do arguido ser preso em 25.02.2005.
• No estabelecimento prisional do Porto o arguido foi submetido a algumas sanções disciplinares por incumprimento de regras institucionais e aderiu a tratamento de toxicodependência com metadona e manteve-se laboralmente activo, trabalhando no sector das obras, como faxina e na padaria, tendo frequentado um curso de formação profissional de mesa e bar, com equivalência ao 3º ciclo (9º ano).
• Em 26.10.2010 o arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional de paços de Ferreira, registando algumas dificuldades de adaptação, tendo numa fase mais recente estabilizado, mantendo o apoio dos serviços clínicos no tratamento com metadona, não dando indícios de manutenção dos consumos de drogas de elevado poder aditivo.
• Frequentou e concluiu um curso de formação de competências pessoais, encontrando-se actualmente a frequentar um curso de formação social e humana, demonstrando maior estabilidade e adequabilidade ao contexto institucional e no relacionamento interpessoal.
• Recebe visitas regulares da mãe e irmã.
3) Do certificado de registo criminal constam ainda as seguintes condenações anteriores aos factos cometidos nos processos descritos nos pontos 1.1. a 1.10. dos factos provados:
3.1 No processo n.º 1535/01.3PJPRT da 1ª Vara Criminal do Porto, por decisão de 18.04.2002, transitada em julgado em 03.05.2002, foi condenado pela prática de um crime de roubo, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por 3 anos. Por despacho de 18.11.2002 foi revogada a suspensão e por despacho de 14.12.2006 foi declarada extinta a pena pelo seu cumprimento;
3.2 No processo n.º 138/02.0PCPRT da 2ª Secção dos Juízos de Pequena Instância Criminal do Porto, por decisão de 11.07.2002, transitada em julgado em 30.09.2002, foi condenado pela prática de um crime de furto de uso de veículo, na pena de 190 dias de multa;
3.3 No processo n.º 592/01.7TBMTS do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Matosinhos, por decisão de 09.10.2002, transitada em julgado em 30.10.2002, foi condenado pela prática de um crime de furto de uso de veículo, na pena de 2 anos e 1 mês de prisão suspensa por 3 anos. Por despacho de 16.11.2002 foi declarada extinta a pena pelo seu cumprimento.
Apreciando. – Fundamentação de direito.
Do Cúmulo jurídico por conhecimento superveniente
A condenação do ora recorrente no presente processo foi a última – sendo igualmente a derradeira a transitar em julgado – de uma série de condenações por si sofridas.
Em causa está a reapreciação do acórdão cumulatório de 22 de Setembro de 2011, que por conhecimento superveniente de concurso, realizou o cúmulo jurídico ora em equação, de acordo com o “exercício de casting” protagonizado pelo tribunal recorrido, abarcando dez condenações impostas ao arguido pela prática de vários crimes, em outros tantos dez processos, ao longo de um período temporal - se bem que com intermitências - a raiar os oito anos de actividade delitiva.
A “génese”, o ponto de partida, do presente cúmulo jurídico está na promoção do Ministério Público de fls. 1851, a que se seguiu o despacho de fls. 1852, designando-se então dia para a audiência, a que alude o artigo 472.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
De acordo com as referidas promoção e despacho, que configuraram/delimitaram o objecto da operação de cúmulo jurídico a realizar nos autos, este englobaria, para além da pena aplicada no presente processo n.º 34/05.9PAVNG – a imposta pela última condenação transitada – as penas aplicadas no processo n.º 134/05.5PBVLG do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, e nos demais processos, cujas penas integraram o cúmulo jurídico efectuado no âmbito de tal processo, por acórdão de 22-10-2010, ou seja, tratou-se de um projecto de cúmulo, a efectuar, na essência, por mera adesão sequencial ao último realizado, em que a modificação substantiva principal resultava da mera adição da última condenação.
A opção tomada, apesar de “seguidista”, e encontrando-se, por isso mesmo, em princípio, a coberto/resguardo, de eventuais dissabores, era em si mesmo “arriscada”, o que não poderia deixar de ter consequências, caso a âncora do anterior cúmulo já padecesse de vícios, como acontecia, efectivamente, maxime, face ao olvidado/inobservado/ proscrito/ostracizado, novo regime legal, já em vigor desde 15-09-2007, para mais de observar, por mor do disposto no artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal.
O caso de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso de crimes tem lugar, quando posteriormente à condenação no processo de que se trata - o da última condenação transitada em julgado - se vem a verificar que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes.
Neste caso, são aplicáveis as regras do disposto nos artigos 77.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1, do Código Penal, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas.
Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, em vigor desde 01-10-1995 (e inalterado pelas subsequentes modificações legislativas, operadas pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro, n.º 61/2008, de 31 de Outubro, n.º 32/2010, de 02 de Setembro, n.º 40/2010, de 03 de Setembro, e n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro), que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Relativamente ao conhecimento superveniente do concurso, dispunha o artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção anterior (introduzida pela reforma de 1995) que: “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior”.
Com a 23.ª alteração ao Código Penal, introduzida com a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, entrada em vigor em 15 seguinte, o n.º 1 do artigo 78.º (intocado nas referidas posteriores alterações de 2008, 2010 e 2011) passou a ter a seguinte redacção:
“Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.
E no n.º 2 estabelece: “O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado”. (Realces obviamente nossos).
Antes de avançarmos na análise da questão proposta no recurso, convirá passar em revista todas as condenações sofridas pelo arguido, já transitadas em julgado, relativas a crimes praticados entre 2 de Junho de 1997 e 22 de Fevereiro de 2005, incluindo as agora postergadas, não consideradas, excluídas, penas, constantes do ponto n.º 3 dos factos provados do acórdão recorrido, que não foram englobadas no concurso realizado, e, ora, oficiosamente, em reequação.
Para uma melhor abordagem e percepção das questões a debater e maior facilidade de “visualização” dos elementos referenciais a ter em conta, proceder-se-á a uma enumeração de todas as condenações sofridas pelo arguido e a ter em conta nesta análise, passando-se a ordenar os processos onde ocorreram as sucessivas condenações, segundo um critério cronológico da data da prática dos factos integrantes das infracções em concurso.
Não é anódina a referência a diversos tipos de prova documental - documentos autênticos - de certidão junta e meros certificados de registo criminal, estes nos casos n.º s 3, 4 e 6 - correspondendo os primeiros a processos cujas penas foram integradas no cúmulo e os restantes não.
1 – Processo comum colectivo n.º 549/97.0POPRT, da 2.ª Vara Criminal do Porto – certidão de fls. 1162 a 1177 – factos praticados em 02 de Junho de 1997 – condenação por acórdão de 30-06-2005, transitado em julgado em 15-07-2005, pela prática de um crime de roubo, p. p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, englobada no cúmulo jurídico realizado no processo n.º 1687/00.0PJPRT da 1.ª Vara Criminal do Porto.
2 - Processo comum singular n.º 550/99.0PBGDM, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Gondomar – certidão de fls. 1144 a 1161 - factos praticados em 30 de Novembro de 1999 – condenação por sentença proferida em 07-12-2005, transitada em julgado em 04-01-2006, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do D.L. 2/98, de 03-01, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de € 2,00. Por despacho de 27.10.2006, a fls. 1159, a pena de multa foi convertida em 60 dias de prisão subsidiária. Esta pena foi englobada no cúmulo jurídico realizado no processo n.º 1687/00.0PJPRT da 1.ª Vara Criminal do Porto – fls. 1161.
3 - Processo comum colectivo n.º 592/01.7TBMTS, do 2. º Juízo Criminal do Tribunal de Matosinhos – certificado de registo criminal de fls. 909 – factos praticados em 01 de Fevereiro de 2000 – condenação por acórdão datado de 09-10-2002, transitada em julgado em 30-10-2002, pela prática de um crime de furto de uso de veículo, de condução sem habilitação legal e roubo simples, na pena única de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa por 3 anos.
Por despacho de 16.11.2005 foi declarada extinta a pena pelo seu cumprimento.
4 - Processo comum colectivo n.º 1535/01.3PJPRT, da 1.ª Vara Criminal do Porto – certificado de registo criminal de fls. 907 e 908 - factos praticados em 2 de Agosto de 2000 – condenação por acórdão de 18-04-2002, transitado em julgado em 03-05-2002, pela prática de um crime de roubo, p. p. pelo artigo 210.º, do Código Penal, na pena única (?) de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa por 3 anos.
Por despacho de 18.11.2002, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), foi revogada a suspensão, determinando o cumprimento da pena de 2 anos e 2 meses de prisão e por despacho de 14.12.2006 foi declarada extinta a pena pelo seu integral cumprimento.
5 - Processo comum colectivo n.º 1687/00.0PJPRT, da 1.ª Vara Criminal do Porto - certidão de fls. 1112 a 1143, e de novo, de fls. 1479 a 1505 - factos praticados em 10 de Novembro de 2000 – condenação por acórdão de 30-06-2006, transitado em julgado em 24-01-2007, pela prática de dois crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão para cada um deles.
Em cúmulo jurídico dessas penas parcelares e ainda das penas aplicadas nos processos n.ºs 1535/01.3PJPRT, 138/02.0PCPRT, 550/99.0PBGDM, 549/97.0PPOPRT e 1177/04.1GAVFR, o arguido foi condenado na pena única de 11 anos de prisão e 240 dias de multa.
Por acórdão do S.T.J. de 02-11-2006 foi anulado o acórdão relativamente à pena única, tendo sido proferido novo acórdão cumulatório em 08-01-2007, que englobou as penas do processo n.º 1687/00.0PJPRT, n.º 138/02.0PCPRT, 550/99.0PBGDM, 549/97.0PPOPRT, tendo o arguido sido condenado na pena única de 8 anos e 10 meses de prisão e 240 dias de multa.
6 - Processo sumário n.º 138/02.0PCPRT da 2.ª Secção dos Juízos de Pequena Instância Criminal do Porto – certificado de registo criminal de fls. 108 – factos praticados em 11 de Julho de 2002 – condenação por sentença de 11-07-2002, transitada em julgado em 30-09-2002, pela prática de um crime de furto de uso de veículo, na pena de 190 dias de multa. (Englobada no cúmulo realizado no processo n.º 1687/00.0PJPRT).
7 - Processo comum colectivo n.º 1517/04.3GAVNG da 1.ª Vara Mista do Tribunal de Vila Nova de Gaia - certidão de fls. 1831 a 1846 - factos praticados em 9 de Novembro de 2004 – condenação, por acórdão de 24-05-2007, transitado em julgado em 25-06-2007, como reincidente, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão.
8 - Processo comum colectivo n.º 787/04.1GCVNG da 2.ª Vara Mista do Tribunal de Vila Nova de Gaia – certidão de fls. 1179 a 1422 e de fls. 1581 a 1812 (1829) – factos praticados em 14 de Novembro de 2004 (Momentos A e B) – condenação, por acórdão de 04-01-2006, transitado em julgado em 19-03-2007, pela prática, de um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204.º, n.º 2, al. f), ambos do C.P., na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, de um crime de sequestro, p. e p. pelo art.º 158.º, n.º 1 do C.P., na pena de 6 meses de prisão, de um crime de roubo, p. e p. pelos art.ºs 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204.º, n.º 2, al. f), ambos do C.P., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, de um crime de roubo, p. e p. pelos art.ºs 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204.º, n.º 2, al. f) e n.º 4, ambos do C.P., na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelo art.º 6.º, n.º 1 do D.L. 22/97, de 27-06, na pena de 7 meses de prisão. Em cúmulo jurídico o arguido foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.
9 - Processo comum colectivo n.º 1552/04.1PBMTS do 4.º Juízo Criminal do Tribunal de Matosinhos – certidão de fls. 1506 a 1523 – factos praticados em 17 e 18 de Novembro de 2004 – condenação, por acórdão de 12-03-2007, transitado em julgado em 30-03-2007, pela prática de dois crimes de roubo, p. e p. pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, por cada um e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artº.s 255º, al. a) e 256º, n.º 1, al. b) e n.º e 3, ambos do C.P., na pena de 6 meses de prisão. E em cúmulo jurídico na pena única de 4 anos de prisão.
10 - Processo comum colectivo n.º 1644/04.7PAESP do 2.º Juízo do Tribunal de Espinho – certidão de fls. 1429 a 1442 – factos praticados em 21 de Dezembro de 2004 – condenação, por acórdão de 29-06-2007, transitado em julgado em 20-07-2007, pela prática de um crime de roubo p p. pelo artigo 210.º 1 e 2 alínea b e 204.º, 1, a), do CP, na pena de 4 anos de prisão.
11 - Processo comum colectivo n.º 1177/04.1GAVFR do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Santa Maria da Feira – certidão de fls. 601 a 635 e 1443 a 1478 e 1543 a 1577– factos praticados em 24 de Dezembro de 2004 e 14 de Fevereiro de 2005 – condenação, por acórdão de 01-06-2006, transitado em julgado em 16-06-2006, como reincidente, pela prática de um crime de roubo agravado p. e p. pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204.º, n.º 2, als. a) e f), ambos do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão, de dois crimes de roubo agravado p. e p. pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204.º, n.º 2, als. a) e f), ambos do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão para cada um deles e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.ºs 1 e 3 do C.P., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares o arguido foi condenado na pena única de 9 anos de prisão. As respectivas penas parcelares foram englobadas no cúmulo jurídico realizado no processo 1687/00.0PJPRT.
12 - Processo comum colectivo n.º 34/05.9PAVNG da 2.ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia – fls. 767 a 779 do 3.º volume deste processo – factos praticados em 9 de Janeiro de 2005 – condenação, por acórdão de 19 de Novembro de 2009, transitado em 29-11-2010, pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
O arguido interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por decisão de 03-11-2010, transitada em julgado em 29-11-2010, negado provimento ao recurso.
13 - Processo comum colectivo n.º 134/05.5PBVLG do 2.º Juízo do Tribunal de Valongo – certidão de fls. 951 a 1029 – factos praticados em 22 de Fevereiro de 2005 – condenação, por acórdão de 20-05-2008, transitado em julgado em 09-06-2008, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204.º, n.º 2, als. a) e f), ambos do Código Penal, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
Por acórdão de 22-10-2010 (fls. 1032-1047), foi realizado o cúmulo jurídico das penas aplicadas nestes autos e nos processos supra referidos em 1.1. a 1.8., tendo o arguido sido condenado na pena única de 16 anos e 6 meses de prisão.
A opção do Colectivo de Vila Nova de Gaia
No caso em reapreciação, há que analisar a opção assumida pelo Colectivo da 2.ª Vara Mista de Vila Nova de Gaia, ao elaborar o cúmulo em equação.
Perante uma repetição de conduta criminosa – no caso concreto protraindo-se por um período que vai de 2-06-1997 a 22-02-2005, se bem que de forma interpolada, pois que nenhum facto foi cometido entre 11-11-2000 e 8-11-2004 - e em áreas de comarcas diversas, como Porto, Matosinhos, Vila Nova de Gaia, Valongo, Gondomar, Espinho e Santa Maria da Feira - procura proceder-se à unificação das várias penas aplicadas por diversos crimes, que estão entre si numa situação de concurso, havendo previamente que distinguir entre os crimes, que são efectivamente concorrentes e outros em que pode ocorrer, já não uma relação de concurso, mas antes de reincidência ou de sucessão.
O acórdão recorrido efectuou um cúmulo por conhecimento superveniente, havendo antes do mais que indagar se estamos perante uma real situação de concurso efectivo entre todas as infracções julgadas nos processos incluídos, já que o cúmulo jurídico não pode ser realizado escolhendo-se algumas condenações – no caso foram dez, sendo de questionar porquê só estas dez – e fazendo-se tábua rasa de eventuais outras, sem obediência aos critérios legais em vigor, com desconsideração das penas de outros processos, inclusive, já cumpridas, e cuja integração pode alterar, de modo substancial, por completo, os dados do problema e a solução final.
Nestes casos passa a ser objecto do recurso, constituindo um prius, a indagação da necessidade e mesmo da legalidade de proceder a tal cúmulo jurídico nos exactos moldes em que o foi, o que pressupõe por seu turno, análise da questão de saber se os crimes dos processos englobados se encontram ou não em relação de concurso real ou efectivo, estando no fundo em causa a legalidade do estabelecimento ou da fixação de uma única pena, tal como o foi, ou, se, eventualmente, de forma diversa, se imporá, mais do que uma pena conjunta, a executar, sucessivamente.
Mesmo que determinadas questões não sejam directamente suscitadas ou sequer afloradas pelo condenado, nada impede que se conheça da bondade e acerto da solução jurídica adoptada pelo Colectivo na confecção da pena única, devendo o Supremo Tribunal intervir no sentido de sindicar a aplicação do direito, sendo disso que aqui se trata, por estar em causa a punição de concurso, nos termos do artigo 78.º do Código Penal.
Cumprirá averiguar se foi ou não feito um cúmulo por arrastamento, ou se é caso de efectuar dois cúmulos sucessivos.
O problema que se coloca é o de saber se a perspectiva adoptada no processo e sequente opção do Colectivo da 2.ª Vara de Competência Mista de Vila Nova de Gaia, que conduziu à realização do cúmulo jurídico e do acórdão recorrido, nos exactos termos em que o foi, se mostra ou não acertada, adiantando-se desde já, que a resposta é negativa, pela circunstância de não ter incluído, como devia face à nova lei, penas de prisão extintas pelo cumprimento.
A perspectiva do acórdão recorrido
Neste processo a condenação de 19 de Novembro de 2009 reporta-se a factos praticados em 9 de Janeiro de 2005, sendo a última condenação a transitar em julgado (em 29 de Novembro de 2010), de uma série de dez condenações em dez processos, impostas ao ora recorrente, pela prática de vários crimes, ao longo de sete anos, oito meses e vinte dias, mais concretamente, de 02 de Junho de 1997 a 22 de Fevereiro de 2005.
Considerando o naipe de condenações eleito – e apenas essas –, a opção estaria correcta, pois como diz o acórdão recorrido, a fls. 1885: “Conforme facilmente se constata os crimes por que o arguido AA veio a ser condenado nos processos acima referidos nos pontos 1.1. a 1.10 dos factos provados foram cometidos antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles.”
Na verdade, na perspectiva adoptada, todos os crimes julgados nos dez processos foram cometidos sem que entre eles se “intrometesse” uma condenação passada em julgado por qualquer deles; ou seja, todos foram praticados antes que sobre algum deles incidisse decisão condenatória transitada.
A primeira condenação transitada nos dez referidos processos teve lugar em 15 de Julho de 2005 (no processo n.º 549/97.0POPRT, onde foram julgados os factos mais remotos – daí, 1.º na lista cronológica), já após a comissão do último crime (verificada em 22 de Fevereiro de 2005), pelo que não se verificava, no contexto, a existência de cúmulo por arrastamento.
Tudo isto estaria bem, não fosse o caso de, considerando o pleno das infracções e condenações registadas sofridas pelo arguido – ou seja, o conjunto dos processos reportados, não só no ponto 1, mas também no ponto 3 da matéria de facto provada – o caso mudar de figura, atentas as condenações que o Colectivo “relegou” para um plano de marginalidade no ponto 3.
Qual a razão da exclusão destas condenações?
A não integração no cúmulo realizado de tais condenações procede de dois factores: um erro de apreciação quanto a situação temporal de condenações e de factos de um e outro grupo, e por outro lado, a não observância do novo regime legal, nomeadamente, no que concerne à inclusão no cúmulo de penas cumpridas por força da nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, a partir de 15-09-2007.
O acórdão recorrido parte de um pressuposto, que não se verifica, de uma consideração, que não está correcta.
O Colectivo partiu da consideração de anterioridade das condenações nos processos enumerados no ponto 3 relativamente à data da prática dos crimes julgados nos processos referenciados nos pontos 1.1 a 1.10.
É sem dúvida o que ressalta do ponto 3, quando na parte inicial se refere:
“3) Do certificado de registo criminal constam ainda as seguintes condenações anteriores aos factos cometidos nos processos descritos nos pontos 1.1. a 1.10. dos factos provados:”.
E ainda a fls. 1887, no final do item “3.Moldura concreta da pena”, em consonância com tal ideia, refere-se que: “Importa ainda assinalar que antes da data dos factos cometidos nos processos descritos no ponto 1) dos factos provados o arguido sofreu as condenações constantes no ponto 3) dos factos provados, das quais se destacam as condenações por crimes de idêntica natureza a alguns dos crimes cometidos nos aludidos processos (ou seja, crimes de roubo e de furto)”. (Realces nossos).
Vejamos.
As condenações nos processos elencados no ponto 3 dos factos provados tiveram todas lugar em 2002 – em 18 de Abril, 11 de Julho e 9 de Outubro – e os trânsitos dessas condenações ocorreram em 3 de Maio, 30 de Setembro e 30 de Outubro de 2002!
Logo, as condenações proferidas nestes três processos não são anteriores aos factos julgados nos processos n.º s 549/97.0POPRT, 550/99.0PBGDM e 1687/00.0PJPRT, cometidos, respectivamente, em 02-06-1997, 30-11-1999 e 10-11-2000, pelo que falha este pressuposto.
O acórdão recorrido foi seguidista em relação ao anterior acórdão de cúmulo feito em 22-10-2010, desfazendo o cúmulo anterior e depois limitou-se a aditar mais uma condenação (a excepção vai para a autonomização da prisão subsidiária).
Em sede de fundamentação de direito, ainda a fls. 1885 do acórdão recorrido, diz-se: “Tendo sido realizado no processo 134/05.5PBVLG do 2º Juízo do Tribunal de Valongo o cúmulo jurídico das penas aplicadas nesses autos e nos processos supra referidos nos pontos 1.1. a 1.8. há que desfazer tal cúmulo jurídico por forma a efectuar novo cúmulo jurídico que abranja também a pena aplicada ao arguido nestes autos”.
Acontece que, tal como no anterior acórdão de cúmulo, não foi tida em conta a inovação de 2007, que impõe a consideração e integração no cúmulo de penas de prisão cumpridas, efectuando-se o desconto dessas penas no cumprimento da pena única resultante do cúmulo.
(Trata-se de uma forma procedimental na formulação da pena única, que até se pode compreender em comarcas sobrecarregadas, em que se procede a um outro, novo, sucessivo, sequencial cúmulo subsequente a um outro, por mera adição de uma outra nova condenação, onde não se suscitaram problemas e em que “as coisas correram bem”, porque não foi suscitada em tempo oportuno, a bondade da solução, porque, em suma, não houve recurso, e a que, em princípio, há apenas que somar mais um (ou os que forem), numa perspectiva meramente quantitativa, sem cuidar da visão qualitativa. (Note-se que esse tipo de afirmação não aconteceu, não foi confirmado, exactamente no caso do processo n.º 1687/00, em que o acórdão que procedeu ao cúmulo jurídico foi anulado, por não poder estar presente a pena aplicada no processo n.º 1531/01, agora relegado para o sector das “coisas pretéritas” e que obrigou a nova formulação do acórdão em 08-01-2007).
Há, pois, que questionar o acerto da opção do Colectivo na presente situação.
O trânsito em julgado das condenações de 2002
O acórdão recorrido, estando perante um primeiro lote de factos ocorridos de 2 de Junho de 1997 a 11 de Novembro de 2000, e um outro, subsequente, praticados de 9 de Novembro de 2004 a 22 de Fevereiro de 2005, não considerou, na realização do cúmulo a que procedeu, o trânsito em julgado em 2002 das condenações nos três processos colocados no ponto 3, o que impediria a realização do cúmulo nos precisos termos em que teve lugar.
Estamos perante uma pluralidade de crimes praticados pelo recorrente, sendo de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles, pois o trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, até onde se pode formar um conjunto de infracções e em que seja possível unificar as respectivas penas.
O trânsito em julgado obstará a que com a infracção a que respeita ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.
A primeira decisão transitada será assim o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando as respectivas penas em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação.
A partir desta data, em função dessa condenação transitada deixam de valer discursos desculpabilizantes das condutas posteriores, pois que o(a) arguido(a) tendo respondido e sido condenado(a) em pena de prisão por decisão passada em julgado, não pode invocar ignorância acerca do funcionamento da justiça penal, e porque lhe foi dirigida uma solene advertência, teria de agir em termos conformes com o direito, “cortando” com as anteriores condutas. Persistindo, se se mostrarem preenchidos os demais requisitos, o/a arguido(a) poderá inclusive ser considerado(a) reincidente.
Esta data marca o fim de um ciclo e o início de um novo período de consideração de relação de concurso para efeito de fixação de pena única.
A partir de então, havendo novos crimes cometidos desde tal data, desde que estejam em relação de concurso, terá de ser elaborado com as novas penas um outro cúmulo e assim sucessivamente.
A partir desta barreira inultrapassável afastada fica a unificação, formando-se outras penas autónomas, de execução sucessiva, que poderão integrar outros cúmulos.
No presente caso o elemento separador impeditivo de um efectivo concurso entre todas as infracções referidas no acórdão recorrido, que obsta à aglutinação de todas as penas aplicadas a estes diversos crimes é a primeira condenação que transitou em primeiro lugar.
Nestes casos de cúmulo por conhecimento superveniente há que ter em consideração o imprescindível requisito do trânsito em julgado, elemento essencial, incontornável e imprescindível, que determina, simultaneamente, o fecho, o encerramento de um ciclo, e o ponto de partida para uma nova fase, para o encetar de um outro/novo agrupamento de infracções, interligadas/conexionadas por um elo de contemporaneidade, e o início de um outro/novo ciclo de actividade delitiva, em que o prevaricador - sucumbindo, na sequência de uma intervenção/solene advertência do sistema de justiça punitivo, que se revelará, na presença da repetição, como ineficaz - não poderá invocar o estatuto de homem fiel ao direito.
Em caso de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo arguido é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles.
A partir do trânsito em julgado da primeira decisão condenatória, os crimes cometidos depois dessa data deixam de concorrer com os que os precedem, isto é, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito, havendo a separação nítida de uma primeira fase, em que o agente não é censurado, atempadamente, muitas vezes por deficiências do sistema de justiça, ganhando assim, confiança na possibilidade de outras prevaricações com êxito, sem intersecção da acção do sistema, de uma outra que se lhe segue, abrindo-se um ciclo novo, autónomo.
Há que deixar claro que a desconsideração pelo Colectivo das condenações de 2002 e respectivos trânsitos nesse mesmo ano, não se configurando a presença de um trânsito impeditivo de um cúmulo como o que foi feito, só pode explicar-se na desconsideração do disposto no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, por não se ter atentado em que actualmente aquelas penas extintas também deveriam integrar o cúmulo.
A solução adoptada pelo Colectivo viola o disposto no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, pelo que sempre terá de ser revogado o acórdão recorrido.
Sobre a questão do “cúmulo por arrastamento”, seguir-se-á o constante dos acórdãos de 19-12-2007, de 27-02-2008, de 19-11-2008, de 26-11-2008, de 27-01-2009, de 25-06-2009, de 02-09-2009, de 17-12-2009, de 23-11-2010, de 16-12-2010, de 02-02-2011 e de 23-02-2011, por nós relatados, nos processos n.º s 3400/07, 4825/07 (este publicado na CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 236), 3553/08, 3175/08, 4032/08, 2890/04.9GBABF-C.S1, 181/03.1GAVNG, 328/06.6GTLRA.S1, 93/10.2TCPRT.S1, 11/02.1PECTB.C2.S1, 994/10.8TBLGS.S1 e 1145/01.5PBGMR.S2, não havendo necessidade, por ora, e a nosso ver, de revisão das posições assumidas.
Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, no § 393, pág. 277 e no § 424, pág. 293, afirma que pressuposto da aplicação do regime de punição do concurso de crimes, ou da formação da pena do concurso, é que os crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles.
E depois de no § 396, pág. 278, frisar que o que importa é apenas que a prática dos crimes concorrentes tenha tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, adianta: Exigência que bem se compreende: sendo a prática do crime posterior – e se bem que, do ponto de vista da doutrina do crime, continue a existir uma «pluralidade» ou um «concurso» de crimes -, a hipótese já não relevará, para efeitos de punição, como concurso de crimes, mas só, eventualmente, como reincidência.
Mas no § 425, pág. 293, a propósito da determinação superveniente da pena do concurso, mais concretamente, do pressuposto temporal de que depende a extensão do regime da pena do concurso, nos casos em que o concurso só venha a ser conhecido supervenientemente - único hoje subsistente face à nova redacção do actual artigo 78º, que excluiu o segundo pressuposto da “pena anterior ainda não cumprida, prescrita ou extinta” - diz: «É necessário, por um lado, que o crime de que haja só agora conhecimento tenha sido praticado antes da condenação anteriormente proferida, de tal forma que esta deveria tê-lo tomado em conta, para efeito da pena conjunta, se dele tivesse tido conhecimento. Momento temporal decisivo para a questão de saber se o crime agora conhecido foi ou não anterior à condenação é o momento em que esta foi proferida – e em que o tribunal teria ainda podido condenar numa pena conjunta - , não o do seu trânsito em julgado. Se os crimes agora conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes de proferida a condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior, outra relativa aos crimes praticados depois daquela condenação; a ideia de que o tribunal deveria ainda aqui proferir uma só pena conjunta contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência».
Como o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender de alguns anos a esta parte – em 2011, completaram-se três lustres de afirmação, numa fase inicial, e posteriormente, de consolidação - da tese de que não são de admitir os cúmulos por arrastamento, citando-se, entre muitos outros, o acórdão de 20-06-1996, publicado no B.M.J. n.º 458, pág. 119, onde se decidiu que as penas dos crimes cometidos depois de uma condenação transitada em julgado não podem cumular-se com as penas dos crimes cometidos anteriormente a essa condenação.
Na formulação do acórdão de 14-11-1996, processo n.º 756/96, consta o seguinte: “1. É pressuposto essencial da formação de uma pena única por virtude de um concurso de crimes, que a prática das diversas infracções tenha ocorrido antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas”. “2. O normativo do art. 79.º, n.º 1, do Código Penal de 1982 (actual 78.º, n.º 1) não deve ser interpretado sem ter presente o que dispõe aquele art. 78.º, n.º 1 (actual 77.º, n.º 1)”.
Como pode ler-se no acórdão de 12-03-1997, processo n.º 981, “A aplicação de uma pena única com cabimento na previsão do art. 78.º, n.º 1, do Código Penal de 1995 – conhecimento superveniente do concurso – corresponde sempre e tão só a situações de punição de concurso de crimes, ou seja, quando se está perante uma pluralidade de infracções cometidas pelo mesmo agente antes de qualquer delas ter sido objecto de uma sentença transitada em julgado”.
E de acordo com o acórdão de 15-10-1997, processo n.º 646/97, “Não se verificam os pressupostos legais para a condenação em pena única, através do cúmulo jurídico (arts. 77.º e 78.º do Código Penal), quando o arguido comete um crime após ter sido condenado, pela prática de um outro, por meio de sentença transitada em julgado”.
Nos termos do acórdão de 04-12-1997, recurso n.º 909, in CJSTJ, 1997, tomo 3, págs. 246/9, é pressuposto essencial do regime de punição do concurso de crimes mediante a aplicação de uma pena única, que a prática dos crimes concorrentes haja tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles.
Acerca da problemática do chamado cúmulo jurídico por arrastamento, seguindo o citado acórdão de 20-06-1996, ali se afirma que o mesmo contraria os pressupostos substantivos previstos no art. 77.º, n.º 1, do CP/95, ou no CP/82 no correspondente art. 78.º, n.º 1, sendo decisivo para afastar esse cúmulo a circunstância de nele se ignorar a relevância de uma condenação transitada em julgado como solene advertência ao arguido, quando, relativamente aos crimes que se pretende abranger nesse cúmulo, uns são anteriores e outros posteriores a essa condenação.
E mais adiante, diz o mesmo aresto: «Tal “espécie” de cúmulo jurídico contraria o princípio fundamental da incompatibilidade entre os conceitos de concurso de penas e da reincidência lato sensu (abrangendo a reincidência genérica ou imprópria, também chamada sucessão de crimes, e a reincidência específica ou própria)”.
Em termos idênticos se pronunciaram os acórdãos de 21-05-1998, processo n.º 1548/97-3.ª e de 06-05-1999, processo n.º 245/99-3.ª.
Como se elucidou no acórdão de 28-05-1998, processo n.º 112/98 – 3.ª: «O disposto no art. 78.º, n.º 1, do Código Penal de 1995, não pode ser interpretado cindido do que se estabelece no respectivo art. 77.º, do mesmo modo que não se deve ignorar que há uma substancial diferença entre os casos em que o agente apesar de já ter recebido uma solene advertência por via de uma condenação transitada em julgado, prossegue na sua actividade delituosa, (situação que determina uma sucessão de penas) e os casos em que o agente comete diversos crimes antes de ser condenado por qualquer deles (situação de concurso de penas)».
Mais recentemente, pode ver-se, por exemplo, o acórdão de 15-03-2007, processo n.º 4796/06-5.ª, que decidiu que os crimes cometidos posteriormente à 1.ª condenação transitada, constituindo assim uma solene advertência que o arguido não respeitou, não estão em relação de concurso, devendo ser punidos de forma autónoma, com cumprimento sucessivo das respectivas penas.
A necessidade de realização de cúmulo nestas situações justifica-se porque a uma contemporaneidade de factos não correspondeu contemporaneidade processual.
Ou, como se diz no acórdão de 09-11-2006, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226, (processo n.º 3512/06-5.ª) em tais casos suplanta-se o normal regime de intangibilidade do caso julgado, por ocorrerem em singulares circunstâncias em que os julgamentos parcelares foram avante sem o inteiro domínio do facto pelos respectivos tribunais e, assim, com uma realidade fáctica truncada e insuficiente.
E nos termos do acórdão de 08-07-1998, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 248, tal cúmulo tem lugar quando, após os múltiplos julgamentos, e com as decisões transitadas, se vem a verificar que deveria haver a aplicação duma pena unitária por força do concurso.
Como se pode ler no acórdão de 07-02-2002, processo 118/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 202, resulta dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal que “para a verificação de uma situação de concurso de infracções a punir por uma única pena, se exige, desde logo, que as várias infracções tenham, todas elas, sido cometidas antes de ter transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas, isto é, o trânsito em julgado da condenação imposta por uma dada infracção obsta a que, com essa infracção ou com outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito. O trânsito em julgado de uma condenação penal é um limite temporal intransponível, no âmbito do concurso de crimes, à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois”.
E seguindo de perto o acórdão de 21-05-1998, processo n.º 1548/07, diz-se no mesmo aresto: “O cúmulo dito “por arrastamento”, não só contraria os pressupostos substantivos previstos no art. 77.º, n.º 1, do C. Penal, como também ignora a relevância de uma condenação transitada em julgado como solene advertência ao arguido, quando relativamente aos crimes que se pretende abranger nesse cúmulo, uns são anteriores e outros posteriores a essa condenação, pelo que como tal, não deve ser aceite”.
Este acórdão de 7 de Fevereiro de 2002 veio a ser objecto de comentário na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 13, n.º 4, Outubro/Dezembro de 2003, a págs. 583 a 599, por Vera Lúcia Raposo, que a fls. 592 diz: o cúmulo por arrastamento aniquila a teleologia e coerência internas do ordenamento jurídico-penal, ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência.
Esta Autora defende uma interpretação restritiva do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - sufragada por Figueiredo Dias a propósito do enquadramento temporal do crime para efeitos da sua punição a título de concurso - no sentido de permitir a aplicação de uma pena única somente aos crimes cometidos antes da condenação.
Explicita tal posição nos seguintes termos “… ao cometer crimes após uma condenação judicial, o arguido manifesta maior desconsideração para com a ordem jurídica do que nos casos de inexistência de condenação prévia. Embora a mera condenação não configure a solene advertência que só o trânsito em julgado pode representar (e que distingue a figura da reincidência), tal condenação assinala necessariamente um qualquer tipo de advertência (ainda que susceptível de ulterior modificação em sede de recurso)”.
Continuando a citar: “Este comportamento desrespeitoso do arguido deverá denegar-lhe a condenação em pena única conjunta quanto aos vários crimes em jogo, resultado que, em regra, se revelaria mais favorável do que o cumprimento sucessivo de penas. Ainda que não seja aplicável o instituto da reincidência, por carência de pressupostos, não é despicienda a existência de uma condenação anterior. Esta poderá não ser suficiente para fundar o juízo de censura agravada típico da reincidência, mas é certamente suficiente para afastar o «benefício» que geralmente o concurso de crimes apresenta face ao cumprimento sucessivo de penas.
A partir do momento em que existe uma advertência, seja solene (condenação transitada em julgado) seja simples (condenação tout court) deixa de ser possível proceder à avaliação conjunta dos factos praticados (antes e depois dessa advertência) e da personalidade do agente”.
Após expender estas considerações, adianta a mesma Autora que, por maioria de razão, se deverá também excluir o cúmulo por arrastamento, na medida em que este implica uma subversão ainda mais flagrante da teleologia interna do concurso de crimes.
Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça podem ver-se ainda a propósito deste tema os acórdãos de 11-10-2001, processo n.º 1934/01-5.ª e de 17-01-2002, processo n.º 2739/01-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 180, (ambos referenciados no supra citado acórdão de 07-02-2002); de 23-01-2003, processo n.º 4410/02 – 5.ª; de 29-04-2003, processo n.º 358/03 – 5.ª; de 22-10-2003, processo n.º 2617/03 – 3.ª; de 27-11-2003, processo n.º 3393/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 3293/03 – 5.ª; de 18-03-2004, processo n.º 760/04 – 5.ª; de 17-06-2004, processo n.º 1412/04 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2625/05 – 5.ª.
No acórdão de 17-03-2004, processo n.º 4431/03-3.ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 229, diz-se: A punição do concurso de crimes com uma «única pena» pressupõe a existência de uma pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente que tenham de comum um determinado período de tempo, delimitado por um ponto de referência ad quem estabelecido na norma - o trânsito em julgado da condenação por qualquer deles; todos os crimes praticados antes de transitar em julgado a condenação por um deles devem determinar a aplicação de uma pena única, independentemente do momento em que seja conhecida a situação de concurso, que poderá só ocorrer supervenientemente por facto de simples contingências processuais.
As regras de punição do concurso, estabelecidas nos artigos 77.º e 78.º do C. Penal têm como finalidade permitir apenas que em determinado momento se possa conhecer da responsabilidade quanto a factos do passado, no sentido em que, em termos processuais, todos os factos poderiam ter sido, se fossem conhecidos ou tivesse existido contemporaneidade processual, apreciados e avaliados, em conjunto, num dado momento. Na realização desta finalidade, o momento determinante só pode ser, no critério objectivado da lei, referido à primeira condenação que ocorrer, e que seja (quando seja) definitiva, valendo, por isso, por certeza de objectividade, o trânsito em julgado.
Esta abordagem/orientação é seguida no acórdão de 02-06-2004, processo n.º 1391/04-3.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 217, relatado pelo mesmo relator do anterior, onde se refere que o limite, determinante e intransponível, da consideração da pluralidade de crimes, para efeito de aplicação de uma pena única, é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente, e ainda do mesmo relator, o acórdão de 10-01-2007, no processo n.º 4051/06-3.ª, donde se extrai:
“A posterioridade do conhecimento «do concurso», que é a circunstância que introduz as dúvidas, não pode ter a virtualidade de modificar a natureza dos pressupostos da pena única, que são de ordem substancial.
O conhecimento posterior (art. 78.º, n.º 1, do CP) apenas define o momento de apreciação, processual e contingente. A superveniência do conhecimento não pode, no âmbito material, produzir uma decisão que não pudesse ter sido proferida no momento da primeira apreciação da responsabilidade penal do agente (cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 293-294).
Há, assim, para a determinação da pena única, como que uma ficção de contemporaneidade. A decisão proferida na sequência do conhecimento superveniente do concurso deve sê-lo nos mesmos termos e com os mesmos pressupostos que existiriam se o conhecimento do concurso tivesse sido contemporâneo da decisão que teria necessariamente tomado em conta, para a formação da pena única, os crimes anteriormente praticados; a decisão posterior projecta-se no passado, como se fosse tomada a esse tempo, relativamente a um crime que poderia ser trazido à colação no primeiro processo para a determinação da pena única, se o tribunal tivesse tido, nesse momento, conhecimento da prática desse crime”.
No sentido de impedimento e repúdio do chamado “cúmulo por arrastamento” podem ver-se ainda os acórdãos de 21-06-2006, processo n.º 1914/06-3.ª; de 28-06-2006, processo n.º 1713/06-3.ª; de 21-12-2006, processo n.º 4357/06-5.ª; de 10-01-2007, processo n.º 4082/06-3.ª; de 28-02-2007, processo n.º 2971/05-3.ª; de 15-03-2007, processo n.º 4796/06-5.ª; de 09-05-2007, processo n.º 1121/07-3.ª; de 05-09-2007, processo n.º 2580/07-3.ª; de 12-09-2007, processo n.º 2594/07-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 3187/07-5.ª; de 17-04-2008, processo n.º 681/08-5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1315/08-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 1518/08-3.ª; de 10-07-2008, processo n.º 2034/08-3.ª; de 10-09-2008, processos n.ºs 1887/08 e 2500/08, ambos da 3.ª secção (e do mesmo relator dos acórdãos de 10-01-2007 e de 04-06-2008); de 25-09-2008, processo n.º 1512/08-5.ª; de 19-11-2008, processo n.º 3553/08-3.ª; de 26-11-2008, processo n.º 3175/08-3.ª; de 04-12-2008, processo n.º 3628/08-5.ª; de 14-01-2009, processo n.º 3772/08-3.ª e ainda de 14-01-2009, nos processos n.ºs 3856/08 e 3975/08, ambos da 5.ª secção; de 25-03-2009, processo n.º 389/09-3.ª e n.º 577/09-3.ª, este in CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 235, nota 5; de 30-04-2009, processo n.º 99/09-5.ª; de 14-05-2009, processos n.º s 6/03.8TPLSB.S1 e 606/09, ambos da 3.ª secção; de 18-06-2009, processos n.º s 678/03.3PBGMR-5.ª e n.º 482/09-5.ª; de 10-09-2009, nos processos n.º 181/08.5TCPRT.P1.S1-3.ª, onde se pode ler “ O STJ vem repudiando a operação de cúmulo por arrastamento por entender que a reunião de todas as penas aniquila a teleologia e a coerência interna do ordenamento jurídico-penal ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência” e n.º 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª; de 23-09-2009, processo n.º 210/05.4GEPNF.S1-5.ª; de 12-11-2009, processo n.º 996/04.3JAPRT.S1-3.ª e n.º 309/04.4PDVNG.S1-3.ª; de 13-01-2010, processo n.º 1022/04.8PBOER.L1.S1-3.ª; de 24-02-2010, processo n.º 676/03.7SJPRT-3.ª; de 19-05-2010, com voto de vencido, no processo n.º 1033/03.0GAVNF.P1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 21/03.1JAFUN-B.L1.S1-3.ª; de 17-06-2010, processo n.º 240/02.8GAMTA-B.S1-5.ª; de 23-06-2010, processo n.º 124/05.8GEBNV.L1.S1-3.ª (a lei impede o chamado “cúmulo por arrastamento”, ou seja, a acumulação de todas as penas, quando existe uma “pena-charneira” entre dois concursos de penas, não podendo o condenado beneficiar da violação da solene advertência consubstanciada no trânsito da condenação) e processo n.º 862/04.2PBMAI.S1.-5.ª; de 26-01-2011, processo n.º 563/03.0PRPRT.S2-3.ª.
Como de forma clara se diz no referido acórdão de 14-01-2009, processo n.º 3856/08-5.ª: “Exige-se que as diversas infracções tenham, todas elas, sido cometidas antes de ter transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas, isto é, o trânsito em julgado da condenação imposta por uma dada infracção obsta a que, com essa infracção ou com outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito”.
O Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 212/02, de 22 de Maio de 2002, processo n.º 243/2002, publicado in DR, II, n.º 147, de 28-06-2002, em recurso interposto do aludido acórdão do STJ de 17 de Janeiro de 2002, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 180, pronunciou-se no sentido de que a interpretação normativa atribuída ao artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, considerando como momento decisivo para a aplicabilidade da figura do cúmulo jurídico (e da consequente unificação de penas) o trânsito em julgado da decisão condenatória, não ofende os princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito, da tipicidade, da culpa e da inexistência de penas de duração perpétua ou indefinida, consagrados nos artigos 1.º, 2.º, 20.º, 29.º, n.º 1 e 30.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, II, pág. 313, a propósito da distinção entre acumulação de crimes e reincidência, afirma que se aplicarão as regras do concurso se os crimes forem cometidos antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer um deles, não se aplicando as regras do concurso, mas eventualmente as da reincidência, verificados que sejam os respectivos pressupostos, se confluírem crimes objecto de condenação já transitada em julgado com crimes cometidos posteriormente a esse momento temporal.
Paulo Dá Mesquita, em Concurso de Penas, a págs. 45, defende igualmente que o trânsito em julgado da primeira das condenações é o pressuposto temporal do concurso de penas, o que se compreende, porque só depois do trânsito a condenação adquire a sua função de solene advertência ao arguido. O trânsito em julgado da primeira condenação é o momento determinante em que se fixa a data a partir da qual os crimes não estão em concurso com os anteriores para efeitos de cúmulo jurídico; só se podem cumular juridicamente penas relativas a infracções que estejam em concurso e tenham sido praticadas antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas, só sendo cumuláveis penas em concurso, pois o art. 78.º não pode ser interpretado cindido do art. 77.º do Código Penal - fls. 64/7.
Defende ainda que o sistema de cúmulo jurídico das penas deve ser aplicado apenas nos casos de concurso de penas e já não nos de sucessão de penas, já que a generalização de tal sistema em todos os casos de pluralidade de penas traduzir-se-ia num perverter do sistema penal no seu todo dando-se carta branca a determinados agentes para a prática de novos crimes - fls. 65.
Conclui a fls. 68, que a designada teoria do cúmulo por arrastamento parte de postulados errados e revela-se teleologicamente infundada, pois ignora a relevância da condenação transitada em julgado como solene advertência ao arguido.
No mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, 2010, pág. 288, ao dizer que o conhecimento superveniente do concurso de vários crimes novos, sendo uns cometidos antes da anterior condenação e outros depois da anterior condenação, obedece a um regime diferenciado. O tribunal deve proceder então a dois cúmulos distintos: um referente a todos os crimes cometidos antes da anterior condenação e outro referente a todos os crimes cometidos depois da anterior condenação. (…) A pena conjunta de cada um destes cúmulos é executada separada e sucessivamente, porque não há lugar a cúmulo jurídico entre os crimes cometidos antes e os crimes cometidos depois da anterior condenação.
Já antes, a fls. 286, nota 3, afirmara que a prática de novos crimes posteriormente ao trânsito de uma certa condenação dá origem à aplicação de penas autonomizadas, mesmo que os novos crimes tenham sido cometidos no período de cumprimento da pena anterior.
Em 1965, em Direito Criminal, volume II, pág. 161, Eduardo Correia, a propósito do trânsito como elemento aferidor da distinção entre qualquer das formas de reincidência (stricto sensu) e da sucessão de crimes, e da solene advertência ínsita na condenação, escrevia: “ (…) qualquer das formas apontadas de reincidência tem de particular, relativamente à simples acumulação de crimes (…) a circunstância de que “quem viveu as consequências de uma condenação encontra-se, no caso de renovação da sua actividade criminosa, numa situação inteiramente diferente daquele a quem falta essa experiência”.
Em conclusão, e como é dominantemente entendido, poderá dizer-se que o momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro, a solene advertência ao arguido.
O trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, o limite até onde se pode formar um conjunto de infracções em que seja possível unificar as respectivas penas.
O trânsito em julgado de uma condenação em pena de prisão, consubstanciando a advertência solene de que há que tomar novo rumo, obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem outras infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, o qual funcionará assim como dique, barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.
A consideração numa pena única de penas aplicadas pela prática de crimes cometidos após o trânsito em julgado de uma das condenações em confronto parece contender com o próprio fundamento da figura do cúmulo jurídico, para cuja avaliação se faz uma análise conjunta dos factos praticados pelo agente antes de sofrer uma solene advertência.
Concretizada a admonição na condenação transitada, encerrado um ciclo de vida, impõe-se que o arguido a interiorize, repense e analise de forma crítica o seu comportamento anterior, e projecte o futuro em moldes mais conformes com o direito, de tal modo que, a sucumbir, iniciando um ciclo novo, reincidirá.
Revertendo ao caso concreto.
O acórdão recorrido operou a cumulação de penas aplicadas relativamente a crimes que, efectivamente, realmente, não estão em concurso, pois que os factos praticados em 2004 e 2005 foram-no já depois do trânsito em julgado em 2002 de decisões condenatórias anteriores proferidas exactamente nos processos indicados na listagem dos factos provados sob o n.º 3, ou seja, em processos excluídos do concurso, relativas a factos coevos dos julgados no processo n.º 1687/00.0PJPRT, que foram englobados no cúmulo aqui realizado.
Por outras palavras: tendo em vista a prática de todos os crimes praticados pelo arguido, desde o primeiro, de 2-06-1997, até ao último, cometido em 22-02-2005, pelos quais o arguido respondeu em treze processos, acontece que entre os crimes cometidos em 1997, 1999 e 2000 e os subsequentes, praticados já a partir de 2004, “intrometeram-se” três condenações transitadas em julgado em 2002, sendo a primeira em 3 de Maio.
Ou seja: entre o conjunto de crimes praticados em 2-06-1997, em 30-11-1999 e em 10-11-2000, julgados nos processos n.ºs 549/97.0POPRT, 550/99.0PBGDM e 1687/00.0PJPRT englobados no cúmulo realizado (respectivamente, n.º s 3, 7 e 4 do elenco do acórdão recorrido) e os restantes crimes cometidos em 9, 14 e 17 de Novembro e 21 e 24 de Dezembro de 2004 e em 9 de Janeiro e 14 e 22 de Fevereiro de 2005 (n.ºs 1, 2, 5, 6, 8, 9 e 10 dos factos provados), tiveram lugar três condenações transitadas em julgado em 2002, verificadas justamente no lote de três processos não considerados no cúmulo efectuado pelo Colectivo.
Ou ainda, dito de outro modo: o arguido conseguiu, face à inoperância do sistema de justiça, praticar crimes indagados em seis processos, ao longo de 3 anos e 5 meses (de 2-06-1997 a 10-11-2000), sem que o sistema de justiça o interceptasse e interpelasse, através de um julgamento, e de uma condenação e respectivo trânsito, surgindo o primeiro trânsito de condenação em 3-05-2002.
Este trânsito constitui barreira inultrapassável para efeitos de consideração de concurso, pois a partir daqui passa a haver sucessão.
Face a este trânsito, haverá que proceder a dois cúmulos jurídicos, com fixação de duas penas únicas, autónomas, de execução sucessiva.
A partir da data do primeiro trânsito verificado em 3 de Maio de 2002, os crimes cometidos depois dessa data – os julgados nos processos indicados sob os n.º s 1, 2, 5, 6, 8, 9 e 10 na elencagem supra (praticados a partir de 9-11-2004) - deixam de concorrer com os que os precedem, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito – em 1997, 1999 e 2000, indicados sob os n.º s 3, 4 e 7, sendo este trânsito em julgado o elemento que, no conjunto de todas estas infracções constantes da lista cronológica supra, separa uma primeira fase de uma outra que se lhe segue, abrindo-se um outro ciclo novo, autónomo.
A não aceitação do chamado cúmulo por arrastamento obsta a que as penas dos processos respeitantes a factos subsequentes à primeira decisão transitada em julgado sejam integradas no cúmulo.
Note-se que no caso presente os processos indicados sob o n.º 3 assumem importância capital, já que se apresentam como elemento essencial e incontornável, justificativo da afirmação do afastamento do “cúmulo por arrastamento”, face à data do trânsito em julgado das respectivas decisões condenatórias – 2002 –, arredando a possibilidade de concurso de crimes, na formulação e abrangência eleitas pelo Colectivo da 2.ª Vara Mista de Vila Nova de Gaia.
Vista a importância das condenações constantes do ponto 3 dos factos provados, maxime, a transitada em 3 de Maio de 2002, determinativa da necessidade de realização de outro cúmulo, vejamos agora em que moldes se fará a integração das penas excluídas no acórdão recorrido.
Da inclusão das penas extintas pelo cumprimento
A nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, introduzida em Setembro de 2007, com a supressão do trecho “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, diversamente do que ocorria na redacção anterior, veio prescrever que o cúmulo jurídico sequente a conhecimento superveniente de novo crime, que se integre no concurso, não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida.
Neste sentido pronunciava-se já alguma jurisprudência no domínio da antiga lei, como por exemplo, os acórdãos do STJ de 21-04-1999, processo n.º 593/98-3.ª, SASTJ n.º 30, pág. 77; de 24-05-2000, processo n.º 28/00-3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 204 (o cúmulo final deve abranger as penas extintas, total ou parcialmente, por perdão) e de 30-05-2001, processo n.º 2839/00-3.ª, com dois votos de vencido, in SASTJ, n.º 51, 83 e CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 211 (o cúmulo final a efectuar deve abranger também as penas que devem entrar no concurso, mesmo que extintas, total ou parcialmente, pelo cumprimento. A interpretação correcta do artigo 78.º, n.º 1, do CP, à face do disposto no art. 9.º do CC, é a de que só se exclui do seu âmbito a pena cumprida no caso de não existir qualquer benefício para o arguido se se fizer o cúmulo jurídico da referida pena com outra ou outras condenações, considerada a previsão dos arts. 80.º e 81.º. A não se entender assim, padece a dita norma do art. 78.º, n.º 1, de inconstitucionalidade material, pela desigualdade injustificada, não conforme com o art. 18.º da CRP).
Em sentido oposto, pronunciaram-se então, v. g., os acórdãos de 02-10-1986, BMJ n.º 360, pág. 340; de 25-10-1990, BMJ n.º 400, pág. 331; de 13-02-1991, BMJ n.º 404, pág. 178; de 11-06-1992, processo n.º 42589; de 07-01-1993, processo n.º 43359; de 21-04-1994, processo n.º 46045; de 14-11-1996, processo n.º 603/96; de 14-05-1998, processo n.º 61/98; de 08-07-1998, processo n.º 554/98-3.ª, com dois votos de vencido, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 248 (as penas já extintas pelo cumprimento não devem ser consideradas para efeito de cúmulo jurídico a que haja de proceder-se); de 07-07-1999, processo n.º 605/99, CJSTJ 1999, tomo 2, pág. 243; de 24-02-2000, processo n.º 1202/99-5.ª (as penas cumpridas, extintas e prescritas não podem ser consideradas para efeito de elaboração de cúmulo); de 31-05-2000, processo n.º 157/00-3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 207 (seguindo de perto o acórdão de 08-07-98 antes citado, mas tendo em vista apenas a questão de saber qual o tribunal competente para efectuar o cúmulo); de 26-04-2001, processo n.º 3413/00-5.ª, SASTJ n.º 50, pág. 52; de 09-02-2005, processo n.º 51/05-3.ª, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 194; de 07-12-2005, SASTJ n.º 96, pág. 61; de 08-06-2006, processo n.º 1558/06-5.ª; de 22-06-2006, processo n.º 1570/06-5.ª (este com um voto de vencido) e de 15-11-2006, processo n.º 1795/06-3.ª.
Neste sentido se pronunciava, à luz da lei então em vigor, Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, § 426, págs. 293/4, afirmando ser necessário que a pena proferida na condenação anterior se não encontre ainda cumprida, prescrita ou extinta: só uma pena que ainda se não encontre, por qualquer forma, extinta pode ser integrada no objecto do processo posterior e servir para a formação da pena conjunta.
Actualmente é claro que as penas cumpridas integram o concurso, havendo que proceder ao desconto das mesmas no cumprimento da pena final.
Pela alteração introduzida ao n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal pela Lei n.º 59/07, passaram a ser cumuláveis as penas já cumpridas, alteração que obviamente, se mostra favorável ao arguido, como refere o acórdão de 25-03-2009, processo n.º 577/09-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 233.
Segundo o acórdão de 08-10-2008, processo n.º 2490/08-3.ª, a modificação legislativa operada no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, em Setembro de 2007, foi no sentido de incluir no cúmulo jurídico as penas já cumpridas, descontando-se na pena única o respectivo cumprimento, mas não as penas prescritas ou extintas.
Nestas condições estão duas condenações, constantes do ponto 3 dos factos provados, em que tiveram lugar aplicações de penas de prisão suspensas na sua execução.
Assim aconteceu:
No processo n.º 1535/01.3PJPRT da 1.ª Vara Criminal do Porto – n.º 3.1 dos factos provados do acórdão recorrido – em que por decisão de 18-04-2002, transitada em julgado em 03-05-2002, o recorrente foi condenado pela prática de um crime de roubo, na pena única (?) de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa por 3 anos.
Por despacho de 18-11-2002, transitado em 10-12-2002, foi revogada a suspensão da execução e determinado o cumprimento da pena única de 2 anos e 2 meses de prisão - fls. 907.
Por despacho de 14-12-2006 foi declarada extinta a pena pelo seu integral cumprimento - fls. 908.
No processo n.º 592/01.7TBMTS do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Matosinhos – ibidem, n.º 3.3 - em que por decisão de 09-10-2002, transitada em julgado em 30-10-2002, o recorrente foi condenado pela prática de um crime de furto de uso de veículo, na pena de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa na execução por 3 anos.
Por despacho de 16-11-2005 foi declarada extinta a pena pelo seu cumprimento.
Estas condenações, bem como a constante do processo n.º 138/02.0PCPRT, foram atendidas no acórdão recorrido apenas como factor de intervenção/mensuração na medida concreta da pena conjunta, como claramente ressalta de fls. 1887.
O acórdão recorrido omite por completo as datas da prática dos factos julgados nos processos indicados no ponto 3 dos factos provados (o que se compreenderia no quadro de desconsideração das mesmas enquanto integrantes do cúmulo).
Resulta da compulsação dos certificados de registo criminal de fls. 907 a 909, que os crimes em causa foram cometidos nas datas a seguir indicadas:
No processo n.º 1535/01.3PJPRT – em 02-08-2000
No processo n.º 592/01.7TBMTS – em 01-02-2000
No processo n.º 138/02.0PCPRT – em 11-07-2002
Haverá que considerar a inclusão no cúmulo, sem qualquer dúvida, do processo n.º 1531/01.3PJPRT e a do 592/01.7TBMTS, neste caso, porém, com as reservas que abaixo se enunciam.
A pena aplicada no processo n.º 1531/01.3PJPRT fora, aliás, já englobada no cúmulo realizado no processo n.º 1687/00.0PJPRT da 1.ª Vara Criminal do Porto.
Certo que pelo acórdão do STJ de 02-11-2006 foi determinada a exclusão dessa pena, por se ter então entendido que a decisão cumulatória incluíra, no mesmo concurso, crimes sucessivos, por os crimes de 2004/2005 do processo n.º 1174/04 terem sido cometidos, quando já havia transitado em julgado o acórdão proferido no citado processo n.º 1535/01.3PJPRT.
Porém, à data, o problema não se colocava como actualmente, face à nova lei, após 15-09-2007, pois o regime novo é mais favorável ao arguido.
Neste plano, convirá, porém, previamente esclarecer o que efectivamente se passou com a pena de substituição aplicada no processo n.º 592/01.7TBMTS, constando que foi declarada extinta pelo cumprimento.
Todavia, no certificado de registo criminal junto, a fls. 909, 2.º boletim, consta “Extinção da pena – pelo cumprimento da mesma - art 57 nº 1CPenal”.
Ora, a referência a tal preceito poderá dever-se, evidentemente, a mero lapso de escrita, mas de qualquer forma, será de ter em conta o que efectivamente se passou no processo em causa, pois é de colocar a dúvida sobre se a pena de prisão foi declarada extinta pelo cumprimento da pena de prisão, após revogação da suspensão da execução, ao abrigo do artigo 56.º, do Código Penal, ou se, diversamente, foi declarada extinta pelo mero decurso do tempo definido para a suspensão, sem que nada ocorresse, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, pois neste caso já não será de incluir tal pena.
A dúvida – insiste-se – tem razão de ser, porque no outro processo acima identificado consta, expressamente, que houve despacho a revogar a suspensão da execução da pena de prisão e neste não.
A questão não é anódina, pois que a não consideração da pena de prisão suspensa na execução, que venha a ser declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, para efeitos de integração no cúmulo, de acordo com o disposto no novo texto do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, tem sido assumida na jurisprudência deste Supremo Tribunal, expressa nos acórdãos de 10-09-2008, processo n.º 2500/08-3.ª; de 08-10-2008, processo n.º 2490/08-3.ª; de 15-04-2010, processo n.º 852/03.2PASNT.L1.S1-3.ª; de 29-04-2010, processo n.º 16/06.3GANZR.C1.S1-5.ª, e no domínio da anterior versão, veja-se o acórdão de 19-03-1999, BMJ n.º 485, pág. 121.
Defendendo o entendimento de que não são de englobar, mas antes de desconsiderar na elaboração do cúmulo, as penas suspensas posteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, no termo final do período de suspensão da execução da pena, podem ver-se os acórdãos por nós relatados, de 17 de Dezembro de 2009, no processo n.º 328/06.6GTLRA.S1; de 20 de Janeiro de 2010, no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191; de 23 de Novembro de 2010, no processo n.º 93/10.2TCPRT; de 16 de Dezembro de 2010, processo n.º 11/02.1PECTB.C2.S1; de 02 de Fevereiro de 2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1; de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 1145/01.5PBGMR.S2 e de 11 de Maio de 2011, processo n.º 1040/06.1PSLSB.
Tendo sido efectivamente cumprida (s) a (s) pena (s) de prisão em causa, convirá saber em que período tiveram lugar e efectuar o desconto previsto na lei.
Pelo que consta dos autos é pelo menos certo que a pena aplicada no processo n.º 1535/01.3PJPRT já terá sido cumprida.
Com a solução do acórdão recorrido haveria cumprimento sucessivo de penas, cumprindo o arguido a pena única após o cumprimento desta resultante da revogação da suspensão.
Com a aplicação do artigo 78.º do Código Penal e sua integração no cúmulo jurídico, a pena já cumprida será descontada na pena única que vier a ser encontrada, o que obviamente beneficia o arguido.
Como referimos nos acórdãos de 02-09-2009, no processo n.º 181/03.1GAVNG, de 24-02-2010, processo n.º 655/02.1JAPRT e de 02-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, sendo essencial e absolutamente indispensável, no plano da exposição/enunciação da matéria de facto, face à nova versão do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal (“a pena cumprida será descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”), narrar o cumprimento da pena imposta em algum (ns) dos processos englobados no cúmulo, importa, no presente, inovador, quadro legal, factualizar o que terá ocorrido a esse nível, o que no caso presente determinará a prévia recolha dos elementos imprescindíveis e desde logo os “requisitos primários”.
Pena de Multa
De entre as condenações postergadas pelo acórdão recorrido consta uma em pena de multa.
No processo n.º 138/02.0PCPRT da 2.ª Secção dos Juízos de Pequena Instância Criminal do Porto – n.º 3.2 dos factos provados – por decisão de 11-07-2002, transitada em julgado em 30-09-2002, foi o recorrente condenado pela prática de um crime de furto de uso de veículo, na pena de 190 dias de multa.
Do certificado de registo criminal de fls. 908, nada consta a respeito de cumprimento ou conversão em prisão subsidiária, mas, segundo fls. 1497, tal multa foi convertida em 126 dias de prisão subsidiária, que se desconhece se o arguido cumpriu ou não - ver fls. 1500, na parte final da decisão.
Anote-se que não se teve em atenção no acórdão recorrido que em anterior cúmulo jurídico realizado no processo n.º 1687/00.0PJPRT, em 8-01-2007, conforme fls. 1497 a 1501, foi abrangida a pena de multa aplicada no processo n.º 138/02.0PCPRT, e então feito cúmulo com outra pena de multa, aplicada no processo n.º 550/99.0PBGDM, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Gondomar – este integrado no cúmulo ora em reapreciação sob o n.º 7 dos factos provados – sendo então fixada a pena única de 240 dias de multa, a que correspondeu prisão subsidiária de 160 dias.
Relembre-se que neste último processo o arguido foi condenado na pena de 90 dias de multa, que por despacho de 27-10-2006 foi convertida em 60 dias de prisão subsidiária, assim sendo englobada no referido cúmulo jurídico realizado no processo 1687/00.0PJPRT da 1.ª Vara Criminal do Porto.
A questão a colocar é a de saber se o recorrente pagou ou não tais multas, ou se eventualmente cumpriu ou não a fixada subsidiária pena de prisão.
Solução emergente da intromissão destas novas condenações
O trânsito em julgado em 3 de Maio de 2002 verificado no processo n.º 1535/01.3PJPRT impede a junção das condenações de todos os processos, obsta à realização de um único cúmulo, englobando todas as condenações, caso em que se verificaria um cúmulo por arrastamento, e daí que haja a necessidade de efectuar mais do que um cúmulo.
Assim, efectuar-se-á um primeiro cúmulo, englobando as condenações pelos crimes cometidos em 2-06-1997, 30-11-1999, 1-02-2000, 2-08-2000 e 10-11-2000, nos processos n.º 549/97.0POPRT, 550/99.0PBGDM, 592/01.7TBMTS, 1535/01.3PJPRT e 1687/00.0PJPRT (tendo os 1.º, 2.º e 5.º sido já englobados no cúmulo realizado, respectivamente, n.º s 3, 7 e 4 do elenco do acórdão recorrido, e os restantes - 3.º e 4.º - os constantes dos pontos de factos provados n.º s 3.1 e 3.2).
Os crimes julgados nestes processos foram todos cometidos sem que houvesse condenação transitada por qualquer deles, pois o mais recente, de 10-11-2000, é anterior ao trânsito de 3-05-2002.
O trânsito de 3-05-2002 exclui a inclusão da condenação verificada no processo n.º 138/02.0PCPRT, que teve lugar pela prática de factos já em data posterior, em 11-07-2002.
Por outro lado, tendo transitado esta condenação em 30-09-2002, as condenações pelos crimes seguintes, cometidos em 2004 e 2005, não poderão ser integradas com ela no mesmo cúmulo.
A solução passará por esta condenação em pena de multa - caso subsista - ficar isolada, por ter a montante o separador do trânsito de 3-05-2002 e a juzante a prática de novos factos cometidos muito depois de ter transitado – 2004 e 2005.
Seguir-se-á um segundo cúmulo, correspondente a uma nova fase, a um outro ciclo, englobando as condenações pelos restantes crimes cometidos em 9 de Novembro de 2004; 14 de Novembro de 2004; 17 e 18 de Novembro de 2004; 21 de Dezembro de 2004; 24 de Dezembro de 2004 e 14 de Fevereiro de 2005; 9 de Janeiro de 2005 e em 22 de Fevereiro de 2005, nos processos n.º 1517/04.3GAVNG da 1.ª Vara Mista do Tribunal de Vila Nova de Gaia; n.º 787/04.1GCVNG da 2.ª Vara Mista do Tribunal de Vila Nova de Gaia; n.º 1552/04.1PBMTS do 4.º Juízo Criminal do Tribunal de Matosinhos; n.º 1644/04.7PAESP do 2.º Juízo do Tribunal de Espinho; n.º 1177/04.1GAVFR do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Santa Maria da Feira; n.º 34/05.9PAVNG da 2.ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia – este processo – e n.º 134/05.5PBVLG do 2.º Juízo do Tribunal de Valongo.
Esta solução não impede que seja apreciada outra questão, já que a não ser revogado o acórdão pelas preditas razões, sempre seria de anular-se o mesmo por falta de fundamentação, procurando evitar-se que em eventual novo recurso se suscite o problema.
III - Nulidade do acórdão recorrido por violação do disposto no n.º 2 do artigo 374.º – artigo 379.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, ambos do Código de Processo Penal
Fundamentação - Incompletude da análise global do conjunto dos factos e sua relacionação com a personalidade do recorrente
O que está em causa neste segmento é a questão de saber se o acórdão que procedeu ao cúmulo jurídico das penas impostas ao recorrente é válido, por ser a fundamentação completa e feita com observância das injunções legais aplicáveis, ou se, pelo contrário, é de ter-se por nulo, por inobservância dos comandos legais, estando inquinada a decisão recorrida pelo vício de nulidade por falta de fundamentação.
Nesta abordagem seguir-se-á de perto o exposto nos acórdãos por nós relatados em 10-07-2008, 02-04-2009, 02-09-2009, 20-01-2010, 24-02-2010 e 02-02-2011, no âmbito dos recursos n.º 2193/08, n.º 581/09, publicado in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187, n.º 181/03.1GAVNG, n.º 392/02, publicado in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, n.º 655/02.1JAPRT e n.º 994/10.8TBLGS.S1.
Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Estabelece o artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Dispõe, por seu turno, o artigo 379.º do mesmo diploma adjectivo penal:
1- É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 – As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º.
Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277, salienta que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”.
A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.
Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena.
Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.
Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais.
No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.
Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.
E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta ainda: “ De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
A inobservância da especial fundamentação determinará, de acordo com a jurisprudência maioritária, a nulidade da decisão cumulatória, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea a) e/ou c), e n.º 2, do CPP.
Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro – cfr. na esteira da posição do citado Autor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª; de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª; de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 16-11-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 210; de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, no processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, no processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, no processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, no processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 21-11-2006, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228; de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, no processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 14-03-2007, no processo n.º 343/07-3.ª; de 28-03-2007, no processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, no processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, no processo n.º 2583/07-3.ª; de 03-10-2007, no processo nº 2576/07-3.ª; de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, no processo n.º 3280/07-3.ª; de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); de 25-06-2008, no processo n.º 1774/08-3.ª; de 02-04-2009, processo n.º 581/09-3.ª, relatado pelo ora relator, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187; de 29-10-2009, no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (227); de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.S1-5.ª; de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM-3.ª.
Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., i. a., acórdãos do STJ, de 17-03-2004, 03P4431; de 20-01-2005, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 188; de 09-01-2008, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181; de 06-02-2008, processos n.º s 129/08-3.ª e 3991/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08-3.ª e 427/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08-3.ª; de 28-10-2008, processo n.º 1309/07-3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08-3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª.
Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.
A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8.SOLSB-A.S1, 5.ª Secção, “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.
Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo relator, de 23-09-09, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª).
A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar impor-se um dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta, não se podendo ficar a decisão cumulatória pelo emprego de fórmulas genéricas, tabelares ou conclusivas, sem reporte a uma efectiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente, seu autor, sob pena de inquinação da decisão com o vício de nulidade, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal.
Neste sentido têm-se pronunciado, inter altera:
Acórdão de 06-02-1997, in CJSTJ, 1997, tomo 1, pág. 215 – É nulo, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, alínea a), do CPP, o acórdão em que se elabora o cúmulo jurídico das penas se nada se diz sobre as razões que levaram à fixação da pena unitária escolhida.
Acórdão de 08-07-1998, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246 – Está ferido de nulidade por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, alínea a), do CPP, o acórdão que fixa pena única em caso de concurso, na justa medida em que nada diz quanto às características da personalidade do arguido, não sendo suficiente a mera invocação dos factos que teve como provados nem o sendo a mera alusão ao texto do comando legal do artigo 77.º, n.º 1, segunda parte, do Código Penal. (Este aresto segue de perto o acórdão de 08-01-1998, proferido no processo n.º 1221/97, in Sumários de Acórdãos, publicação do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 17, pág. 70).
Acórdão de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª - Considerando estar-se perante fundamentação deficiente e violadora do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, quando a pena única se mostra determinada em despacho meramente tabelar e conclusivo, sem se referir às características da personalidade do arguido.
Acórdão de 27-03-2003, processo n.º 4408/02-5.ª – Não é necessário, nem útil, que a decisão que efectua um cúmulo jurídico de penas já transitadas em julgado, venha enumerar os factos provados em cada uma das sentenças onde as penas parcelares foram aplicadas.
Isso seria um trabalho inútil e que não levaria a uma melhor compreensão do processo lógico que conduziu à pena única.
Mas será desejável que o tribunal faça um resumo sucinto desses factos, por forma a habilitar os destinatários da decisão, incluindo o Tribunal Superior, a perceber qual a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos, cujo mero enunciado legal, em abstracto, não é em regra, bastante. Como também deve descrever, ou ao menos resumir, os factos anteriormente provados que demonstrem qual a personalidade, modo de vida e inserção social do agente.
A utilização de fórmulas tabelares, como o “número”, a “natureza”, e a “gravidade”, não são uma “exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito”, mas expressões vazias de conteúdo e que nada acrescentam de útil. A decisão que se limita a utilizar essas fórmulas tabelares para proceder ao cúmulo jurídico de penas anteriores transitadas em julgado, viola o disposto no n.º 1 do artigo 77º do Código Penal e n.º 2 do artigo 374.º do CPP e padece da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
Neste exacto sentido, veja-se do mesmo relator, o acórdão de 31-01-2008, processo n.º 121/08-5.ª.
Acórdão de 16-11-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 211 – A referência única e sintética expressa na decisão “ao conjunto dos factos e à personalidade do arguido” consubstancia uma total e absoluta ausência de fundamentação, o que torna a sentença nula – artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
Acórdão de 21-11-2006, processo n.º 3126/07 – 3.ª, CJSTJ, 2006, tomo 3, pág. 228 – A decisão que efectue o cúmulo jurídico não pode resumir-se à invocação de fórmulas genéricas; tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido; ao omitir esta avaliação, o tribunal omitiu pronúncia sobre questão que tinha de apreciar, e decidir, o que determina a nulidade da respectiva decisão - artigo 379.º do CPP.
Acórdão de 06-02-2008, processo n.º 129/08 – 3.ª - A decisão deve conter os elementos relativos aos factos dos vários crimes que foram que foram considerados para a determinação da pena do concurso, sob pena de não possibilitar um juízo que tem de partir da conjugação e correlação entre os factos para apreciação do ilícito global. E deve conter também as referências à personalidade do arguido, de modo a permitir formular um juízo sobre o modo como esta se projectou nos factos ou foi por eles revelada (ocasionalidade, pluriocasionalidade ou tendência), tal como o exige o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal. (Veja-se, citando este, o acórdão de 10-09-2008, processo n.º 2143/08-3.ª, sublinhando a necessidade de referência a factos).
Acórdão de 20-02-2008, processo n.º 4733/07 - 3.ª – A pena de concurso é imposta em decisão fundamentada, nos termos do artigo 205.º, n.º1, da CRP e 374.º, n.º 2, do CPP.
A fundamentação no caso de concurso de infracções afasta-se da prevista, em termos gerais, no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, tudo se resumindo a uma especial e imprescindível fundamentação, onde avultam, na fixação da pena unitária, a valoração em conjunto, dos factos, enquanto “guia”, e a personalidade do agente, mas sem o rigor e a extensão pressupostos nos factores de fixação da pena previstos no artigo 71º do Código Penal.
Acórdão de 09-04-2008, processo n.º 1125/08 – 5.ª - A fundamentação no caso de concurso de infracções afasta-se da fundamentação geral prevista no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, tudo se resumindo a uma especial e imprescindível fundamentação onde avultam, na fixação da pena unitária, a valoração em conjunto, dos factos enquanto “guia” e a personalidade do agente, mas sem o rigor e a extensão pressuposta nos factores de fixação da pena prevista no art. 71.º do Código Penal.
No mesmo sentido de não ser necessário que sejam enumerados os factos provados em cada uma das decisões onde foram aplicadas as penas parcelares, mas que o tribunal deverá/terá de fazer constar um resumo sucinto dos factos “de forma a habilitar os destinatários da sentença, incluindo o tribunal superior, a perceber a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos”, pois só o enunciado legal mas abstracto não será suficiente, sendo imprescindível que contenha uma descrição, ainda que sumária, dos factos, de modo a permitir conhecer a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos e a personalidade do arguido neles manifestada, pronunciaram-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 22-04-1998, BMJ n.º 476, pág. 268; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 04-01-2006, processo n.º 2627/05-3.ª; de 12-01-2006, processo n.º 2882/05-5.ª (a necessidade de fundamentação não significa que se deva exigir que, na decisão, seja feita uma narração exaustiva dos factos ou que a personalidade tenha de ser minuciosamente caracterizada, tal como num estudo de cariz psicológico); de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 28-03-2007, processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, no processo n.º 2583/07-3.ª; de 17-10-2007, no processo n.º 3301/07-3.ª; de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, nos processos n.ºs 3280/07, 3237/07 e 3869/07 da 3.ª secção; de 13-02-2008, processo n.º 296/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 686/08-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 1518/08; de 25-06-2008, processo n.º 1774/08; de 10-07-2008, no processo n.º 2193/08; de 25-09-2008, processo n.º 2288/08; de 22-10-2008, processo n.º 2842/08 e processo n.º 2815/08; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08; de 12-11-2008, processo n.º 3059/08; de 26-11-2008, processo n.º 3273/08; de 10-12-2008, processo n.º 3851/08; de 14-01-2009, processo n.º 3974/08; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08-3.ª; de 04-03-2009, processo n.º 160/09; de 02-04-2009, processos n.º 580/09 e n.º 581/09; de 14-05-2009, processo n.º 6/03. 8TPLSB.S1 (do que não pode prescindir-se é de uma específica fundamentação, sob a forma sucinta, é certo, vocacionada ao alcance dos factos na sua globalidade e à caracterização da personalidade do agente); de 25-06-2009, processo n.º 2890/04.9GBABF-C.S1; de 02-09-2009 no processo n.º 181/03.1GAVNG, de 24-02-2010, processo n.º 655/02. 1JAPRT.S1 e de 02-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, todos desta secção, sendo os três últimos e o referido 581/09, por nós relatados e que se seguiu no alinhamento antecedente no que respeita a esta particular nulidade, e no acórdão de 04-03-2010, processo n.º 424/04.4 TAVFR-A.S1-5.ª, onde se refere que “Padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 374.º, n. 2, e 379.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP, o acórdão que procedeu ao cúmulo jurídico das penas parcelares mas em que se referem simplesmente as datas e os crimes que foram cometidos, omitindo completamente qualquer recorte descritivo, ainda que muito sintético, que permita ter a percepção do concreto ilícito global”, bem como no acórdão de 18-03-2010, processo n.º 160/06.7GBBCL. G2.S1-5.ª, onde se refere que o tribunal, além do mais, deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos.
Versando a questão, mas considerando no concreto cumpridos pelo mínimo os ditames legais, vejam-se os acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 51/08.7JBLSB.S1-5.ª e de 30-06-2010, processo n.º 1022/04.8PBOER.S1-3.ª.
Entendendo, todavia, que a omissão de tais elementos consubstancia o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP – determinando reenvio para novo julgamento: acórdão do STJ de 10-02-2000, processo n.º 1197/99-5.ª, in CJSTJ 2000, tomo 1, pág. 206, (mas por se entender então ainda que a nulidade figurada nos termos dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPP não havia sido arguida e se tornar, pelo menos, questionável o seu conhecimento oficioso); de 29-03-2000, no processo n.º 993/99-3.ª, in SASTJ, n.º 39, pág. 61 (se se aplica pena única sem se fazer referência às características da personalidade do arguido descrevendo-as) e ainda acórdãos de 29-03-2007, no processo n.º 1033/07; de 24-05-2007, no processo n.º 794/07, e de 25-09-2008, processo n.º 1512/08, todos da 5.ª secção, e de 10-12-2009, processo n.º 119/04.9GCALQ.S1-3.ª
O especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, se, por um lado, não pode reconduzir-se à vacuidade de fórmulas genéricas, tabelares, imprecisas e conclusivas, desprovidas das razões do facto concreto, por outro, dispensa a excessividade de exposição da matéria de facto dada por provada em todos e cada um dos processos convocados.
Este Supremo Tribunal tem afirmado que no cumprimento do dever de fundamentação da pena única não se mostra imperiosa a fundamentação alongada com as exigências do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, nem sendo exigível o rigor e extensão nos termos do artigo 71.º do Código Penal, bastando uma referência sucinta, resumida, sintética aos factos, colhendo o essencial para estabelecer as conexões existentes entre os factos e a ligação à personalidade do autor daqueles.
Assim, os acórdãos de 27-05-2009, processo n.º 1511/05.7PBFAR.S1-3.ª; de 24-02-2010, processo n.º 563/03.9PRPRT-3.ª e n.º 3/09.0PECTB.C1.S1-3.ª; de 04-03-2010, processo n.º 424/04.4TAVFR-A.S1-5.ª (Padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, als. a) e c) do CPP, o acórdão que procedeu ao cúmulo jurídico das penas parcelares mas em que se referem simplesmente as datas e os crimes que foram cometidos, omitindo completamente qualquer recorte descritivo, ainda que muito sintético, que permita ter a percepção do concreto ilícito global); de 07-04-2010, processo n.º 312/09.8TCLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, processo n.º 51/08.7JBLSB.S1-5.ª; de 23-06-2010, processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 3/03.3JACBR.S1-3.ª; de 11-01-2012, processo n.º 197/08.1GAMLD.C1.S1-3.ª
Neste particular, a decisão que fixa a pena única deve funcionar como peça autónoma, que deve reflectir a fundamentação, própria, de forma individualizada, sucinta, mas imprescindivelmente de forma suficiente, sob pena de violação do artigo 374.º, n.º 2, constituindo a nulidade do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal (neste sentido, ver acórdãos deste Supremo Tribunal de 20-09-2005, no processo n.º 2310/05-3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª; de 02-09-2009, processo n.º 181/03.1GAVNG-3.ª; de 04-11-2009, com voto de vencido, no processo n.º 386/06.3S4LSB-A.L1.S1-3.ª; de 17-12-2009, processo n.º 468/06.1PGLSB.S1-3.ª e do mesmo relator de 10-02-2010, processo n.º 39/03.4GCLRS-3.ª, onde se pode ler: “a sentença de um concurso de crimes terá de conter uma referência aos factos cometidos pelo agente, não só em termos de citação dos tipos penais cometidos, como também de descrição dos próprios factos efectivamente praticados, na sua singularidade circunstancial. Constituindo a sentença do concurso uma decisão autónoma, ela tem de conter todos os elementos da sentença, e habilitar quem a lê, as partes ou qualquer outro leitor, a apreender a situação de facto ali julgada e compreender a decisão de direito. É essa a função de convicção (e de legitimação) que a sentença deve cumprir”; de 15-04-2010, no processo n.º 852/03.2PASNT.L1.S1-3.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, no processo n.º 29/05.2GGVFX.L1.S1-3.ª; de 26-01-2011, no processo n.º 563/03.0PRPRT.S2-3.ª (recopilando o que consta do acórdão, do mesmo relator, de 10-12-2009, proferido no processo n.º 119/04.9GCALQ.S1 e de 13-01-2010, no processo n.º 102204.8PBOER.L1.S1) e onde se pode ler: “… sendo a decisão de cúmulo proferida em julgamento, não se mostrando imperiosa a fundamentação alongada com exigência no art.º 374.º n.º 2, do CPP, pois se trata de valorar factos no seu conjunto e a personalidade do agente, nem por isso a decisão deve deixar de evidenciar ante o seu destinatário e o tribunal superior os factos que servem de base à sua condenação, de per si, sem necessidade de recurso a documentos dispersos pelos vários julgados certificados”.
E mais adiante: “Seria um trabalho inútil e exaustivo exigir a menção dos factos de cada das sentenças pertinentes a cada pena, de reportar ao cúmulo, mas será sempre desejável que se proceda a uma explicitação por súmula dos factos das condenações, que servirão de guia, de referencial, ao decidido, em satisfação das exigências de prevenção geral, e bem assim os que se provem na audiência em ordem a caracterizar a personalidade, modo de vida e inserção do agente na sociedade, como se decidiu nos Acs. deste STJ, de 5-2-2009, Rec. n.º 107/09-5.ª e de 21-5-09, Rec. n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª”.
Cremos que no tratamento desta questão, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1-10-1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que este específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, sendo que, in casu, a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e sua extensão não fica demonstrada pela simples enunciação, sem mais, do tipo legal violado, o que passa pela sindicância do efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05. 8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1- 5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e apara além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª.
Com interesse para o caso, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias.
Revertendo ao caso concreto.
O acórdão recorrido não fundamentou de pleno a pena aplicada em função da análise global do conjunto dos factos e sua relacionação com a personalidade do recorrente.
A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação conjunta daqueles dois factores.
Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.
Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes, no caso presente, boa parte deles, os cometidos na primeira fase até 10-11-2000, sem que, entretanto, o agente tenha sido advertido pela prática de qualquer deles, tenha recebido uma solene admonição concretizada numa condenação transitada em julgado, o que só viria a acontecer em 03-05-2002.
Nesta análise para justificar a medida concreta da pena, o acórdão recorrido neste aspecto nem seguiu a fundamentação do acórdão cumulatório lavrado no processo n.º 134/05.5PBVLG, em que há um mínimo de cumprimento.
Para além de no ponto 2 ter consignado as condições pessoais e percurso de vida do arguido, nada se disse sobre a dimensão do ilícito global, em qualquer das suas vertentes.
Diz-se no acórdão recorrido, a fls. 1886, a propósito da moldura concreta da pena:
«Na determinação da pena única serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do arguido, designadamente, ao número de crimes cometidos pelo arguido, à natureza dos mesmos e suas consequências. Atender-se-á também à idade do arguido, à sua personalidade evidenciada nos crimes que cometeu, conjugada com as suas condições pessoais de vida (art.º 77º, n.º 1, do Código Penal).
Os crimes perpetrados pelo arguido são quase todos eles fundamentalmente de natureza patrimonial – onze crimes de roubo agravado e quatro crimes de roubo simples – e outros de diversa natureza – um crime de sequestro, um crime de detenção ilegal de arma de defesa, dois crimes de falsificação de documento e um crime de condução ilegal –, tendo sido praticados num período compreendido entre os dias 02.06.1997, 30.11.1999, 09.11.2004, 10.11.2000, 14.11.2004, 17.11.2004, 21.12.2004, 24.12.2004, 06.01.2005, 14.02.2005 e 22.02.2005».
Ora, o acórdão recorrido não cumpriu in casu o dever de fundamentar a decisão adoptada e de justificar a pena conjunta aplicada, estando completamente ausente a inserção de um conteúdo minimamente objectivado, no sentido dessa necessária e obrigatória fundamentação, tanto mais exigível ante a ordem de grandeza da pena cominada, não podendo perspectivar-se a adopção da pena conjunta como mero exercício de aritmética, assente numa perspectiva de lógica matemática, sem ter em conta a necessidade da explicitação da razão da necessidade da concreta pena conjunta aplicada.
O acórdão recorrido nada diz sobre as circunstâncias em que foram cometidos os crimes e o grau de gravidade dos mesmos, bem como sobre a postura do arguido, omite qualquer referência quanto à questão de saber se, perante os vários factos cometidos pelo condenado, no período temporal em causa, iniciado em Junho de 1997 e terminado em 22 de Fevereiro de 2005, se está face a um caso de mera pluriocasionalidade, ou já de tendência criminosa, no dealbar ou no percurso de uma carreira criminosa.
O acórdão recorrido nada diz sobre a atitude assumida pelo arguido perante os factos, se confessou ou não a sua prática e se efectuou ou não alguma reparação.
O acórdão recorrido nada adianta sobre a motivação do arguido, sobre os motivos e objectivos da conduta levada a cabo, tendo em conta o denominador comum presente na quase totalidade dos comportamentos sancionados.
Quanto ao período temporal de actuação, que tem a ver com a frequência – contínua, sincopada, interpolada, da comissão dos delitos -, há que atender a que o arguido desenvolveu actividade delituosa, iniciada, quando contava 16 anos de idade, ao longo de uma primeira fase em que funcionou a baliza da primeira condenação transitada, sendo os crimes cometidos entre 03 de Junho de 1997 e 10 de Novembro de 2000, sendo um em 1997, outro no final de 1999 (30 de Novembro) e 3 em 2000 (1-02; 2-08 e 10-11), nenhum em 1998 e 2001, um outro em 11-07-2002, mantendo-se depois inactivo até 2004.
Nesta perspectiva não será despiciendo considerar a existência de alguns hiatos na actividade, como a ausência em 1998, 2001 e 2003, o “compasso de espera” de cerca de praticamente quatro anos entre 11-11-2000 e 8-11-2004, apenas com o facto isolado de 11-07-2002 - furto de uso de veículo por que foi condenado com multa.
Importa ter em conta a natureza – e diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, quanto à dimensão de lesividade da actuação global do condenado – limitando-se o acórdão recorrido a enunciar os tipos de crimes cometidos.
Certo que o leque de crimes cometidos pelo recorrente foi de certo modo alargado, compreendendo tipologias diversas, como, desde:
Doze crimes de roubo qualificado – considerando a numeração da lista dos factos provados – [processos n.º 1 (três crimes), n.º 2 (três crimes, como reincidente), n.º 5 (dois crimes), n.º 6 (um crime), n.º 8 (um crime, como reincidente), n.º 9 (um crime) e n.º 10 (um crime)];
Quatro crimes de roubo simples – considerando a numeração da lista dos factos provados – [processo n.º 3 (um crime – primeira condenação em prisão efectiva), n.º 4 (dois crimes)] e ponto 3.1 dos factos provados (um);
Dois crimes de falsificação de documento – considerando a numeração da lista dos factos provados – [processos n.º s 2 e 5];
Um crime de sequestro – considerando a numeração da lista dos factos provados – [processo n.º 1];
Um crime de detenção ilegal de arma – considerando a numeração da lista dos factos provados – [processo n.º 1)].
Um crime de condução ilegal – considerando a numeração da lista dos factos provados – [processo n.º 7].
Dois crimes de furto de uso de veículo – n.ºs 3.2 e 3.3 da lista dos factos provados.
Assumindo a maioria dos crimes cometidos pelo condenado uma forte componente patrimonial, desde logo no que toca aos crimes de roubo, o acórdão falha por completo na desejável transmissão de dados que fornecessem uma ideia sobre a ordem de grandeza de valores em causa, sobre a real dimensão económica dos prejuízos causados com as condutas do arguido, enfim, sobre a intensidade da ofensa, a dimensão da violação do bem jurídico ofendido, o grau de lesividade global.
No que toca aos crimes de roubo, atento o seu carácter complexo e pluriofensivo de bens patrimoniais e eminentemente pessoais, prevalecendo estes sobre aqueles, para além do desconhecimento da dimensão da componente patrimonial/económica, fica-se sem saber qual a natureza e dimensão da vertente de violação de direitos de personalidade, ou à integridade física do visado, se a actividade se ficou por ameaça, ou se a violência se concretizou com agressões físicas e neste caso qual a sua natureza, extensão e consequências da mesma.
Neste particular há que atender a que por vezes foram assaltadas ourivesarias, como aconteceu nos seguintes casos:
Processo 2 - dois assaltos, no primeiro sendo apropriados 226 artigos em ouro no valor de € 9.709,29, e no outro, no valor de € 24. 667,24
Processo 8 – artigos no valor global de € 21.334,29
Processo 9 – apropriação de 1134 objectos no valor de € 71.713,68
E roubados veículos automóveis, como nos casos seguintes:
Processo 1- um, no valor de € 18.000,00 e outro, com o valor de 13.000,00
Processo 5 - um, no valor de € 17.000,00, para além de 39 telemóveis, um computador e dinheiro, no valor de € 7.428,00
Processo 6 – um, no valor de € 6.500,00, para além de estragos no montante de € 3.000,00
Processo 9 – um no valor de € 4.000
Neste processo – um, no valor de € 75.000,00.
Por outro lado, na execução dos assaltos foram empregadas diversas armas, como:
revolver – processo 1; caçadeira – processo 8; caçadeira dois canos – neste processo e 6; navalha – processo 3; pistola – processo 6; canivete – 4.
Na vertente pessoal para além das ameaças, no caso do processo 6 foi produzida escoriação.
A mera enunciação dos tipos legais em que incorreu o condenado nada fornece sobre estes elementos e quem lê a decisão fica sem saber o porquê da dimensão punitiva, não ficando demonstrada minimamente que seja, a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta e a avaliação conjunta dos factos e da personalidade.
O acórdão recorrido não efectua uma ponderação em conjunto, interligada, integrada, quer da apreciação dos factos, de modo a poder avaliar-se globalmente a sua dimensão (económica e não só), intensidade, gravidade, alcance e consequências, quer da personalidade do arguido manifestada na sua prática, procurando caracterizar a personalidade emergente do conjunto das condutas, encaradas a juzante daquele processo circunscrito, de determinado pedaço de vida, agora em visão e apreciação global, de uma forma mais completa e abrangente, de modo a dar uma panorâmica de toda a actividade do arguido, indagando das suas inter relações, ligações e conexões, e por isso mesmo fornecendo uma visão mais compreensiva, em ordem a, a final, concluir sobre a sua motivação subjacente, se emergindo e sendo expressão de uma tendência criminosa, como manifestação de uma personalidade propensa ao crime, ou antes de mera pluriocasionalidade, fruto de reunião de circunstâncias, não oriunda, fundamentada, ou radicada, o que é dizer, sem raízes na personalidade do agente.
O acórdão recorrido absteve-se de ponderar, de forma global e crítica, elementos importantes supra evidenciados, sendo de anotar uma actuação que se processou sempre em comparticipação.
Conclui-se, assim, verificar-se nulidade do acórdão recorrido, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, por falta de narrativa sucinta dos factos suporte da pena conjunta.
Concluindo.
1 - A partir da alteração legislativa de Setembro de 2007, são de incluir no cúmulo as penas de prisão cumpridas, incluindo as que o sejam na sequência de revogação de suspensão na execução;
2 - Na formulação de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, há que atender ao elemento fundamental e incontornável do trânsito em julgado das condenações pelas infracções potencialmente em concurso;
3 - Ao cumular penas aplicadas por factos cometidos antes com penas aplicadas por crimes posteriores cometidos já depois do trânsito em julgado por factos anteriores, o acórdão recorrido efectuou cúmulo por arrastamento;
4 - É de afastar o chamado “cúmulo por arrastamento”;
5 - Deverá ser revogado o acórdão recorrido, por violação do disposto nos artigos 77.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1, do Código Penal;
6 - Em substituição do cúmulo efectuado, deverão ser realizados dois cúmulos jurídicos, com fixação de duas penas únicas, autónomas, de execução sucessiva, cuja realização demandará necessariamente prévia recolha dos elementos indispensáveis, como as indicações sobre cumprimento de pena, atento o disposto no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, nos termos seguintes:
7 - Um primeiro cúmulo, abrangendo as penas aplicadas nos processos n.º 549/97.0POPRT, 550/99.0PBGDM, 592/01.7TBMTS, 1535/01.3PJPRT e 1687/00.0PJPRT, todos praticados anteriormente ao trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer deles, os quais estão entre si em relação concursal, pois que todos foram cometidos, sem que, entretanto, ocorresse a condenação transitada por qualquer deles;
8 - Um segundo cúmulo, englobando as penas aplicadas nos processos nos processos n.º 1517/04.3GAVNG; n.º 787/04.1GCVNG; n.º 1552/04.1PBMTS; n.º 1644/04.7PAESP; n.º 1177/04.1GAVFR; n.º 34/05.9PAVNG – este processo – e n.º 134/05.5PBVLG, porque os crimes foram todos cometidos em datas posteriores ao trânsito verificado em 03-05-2002, os quais estão, por seu turno, em concurso entre si, pois foram todos cometidos sem que ocorresse entretanto condenação transitada por qualquer deles;
9 - No que respeita à pena de multa do processo n.º 138/02.0PCPRT - caso subsista - ficará isolada, por ter a montante o separador do trânsito de 3-05-2002 e a juzante a prática de novos factos cometidos muito depois de ter transitado – 2004 e 2005.
10 - No novo acórdão a elaborar, na descrição da matéria de facto, dever-se-á ter em conta a matéria de facto pertinente às condenações, a descrever de forma muito sucinta, no que respeita aos crimes que integrarão os cúmulos.
11 - Na fixação da pena conjunta o tribunal deverá fazer constar um resumo sucinto dos factos, de forma a habilitar os destinatários da sentença, incluindo o tribunal superior, a perceber a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos, pois só o enunciado legal mas abstracto não será suficiente, sendo imprescindível que contenha uma descrição, ainda que sumária, dos factos, de modo a permitir conhecer a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos e a personalidade do arguido neles manifestada.
12 - À fixação da pena conjunta deve presidir o respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
Atento o decidido, fica prejudicado o conhecimento da questão submetida a reexame (pretendida redução da medida da pena única), nos termos dos artigos 137.º e 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicáveis, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal.
Decisão
Pelo exposto, acordam, na 3.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, no recurso interposto pelo arguido AA, em revogar e anular o acórdão recorrido, devendo as apontadas omissões serem supridas, com realização de outro acórdão, necessariamente precedido das diligências necessárias, nos termos sobreditos.
Sem custas.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, 18 de Janeiro de 2012
Raul Borges (Relator)
Henriques Gaspar